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ARTIGO ORIGINAL

Perfusão cerebral retrógrada é método eficaz de proteção cerebral?: resultados imediatos de estudo consecutivo e randomizado

Ronaldo D Fontes0; Noedir A. G Stolf0; Charles Mady0; Luiz F. ÁVILA0; Renata S. D'ÉLIA0; Cinthia PARRAS0; Ricardo V. dos SANTOS0; Adib D Jatene0

DOI: 10.1590/S0102-76381999000100003

RESUMO

Foram estudados 30 pacientes com diagnóstico de aneurisma ou dissecção de aorta tratados cirurgicamente. O método utilizado consistiu: uso de hipotermia profunda, parada circulatória total, infusão de 0,20 mg/Kg de peso de dexametasona intravenosa e 10 mg/Kg/peso de thiopental, colocação dos pacientes em Trendelemburg a 45 graus durante o período de parada respiratória. Os 30 pacientes foram operados consecutivamente e randomizados em 2 grupos. Grupo I constituído de 15 pacientes, nos quais foi utilizada a perfusão cerebral retrógrada (PCR) através da veia cava superior e Grupo II também com 15 pacientes nos quais não foi utilizada PCR. Onze (36,7%) pacientes tinham aneurisma da aorta ascendente e arco aórtico, 7 (23,3%) tinham dissecção aguda da aorta do tipo I, 6 (20%) com dissecção crônica da aorta ascendente e os 6 (20%) restantes outros diagnósticos não agrupáveis. Foi realizada análise das seguintes variáveis independentes para mortalidade: idade, sexo, tempo de circulação extracorpórea, tempo de parada circulatória, diagnóstico, complicações prévias, comparando os dois grupos. A mortalidade imediata do Grupo I foi de 4/15 (insuficiência respiratória) 26,6% e no Grupo II 3/15 (coma) 20,0% - p =1,00. A incidência de complicações neurológicas no Grupo I foi 3/15 (20,0%) e no Grupo II, 2/15 (13,3%) p = 1,000. A análise estatística utilizando o teste exato de Fisher não demonstrou diferença entre os dois grupos com relação à mortalidade imediata e complicações neurológicas. As causas de óbito foram: insuficiência respiratória em 4 pacientes, alteração neurológica, hiperpotassemia e infarto do miocárdio, respectivamente nos 3 últimos. No presente trabalho, concluímos que a associação de PCR não oferece proteção cerebral mais eficaz que a parada circulatória total associada à hipotermia profunda, para o tempo de isquemia utilizado.

ABSTRACT

Thirty patients with diagnosis of aortic aneurysm or dissection were submitted to surgery and randomized into two groups. Group I, consisting of 15 patients underwent retrograde cerebral perfusion (RCP) and Group II, also with 15 patients in which the RCP was not utilized. Eleven (36.7%) patients had ascending aorta aneurysm and aortic arch, 7 (23.3%) had acute aortic dissection type I, 6 (20%) suffered from chronic dissection of the ascending aorta and the remaining 6(20%) had other ungroupable diagnosis. The following independent variables were analyzed in the two groups: age, sex, extra-corporeal time span, duration of circulatory arrest, diagnosis and previous complications. Immediate mortality in Group I was 4/15 (26.6%) and in Group II 3/15 (20.0%) p = 1.00. The rate of neurological complications in Group I was 3/15 (20%) and in Group II, 2/15 (13.3%) p = 1.000. Causes of death were: respiratory insufficiency in 4 patients, neurological changes, hyperpotassemia and myocardial infarct, respectivelly in the last three. In this study, we concluded that the association of RCP does not provide more effective cerebral protection than circulatory arrest with deep hypothermia for the ischemic period studied.
INTRODUÇÃO

A primeira tentativa de tratamento cirúrgico de aneurisma de arco aórtico utilizando suporte cerebral, foi realizada por SCHAFER & HARDIM (1), em 1952, através da canulação dos vasos braquiocefálicos com tubos de polietileno.

