Em função do contínuo desenvolvimento tecnológico, a geração atual de cardioversores-desfibriladores implantáveis (CDI) garante um alto grau de segurança e eficiência na detecção e reversão de taquiarritmias ventriculares. O presente trabalho sumariza os resultados clínicos obtidos com 1058 CDI de câmara única (Phylax 6, Phylax XM, Biotronik) utilizando eletrodo único e tecnologia de carcaça ativa, SPS e Kainox RV (com uma mola intracavitária de choque), SL-ICD e Kainox SL (com duas molas intracavitárias de choque, Biotronik). Na quase totalidade dos pacientes, com exceção de 3 (> 99%), foram obtidos limiares de desfibrilação com baixa energia usando apenas um eletrodo transvenoso. Isto tem permitido substituir o teste de limiar de desfibrilação usual por um teste simples durante o implante, afim de minimizar os riscos associados com repetidas induções de fibrilação e conseqüente extensão do período de anestesia.
Due to continuously improved technologies, the present generation of implantable cardioverter-defibrillators (ICD) guarantees a high degree of safety and efficacy for detecting and terminating ventricular tachyarrhythmias. This paper summarizes the clinical results obtained with 1058 single-chamber ICD (Phylax 6, Phylax XM, Biotronik) employing single-lead and active housing technology (SPS and Kainox RV (single coil), SL-ICD and Kainox SL (double coil, Biotronik). In all but 3 patients (> 99%), reliable low-energy defibrillation was achieved using transvenous leads only. This has led to the trend to replace DFT testing by a short function test during implantation in order to minimize the risks associated with repeated induction of fibrillation and extended anesthesia.
INTRODUÇÃO
Em função dos contínuos avanços na tecnologia para cardioversores-desfibriladores implantáveis (CDI), a eletroterapia antitaquicardia tornou-se uma ferramenta amplamente aceita no tratamento das taquiarritmias. Estudos clínicos demonstram a superioridade do CDI na prevenção da morte súbita cardíaca quando comparado à terapia com drogas antiarrítmicas (1-3). É de fundamental importância na eletroterapia das taquiarritmias a detecção precoce da fibrilação ventricular (FV), bem como baixos limiares de desfibrilação. A importância da detecção precoce da arritmia pode ser enfatizada pelo fato de que o prolongamento da fibrilação reduz a probabilidade do paciente sobreviver e aumenta os limiares de desfibrilação (4). Na ausência de arritmias supraventriculares, os modernos sistemas de CDI ventriculares são capazes de reverter a maioria dos episódios de taquiarritmias. Neste trabalho, a experiência clínica ao redor do mundo, usando um CDI de câmara única ventricular é apresentada, bem como o desempenho do sistema ao nível de sensibilidade e desfibrilação.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Pacientes
Os CDI Phylax 6 e Phylax XM foram implantados em 1058 pacientes (18,2% do sexo feminino, 81,8% do sexo masculino) com idade média de 59 ± 14 anos (variando de 8 a 87 anos). O diagnóstico da arritmia apresentou-se com: taquicardia ventricular sustentada (TV) em 64%, TV e FV em 13% e exclusivamente FV em 23% dos pacientes. Como ilustrado na Figura 1, a fração de ejeção ventricular esquerda foi menor que 30% em 29% dos pacientes, entre 30% e 50% em 50% dos pacientes, e maior que 50% em 20% dos pacientes, com um valor médio de 37,3% ± 15,4%. A doença das artérias coronárias foi a doença cardíaca primária em 51% dos pacientes, seguida da cardiomiopatia em 22% dos pacientes (Figura 2).
Fig. 1 - Distribuição das frações de ejeção.
Fig. 2 - Distribuição das doenças cardíacas primárias.
Cardioversor-Desfibrilador
O Phylax 6 é um CDI multiprogramável de câmara única com terapias modulares para o tratamento das taquiarritmias. O filtro de sensibilidade é programável e pode ser ajustado individualmente. Os eletrodos utilizados são de estrutura fractal que melhoram o desempenho do sistema ao nível de sensibilidade e de desfibrilação.
O aparelho apresenta um conceito de terapia modular oferecendo uma zona para detecção de FV e 4 zonas de detecção de TV com critérios de detecção programáveis independentes.
Apresenta ainda um sistema de gravação do ECG intracavitário em tempo real de 4 minutos com extensa documentação dos episódios. Além das funções antitaqui o sistema apresenta estimulação antibradi em modo VVI multiprogramável. O Phylax XM oferece adicionalmente capacidade de memória estendida permitindo gravações de até 16 minutos do ECG intracavitário em tempo real e 18.000 intervalos RR com uma resolução de 4 ms.
