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ORIGINAL ARTICLE

Mitral valve repair in rheumatic heart disease and mixomatous degeneration: a comparative study

Sylvio Carvalho PROVENZANO JUNIOR0; Mauro Paes Leme de Sá0; Eduardo Sérgio Bastos0; José Augusto Pereira de AZEVEDO0; Henrique Murad0; Eliane Carvalho GOMES0; Márcia Salgado PALHARES0

DOI: 10.1590/S0102-76382002000100006

ABSTRACT

RACIONALE: Most surgical intervention on the mitral valve in Brazil are due to rheumatic cardiac disease (RCD). Some advantages of the mitral valve repair over replacement are lower operative and late mortality, maintenance of geometry and left ventricular function. Nevertheless, the evolution of the RCD can jeopardize the late results of mitral reconstruction. OBJECTIVE: The objective of this study is to compare the results of mitral valve repair for isolated regurgitation in our patients with RCD and myxomatous degeneration (MD). MATERIAL AND METHODS: Charts from patients with RCD (n = 11), and MD (n = 9) submitted to mitral repair between July 1992 and August 1999 were reviewed. Twenty six mitral procedures were performed on patients with MD, and 31 on those with RCD. Bovine pericardial ring was used for anuloplasty on 18 patients, and rigid (Carpentier) ring on 2 (one in each group). The techniques were quadrangular ressection (n = 13), trench shortening (n = 5), comissurotomy (n = 4), leaflet extention (n = 3), chordal transposition (n = 3), chordal replacement (n = 2), papilotomy (n = 2), chordal plication (n = 1), and folding plasty (n = 1). RESULTS: Mean follow-up was 41.5 months (6 to 96 months), and one patient was lost. There were no hospital or late deaths. One patient with RCD were reoperated for disease evolution. One patient was treated concervatively for endocaditis 3 months after surgery. The difference on left ventricular diameter, both systolic and diastolic, did not reach statistical significance (p = 0.20; p = 0.17, respectively). CONCLUSION: In conclusion, the mid-term (3.4 years) results for mitral valve repair due to isolated regurgitation were satisfactory in both groups. Clinical follow-up of patiens with RCD was comparable to those with MD in respect to operative and late death, endocarditis, and valve related events.

RESUMO

INTRODUÇÃO: No Brasil, a maioria das intervenções na valva mitral são devidas à doença cardíaca reumática (DR). Algumas vantagens da plastia mitral em relação à troca valvar são menor mortalidade operatória e tardia, manutenção da geometria e função ventricular esquerda e menor número de eventos relacionados à valva. A evolução da DR, porém, interfere negativamente nos resultados de reconstrução. OBJETIVO: Este trabalho tem como objetivo analisar os resultados da plastia mitral na correção da insuficiência mitral pura em pacientes com DR, tendo como referência pacientes com degeneração mixomatosa (DM). CASUÍSTICA E MÉTODO: O estudo foi retrospectivo, baseado em revisão de prontuários de 9 pacientes com DM e 11 com DR submetidos a plastia ou reconstrução valvar mitral entre julho de 1992 e agosto de 1999. Foram realizados 26 procedimentos na valva mitral dos pacientes com DM e 31 naqueles com DR. Anuloplastia com anel maleável de pericárdio bovino foi realizada em 18 (90%) pacientes, e apenas duas com anel rígido (uma em cada grupo). Em relação ao reparo de defeitos nas cúspides, foi realizado um total de 24 procedimentos. As técnicas foram ressecção quadrangular (n = 13), encurtamento por trincheira (n = 5), comissurotomia (n = 4), extensão de folheto posterior (n = 3), transposição de corda (n = 3), reposição de corda (n = 2), papilotomia (n = 2), plicatura de corda (n = 1) e dobramento de folheto (n = 1). RESULTADO: O seguimento médio foi de 3,4 anos, e apenas um paciente com DR não compareceu às consultas. Não houve mortalidade hospitalar ou tardia. Um paciente com DR foi reoperado e nenhum no grupo de DM. A taxa de risco linear para reoperação foi de 2,59% por paciente/ano no grupo com DR. Um paciente com DR apresentou endocardite três meses após a operação. Os diâmetros sistólico e diastólico finais de ventrículo esquerdo de ambos os grupos não apresentaram diferença estatística. CONCLUSÕES: Concluímos que o resultado pós-operatório imediato e a médio prazo (3,4 anos) da reconstrução mitral por insuficiência mitral pura foi satisfatório nos dois grupos. A evolução dos pacientes com doença cardíaca reumática no período de seguimento foi comparável àqueles com degeneração mixomatosa quanto a mortalidade imediata e tardia, endocardite, acidente tromboembólico e sangramento associado a anticoagulante.
INTRODUÇÃO