Em 1957, DE BAKEY et al. (2) realizaram a primeira operação com sucesso no tratamento de aneurisma do arco aórtico, utilizando homoenxerto aórtico, desvio cardiopulmonar e perfusão dos vasos braquiocefálicos (2).

A experiência desses autores, associada à modificações técnicas, não foram suficientes para diminuir a mortalidade imediata.

Somente em 1975 quando GRIEPP et al. (3) introduziram o método da hipotermia profunda na prática clínica, a partir dos estudos experimentais de CONNOLLY et al. (4) houve melhora acentuada dos resultados.

CRAWFORD & SALEH (5) utilizando-se desses conceitos também reduziram a mortalidade e o índice de complicações neurológicas em seus pacientes.

Entretanto, as complicações neurológicas não foram totalmente eliminadas, o que motivou UEDA et al. (6) a empregarem o método de perfusão cerebral retrógrada (PCR) durante operações para tratar aneurismas do arco aórtico.

Utilizada primariamente para tratar embolismo aéreo acidental, a PCR passou portanto a ser utilizada no tratamento dos aneurismas do arco aórtico, na tentativa de perfundir o cérebro durante o período de isquemia.

O presente trabalho tem por objetivo, avaliar a eficácia da PCR, durante operações realizadas para corrigir aneurismas e dissecções da aorta.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Desde outubro de 1992 até dezembro de 1994, estudamos 30 pacientes com diagnóstico de aneurisma ou dissecção de aorta (Tabela 1), que foram tratados cirurgicamente de forma consecutiva. Quatro pacientes eram do sexo feminino, com idade média de 51,1 anos (15 a 71).



Os diagnósticos pré-operatórios foram incluídos na Tabela 1.

Em todos os pacientes foi utilizada circulação extracorpórea convencional, hipotermia de superfície no crânio, hipotermia profunda, temperatura retal entre 12° - 15° C, infusão de 0,2 mg/kg/peso corpóreo de dexametasona associada ao perfusato, 10,0 mg/kg/peso corpóreo de Thiopental 15 minutos antes da parada circulatória e posição da mesa cirúrgica em Trendelemburg a 45° no momento da parada circulatória total. Os pacientes foram sorteados e separados em dois grupos. Grupo I constituído de 15 pacientes, nos quais foi utilizada perfusão cerebral retrógrada (PCR), e Grupo II também com 15 pacientes nos quais não foi utilizada perfusão cerebral retrógrada.

Utilizamos infusão de solução cardioplégica cristalóide nos óstios das artérias coronárias. Consideramos como perfusão cerebral retrógrada clássica, a canulação em "Y" da veia cava superior e artéria femoral, sendo que durante o período de parada circulatória total, perfundimos a veia cava superior retrogradamente, com fluxo de sangue arterializado de 300 a 500 ml/min, aspirando o retorno do sangue proveniente do cérebro e o de retorno dos vasos braquiocefálicos arteriais.

Não havia evidências clínicas de distúrbio neurológico prévio em nenhum dos pacientes, assim como obstruções nas grandes artérias braquiocefálicas.

Os grupos foram analisados quanto às variáveis pré-operatórias: choque cardiogênico, isquemia mesentérica, operação cardíaca prévia, rotura de aneurisma, insuficiência renal, infarto do miocárdio.

Para a realização desta análise comparativa utilizamos o teste não paramétrico de Person. O teste exato de Fisher foi utilizado para analisar idade, tempo de parada circulatória, complicações neurológicas e óbitos ocorridos nos dois grupos.

RESULTADOS

A análise não paramétrica de Person não evidenciou diferença entre os dois grupos estudados, quanto à incidência de complicações prévias.

Entretanto, vale notar a maior incidência de mortalidade nos pacientes com insuficiência renal e infarto agudo do miocárdio prévios.

