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ARTIGO ORIGINAL

Preparo do ventrículo subpulmonar através de dois diferentes modelos ajustáveis de bandagem do tronco pulmonar: estudo experimental

Luiz Fernando CANÊO0; Carlos A Dias0; Renato Sammy ASSAD0; Maria Cristina Donadio ABDUCH0; Vera Demarchi AIELLO0; Luiz Felipe Pinho Moreira0; Domingos D. LOURENÇO FILHO0; Noedir A. G Stolf0

DOI: 10.1590/S0102-76382001000100006

RESUMO

Dois modelos de dispositivos ajustáveis foram implantados em cabritos jovens, com o objetivo de avaliar suas capacidades de bandagem do tronco pulmonar (TP) e eficiência no treinamento do ventrículo subpulmonar. Foram utilizados 3 grupos de 7 animais, submetidos ao implante de cateter balão (grupo I), implante de dispositivo de bandagem externa (grupo II) e para obtenção dos pesos dos ventrículos direito (VD), esquerdo (VE) e septo interventricular em condições normais (grupo controle). Os animais foram submetidos a ajustes progressivos dos dispositivos, a cada 24 horas, durante um período de 96 horas, avaliados através de monitorização hemodinâmica e ecocardiograma seriado. A hipertrofia ventricular foi avaliada através de parâmetros morfológicos e de microscopia óptica. Todos os animais concluíram o período de treinamento proposto. O gradiente VD-TP, a razão VD/VE e a pressão sistólica do VD foram significativamente maiores no grupo II (p<0,05). Observou-se aumento significativo da espessura da parede do VD, ao ecocardiograma, nos grupos I e II ao longo dos momentos avaliados, não havendo diferença significativa entre eles. O peso indexado e o peso seco do VD foi significativamente maior nos grupos I e II que no grupo controle (p<0,05), não havendo diferença significativa entre os grupos I e II (p>0,05). O perímetro e a área dos miócitos mostraram um aumento significativo no final do treinamento, comparados à amostra retirada no momento do implante dos dispositivos. Observamos maior grau de estenose do TP com dispositivo de bandagem externa, porém ambos tiveram a capacidade e a eficiência de preparar o ventrículo subpulmonar.

ABSTRACT

Two adjustable pulmonary artery banding devices were implanted in 14 young goats to evaluate their efficacy for the training of the pulmonary ventricle (right ventricle). An obstructing balloon catheter was placed in the lumen of the pulmonary artery in 7 animals (group I) and other 7 animals (group II) underwent implantation of an external pulmonary banding device. As a control group for septum, left and right ventricle weights a third group of 7 animals was used. Right ventricle (RV) load was increased gradually, at 24 hours intervals, for 96 hours. RV muscle mass evolution was assessed by echocardiography and by optical microscopy. All animals completed the protocol. RV to PT pressure gradient, RV to LV ratio, and RV systolic pressure were significantly higher in group II (p<0.05). A significant increase in the RV wall thickness was observed in groups I and II. RV dry weight and indexed weight were higher in groups I and II (p<0.05), with no difference between them (p>0.05). Myocyte perimeter and cross-area increased at the end of the training interval. We concluded that both devices are able to induce a similar degree of pulmonary ventricle hypertrophy, despite higher pressure gradients with the external banding device.
INTRODUÇÃO

Nos pacientes portadores de transposição das grandes artérias (TGA), o ventrículo esquerdo (VE) está conectado à circulação pulmonar. Nas primeiras semanas após o nascimento, há uma redução relativa da massa do VE quando comparada à massa do ventrículo direito (VD), em decorrência da diminuição progressiva da resistência vascular pulmonar (1,2). Conseqüentemente, dentro das primeiras semanas, o VE perde a sua capacidade de manter um débito cardíaco adequado quando trabalhando com a pós-carga sistêmica normal. A operação de Jatene, atualmente aceita como a primeira escolha para o tratamento da TGA (3-5), deve ser realizada numa fase onde o VE ainda está adaptado, com sua massa ventricular preservada, com capacidade de suportar a resistência vascular sistêmica (1).

Sempre que essa capacidade está comprometida, a bandagem do tronco pulmonar (TP) poderá induzir a hipertrofia do VE, ou seja do ventrículo subpulmonar na TGA, podendo então prepará-lo para a operação de Jatene (6,7). O preparo do ventrículo subpulmonar através da bandagem, seguido da operação de Jatene, pode ser aplicado ainda nos pacientes já submetidos à correção no plano atrial (operação de Senning ou Mustard), que evoluíram com disfunção do ventrículo sistêmico, ou seja do VD (8).

Na primeira fase do preparo ventricular observa-se grande morbidade decorrente da bandagem do TP (9-12), que pode impor uma sobrecarga de pressão não tolerada pelo ventrículo, causando disfunção no mesmo. Isto se deve à dificuldade em ajustar o diâmetro da bandagem do TP, realizada em condições não fisiológicas, com o paciente anestesiado, em decúbito dorsal e com o tórax aberto.

O ajuste da bandagem do TP durante o período pós-operatório, realizado externamente, sem a necessidade de reabertura do tórax, foi descrito por vários autores (13) e devemos destacar 2 modelos: os dispositivos de bandagem externa (13-21) e o balão de oclusão do tronco pulmonar (dispositivo de bandagem interna) (22-27).

Estes dispositivos foram aplicados em 2 situações: controle do hiperfluxo pulmonar e no preparo do ventrículo subpulmonar para a operação de Jatene. Quando aplicados com o objetivo de induzir a hipertrofia ventricular, observamos que os regimes de preparo do ventrículo subpulmonar variam entre os diversos estudos, assim como os critérios de avaliação dessa hipertrofia.

Considerando as vantagens teóricas dos 2 tipos de dispositivos e a variação de tempo necessário para o preparo obtido com eles, resolvemos estudá-los, comparativamente, com o intuito de avaliar a capacidade em promover a estenose do tronco pulmonar e de realizar o preparo do ventrículo subpulmonar dos mesmos.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados 21 cabritos machos, com idades entre 4 e 8 semanas de acordo com as normas de uso de animais em ensino e pesquisa da Divisão de Experimentação do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde foi realizado.