A plastia mitral é, atualmente, a cirurgia de escolha para casos de degeneração mixomatosa nos centros onde os cirurgiões recebem treinamento adequado (1). Essa cirurgia possui resultado bom e reprodutível, e tem a vantagem de preservar a valva nativa funcionante, evitando os problemas associados à prótese. Em tais circunstâncias, entre 80% e 95% dessas valvas podem ser reparadas (2-4).

O resultado da reconstrução mitral na doença cardíaca reumática varia na literatura, dependendo, provavelmente, do comportamento biológico da doença nos diversos continentes, e da qualidade assistencial oferecida a essas populações (5-8).

No Brasil, a maioria das intervenções na valva mitral são devidas à doença cardíaca reumática (9,10). Isto torna importante a análise dos pacientes com doença reumática submetidos a plastia, na tentativa de identificar aqueles que mais se beneficiariam com a reconstrução ou a troca valvar.

O objetivo do presente trabalho é analisar os resultados da plastia mitral como técnica de correção nos casos de insuficiência mitral pura em pacientes com doença cardíaca reumática, tendo como referência pacientes com degeneração mixomatosa.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Entre julho de 1992 e agosto de 1999, 31 pacientes foram submetidos à reconstrução valvar mitral no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Neste trabalho, estudamos apenas aqueles com insuficiência mitral pura e, por este motivo, excluímos 7 pacientes devido a dupla lesão mitral, 2 por endocardite e 2 por troca valvar aórtica associada. O estudo foi retrospectivo, baseado em revisão de prontuários dos 9 pacientes com degeneração mixomatosa e 11 com doença cardíaca reumática submetidos a plastia ou reconstrução valvar mitral.

O grupo com doença reumática foi significativamente mais jovem (p = 0,008) e com predominância do sexo feminino (p = 0,013) que aqueles com degeneração mixomatosa (Tabela 1).



Os pacientes com degeneração mixomatosa apresentaram mais fibrilação atrial que aqueles com doença reumática (p = 0,005).

Os pacientes foram categorizados, quanto à classe funcional, segundo a New York Heart Association (NYHA).

Foram considerados para o estudo os ecocardiogramas realizados com até três meses antes da cirurgia e três meses antes da última consulta. A análise da insuficiência mitral por ecocardiografia foi classificada de trivial a grave, de acordo com a Tabela 2.



Os pacientes foram submetidos a esternotomia longitudinal mediana e a circulação extracorpórea (CEC) estabelecida com drenagem pelas duas cavas e retorno do sangue oxigenado pela aorta ascendente. O fluxo do rolete foi mantido em torno de 2 L/min/m2 em hipotermia moderada, e pressão arterial média entre 50 e 70 mmHg. A temperatura corporal foi mantida entre 30 e 34°C, e o pH controlado de modo alfa-stat. Cardioplegia foi administrada por via anterógrada, fria (aproximadamente 10°C), sangüínea e intermitente (em intervalos de 10 a 20 minutos com 3 minutos de reperfusão).

O acesso à valva mitral foi por atriomia esquerda longitudinal. As técnicas para reconstrução foram baseadas em CARPENTIER (11). Os dados cirúrgicos estão apresentados na Tabela 3. Após correção cirúrgica, a valva é testada injetando-se solução salina numa seringa de 60 mL ou infundindo sangue pela cânula de cardioplegia, e tornando a valva aórtica temporariamente insuficiente. Em alguns casos, a valva foi observada com o coração batendo e a aorta pinçada, com perfusão de sangue na raíz da aorta.



