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CASE REPORT

Traumatic tricuspid regurgitation associated to congenital atrial septal defect: case report

Vicente ÁVILA NETO0; Wanewman G. ANDRADE0; Ronaldo M. BUENO0; Luiz Alberto de MELO0; Ricardo F. A. MELO0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000400014

ABSTRACT

The authors describe a case of traumatic tricuspid regurgitation associated to congenital atrial septal defect that presented adverse clinical evolution and has required surgical treatment over a short period.

RESUMO

É relatado o caso de paciente portador de insuficiência tricúspide traumática com má evolução clínica necessitando de tratamento cirúrgico precoce. No ato cirúrgico foi evidenciada presença de comunicação interatrial não diagnosticada pelo ecodopplercardiograma e pelo estudo hemodinâmico, justificando, assim, o fracasso da terapêutica medicamentosa.
INTRODUÇÃO

A insuficiência tricúspide decorrente de traumatismo fechado do tórax (ITT) é entidade pouco freqüente (1), atinge, na maioria dos casos, o músculo papilar anterior (2) e o quadro clínico pode ter evolução silenciosa e imprecisa (3). O diagnóstico é geralmente feito pela ecodopplercardiografia e pelo cateterismo cardíaco, que evidenciam lesões nas cordas tendíneas ou nos músculos papilares, responsáveis pela má coaptação das cúspides, permitindo regurgitação de sangue para o átrio direito.

A boa tolerância dessa disfunção valvar permite, na maioria das vezes, retardar o tratamento cirúrgico ou, até mesmo, excluí-lo (4, 5). O presente relato descreve um caso de ITT cuja evolução desfavorável requereu intervenção cirúrgica a curto prazo.

APRESENTAÇÃO DO CASO

A.S., 47 anos, masculino, branco, natural e procedente de São Paulo, sem antecedentes de afecção cardiovascular, foi admitido no Pronto Socorro do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, para atendimento de emergência por suspeita de politraumatismo decorrente de acidente automobilístico.

Ao exame físico, apresentava confusão mental, dispnéia e cianose +/++++. Estava afebril, com pressão arterial de 100/60 mmHg, freqüência cardíaca de 98 batimentos por minuto e freqüência respiratória de 38 incursões por minuto. Não havia fraturas ósseas. À ausculta pulmonar, o murmúrio vesicular era audível bilateralmente, porém diminuído na base esquerda. As bulhas eram rítmicas, normofonéticas e, no 3º, 4º e 5º espaços intercostais esquerdos, junto à borda esternal, ouvia-se sopro holossistólico +++/++++ tipo regurgitação. O exame neurológico constatou hemiparesia direita e a tomografia confirmou a presença de hematoma subdural, que foi drenado por craniotomia, com recuperação sem seqüelas.

O eletrocardiograma mostrou ritmo sinusal taquicárdico e distúrbio na condução pelo ramo direito do feixe de His. O exame radiológico do tórax mostrou imagem de condensação na base esquerda, compatível com atelectasia, e área cardíaca dentro dos padrões normais. A ecodopplercardiografia (Figura 1) constatou insuficiência tricúspide de grau importante +++/++++. O estudo hemodinâmico e angiocardiográfico mostrou: pressões normais nas cavidades direitas e esquerdas, à exceção da pressão média do átrio direito (Tabela 1), que se apresentava elevada: ventrículo esquerdo com contratilidade discretamente diminuída; coronárias sem doença aterosclerótica e o ramo interventricular anterior com seguimento proximal intramiocárdico; ventrículo direito com contratilidade conservada e insuficiência da valva tricúspide +++/++++ (Figura 2).


Fig. 1 - Ecodopplercardiograma transtorácico evidenciando IT importante.




Fig. 2 - Ventriculografia esquerda e direita na projeção oblíqua anterior direita em sístole e diástole.

Durante o período de internação, o paciente evoluiu com dispnéia aos pequenos esforços, fadiga e astenia. A avaliação cardiológica constatou persistência do sopro cardíaco com as mesmas características do exame de admissão e que se intensificava com as manobras respiratórias. Medicado com digitálicos e diuréticos, os sintomas desapareceram e o paciente recebeu alta hospitalar 40 dias após a internação. Trinta dias após, foi internado no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, devido ao agravamento da dispnéia, com cianose de extremidades e labial e mucosas descoradas ++/++++. A pressão arterial era 100/60 mmHg, e a freqüência cardíaca de 100 batimentos por minuto. A ausculta do coração não se modificara em relação ao primeiro exame e o murmúrio vesicular era normal e audível em ambos os campos pulmonares. O fígado encontrava-se palpável a 4 cm abaixo da borda costal direita, doloroso e havia edema ++/++++ nos membros inferiores.