O experimento consistiu no preparo do ventrículo subpulmonar, representado pelo VD nesse estudo experimental, através de 2 tipos de bandagens do TP, em 14 animais, divididos em 2 grupos:

Grupo I ¾ bandagem interna: 7 animais submetidos ao implante de um cateter balão.

Grupo II ¾ bandagem externa: 7 animais submetidos ao implante de um dispositivo de bandagem externa.

Como grupo controle para obtenção dos pesos do ventrículos direito, esquerdo e septo, em condições normais, foram utilizados os outros 7 cabritos.

No grupo I o dispositivo de bandagem interna utilizado foi o cateter balão descrito por ASSAD et al. (27) e no grupo II o dispositivo de bandagem externa descrito por DIAS (13).

O animais foram anestesiados com pentobarbital sódico (5 a 10 mg/kg) e midazolan (0,5 mg/kg) e intubados com tubo traqueal de calibre adequado. Instituiu-se a ventilação mecânica controlada (ventilador Harvard 708, South Natik, MA, EUA), mantida com fração inspirada de oxigênio em 100% e volume corrente de 15ml/kg. A manutenção da anestesia foi realizada através da administração de doses suplementares de pentobarbital sódico e midazolan conforme necessário. A monitorização padronizada consistiu de eletrocardiografia e registro de pressão arterial, obtida após a colocação do cateter na aorta, e registrada continuamente através de sistema computadorizado (Biopac Systems, Inc., Goleta, CA, EUA) e software de interpretação ACQknowledge 3.01.

A antibioticoterapia profilática foi feita com cefalotina (100 mg/kg/dia) e gentamicina (2mg/kg/dia) por via endovenosa. Antes da colocação dos cateteres foi administrada heparina por via endovenosa (500 U/kg).

A operação foi realizada por toracotomia lateral E, no quarto espaço intercostal.

Nos 2 grupos foram colocados cateteres para a monitorização das pressões da aorta, VD e TP. Devemos salientar que, embora o cateter balão apresentasse 2 vias que permitiam a monitorização das pressões do VD e do TP, preferimos excluir essas vias e usar os mesmos cateteres necessários para essas medidas, no grupo II (dispositivo de bandagem externa). O objetivo foi uniformizar as pressões medidas em ambos os grupos, diminuindo a chance de erros devido ao mau posicionamento do cateter balão ou obstrução das vias de medida de pressão desse dispositivo, mais finas que os cateteres de PVC.

Os cateteres para a monitorização das pressões da aorta, VD e TP foram colocados por punção direta desses vasos e exteriorizados por contrabertura no dorso do animal e mantidos heparinizados e ocluídos.

Após a abertura do pericárdio o VD foi tracionado gentilmente para realização de biópsia de sua parede anterior (3 amostras), que foram enviadas para estudo histológico.

No grupo I, foi realizada uma sutura em bolsa com prolene 5-0 na via de saída do VD, cerca de 3cm abaixo do anel pulmonar, por onde foi introduzido o cateter balão. Uma vez posicionado com sua extremidade distal no interior do TP, o mesmo foi exteriorizado por contrabertura na região dorsal do animal próximo aos demais cateteres de monitorização já citados.

No grupo II, o TP foi amplamente dissecado e o anel de bandagem colocado externamente a ele, abraçando-o acima da valva pulmonar. O tubo extensor do anel foi exteriorizado por contrabertura, no espaço intercostal inferior à incisão e levado até o dorso do animal através de um túnel no subcutâneo, onde o botão de insuflação do dispositivo foi implantado.

Antes do fechamento da toracotomia, foi realizada a insuflação do cateter balão através da injeção de água destilada no cateter ou insuflação do manguito do dispositivo de bandagem externa, observando o seu correto funcionamento pelas curvas de pressão no sistema de monitorização acoplado aos cateteres.

A cavidade torácica foi então drenada sob selo de água e a incisão fechada por planos. Foi realizado o curativo e proteção da ferida com coletes apropriados.

Após o implante dos dispositivos de bandagem ajustáveis os animais foram mantidos no biotério em gaiolas individuais, recebendo heparina por via subcutânea (2500 U) e antibioticoterapia por via intramuscular (cefazolina 500 mg/kg e gentamicina 10 mg/kg de 12 em 12h), durante as 96h subseqüentes.

Quando os animais já se encontravam em condições clínicas estáveis, isto é, 1 a 3 dias após o implante, dava-se início à insuflação dos dispositivos.

Após a primeira insuflação dos dispositivos implantados nos animais do grupo I, ou do primeiro ajuste do dispositivo de bandagem externa, foi administrado lanatosídeo-C 0,5 µg/kg/dia por via intramuscular, diariamente, até o sacrifício do animal.

O Ajuste da Bandagem

Após um período de convalescença que variou de 1 a 3 dias, os animais recuperados da cirurgia do implante dos dispositivos e cateteres, estáveis clinicamente, alimentando-se e ativos, foram levados para a sala de experimentação em macas especiais para quadrúpedes (Divisão de Bioengenharia, InCor-HC-FMUSP). Nessas macas, foram mantidos acordados em decúbito ventral, sem nenhum tipo de sedação, com as patas suspensas.

Na sala de experimentação os cateteres implantados foram então conectados ao sistema de pressão (ACQknowledge 3.01, Biopac Systems, Inc., Goleta, CA, EUA), monitorando simultaneamente as pressões do VD, Ao e TP. Observando-se as curvas de pressões, iniciavam-se os ajustes dos dispositivos de bandagem. A insuflação dos 2 dispositivos foi realizada através da introdução de água destilada na via de insuflação do balão do cateter do grupo I ou pela punção percutânea, com agulha de insulina, do botão de insuflação auto-selante do dispositivo de bandagem externa. Os critérios iniciais de ajuste foram: manter a pressão sistólica do VD entre 70 a 80% do VE, desde que a queda da pressão sistólica da aorta não diminuísse mais que 10 a 15% ou o animal apresentasse algum sinal de baixo débito (irritabilidade, taquidispnéia ou síncope). Uma vez terminado o ajuste, o animal retornava ao biotério, onde ficava acomodado em gaiola individual. A cada 24h do primeiro ajuste, o animal retornava à sala de experimentação, registravam-se as pressões do VD, Ao e TP, simultaneamente e novo ajuste era feito, observando os mesmos critérios iniciais. Essa rotina se repetiu durante um período de 96h em cada um dos 14 animais.