Quanto às técnicas cirúrgicas empregadas, 26 procedimentos na valva mitral foram realizados nos 9 pacientes com degeneração mixomatosa e 31 nos 11 com doença reumática. Anuloplastia com anel foi realizada em todos os casos, sendo que em 18 (90%) pacientes foi utilizado anel maleável de pericárdio bovino e em apenas 2, anel rígido de Carpentier (um em cada grupo). Em relação ao reparo de defeitos nas cúspides, foi realizado um total de 24 procedimentos. As técnicas foram ressecção quadrangular (n = 13), dobramento de folheto (n = 1), extensão de folheto posterior (n = 3) e comissurotomia (n = 4). Ainda foram utilizados o encurtamento por trincheira (n = 5), a transposição de corda (n = 3), a reposição de corda (n = 2), a plicatura na margem livre (n = 1) e papilotomia (n = 2).

Foi criado um índice de melhora para exposição dos dados de insuficiência mitral e classe funcional. Esse índice quantifica a melhora obtida por cada grupo em relação à possibilidade de melhora, mas possui valor apenas demonstrativo, pois sua significância estatística ainda não foi comprovada. O índice indica o que melhorou em relação ao que poderia ter melhorado, em percentual. Sua fórmula está expressa no Quadro 1.



Os dados obtidos foram analisados pelo program EPI Info 5.01 (Epidemiology Program Office, Centers for Disease Control, Atlanta, Georgia, Estados Unidos), de domínio público. Para dados não paramétricos foi utilizado teste de Mann-Whitney, e para dados pareados, teste t de Student.

RESULTADOS

Dos 20 pacientes incluídos, um permaneceu 30 dias internado após o procedimento, perdendo o seguimento. O tempo de seguimento em média foi de 41 meses (de 6 a 86 meses) para pacientes com degeneração mixomatosa, e 42 meses (de 1 a 91 meses) para aqueles com doença reumática.

Não houve mortalidade hospitalar ou tardia, tampouco reoperação nos casos de degeneração mixomatosa (Tabela 4).



Um paciente foi reoperado 41 meses (3,4 anos) após a plastia devido à evolução da doença reumática (retração do folheto posterior). A taxa de risco linear para reoperação foi de 2,59% por paciente/ano. O ecocardiograma deste paciente no final do primeiro ano pós-operatório mostrava insuficiência mitral leve, que evoluiu para moderada no final do segundo ano; este encontra-se em classe funcional II após troca por prótese biológica. Quando estratificamos pacientes com doença reumática abaixo de 20 anos (n = 5) ou acima, não houve diferença estatística quanto à evolução.

Ocorreu endocardite em 1 paciente após três meses, o qual foi submetido a tratamento clínico, e se encontra em classe funcional I. Um paciente apresentou estenose mitral leve a moderada, ainda em classe I com seguimento de 81 meses. Seu índice de área valvar estimado é de 1,9 cm2/m2,, e o gradiente átrio esquerdo-ventrículo esquerdo estimado em 14 mm Hg. Somente 2 pacientes permaneceram em fibrilação atrial com necessidade de anticoagulação oral. Não houve evento tromboembólico ou hemólise. Não houve indicação para marcapasso definitivo. Não foi evidenciada movimentação anterior durante a sístole (SAM) do folheto anterior.

Quatro pacientes (1 com degeneração mixomatosa e 3 com doença reumática) foram excluídos da avaliação das medidas de diâmetros de ventrículo esquerdo por ecocardiografia, devido a ausência de dados descritos pelo examinador, embora a insuficiência mitral tivesse sido analisada.

Na Tabela 5 são expostos resultados da análise ecocardiográfica quanto à insuficiência mitral. Todos os pacientes, exceto um, passaram a ter insuficiência leve ou nenhuma. A única paciente com insuficiência moderada foi aquela reoperada por evolução da doença. Ela manteve evolução até dois anos após a plastia mitral com insuficiência leve, que passou a moderada no final do segundo ano pós-operatório. O índice de melhora aproximou-se 7do máximo para os dois grupos.



Os diâmetros sistólico e diastólico finais de ventrículo esquerdo antes da cirurgia foram diferentes entre os grupos, sendo menores no grupo de degeneração mixomatosa (p = 0,04 e p = 0,002, respectivamente). Todavia, se comparados antes e depois da cirurgia, o diâmetro diastólico final diminuiu em ambos os grupos (Tabela 6).



Após a cirurgia, não houve diferença estatística entre os grupos, quanto aos diâmetros sistólico e diastólico finais de ventrículo esquerdo (Tabela 7).