A idade também foi variável que teve comportamento semelhante nos dois grupos (Tabela 2), quanto à mortalidade.



O tempo de parada circulatória nos dois grupos, também foi estatisticamente semelhante, Grupo I = 31,06 (14' a 87') e para o Grupo II = 32,53 (17'a 55').

O teste exato de Fisher demonstrou não haver diferença entre os dois grupos estudados, para a variável tempo de parada circulatória total, p = 1,000.

As causas dos óbitos foram, no Grupo I: insuficiência renal em 3 pacientes e infarto do miocárdio em 2 sendo que no total, 4 pacientes faleceram neste grupo, portanto um paciente tinha infarto do miocárdio e insuficiência renal associados (4/15) 26,6%.

No Grupo II, houve 3 óbitos respectivamente por choque cardiogênico, insuficiência renal e infarto do miocárdio associado a AVC isquêmico (3/15), 20%.

Não houve portanto diferença, significativa de mortalidade entre os dois grupos estudados.

Entre as complicações neurológicas no Grupo I, tivemos 1 caso de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) que evoluiu com hemiparesia tardia, um caso de síndrome de Horner e outro com diminuição da acuidade visual que reverteu parcialmente. No Grupo II tivemos um caso de AVCI responsável por um dos óbitos, um caso de convulsões generalizadas que não deixaram seqüelas; portanto, no Grupo I, 3/15 (20%) e no Grupo II, 2/15 (13,3%).

A análise estatística utilizando o teste exato de Fisher demonstrou não haver diferença entre os dois grupos quanto à presença de complicação neurológica no pós-operatório.

COMENTÁRIOS

O tratamento cirúrgico dos aneurismas e dissecções que envolvem o arco aórtico total ou parcialmente e a aorta ascendente, sofreu grandes modificações em seus resultados a partir do uso da hipotermia profunda; as operações realizadas sobre o arco aórtico utilizando bypass e perfusão arterial braquiocefálica temporária ou permanente, tinham alta mortalidade. Essa técnica comprovadamente não foi capaz de proporcionar proteção ao sistema nervoso central durante o período do tratamento cirúrgico (5).

Sendo o cérebro, o órgão do corpo humano mais sensível à falta de oxigênio, a ausência de fluxo de sangue saturado com oxigênio produz inconsciência entre 10 a 15 segundos, quando o armazenamento de oxigênio está completamente depletado.

Após 5 minutos de anóxia, os metabolismos aeróbico e anaeróbico são paralizados, resultando em edema cerebral e morte. Estudos preliminares demonstraram efeito protetor da hipotermia sobre o sistema nervoso central à temperatura de 20° C. A necessidade do metabolismo central é 23% do valor em normotermia e 17% aos 15° C (7). A proteção cerebral determinada pela hipotermia pode ser melhorada com o uso de Thiopental que diminui o metabolismo central, como também com o uso de dexametasona e "scarvengers" na reperfusão.

Em 1993, SVENSSON et al. (8) foram convidados para relatar a experiência vivida por CRAWFORD E SALEH (5) entre julho de 1979 e janeiro de 1991, sobre hipotermia profunda com parada circulatória. Esse estudo revelou que a parada circulatória total pode provocar dano cerebral permanente ou transitório, global ou com hemiparesia ou plegia em 7% dos casos, e que é diretamente proporcional ao tempo; parada circulatória entre 7 e 29 minutos, provoca risco de 4% de dano neurológico, 30 e 44 minutos risco de 7,5%, 45 e 59 minutos 10,7% e 60 e 120 minutos 14,6% (8).

A despeito desses resultados, o método empregado para alcançá-los não é desprovido de complicações.

A importância do tempo de esfriamento e aquecimento do paciente foi reconhecida por CONNOLLY et al. (4) em 1965. Mudanças rápidas de temperatura podem provocar formações gasosas, macro ou microembolizações na circulação e grave vasoconstrição cerebral.