Durante todo o treinamento dos ventrículos foram registradas as pressões sistólica, diastólica e média do VD, aorta e TP, antes e após o ajuste dos dispositivos.

O gradiente sistólico entre o VD e o TP (gradiente VD/TP) foi calculado subtraindo-se a pressão sistólica do TP da pressão sistólica do VD. A razão entre a pressão sistólica do VD e a pressão sistólica do VE (razão VD/VE) foi calculada dividindo-se a pressão sistólica do VD pela pressão sistólica da aorta e expressa em porcentagem.

Avaliação Ecocardiográfica

Os exames ecocardiográficos foram realizados com aparelho Ultramark 4 (Advanced Technology Laboratories, Bothell, WA, EUA), utilizando-se transdutores de 2,5 e 5 mHz, apropriados para o tamanho do animal.

Os exames foram realizados em modo M, para a medida das espessuras das paredes dos ventrículos e septo; para a medida dos gradientes sistólicos entre o VD e o TP foi utilizado o Doppler contínuo. Esse exame foi feito com o animal acordado, sem nenhum tipo de sedação, através da via para-esternal direita, sempre pelo mesmo observador, um veterinário especializado em ecocardiografia. A espessura da parede e do septo foram avaliadas em corte transverso, ao nível dos músculos papilares. O gradiente entre o VD e o TP foi também obtido em corte transverso, ao nível dos vasos da base, alinhando-se a via de saída do VD com o TP.

Após a chegada dos animais ao biotério foi realizado o primeiro ecocardiograma para avaliação das espessuras das paredes dos ventrículos e septo. Os animais que apresentavam espessura do VD semelhante à do VE eram devolvidos ao criador. Imediatamente após o procedimento cirúrgico foi realizado novo exame ecocardiográfico, para determinar a posição do cateter ou do dispositivo de bandagem externa, verificando a presença de gradiente transvalvar pulmonar e o aumento na espessura da parede do VD. Os animais que apresentavam gradiente VD/VE significativamente maior que a média obtida com o estudo piloto eram excluídos do experimento.

No primeiro dia de início do treinamento do ventrículo subpulmonar, foi realizado um ecocardiograma com o animal acordado, em repouso, com o cateter balão ou o dispositivo de bandagem externa desinsuflado. Após a primeira insuflação e diariamente após cada ajuste, realizava-se novo exame ecocardiográfico. Isso se repetiu a cada 24h durante um período de 96h, em cada um dos 14 animais.

Em todos os exames foram observados os seguintes parâmetros:

as espessuras das paredes ventriculares direita, esquerda e septo

o gradiente transvalvar pulmonar

Avaliação Morfológica

Após 96 horas de treinamento do ventrículo subpulmonar os animais foram sacrificados seguindo as normas de uso de animais em ensino e pesquisa da Divisão de Experimentação do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Ainda no biotério, foi administrada quetamina via intramuscular (5mg/kg) como medicação pré-anestésico e na sala de cirurgia, após punção da veia jugular com cateter venoso percutâneo, foram administrados nembutal (15 mg/kg), heparina 500 U/kg e cloreto de potássio (20ml), por via endovenosa.

O coração foi então retirado através da secção dos vasos da base, veias cavas e pulmonares. A separação das paredes ventriculares e septo foi realizada conforme a técnica descrita por FULTON et al. (28), em 1952. As estruturas atriais foram ressecadas no plano das valvas atrioventriculares. A seguir, foi realizada a secção da via de saída do VD rente ao septo na porção basal. Em seguida, realizou-se a separação da parede livre do VD, com tesoura, rente ao septo indo da porção basal até o ápice na face anterior. O mesmo movimento foi realizado na face diafragmática seccionando totalmente a parede livre do VD. A separação do septo da parede livre do VE foi feita com tesoura, rente ao septo e acompanhando a sua espessura.

Após o sacrifício do animal e retirada do coração em bloco, a valva pulmonar e o TP foram observados para a presença de lesão endotelial no local do balão ou do manguito, presença de trombos em seu interior ou vegetações.

Para comparar os pesos do septo e dos ventrículos foram sacrificados os 7 animais do grupo controle, seguindo a mesma rotina dos 2 grupos de animais treinados.

As paredes livres do VD, VE e o septo interventricular dos animais dos grupos treinados (grupo I e grupo II) e do grupo controle foram pesados em balança de precisão (METTLER AE 200, Mettler-Toledo AG, Greinfense, Suiça), considerando até centésimos de grama. Após serem pesados, foram retirados fragmentos com cerca de 4x4cm de cada uma das paredes e enviados para obtenção do peso seco, como descreveremos adiante. O restante do material foi fixado em formalina tamponada a 10%, durante um período de 24 h e encaminhados para a microscopia óptica.

No intuito de diminuir as variações de peso dos animais, permitindo uma melhor comparação entre eles, calculamos o respectivo peso indexado, conforme sugerido por BISHOP et al. (29). Esse valor resultou da divisão dos pesos dos ventrículos e septo (em gramas) obtidos, como descrito anteriormente, e divididos pelo peso do animal (em kg). Foram denominados: peso do VD indexado, peso do VE indexado e peso do septo indexado, e expressos em g/kg.

