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ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico da endocardite infecciosa na fase aguda: experiência de três anos

Iseu Affonso da CostaI; Djalma Luiz FaracoI; Fábio SallumI; Aldo PesariniII; Elson C OliveiraII; Francisco Diniz Affonso da CostaII; Álvaro B SoeiroIII

DOI: 10.1590/S0102-76381987000200005

RESUMO

O tratamento cirúrgico da endocardite na fase aguda vem-se impondo como o mais efetivo, em muitas circunstâncias clínicas. As contínuas modificações nos aspectos clínicos, diagnósticos e bacteriológicos desta afecção tornam necessária permanente avaliação dos resultados, nas situações concretas de atuação dos diversos grupos clínico-cirúrgicos. A definição de normas de conduta ante esta grave afecção tem-nos preocupado, ultimamente, por sua crescente participação em nossa prática clínica-cirúrgica. De novembro de 1983 a novembro de 1986, 6,7% das substituições valvares por nosso grupo cirúrgico deveram-se a endocardite (32 de 4,77 pacientes). A sede do processo infeccioso teve a seguinte distribuição: mitral 6 casos, aórtica 12 casos (um óbito), mitral e aórtica 6 casos (dois óbitos) prótese aórtica 4 casos (três óbitos), prótese mitral 2 casos (um óbito) mitral, aórtica e tricúspide 1 caso (um óbito) e parede do ventrículo esquerdo 1 caso. A idade variou entre 10 e 56 anos. Sete pacientes eram do sexo feminino e 24 do masculino. Todos os pacientes eram brancos. A análise dos achados anátomo-patológicos permitiu determinação de três grupos: no Grupo A, tivemos 11 operações por lesões valvares simples, consistentes basicamente de vegetações infectadas. Todos os pacientes sobreviveram e obtiveram alta hospitalar. Nos 15 pacientes do Grupo B, havia acometimento multivalvar, ou lesões complicadas por mutilações valvares extensas e/ou comunicações entre câmaras cardíacas; 5 pacientes faleceram. No Grupo C, houve 5 operações por infecções em próteses, ocorrendo 4 óbitos. O prognóstico favorável dos pacientes operados com lesões simples e o alto risco daqueles em que havia destruição tissular mais extensa e daqueles em que a endocardite se instalou em próteses, nos levam a defender o tratamento cirúrgico precoce das infecções valvares, em todos os casos em que não haja rápida resposta ao tratamento antibiótico.

ABSTRACT

Surgical treatment is becoming accepted as the best means of dealing with acute bacterial endocarditis in many clinical settings. The continuing changes in diagnosis, bacteriology and clinical picture of this disease must be accounted for by the surgical teams. Definition of the rules for management of this severe condition has been a matter of concern for us in the last years. From November 1983 to November 1986, 6.7% of the valvar substitutions in our Service were due to active infection (32 of 477 patients). The site of infection was the mitral valve in six patients, aortic valve in 12 patients (one death) mitral and aortic valves in six patients (two deaths), mitral prostheses in two patients (one death) aortic prostheses (three deaths), mitral, aortic and tricuspid valves in one patient (one death) and the wall of the left ventricle in one patient. Age varied from 10 to 56 years (m=29.2 years). Seven patients were females and 24 males. All patients were white. Analysis of the pathologic findings allowed us to define three subgroups: In subgroup A, 11 operations were done for simple valvar lesions. All patients left the hospital. Fifteen patients were in the subgroup of extensive valvar or perivalvar lesions, five of which died. Among the six prosthetic infections there were four deaths. The favorable outcome of the patients operated on for simple valvar lesions and the high risk of those who presented extensive tissue destruction or prosthetic infection makes us to prefer immediate surgical treatment if there is no clear response to antibiotics within 24 to 48 hours.
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Discussão

DR. PABLO POMERANTZEFF
Sâo Paulo, SP

Inicialmente, gostaria de agradecer à organização do Congresso pelo convite e parabenizar o Dr. Iseu Costa, pelo seu trabalho e pelos seus bons resultados. Gostaríamos de ressaltar alguns pontos que consideramos de grande interesse. No seu trabalho, o Dr. Iseu coloca que o tratamento cirúrgico na fase agua da endocardite vem-se impondo como o mais efetivo, com o que condordamos totalmente, e também acreditamos que é muito importante definir, com detalhes, quais as circunstâncias clínicas que levam o paciente a necessitar de operação, salientando que o grupo de pacientes que melhoram com o tratamento clínico é, sem dúvida, diferente do grupo de pacientes que melhoram com o tratamento cirúrgico. Acreditamos ser importante destacar, assim como Dr. Iseu o fez, que o que define a doença seriam os diferentes agentes etiológicos, como, por exemplo, Staphylococcus, Streptococcus, gram-negativos, fungos e os diversos tipos de doentes, com prótese ou sem prótese, e, da interação destes, resulta a sua manifestação clínica. Com relação à oportunidade do tratamento, consideramos que ele não deve ser nem precoce, nem tardio, porém no momento adequado, dependendo da necessidade do doente, levando-se em conta a etiologia, a doença de base e a experiência do Serviço. Um aspecto importante para a discussão é a resposta ao antibiótico em relação à indicação cirúrgica. Nos casos de indicação cirúrgica por razões hemodinâmicas, sem dúvida não se pode esperar, como mostram os resultados da literatura, mas, quando o problema se relaciona à falha do tratamento etiológico, talvez a indicação não fosse tão urgente. Baumgartner, em 1983, estudando 75 pacientes reoperados por endocardite infecciosa em prótese, relata que a indicação em 87% dos casos foi a insuficiência cardíaca congestiva, em 15% dos casos por embolia recorrente e em 4% dos casos por infecção persistente, sendo a sua mortalidade operatória de 25% nos casos operados com endocardite ativa e 8% em endocardite tratada. No Instituto do Coração, de janeiro de 1976 a dezembro de 1984, foram operados 64 pacientes na fase ativa da endocardite bacteriana, sendo a mortalidade, neste período, de 35% em pacientes portadores de próteses e 9% em pacientes com endocardite em valva natural. No trabalho apresentado neste congresso, sobre retroca valvular no Incór, no período de janeiro de 1984 a junho de 1986, a mortalidade em retroca valvular por endocardite bacteriana foi de 11%. No Instituto do Coração, temos utilizado a ecocardiografia intra-operatória, inclusive com contraste, o que pode ser útil para melhor definição em casos de endocardite bacteriana e influir na realização de cirurgias conservadoras na endocardite, como proposto por Gammage, em 1984.

DR. ISEU COSTA
(Encerrando)

Agradeço os comentários do Dr. Pomerantzeff, notando que a sua atitude, e do Incór, que ele representa, é, basicamente, a mesma que defendemos. Creio que todos concordam que o tratamento cirúrgico não deve ser precoce ou tardio, mas sim no momento oportuno. Nossos dados, porém, mostram que a mortalidade aumenta muito nos casos de lesões complicada e que, infelizmente, o erro mais comum é indicar o tratamento muito tardíamente e não o oposto - isto é - a indicação muito precoce.

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