Configuração dos Eletrodos
Todos os eletrodos implantados eram transvenosos com sistemas de 1 ou 2 molas intracavitárias para choque. Sempre que possível os aparelhos foram implantados em posição peitoral direita afim de otimizar a geometria do campo com uso da tecnologia de carcaça ativa (92% dos implantes realizados). Três configurações de eletrodos foram utilizadas:
1 Mola de choque ventricular (SPS, Kainox RV, Biotronik) versus carcaça ativa, aplicação padronizada (Figura 3) em 517 (76%) pacientes.
Fig. 3 - Na configuração 1, os choques são propagados entre a mola de choque do VD e a carcaça ativa do aparelho.
2 Mola de choque ventricular e mola de choque em veia cava superior em um único eletrodo (SL-ICD, Kainox SL, Biotronik) com configuração de campo elétrico resultante entre mola de choque ventricular versus mola de choque em veia cava e carcaça ativa em 70 (11%) pacientes.
3 Carcaça não ativa e eletrodo único com duas molas com configuração de campo elétrico resultante entre mola de choque ventricular versus mola de choque em veia cava em 47 (7%) pacientes.
Outros 6% representaram trocas de CDI com outros eletrodos já existentes em configuração com carcaça ativa. Dentre todos, apenas 3 pacientes (menos de 1%) necessitaram de um "patch" subcutâneo adicional afim de se obter limiares de desfibrilação compatíveis.
Durante o implante foi verificada a eficácia das terapias antitaqui e antibradi. Dentre as medidas incluem-se as leituras da amplitude da onda R, limiar de estimulação antibradi, impedância da interface eletrodo-miocárdio e impedância de choque. Três métodos diferentes foram utilizados para testar a eficiência do choque:
1 Limiar de desfibrilação real: testes contínuos com energias menores até observação de choque ineficaz. Neste ponto eleva-se novamente a energia até encontrar-se o primeiro choque eficaz que é definido como choque de desfibrilação real.
2 Teste com energias menores reduzido: consiste em redução contínua das energias, interrompendo-se o teste quando se encontra o primeiro choque ineficaz.
3 Teste rápido baseado na função do aparelho: um ou dois choques são deflagrados com menos do que 20 Joules de energia. Se não forem observadas falhas, conclui-se o teste.
Todos os parâmetros intra-operatórios de sensibilidade, estimulação e desfibrilação foram determinados usando o sistema TMS1000 que combina a funcionalidade de um programador e de equipamento externo para análise da estimulação / choque em um único aparelho.
RESULTADOS
A Tabela 1 sumariza os resultados das medidas intra-operatórias. Os limiares de estimulação baixos (0,81 ± 0,6V) e os altos sinais de amplitude (14,3 ± 6,7mV) documentam o excelente desempenho dos eletrodos fractais para sensibilidade e estimulação. A média da impedância de estimulação foi de 507 ± 108W.
Cada um dos três métodos para verificação da eficiência do choque foi aplicado em cerca de um terço da população de pacientes estudados (Figura 4).
Fig. 4 - Distribuição porcentual dos protocolos de teste dos limiares de desfibrilação: função de teste rápido baseado no aparelho, limiar de desfibrilação real e teste de redução progressiva da energia.
A avaliação dos dados intra-operatórios revela claramente a tendência dos Centros participantes em reduzir o número de choques aplicados: a média dos limiares de desfibrilação real foi de 19,95 ± 5,59J apesar de que a interrupção no teste de redução de energia foi de 9,48 ± 3,54J. A única explicação lógica para este fenômeno é que havia uma tendência para determinação do limiar real só nos pacientes onde um choque inefetivo era observado com altas energias.
Neste caso, não havia outra alternativa para confirmar a eficiência do choque a não ser com o aumento da energia. Entretanto, os valores de limiares de desfibrilação esperados nos casos acima eram de níveis de energia mais elevados.
Nos implantes onde se utilizou a função de teste do aparelho, foi realizada sedação do paciente em vez da anestesia geral durante a deflagração do choque. O número de choques deflagrados, naturalmente, foi distintamente menor quando comparado aos dos testes de limiar de desfibrilação (Figura 5). Ambos os pontos reduzem os riscos intra-operatórios bem como o tempo cirúrgico. Repetidas fibrilações implicam uma série de eventos de isquemia que contribui para a deterioração do estado do coração.