Com a finalidade de esclarecer quanto da variação da massa observada nos corações treinados, comparada aos corações do grupo controle, se deu por aumento de água, ou seja, por um possível edema, o peso seco foi calculado para cada um dos ventrículos e septo interventricular dos animais dos grupos I, II e controle. Fragmentos medindo 4x4cm foram retirados dos ventrículos e septo dos corações treinados e do grupo controle, logo após a pesagem para obtenção dos respectivos pesos indexados. Foram então pesados, acondicionados em frascos apropriados, fechados com papel filtro, devidamente identificados e mantidos em estufa seca a 55-60 graus centígrados por um período de 6 dias. Após 6 dias, os fragmentos foram retirados da estufa e novamente pesados. Assumindo que a distribuição de água foi homogênea no septo e em cada um dos ventrículos, pode-se calcular o peso seco dos mesmos, utilizando a fórmula: Ps = Ps frag x P0 x (P0 frag)-1

Onde:

Ps = peso seco do VD, VE ou septo

Ps frag = peso seco do fragmento do VD, VE ou septo

P0 = peso inicial das paredes livres do VD, VE ou septo

P0 frag = peso inicial do fragmento do VD, VE ou septo

Os fragmentos do VD retirados no intra-operatório e o restante dos fragmentos dos ventrículos e septo dos corações obtidos após o sacrifício do animal foram fixados em formalina tamponada a 10% por um período de 24h e encaminhados para microscopia óptica.

Após processamento histológico de rotina, secções de 5µm foram coradas com hematoxilina e eosina. Na microscopia óptica (Leica DLMS), com aumento de 400x, foram selecionados os campos em que os miócitos estavam em corte transversal ao nível do núcleo (30) para a medida de seus perímetros e áreas. O sistema de análise de imagem utilizado foi o Quantimet500 (Quantimet-Leica, Leica Cambridge Ltd., Cambridge, Reino Unido).

Nas lâminas dos fragmentos obtidos por biópsia intra-operatória (antes do treinamento ventricular) foram escolhidos quatro campos por animal e após o sacrifício (após o treinamento) foram escolhidos três campos por animal, onde analisamos 50 miócitos por lâmina.

Análise Estatística

A hipótese de igualdade de médias foi verificada fazendo uso da Análise de Variância a um fator (31), com comparações múltiplas feitas através do teste de Newman-Keuls. Para averiguar o comportamento dos grupos considerando as condições estudadas fez-se uso da técnica Análise de Perfil (32). O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%.

RESULTADOS

Os animais mantiveram-se ativos durante todo o experimento e não manifestaram sinais de disfunção do VD. Não houve óbito nos grupos I e II e todos completaram as 96 horas. Não observamos lesões na valva pulmonar e no TP, assim como a presença de trombos ou vegetações. Em 2 casos do grupo I, observou-se pequena quantidade de fibrina na ponta do cateter.

No grupo de bandagem externa (grupo II), os critérios objetivos de ajuste determinados previamente (queda de no máximo 10% da pressão sistólica da aorta e ou a razão VD/VE ser de 80%) foram seguidos na maior parte das vezes, enquanto no grupo I nem sempre isso foi possível.

O dispositivo de bandagem interna apresentou maior instabilidade, deslocando-se dentro do TP em 3 animais, durante a movimentação dos mesmos, desencadeando alterações hemodinâmicas importantes. Essas alterações hemodinâmicas foram acompanhadas, clinicamente, de sinais de baixo débito, com irritabilidade, taquidispnéia acentuada e síncope (1 dos animais apenas). Sempre que isso ocorreu, foi realizada a desinsuflação do balão, aguardando-se a estabilização hemodinâmica do animal. Assim que o animal apresentasse os parâmetros hemodinâmicos estáveis, realizava-se novo ajuste do balão, impondo uma sobrecarga sistólica menor que a anterior, porém superior à inicialmente encontrada.

A comparação das médias dos gradientes VD-TP mostrou um comportamento diferente dos grupos ao longo do experimento. O gradiente VD-TP inicial foi significativamente maior no grupo II e esta diferença ainda permaneceu no momento final. O grupo I apresentou um aumento do gradiente VD-TP progressivamente maior, ao longo dos momentos avaliados e o mesmo foi observado no grupo II (Gráfico 1).



As médias das razões VD/VE do grupo I mostraram-se significativamente menores que as observadas no grupo II, ao longo dos momentos avaliados. O grupo II apresentou média inicial significativamente maior que o grupo I e esta diferença foi mantida durante todo o experimento. Tanto para o grupo I, como para o grupo II, há um aumento progressivo da razão VD/VE ao longo dos momentos avaliados.

As médias das pressões sistólicas do VD do grupo I e do grupo II se comportaram de forma diferente ao longo dos momentos avaliados. Os grupos não apresentaram diferença significativa das médias no momento inicial, mas esta diferença ocorreu ao longo do tempo e, também, no momento final. Observamos um aumento progressivo dessas pressões em ambos os grupos ao longo dos momentos avaliados (p=0,0001).

A evolução das curvas das médias das pressões sistólicas do TP dos grupos I e II, se comportou de forma semelhante ao longo dos momentos avaliados. As médias dos 2 grupos não apresentaram diferença significativa durante todo o experimento, mas observamos um efeito de tempo, isto é, houve uma diferença significativa das médias ao longo dos momentos avaliados para os 2 grupos (p=0,0285).

Na evolução das médias dos gradientes VD-TP dos grupos I e II, avaliadas ao ecocardiograma, podemos observar que os grupos se comportaram de forma diferente ao longo dos momentos avaliados (p=0,0045), porém não apresentaram diferença entre os momentos 0, 24 e 96. Por outro lado, houve diferença significativa nos momentos 48 e 72. Houve um aumento progressivo das médias dos gradientes VD-VE ao longo dos momentos avaliados, em ambos os grupos (p=0,0001).

As espessuras das paredes livres do VD, VE e septo interventricular medidas ao ecocardiograma podem ser vistas na Tabela 1.



As espessuras das paredes do VD se comportaram de forma semelhante, nos grupos I e II ao longo dos momentos avaliados, as médias de ambos os grupos não apresentaram diferença significativa durante todo o experimento, porém existiu um efeito de tempo, isto é, houve aumento progressivo da espessura da parede do VD ao longo dos momentos avaliados para os 2 grupos (p=0,0004).

A evolução da espessura do VE, nos grupos I e II se comportou de forma semelhante ao longo dos momentos avaliados. As médias dos 2 grupos não apresentaram diferença significativa nos momentos avaliados e não ocorreu efeito de tempo, isto é, não houve diferença significativa das médias ao longo do experimento para os grupos I e II (p=0,2752).