Na Tabela 8 são demonstrados os dados referentes à classe funcional dos pacientes. A paciente que permaneceu em classe funcional III tinha 67 anos ao ser operada, espessura de parede posterior de ventrículo esquerdo de 11 mm, e diâmetro de átrio esquerdo de 81 mm, mesmo com os diâmetros ventriculares normais na sístole e diástole. Embora o índice de melhora tenha sido pouco mais da metade possível, 88,8% dos pacientes com degeneração mixomatosa e 100% daqueles com doença reumática encontram-se em classe funcional I e II.



COMENTÁRIOS

As vantagens teóricas de se manter a valva mitral nativa em relação a uma prótese são a manutenção da geometria ventricular esquerda, não necessidade de anticoagulação, e menor incidência de endocardite. Os resultados de estudos comparativos entre reconstrução e troca valvar para insuficiência mitral crônica por degeneração mixomatosa evidenciam superioridade do reparo, principalmente em relação à mortalidade operatória e tardia (12) e função ventricular (12-17). A reconstrução mitral isoladamente foi identificada como fator de melhor prognóstico numa série de 409 pacientes, cujos parâmetros clínicos e ecocardiográficos de função ventricular foram estudados por análise multivariada (18).

A evolução da degeneração mixomatosa tem pouco impacto sobre a necessidade de reoperações. Numa série em que 1062 pacientes com degeneração mixomatosa que foram submetidos a reconstrução mitral, GILLINOV et al. (19) demonstraram sobrevida livre de reoperação em 10 anos de 93%. Dos 30 pacientes reoperados, a causa foi progressão da doença em 16 (53%). Estes resultados constatam a durabilidade da plastia mitral por degeneração mixomatosa. Em nosso estudo, os pacientes com degeneração mixomatosa apresentaram, no seguimento de 3,4 anos, evolução comparável à da literatura.

Na doença reumática, um importante fator limitante na utilização das técnicas de reconstrução mitral é a evolução da doença. Na análise dos resultados de plastia mitral em doença reumática, alguns aspectos devem ser considerados. Inicialmente, a seleção dos pacientes, onde o caráter evolutivo da doença entre jovens tem sido ressaltado por vários autores. DURAN et al. (5) dividiram 537 pacientes por faixa etária: menores de 20; entre 21 e 40; e acima de 41 anos. Foi possível reparar a valva em 76,6%, 59,1%, e 33,8% dos casos, respectivamente. Os resultados evidenciam que os pacientes com idade inferior a 20 anos têm maior risco de reoperação, mas possuem sobrevida superior quando comparados à troca valvar. Acima de 20 anos, há uma tendência à estabilização da doença reumática, porém as chances de reparar a valva diminuem. Resultado semelhante foi encontrado num estudo brasileiro (20). É justamente nos doentes abaixo de 20 anos, com maior expectativa de vida, que a evolução da doença reumática ocorre de forma mais grave. Em nossa série, no seguimento médio de 3,4 anos, a idade não influenciou o resultado. Pacientes com doença reumática abaixo de 20 anos (n = 5) ou de outras faixas etárias não apresentaram diferença estatística quanto à evolução. A seleção dos casos exerceu influência positiva sobre o resultado cirúrgico, onde os pacientes, que, em sua maioria, obtiveram indicação precoce, apresentavam classe funcional III, sem grandes diâmetros ventriculares.

FERNANDEZ et al.(21) demonstraram, numa investigação incluindo 313 pacientes portadores de doença reumática submetidos a reconstrução mitral, que a presença de dupla lesão mitral foi risco de falha cirúrgica tardia, corroborando a necessidade de seleção dos pacientes.

Aparentemente, o comportamento biológico da doença pode variar de acordo com o meio. A velocidade de instalação e a gravidade das lesões (calcificação, fusão do aparelho subvalvar e comissuras) são exemplos de tais variações. Isto se deve tanto à genética populacional, quanto à facilidade de acesso destas pessoas a assistência médica. Provavelmente, isto é o que se verifica nos resultados publicados na literatura e achados cirúrgicos de grupos localizados na África do Sul (6), Índia (7), Arábia Saudita (5, 22) e Brasil (9, 10, 23).

Um segundo aspecto significativo seria o momento da indicação cirúrgica, que está relacionado à manutenção da geometria e função ventricular, e ao estado de conservação valvar. Quanto mais precoce a cirurgia, menor o comprometimento da valva ou aparelho subvalvar e, conseqüentemente, melhores as chances do reparo funcional bem sucedido.