Fig. 5 - Número médio de choques de testes aplicados em cada protocolo de teste.
Os dados dos acompanhamentos clínicos documentam que todos os episódios de FV foram revertidos com sucesso. Nenhuma morte por arritmia foi documentada. Os registros dos episódios de taquicardia indicavam que 55% dos episódios foram tratados com sucesso na primeira tentativa de reversão com terapia antitaquicardia. Normalmente, até quatro tentativas de terapias antitaquicardia foram programadas em cada classe de TV selecionada. A alta porcentagem de sucesso das terapias antitaquicardia é atribuída à ampla faixa de programação existente para cada seqüência de terapias antitaqui. Esta flexibilidade permite um ajuste de terapia às necessidades específicas de cada paciente conforme os resultados de investigação eletrofisiológica prévia.
COMENTÁRIOS
A experiência clínica com 1058 implantes realizados em todo o mundo demonstra a eficiência e segurança do sistema investigado, em relação à detecção e reversão das arritmias. Em mais de 99% dos casos, sistemas transvenosos com eletrodo único proveram desfibrilação bem sucedida com baixas energias, e em apenas 3 casos foi necessária a utilização de um "patch" subcutâneo adicional.
Entretanto, esta eficácia de choques com baixas energias não levou à redução na energia programada dos aparelhos, mas a uma tendência para a não determinação do limiar de desfibrilação real. Certamente, isto permite uma redução dos riscos intra-operatórios associados a repetidos episódios de fibrilação e anestesia geral necessária para a determinação do limiar de desfibrilação real. Assim, pode-se reduzir o tempo necessário para o procedimento de implante em aproximadamente meia hora. Por outro lado, os efeitos deletérios de altas energias para desfibrilação podem ser apontados. A observação de limiares de desfibrilação reais abaixo de 5J em 10% dos pacientes estudados mostra que programações de energias de 15J ou 20J são freqüentemente desnecessárias e inadequadas. Estes pacientes podem se beneficiar dos enormes progressos que foram obtidos com a redução do limiar de desfibrilação real através das novas tecnologias disponíveis ao longo da última década, economizando energia nos choques.
Uma abordagem neste sentido foi a utilização de choques com múltiplas fases (5). Fornecendo choques mono, bi, tri e tetrafásicos, os modernos CDI puderam otimizar os limiares de desfibrilação.
Os implantes subpeitorais em combinação com a tecnologia de carcaça ativa permitiram a otimização das linhas de campo abrangendo maior massa ventricular, facilitando a desfibrilação. A redução das perdas na interface pela utilização de eletrodos com estrutura fractal foi outra contribuição importante (6). A combinação destas tecnologias no sistema investigado permitiu a aplicação de baixas energias para desfibrilação em um subgrupo de pacientes. Apesar disto, acreditamos que as vantagens dos limiares de desfibrilação reais baixos ainda requerem discussão sobre os prós e contras da determinação destes limiares. Ainda se faz necessário aumentar a sensibilidade e especificidade dos critérios clínicos para a identificação dos pacientes com limiares de desfibrilação reais baixos, antes de testá-los. A conjunção de limiares de desfibrilação reais baixos com testes intra-operatórios eficientes pode determinar uma nova era no tratamento destes pacientes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 MADIT Executive Committee - Multicenter automatic defibrillator implantation trial (MADIT): design and clinical protocol. Pace 1991; 14: 920-7.
2 Moss A J, Hall W J, Cannom D S, et al. - Improved survival with an implanted defibrillator in patients with coronary disease at high risk of ventricular arrhythmias: multicenter automatic defibrillator implantation trial investigators. N Engl J Med 1996; 335: 1933-40.
[ Medline ]
3 Winkle R A, Mead R H, Ruder M A - Long-term outcome with the automatic implantable cardioverter-defibrillator. J Am Coll Cardiol 1989; 13: 1353-61.
4 Jones J L - Ventricular fibrillation. In: Singer I, ed. Implantable cardioverter defibrillator. New York: Futura Publishing Company, 1994: 43-67.
5 Schuder J C - The role of an engineering oriented medical research group in developing improved methods and devices for achieving ventricular defibrillation: the University of Missouri experience. Pace 1993; 16: 95-124.
6 Bolz A, Bieberle T, Schaldach M - Fractal electrodes for improved control of implantable defibrillators. Proceedings of the 7th International. IMEKO TC-13. Conference on measurement in clinical medicine: model based biomeasurements 1995: 109-111.