O mesmo comportamento foi observado na evolução das espessuras do septo interventricular, isto é, as médias dos grupos I e II foram semelhantes ao longo do tempo. Não houve diferença significativa entre os grupos e não houve aumento significativo da espessura do septo em nenhum dos 2 grupos, durante todo o experimento (p=0,2671).

O peso do VD indexado ao peso do animal foi de 1.79±0.22 g/kg no grupo I, 1.69±0.30 g/kg no grupo II e 1.02±0.21 g/kg no grupo controle. A análise simples de variância mostra um significativo aumento do peso médio do VD indexado ao peso do animal dos grupos I e II quando comparados ao peso médio do VD do grupo controle (p=0,0001), não havendo diferença significativa entre os grupo I e II (p>0,05), (Gráfico 2).



Quando comparamos o peso do septo indexado ao peso do animal não observamos diferença significativa entre os grupos. O mesmo acontece com os pesos médios do VE indexado ao peso do animal, que não apresentam diferenças significativas entre os grupos.

O peso seco do VD foi significativamente maior nos grupo I (2.62±0.53 g) e grupo II (2.42±0.19 g) que no grupo controle (1.63±0.31 g) (p=0,0006), não havendo diferença significativa entre os grupos I e II. O peso seco da parede livre do VE e o peso seco do septo interventricular não apresentaram diferença significativa entre os grupos I, II e controle.

O perímetro médio e a área dos miócitos nos grupos I e II observado no final do treinamento ventricular mostraram um aumento significativo quando comparados aos da amostra retirada no momento do implante dos dispositivos.

COMENTÁRIOS

Muitos defeitos congênitos são, atualmente, corrigidos no período neonatal e início da infância. Em todos esse casos, o tratamento cirúrgico promove uma melhora importante da função cardiovascular após a correção, quando comparado ao quadro clínico no período pré-operatório. Por exemplo, um recém-nascido portador de TGA é submetido, atualmente, de forma rotineira à operação de Jatene, com melhora imediata da cianose e, na maioria dos casos, com um período pós-operatório sem intercorrências (4,33,34). Em contraste com os casos onde realizamos a correção do defeito congênito, a bandagem do TP empregada como procedimento preparatório para a operação de Jatene não resulta em uma melhora clínica da criança. Na verdade, impõe ao ventrículo uma sobrecarga de pressão importante, muitas vezes não bem tolerada pelo paciente. O período pós-operatório imediato à bandagem é bastante crítico para o paciente, onde observamos disfunção ventricular aguda, baixo débito, acidose metabólica e necessidade de suporte de drogas inotrópicas. Isto ocorre até o terceiro dia após a bandagem do TP, quando observamos um aumento significativo da massa do VE (35). A disfunção cardiovascular observada se deve à sobrecarga de pressão agudamente imposta ao ventrículo subpulmonar (VE) e, quando associamos uma comunicação sistêmico-pulmonar, a sobrecarga volumétrica e de pressão imposta ao ventrículo sistêmico (VD) contribui com essa disfunção (10). Existem vários modelos experimentais de aquisição de massa tanto do VD como do VE, através da sobrecarga aguda de pressão. Entretanto, nesses modelos animais de bandagem aórtica ou do TP, o débito cardíaco depende diretamente da manutenção do volume sistólico pelo ventrículo conectado ao vaso onde foi realizada a bandagem, o que limita a severidade da estenose que pode ser agudamente imposta ao mesmo (35). No modelo proposto neste estudo, o ajuste progressivo da bandagem do TP, através dos dispositivos ajustáveis, permitiu a imposição de uma sobrecarga de pressão ao ventrículo conectado ao vaso onde foi realizada a bandagem, suficiente para obter a hipertrofia ventricular, sem causar disfunção do mesmo. Com o passar do tempo o ventrículo foi ganhando massa e suportando cada vez mais pressões intraventriculares maiores, como podemos observar na curva de pressão do VD e na curva da razão VD/VE.

Estudos clínicos prévios (7,36,37), utilizando a bandagem convencional, demonstraram hipoxemia e acidose metabólica e a necessidade de realização de uma comunicação sistêmico-pulmonar em grande parte dos casos. KATAYAMA et al. (25), em 1993, demonstraram pequena hipoxemia nos animais estudados, bastante tolerada e rapidamente corrigida com a desinsuflação do cateter balão, utilizado em seu estudo. Com o ajuste progressivo dos dispositivos de bandagem ajustáveis, sem comprometimento do débito cardíaco, o fluxo pulmonar mantém-se adequado, e nossos dados sugerem que a comunicação sistêmico-pulmonar pode ser dispensada.

Vários tipos de cateter balão foram utilizados para a obstrução ao fluxo do ventrículo pulmonar. Dentre eles, o mais utilizado foi o cateter angiográfico de Berman, disponível comercialmente, e bastante comum nos laboratórios de hemodinâmica. Os estudos experimentais de BONHOEFFER et al. (23), KRZESKI et al. (24) e KATAYAMA et al. (25), mais tarde, os estudos clínicos de BONHOEFFER et al. (38) utilizaram o cateter de Berman, que simulou a bandagem do TP com bastante eficiência. Esse cateter dispõe de um orifício apenas, abaixo do balão, que permite a monitorização da pressão proximal, após a oclusão do vaso, com a insuflação do balão. BONNET et al. (26), em 1997 e ASSAD et al. (27), em 1998 apresentaram um cateter especialmente desenhado para preparar o ventrículo subpulmonar para a operação de Jatene. Esses cateteres apresentam várias vias, que permitem a monitorização simultânea das pressões do VD e do TP, além da insuflação do balão. O cateter apresentado por BONNET et al. (26) não está comercialmente disponível. Não encontramos maiores detalhes sobre o fabricante (Numed), de maneira que não foi possível considerar a sua utilização. Já o cateter apresentado por ASSAD et al. (27) foi desenvolvido na Divisão de Experimentação do InCor-HC-FMUSP, a partir de um cateter de Swan-Ganz, disponível comercialmente (Baxter Healthcare Co., Irvine, CA, USA), e apresenta as mesmas características atrativas do apresentado por BONNET et al. (26) :as 2 vias de monitorização das pressões distal e proximal. A disponibilidade desse cateter nos permitiu a sua utilização com grande facilidade, ao mesmo tempo que se mostrou eficiente no cumprimento do objetivo proposto neste estudo.