Quanto à função ventricular, vários trabalhos demostram que o retardo da operação acarreta distorção da geometria ventricular, com perda do benefício cirúrgico a longo prazo (18, 23, 24). Em nossa casuística, apenas 2 pacientes apresentavam disfunção grave, ambos com doença reumática, sendo que 1 recuperou a função e o outro permaneceu com disfunção moderada até o momento.

Em terceiro plano, estão os resultados com as próteses valvares. A troca mitral com preservação da continuidade músculo papilar-anel valvar é de suma importância na manutenção da geometria ventricular (25-30). Num trabalho recente, foram comparadas plastia mitral, troca mitral com manutenção da continuidade músculo papilar-anel valvar, e troca sem manutenção da continuidade músculo papilar-anel valvar (31). O resultado foi melhora da função ventricular para os grupos de troca valvar com preservação da continuidade músculo papilar-anel valvar e plastia mitral, não havendo diferença entre estes dois grupos. Portanto, este trabalho é um um forte indício de que a disfunção ventricular tardia após troca mitral pode ser evitada com a preservação da continuidade músculo papilar-anel valvar.

DURAN et al. (32), analisando 304 pacientes submetidos a troca ou reparo valvar num período de seguimento médio de 15 meses (6 a 30 meses), encontraram sobrevida livre de eventos tromboembólicos de 96,2% e 94,5%, e sobrevida livre de reoperação de 98,8% e 77,0%, respectivamente. Tais resultados favorecem discretamente a troca em relação à plastia mitral como conduta na doença reumática, mas analisam somente os eventos associados à valva e não sobrevida.

O uso de próteses mecânicas apresenta-se como um risco a ser considerado, pela necessidade de anticoagulação e complicações relacionadas. Já as próteses biológicas nacionais apresentam boa durabilidade a longo prazo. POMERANTZEFF et al.(10) observaram, em 1007 pacientes, sobrevida atuarial livre de calcificação próxima de 70% em 10 anos, com uso de prótese de pericárdio bovino em posição mitral. Entretanto, quando tais pacientes foram estratificados por faixa etária, estiveram livres de calcificação em 10 e 12 anos, respectivamente, cerca de 80% e 25% dos pacientes até 20 anos de idade, e 85% e 80% daqueles entre 20 e 40 anos. O mesmo grupo, estudando 201 pacientes submetidos a plastia mitral por insuficiência pura, encontrou sobrevida atuarial em 10 anos livre de reoperação em 43% dos pacientes (20). Uma análise superficial destes resultados chegaria à conclusão de que essa prótese deveria ser empregada em lugar da plastia mitral na doença reumática. Porém, deve-se considerar que 113 (56%) dos 201 pacientes da série de reparo valvar foram também submetidos a outras cirurgias para correção de lesões valvares associadas. E ainda, 41% dos pacientes encontravam-se em classe funcional IV, o que denota tempo de evolução da doença. Esses importantes trabalhos nacionais chamam a atenção para a seleção dos pacientes com doença cardíaca reumática candidatos a plastia mitral, objetivando-se bons resultados tardios.

A sobrevida livre de reoperação a médio prazo dos pacientes com doença reumática submetidos a reconstrução mitral, em nossa série, foi melhor do que a de trabalhos por grupos da África do Sul (6, 33) e Estados Unidos (34), e comparável a outros grupos nacionais (9, 20), franceses (35, 36) e do Oriente Médio (5).

Mesmo com os resultados obtidos com a reconstrução valvar nos casos de doença reumática sendo menos favoráveis que para a degeneração mixomatosa quanto à reoperação, o reparo ainda é mais atrativo que a troca, em termos de mortalidade tardia e função ventricular. Nos dias atuais, a reoperação não aumenta significativamente o risco operatório, o que justificaria a tentativa de reparar a valva.

A recomendação da literatura para apresentação de resultado de cirurgia valvar em curva actuarial de sobrevida e eventos associados e sua comparação por escala logaritmo (log-rank) não foi seguida neste trabalho, devido à pequena casuística do estudo (37).