Coagulopatia é outro grande problema da hipotermia profunda, que provoca depleção dos fatores V e VII, protrombina, fibrinogênio e plaquetas, determinando atividade fibrinolítica. Mais recentemente, o uso dos oxigenadores de membrana tem diminuído essa complicação, além do avanço das próteses sintéticas e pericárdio bovino que também auxiliam na redução das complicações hemorrágicas (8-10).

As complicações neurológicas, hemorrágicas e pulmonares inerentes ao método de hipotermia profunda, que apesar de constituir um grande avanço, motivou UEDA et al. (6) utilizarem o método de proteção cerebral retrógrada como coadjuvante no tratamento dos aneurismas do arco aórtico, visando melhor proteção cerebral e obtendo bons resultados. YAMASHITA et al. (11) utilizaram o método em 2 pacientes e não tiveram complicações. Entretanto, esses bons resultados são difíceis de serem analisados, pois constam de séries pequenas e não comparativas.

CONCLUSÃO

A análise dos resultados nos pacientes nos permite concluir que a perfusão cerebral retrógrada através da veia cava superior, não garante melhores resultados do que o método convencional de hipotermia profunda e parada circulatória total aos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico de aneurismas que acometem parcial ou totalmente o arco aórtico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Schafer P W & Hardim C A - The use of temporary polythene shunts to permit occlusion, resection and frozen homologous graft replacement of vital vessel segments. Surgery 1952; 31: 186-90.

2 De Bakey M E, Crawford E S, Cooley D A, Morris Jr. G C - Successful resection of fusiform aneurysm of aortic arch with replacement by homograft. Surg Gynecol Obstet 1957; 105: 657-64.

3 Griepp R B, Stinson E B, Hollingsworth J F, Buehler D - Prosthetic replacement of the aortic arch. J Thorac Cardiovasc Surg 1975; 70: 1051-63.

4 Connolly J E, Roy A, Guernsey J M, Stemmer E A - Bloodless surgery by means of profound hypothermia and circulatory arrest: effect on brain and heart. Ann Surg 1965; 162: 724-37.

5 Crawford E S & Saleh S A - Transverse aortic arch aneurysm: improved results of treatment employing new modifications of aortic reconstruction and hypothermic cerebral circulatory arrest. Ann Surg 1981; 194: 180-8.

6 Ueda V, Niki S, Kusuhara K - Surgical treatment of the aneurysm of dissection involving the ascending aorta and aortic arch utilizing circulatory arrest and retrograde perfusion. J Jpn Assoc Thorac Surg 1988; 36: 161-6.

7 Bjorck G, Johansson B W, Nikson I M - Blood coagulation studies in hedgedogs, in a hibernating and a non' hibernating state, and in dogs, hypothermic. Acta Physiol Scand 1962; 56: 334-48.

8 Svensson L G, Crawford E S, Hess K R et al. - Deep hypothermia with circulatory arrest. J Thorac Cardiovasc Surg 1993; 106: 19-31.

9 Fontes R D, Stolf N A G, Lourenço F° D D et al. - Dez anos de cirurgia dos aneurismas e dissecções crônicas da aorta ascendente no Instituto do Coração - FMUSP. Rev Bras Cir Cardiovasc 1991; 6: 24-9.
[ Lilacs ]

10 Crepps Jr. J T, Allmendinger P, Ellison L, Humphrey C, Preissler P, Low H - Hypothermic circulatory arrest in the treatment of thoracic aortic lesions. Ann Thorac Surg 1987; 43: 644-7.

11 Yamashita C, Nakamura H, Nishikawa Y, Yamamoto S, Okada M, Nakamura K - Retrograde cerebral perfusion with circulatory arrest in aortic arch aneurysms. Ann Thorac Surg 1992; 54: 566-8.

Article receive on terça-feira, 1 de dezembro de 1998

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