Dentre os vários modelos descritos na literatura, o dispositivo de bandagem externa, utilizado nesse estudo, foi descrito por DIAS (13) em 1998, que mostrou ser de fácil colocação, biocompatível e bastante simples. Os projetos baseados em torniquetes com metal (14) ou com fios ou fitas registraram acidentes causados por lesão do TP (16,17,21,39). O desenho do dispositivo, utilizado neste experimento no grupo II, está baseado no conceito de manguito idealizado pela primeira vez por JACOBSON & Macallister (40), em 1957.

Além do risco de lesar o TP, outro grande problema descrito com esses dispositivos foram os vazamentos apresentados nas conexões das partes que compõem o sistema. O dispositivo que utilizamos apresenta duas peças soldadas em silicone medicinal, e uma única conexão: a do tubo extensor com o botão de insuflação. Esta conexão pode ser amarrada, o que diminui bastante a chance de ocorrer vazamentos. Diferencia-se também dos projetos anteriores por apresentar um reforço deliberado na espessura do anel externo do manguito. Isto faz com que o manguito, quando insuflado, ocupe o espaço interno do anel e a bandagem seja efetiva com a injeção de pequenas quantidades de líquido, como observado em nossos experimentos. Esse dispositivo foi desenvolvido, também, em nosso laboratório de experimentação, o que nos permitiu a sua utilização com grande facilidade.

O cateter balão ainda está em fase de experimentação, necessitando de algumas melhorias no seu desenvolvimento, para sua utilização na clínica. O dispositivo de bandagem externa se encontra totalmente pronto para ser implantado clinicamente. Existe a possibilidade de se utilizar o anel de bandagem com diferentes diâmetros, o que permite a sua implantação nos mais variados diâmetros do TP.

Tanto o dispositivo de bandagem externa quanto o balão de oclusão do TP foram ajustados com a introdução de água destilada, para a insuflação do manguito ou do balão. A quantidade de líquido usada para insuflar o manguito foi de 0,1 a 0,4 ml e de 0,5 a 2,0 ml para insuflar o balão. Esta variação é explicada pelos diferentes calibres do TP encontrados entre os animais.

PARK et al. (18), em seu projeto, utilizaram uma válvula unidirecional para reter o líquido no manguito e evitar vazamentos. Este recurso retira uma das melhores virtudes dos dispositivos utilizados em nosso estudo: a reversibilidade da bandagem.

Ao realizarmos as medidas de pressão durante as 96 horas de implante do dispositivo, encontramos algumas vezes medidas menores que as observadas no final do ajuste, no dia anterior. Para explicar esses dados, podemos considerar quatro possibilidades:

1. disfunção ventricular aguda causada pelo aumento súbito de pressão no VD.

2. adaptação fisiológica das resistências sistêmica e pulmonar

3. dilatação do TP no grupo I ou afrouxamento da fixação do manguito em torno do TP no grupo II.

4. possível vazamento do balão ou da conexão do botão-autoselante com o tubo extensor. Mesmo considerando esta última possibilidade, as variações foram facilmente corrigidas com o ajuste subseqüente dos dispositivos.

O objetivo do estudo foi obter hipertrofia do ventrículo subpulmonar, utilizando o VD do animal, simulando o comportamento do VE nos caso de TGA. A avaliação dessa hipertrofia foi feita através das medidas das espessuras das paredes do VD, VE e septo interventricular pelo ecocardiograma e pelos parâmetros morfológicos e histológicos, após o sacrifício do animal.

Nesse experimento optamos pela utilização de animais jovens, porém com VE já significativamente mais espesso que o VD. Para isso realizava-se um exame ecocardiográfico na chegada do animal ao biotério, onde as espessuras VE, VD e septo interventricular eram avaliadas. O animais onde a espessura do VD se mostrava semelhante à do VE, eram devolvidos ao criador. Não sabemos se a resposta ao estímulo de sobrecarga de pressão do VD, aqui observada, seria a mesma utilizando animais mais velhos, pois essa não foi a proposta deste estudo. O grupo controle foi utilizado apenas como parâmetro de peso dos ventrículos e septo interventricular em condições normais, e nas demais situações os animais foram controles de si mesmos.

Os critérios iniciais de ajuste foram: manter a pressão sistólica do VD entre 70 a 80% do VE, desde que a queda da pressão sistólica da aorta não diminuísse mais que 10 a 15% ou o animal apresentasse algum sinal de baixo débito (irritabilidade do animal, taquidispnéia ou síncope). Esses critérios, inicialmente utilizados por DIAS (13), foram escolhidos no intuito de estabelecer números exatos e objetivos no protocolo. SOLIS et al. (41), em 1987 usaram como critério o máximo de estenose tolerável. Outros autores (25,27) usaram critérios como o bem estar do animal, ou sinais clínicos de disfunção ventricular, ambos de caráter subjetivo, por vezes difíceis de quantificar. Num projeto piloto, realizado por nosso grupo, observou-se que diminuições de até 15% da pressão sistólica do VE estavam associadas à melhor adaptação do VD à bandagem do TP. Além desses critérios objetivos, alguns sinais subjetivos, como taquidispnéia, agitação do animal ou outro sinal clínico de baixo débito foram observados, e caso presentes realizou-se a desinsuflação do dispositivo.