Os nossos resultados, entretanto, foram satisfatórios em todos os aspectos, se comparados com outras publicações, o que reflete tanto a seleção, quanto a pequena amostra de pacientes. Não houve mortalidade em 30 dias ou tardia. O diâmetro diastólico final de ventrículo esquerdo, reflexo da função ventricular, diminuiu em ambos os grupos. Não houve evento associado à valva, o que está abaixo do encontrado para grupos nacionais, tanto para plastia (9, 20, 23), quanto para troca valvar (10).

O índice de melhora utilizado para exposição de alguns resultados requer validação estatística. No entanto, presta-se para evidenciar a quantidade de melhora obtida dentro de uma determinada classificação: indica o que melhorou em relação ao que poderia ter melhorado, em porcentual.

O índice de melhora da insuficiência mitral à ecocardiografia aproximou-se do máximo para os dois grupos, o que evidencia correção funcional satisfatória. Apesar de 11 (55%) dos pacientes apresentarem insuficiência leve no segmento, e 1 (5%) moderada, um trabalho de FIX et al.(38) indicou não haver diferença de mortalidade tardia, eventos tromboembólicos, classe funcional e hospitalizações por insuficiência cardíaca se comparados a pacientes sem insuficiência mitral residual. Entretanto, houve uma tendência à reoperação, estatisticamente não significativa, relacionada aos pacientes com insuficiência mitral residual leve a moderada.

Quanto à classe funcional, o índice de melhora foi menos evidente, porém 13 (65%) encontravam-se em classe III previamente à cirurgia, enquanto apenas 1 (5%) permaneceu sem alteração funcional no segmento pós-operatório. Dezenove (95%) pacientes apresentavam-se em classe I e II, no seguimento.

No que concerne à dimensão ventricular, o índice de melhora dos pacientes com doença reumática foi baixo, provavelmente devido a esses pacientes apresentarem diâmetros sistólico e diastólico de ventrículo esquerdo maiores que o grupo com degeneração mixomatosa, com médias de 33 e 39 mm (p = 0,04), e 57 e 60 mm (p = 0,002), respectivamente. A menor idade do grupo com doença reumática (p = 0,008) provavelmente retardou a indicação cirúrgica nesses pacientes, possivelmente pelo receio de a valva mitral não ser recuperada, mas trocada.

Em relação à endocardite, a literatura (37) aponta que infecção em até três meses após a cirurgia deve ser considerada infecção cirúrgica. Por esta razão, não atribuímos tendência a endocardite no grupo de pacientes com doença reumática, o que ocorreu em uma paciente.

Quanto à técnica de anuloplastia, dentre as principais vantagens do anel maleável de pericárdio bovino usado pelo grupo da HUCFF-UFRJ está a manutenção da dinâmica valvar (39, 40). O anel fica relacionado à porção mural do anel valvar e pode, se for desejável, envolver toda extensão do anel. Pode também ser utilizado mesmo que a relação diâmetro longitudinal e transversal de 3:4 não esteja mantida, o que ocorre em cerca de 10% dos casos e que contra-indica o anel semi-rígido (41, 42). Foi demonstrado que o anel maleável não distorce o segmento aórtico do anel mitral como o rígido, o que interferiria com a distribuição da tensão por todo o folheto anterior (30, 43). Ainda, o anel maleável interfere menos com o ângulo mitro-aórtico (44), na geometria ventricular e disposição dos músculos papilares, tendo menor chance de causar SAM e obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo (30).

Quanto à natureza do anel utilizado na maioria dos pacientes, não foi evidenciada, na literatura, deterioração ou calcificação do pericárdio bovino, quando usado em átrio direito (45) ou na função de anel valvar. Provavelmente, o comportamento biológico do pericárdio bovino nas situações de baixa pressão deve ser distinto daquele em que funciona como substituto valvar. Numa paciente com dupla lesão mitral reoperada quatro anos e meio após plastia, o anel encontrava-se macroscopicamente coberto por endotélio atrial, sem calcificação (microscopia pela técnica de von Kossa), de forma semelhante à do pericárdio autólogo descrita por outros (40, 46, 47). Este fato pode explicar porque não foi relatada hemólise pelos grupos que utilizaram pericárdio autólogo, ou seja, os anéis protéticos não são epitelizados (48, 49).