O regime de treinamento utilizado, neste estudo foi o de resistência contínua por um período de 96 horas, com ajustes a cada 24 horas. Os estudos de biologia molecular da hipertrofia miocárdica (42-44) mostraram que, em poucos minutos de sobrecarga, diversos mecanismos desencadeiam a síntese proteica, para promover a adaptação do músculo cardíaco ao novo sistema de pressão. Através desse conceito, o ventrículo submetido a uma sobrecarga de pressão seria capaz, em poucos dias, de se adaptar ao novo regime imposto. Observamos, em nosso experimento, que alguns animais do grupo II foram capazes de desenvolver pressão sistêmica já com 48 horas de treinamento. Outros protocolos de treinamento foram propostos, como KATAYAMA et al. (25), em 1993, que utilizaram um regime de sobrecarga intermitente, por um período de quatro dias, em vez de um regime de sobrecarga contínua. Demonstraram a ocorrência de hipertrofia do VD, neste regime, utilizando um cateter insuflado no TP. Parece-nos que o regime utilizado, em nosso estudo, impõe uma sobrecarga progressiva ao ventrículo, que, com o aumento progressivo de sua massa, passa a tolerar progressivamente pressões maiores, sem apresentar disfunção ventricular. Ambos os dispositivos foram capazes de aumentar a massa do VD de forma eficiente nas 96 horas de treinamento, o que reforça a importância do protocolo de treinamento ventricular, muito mais que o tipo de dispositivo utilizado. Observamos também que, com o dispositivo utilizado no grupo II, conseguimos obter pressões do VD maiores que no grupo I, mas as curvas de evolução das espessuras das paredes livres do VD foram paralelas. Ou seja, embora a capacidade de estenose do dispositivo externo seja superior à do cateter balão, no final de 96h, o grau de hipertrofia ventricular foi semelhante em ambos os grupos. Isto nos faz crer que não é necessário uma sobrecarga sistólica excessiva para preparar o ventrículo subpulmonar.

Os sinais de baixo débito observados nos 3 animais do grupo I, desencadeados com a movimentação do animal, podem ser explicados pelo deslocamento do cateter balão dentro do TP, levando a obstrução aguda e distal das artérias pulmonares. A possibilidade de deslocamento do cateter no interior do TP foi descrita, anteriormente, por KATAYAMA et al. (25), que sugeriram uma modificação no formato do balão, desenhando-o em espiral, para que essa obstrução distal fosse evitada. Sabendo da dificuldade em manter bem posicionado esse tipo de dispositivo dentro do TP, o cateter balão foi, no nosso experimento, introduzido diretamente na via de saída do VD, como descrito em trabalhos anteriores (24,25,27). Com isso evitamos o mau posicionamento do cateter e não tivemos nenhum caso de deslocamento do mesmo fora do TP. Não conseguimos, porém, evitar a sua movimentação no interior do TP, que levou à oclusão aguda das artérias pulmonares, como descrito anteriormente. Esse problema não foi observado com o dispositivo de bandagem externa, que permaneceu bem posicionado durante todo o experimento e em todos os animais em que foi implantado.

A capacidade de causar a estenose do TP pôde ser avaliada através dos parâmetros hemodinâmicos obtidos durante o treinamento ventricular dos animais. Analisando a evolução dessas curvas, notamos maior eficiência do dispositivo de bandagem externa, que pôde ser evidenciada nas curvas de pressão sistólica da aorta, nos gradientes VD-TP observados e na curva da pressão sistólica do VD. A diminuição mais acentuada, no final do experimento, das pressôes sistólicas da aorta no grupo II, quando comparadas às observadas no grupo I, indica o maior comprometimento da função ventricular imposta pelo dispositivo de bandagem externa. O gradiente sistólico entre o VD e o TP, a pressão sistólica do VD e a razão VD/VE significativamente maior no grupo II, reforçam o maior grau de estenose observado com o dispositivo de bandagem externa, onde a sobrecarga sistólica imposta ao VD foi nitidamente maior.

A pressão sistólica do TP teve um comportamento semelhante em ambos os grupos, com diminuição progressiva ao longo do treinamento ventricular. Mesmo com a diminuição da pressão sistólica do TP, os animais não apresentaram cianose, mostrando que o fluxo sanguíneo foi o suficiente para manter a saturação sistêmica. A avaliação de hipoxemia neste estudo foi subjetiva, pois não realizamos gasometria arterial durante os ajustes dos dispositivos. Em estudos anteriores (24,25), onde a gasometria arterial foi documentada, demonstrou-se hipoxemia discreta nos animais, bem tolerada e facilmente revertida através da desinsuflação do dispositivo de bandagem utilizado. Considerando esses dados experimentais, talvez a realização de uma comunicação sistêmico-pulmonar, como a realizada na experiência clínica (6,7,10,12,36), possa não ser necessária com os dispositivos ajustáveis de bandagem. Um regime de treinamento intermitente, com desinsuflação do dispositivo quando necessário, seria bem tolerado pelo paciente.

Após o implante dos dispositivos, o exame ecocardiográfico realizado, além de avaliar o correto posicionamento do dispositivo no TP, tinha o objetivo de identificar a presença de gradiente transvalvar pulmonar. A existência de um gradiente inicial, significativamente maior em um dos grupos, poderia promover o preparo ventricular num período de tempo menor, uma vez que os animais aguardavam 1 a 3 dias para o início da primeira insuflação dos dispositivos de bandagem. A identificação de um gradiente inicial maior implicaria na não aceitação desse animal para a continuação do estudo. O gradiente VD-TP inicial, avaliado ao ecocardiograma, não apresentou diferença significativa no início do experimento e nenhum dos animais foi descartado do estudo. A medida direta das pressões do VD e TP, porém, mostrou um gradiente VD-TP inicial significativamente maior no grupo II, só identificado no primeiro ajuste, quando os cateteres implantados foram conectados ao sistema de monitorização de pressão. Esses dados não confirmaram os valores anteriormente observados ao ecocardiograma. Contudo, a evolução da espessura da parede livre do VD, avaliada ao ecocardiograma durante o experimento, não mostrou diferença significativa entre os grupos, nos diversos momentos avaliados, com um aumento progressivo de sua espessura através do tempo. Analisando esses dados, podemos concluir que o gradiente inicial possivelmente maior no grupo II não resultou em diferença significativa na evolução da espessura da parede do VD, pelo menos identificável pelo método utilizado.

No plano macroscópico, a medida simples do peso dos ventrículos é adotada pela maioria dos pesquisadores. Neste experimento, o aumento do peso do VD foi muito evidente. Utilizamos a indexação do peso dos ventrículos pelo peso do animal, conforme proposto por BISHOP& COLE (29), no intuito de diminuirmos as diferenças entre os mesmos. Observamos diferença significativa no peso do VD dos animais treinados, e os animais do grupo controle, não havendo diferença entre os grupos I e II, enquanto os pesos do VE e septo interventricular não apresentaram diferença entre os grupos. O peso seco dos ventrículos treinados foi calculado com o intuito de evidenciar o quanto do aumento do peso do VD observado se deu por edema. KATAYAMA et al. (25) realizaram a medida do peso seco e constataram aumento real de massa nos ventrículos treinados, demonstrando que o aumento de água não é determinante no aumento de peso do VD. FRANK & LARGER (45), em 1974, documentaram o aumento do conteúdo de água no miócito submetido à sobrecarga aguda como um fenômeno temporário. Em nosso estudo, observamos que houve significativo aumento do peso seco do VD dos animais treinados, o que não se observa nos pesos secos do VE e septo interventricular, ou seja, apenas o VD, submetido à sobrecarga sistólica de pressão, apresentou aumento significativo de peso, e que esse aumento não foi por acúmulo de água.

No plano da microscopia óptica foi utilizado um método indireto de medida de hipertrofia: a medida do perímetro e da área do miócito em corte transverso no nível do núcleo celular. Esta metodologia foi baseada nos estudos de ANVERSA et al. (30). Em nosso estudo, os miócitos apresentaram seus perímetros e áreas significativamente maiores nos grupos I e II quando comparados à amostra inicial retirada antes do início do treinamento, confirmando as informações já descritas em literatura. Os miócitos foram avaliados em cortes transversos ao nível do núcleo, pois a dificuldade técnica de avaliar o miócito no sentido longitudinal é maior. Embora exista muita crítica a essa metodologia, devemos lembrar que usamos um estudo comparativo entre o miócito, antes do treinamento, e o mesmo, no final do treinamento, ou seja os valores são comparativos, não absolutos e isolados.

CONCLUSÃO

Podemos concluir que o dispositivo de bandagem externa é mais estável e promove maior grau de estenose do tronco pulmonar, embora ambos os dispositivos têm a capacidade de preparar o ventrículo subpulmonar. Apesar do maior grau de estenose do tronco pulmonar obtida com o dispositivo de bandagem externa, o preparo do ventrículo subpulmonar realizado no período de 96h, com o protocolo proposto, teve a mesma eficiência nos 2 grupos

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Discussão (Transcrições de fita gravada)

D.R FERNANDO ANTÔNIO FANTINI
Nova Lima, MG

Gostaria de agradecer a oportunidade de comentar este trabalho do Dr. Caneo, inicialmente pela importância do tema, mas, também, pela excelente estruturação técnica, pela metodologia usada no experimento, assim como a apresentação, para os quais não temos reparos a fazer. Muito embora algumas observações a respeito do modelo precisem ser realizadas. Os estudos de treinamento experimental do ventrículo subpulmonar, não só do presente trabalho como de outros da literatura, têm como base o ventrículo direito, que, obviamente, é diferente do ventrículo esquerdo, tanto do ponto de vista anatômico como funcional. O crescimento pós-natal do ventrículo direito é comparável a uma hipertrofia secundária à sobracarga de volume, enquanto que o crescimento do ventrículo esquerdo é considerado uma combinação de hipertrofia por sobrecarga de volume e de pressão. Além disso, as alterações subcelulares e microvasculares também ocorrem mais rapidamente no ventriculo esquerdo do que no direito. Parece-me, ainda, que a capacidade de sintetizar proteínas, estímulo necessário para o desenvolvimento da hipertrofia miocárdica, é mais rapidamente perdida pelo ventrículo direito. Além disso, as alterações presentes na transposição das grandes artérias, como a hipertrofia crônica e a acidose, podem provocar modificações na resposta singular. Estes detalhes não invalidam o método que foi utilizado pelos autores, mesmo porque deve ser bastante dificil a obtenção de carneiros com transposição. Do ponto de vista prático, tenho algumas considerações a fazer em relação aos 2 métodos que, como o próprio autor menciona, existem dificuldades na estabilização do cateter balão no interior da artéria pulmonar, o que provocou instabilidade hemodinâmica nos carneiros estudados. Este fato já havia sido relatado por Katayama, em um trabalho publicado em 1994, tendo este autor, inclusive, sugerido modificações no desenho do balão, com o intuito de torná-lo mais estável. Além disso, numa criança com transposição das grandes artérias, o caminho a ser percorrido é mais longo e complicado se queremos utilizar a principal vantagem do balão intravascular, que seria a implantação sem toracotomia, o que causa ainda maiores dificuldades na estabilização. Quanto aos dispositivos de bandagem externa, existem relatos na literatura de falhas no funcionamento dos mesmos a médio prazo, problemas que acreditamos possam ser solucionados pela moderna tecnologia. Assim, a vantagem de se conseguir uma cerclagem gradual, externamente ajustável ao ventrículo esquerdo, é extemamente atrativa. Além disso, ao ler o trabalho que nos foi enviado previamente pelo autor,pudemos vislumbrar outras aplicações do método bastante interessantes, como a possibilidade de cerclagem de cardiopatias complexas com fisiologia univentricular e fluxo pulmonar livre, e, ainda, em pacientes portadores de CVI e de hipertensão pulmonar, com resultados hemodinâmicos borderline, onde a cerclagem gradativa pode resultar na transformação de muitos pacientes considerados inoperáveis em candidatos à correção total.

DR. CÂNEO
(Encerrando)

Na literatura o melhor modelo ainda é o ventrículo direito, uma vez que não temos transposição nos animais para estudar este tipo de aplicação. Este trabalho fecha um ciclo de estudos de nosso grupo, no qual nós testamos vários tipos de cateteres, o balão externo. Ele traz uma importante mensagem, a idéia de que não é o cateter que importa e sim a forma de treinamento. Este tipo de treinamento deve ser considerado, seja por toracotomias repetidas, com o Dr. Roger Minn vem fazendo nos casos de preparo dos ventrículos falidos com correção a nível atrial. Eu acho que esta é a grande idéia; se nós conseguirmos fazer uma bandagem progressiva, sem causar disfunção, como vimos nesses animais, teremos um outro tipo de preparo e, com certeza, um melhor resultado deste tipo de opção técnica.

Article receive on quarta-feira, 1 de novembro de 2000

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