Nos pacientes reumáticos com insuficiência mitral por restrição do folheto posterior é recomendada cautela e seleção de pacientes (35). Nesses casos, o grupo do HUCFF-UFRJ emprega, com maior freqüência, a extensão do folheto com pericárdio bovino. Sempre que há dúvidas quanto à possibilidade de a retração causar algum grau de regurgitação, utilizamos a extensão de modo segmentar, somente de um ou dois escalopes. Esta técnica recupera a mobilidade do folheto posterior, de modo distinto à anuloplastia com anel (associada ou não a ressecção quadrangular ou deslizamento), que deixa a valva com aspecto de monocúspide, devido à fixação do folheto posterior (50).

A reposição de corda de PTFE é outra técnica utilizada, com freqüência, cada vez maior por nosso grupo. Esta pode ser empregada diretamente no lugar da transposição de corda com bom resultado tardio (51). Outra utilidade é no reforço de cordas com aparência frágil. Nos casos de degeneração mixomatosa, a evolução da doença não é causa importante no número absoluto de reoperações, mas é a razão de 50% dos casos de reoperação (19). Esta técnica é simples e rápida e, ao contrário da transposição de corda e encurtamento tipo trincheira, tem a vantagem de não deformar a valva definitivamente, o que permite várias tentativas de repará-la.

O caráter degenerativo do prolapso mitral e o inflamatório da doença reumática implicam no resultado das técnicas utilizadas para reparar corda tendínea. Atribui-se à evolução da degeneração mixomatosa ao insucesso da técnica de trincheira (19, 52). Na doença reumática, ao contrário, a evolução da doença não influenciou negativamente os resultados desta técnica (53). A técnica de trincheira só foi utilizada em degeneração mixomatosa no início de nossa série, em 2 pacientes.

É indubitável o importante papel da ecocardiografia transesofágica per-operatória, pois esta orienta o cirurgião antes da CEC, quanto ao que deve ser reparado, e confirma o resultado da plastia imediatamente após CEC. GILLINOV et al.(19) indicaram que, nos casos em que a ecocardiografia transesofágica per-operatória não foi utilizada, houve maior necessidade de reoperação em 10 anos.

Entretanto, a decisão de recuperar a valva requer diagnóstico correto do defeito, o que depende de boa visualização do campo operatório, e independe da ecocardiografia. Num estudo de DURAN et al. (32), os autores avaliaram a mortalidade de 304 pacientes categorizados em três grupos: (1) a valva mitral foi trocada imediatamente após exame, por ser considerada impossível de reparo (n = 78; 25,6%); (2) não houve sucesso no reparo, e a valva foi trocada (n = 26; 8,5%); e (3) a valva foi reparada com sucesso (n = 200; 65,7%). A mortalidade hospitalar foi 3,8%, 19,2%, e 1,0%, respectivamente. Este resultado deveu-se, principalmente, ao maior tempo de CEC nos pacientes em que foi tentado o reparo sem sucesso, e chama a atenção, em primeiro lugar, sobre a importância da exposição da mitral para se obter bom resultado com plastia. Segundo, mostra que a decisão de reparar ou não a valva altera a mortalidade operatória. Por isto, é fundamental a boa visualização da mitral no diagnóstico do defeito, e logo após sua correção.

Em nossa série, a decisão de reconstrução mitral ou troca dependeu, exclusivamente, do exame da valva sob visão direta, e nenhum paciente apresentou insuficiência moderada ou grave no final do procedimento.

Pelo exposto, acreditamos que os pacientes com insuficiência mitral por doença cardíaca reumática com anatomia favorável (macroscopia) possam ser candidatos à plastia tanto quanto os degenerativos. Os resultados do reparo mitral com as técnicas de Carpentier são reprodutíveis, fato confirmado pela análise a médio prazo (3,5 anos) em que a evolução destes pacientes mostrou-se satisfatória.

CONCLUSÕES

O resultado pós-operatório imediato e a médio prazo (3,4 anos) da reconstrução mitral por insuficiência pura nos dois grupos de nossa série foi satisfatório. A evolução dos pacientes com doença reumática no período de seguimento do trabalho foi comparável ao da degeneração mixomatosa, quanto a mortalidade imediata e tardia, endocardite, acidente tromboembólico e sangramento associado a anticoagulante. Estes resultados sugerem a tentativa de reparo mitral em casos selecionados.

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Article receive on Sunday, July 1, 2001

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