O eletrocardiograma não evidenciou modificações, enquanto a área cardíaca estava aumentada +/++++, no exame radiológico do tórax, e os campos pulmonares tinham transparência normal. O ecocardiograma transesofágico mostrou: câmaras esquerdas com dimensões normais e contratilidade ventricular direita discretamente diminuída; valvas aórtica, pulmonar e mitral com aspecto anatômico e fluxo normais; valva tricúspide com rotura completa dos músculos papilares anterior e septal, cujas cúspides livres no átrio direito causavam importante refluxo (Figura 3); drenagem venosa, sistêmica e pulmonar, normal, com dilatação de ambas as veias cavas e septos interatrial e interventricular íntegros.


Fig. 3 - Ecocardiograma transesofágico.

À resposta insatisfatória ao tratamento clínico, para a insuficiência cardíaca, o tratamento cirúrgico da valva tricúspide foi indicado.

A operação foi realizada através da esternotomia mediana. Desfeitas as aderências pericárdicas, estabeleceu-se a circulação extracorpórea através da aorta ascendente e átrio direito (AD) sob hipotermia moderada (32°C) e com hemodiluição total. A área cardíaca estava aumentada +/++++ à custa das câmaras direitas. Depois de pinçada a aorta, foi injetada solução cardioplégica sangüínea (500 ml) no início da aorta e realizada a abertura transversal do AD; presença de comunicação interatrial (CIA) do tipo ostium secundum, com 20 mm de diâmetro. A valva tricúspide apresentava rotura dos músculos papilares anterior e septal em seus pontos de inserção na parede ventricular; a valva foi substituída por uma bioprótese de pericárdio bovino (Biocor nº 33). Fechada a CIA com sutura contínua e reaquecimento sistêmico com recuperação dos batimentos cardíacos após a abertura da pinça da aorta. Foi necessário a implantação de marcapasso externo devido a bloqueio atrioventricular total e o uso de drogas vasoativas, para o equilíbrio hemodinâmico.

Durante as primeiras 24 horas, o paciente manteve-se clinicamente dependente de drogas vasoativas e com sangramento aumentado, o que levou a revisão da hemostasia.

No 4º dia de pós-operatório, permanecia adinâmico, com períodos de confusão mental e queixa de fadiga aos esforços. No 7º dia, observou-se retomada do ritmo sinusal, tendo sido desligado o marcapasso de demanda; normalização do quadro confusional.

Clinicamente estável e sem seqüelas neurológicas, teve alta no 19º dia de pós-operatório, permanecendo sem intercorrências 12 meses depois, quando da última avaliação clínica.

COMENTÁRIOS

Tem-se creditado a Williams (3, 4, 6, 7) a primeira comunicação de insuficiência tricúspide causada por traumatismo fechado de tórax, em 1829, e foi ainda no século passado que Todd sugeriu, em 1848, ter sido o mecanismo dessa lesão a violenta compressão do coração e repentina obstrução da via de saída do ventrículo direito (VD) (6, 7). Cento e cinqüenta anos depois, a literatura registrava mais de 40 casos (8) os quais, da década de 80 até nossos dias, têm aumentado sensivelmente (9). É permitido cogitar que esse crescente aumento relaciona-se ao número de motociclistas e de condutores de automóveis cada vez mais velozes, bem como à evolução tecnológica que proporciona meios de diagnóstico sofisticados (2, 5, 6, 8, 10, 11).

Entre as causas de insuficiência tricúspide orgânica, o traumatismo fechado do tórax ocupa um pequeno espaço, quando comparado com o reumatismo articular agudo e a endocardite bacteriana, a síndrome carcinóide, a endomiocardiofibrose, a cardiopatia isquêmica (8, 9, 12-15) e a doença de Ebstein (9), não representando, segundo QUATRE et al. (2), mais que 3% das valvopatias traumáticas, bem distante das aórticas (62%) e das mitrais (34%) e apenas à frente das pulmonares (1%) (2, 5).

A ITT é rara e, dentro desse aspecto, a rotura do músculo papilar é mais freqüente que a das cordas tendíneas ou a laceração das cúspides (5), sendo o aparelho subvalvar anterior o mais freqüentemente atingido, com incidência de 75% (2). Pamley et al. (1), encontraram apenas 1 (0,18%) caso de ITT isolada entre os 24 casos de laceração e/ou rotura de músculo papilar, 23 dos quais tinham, concomitantemente, outras graves lesões cardíacas (modificação da Tabela 1 feita pelo autor, do artigo de Circulation 1958;18:372), numa amostragem de 546 necrópsias de trauma cardíaco não penetrante (1). Portanto, não somente as valvas do lado direito do coração são menos envolvidas, como sua insuficiência é menos sintomática e melhor tolerada, agudamente (4).

É uma característica da insuficiência tricúspide a possibilidade de uma evolução prolongada devido à boa tolerância funcional e essa afirmativa é especialmente verdadeira nos casos em que há disfunção de músculo papilar - Dodd et al. (4), relatam um caso de criança de 9 anos de idade, com importante regurgitação mitral e tricúspide, que teve resolução espontânea - em que o músculo papilar anterior está intacto (3) ou em que houve rotura das cordas, mas não do músculo papilar (3, 8).

Embora a literatura contenha relatos de casos operados depois de 8 meses ou até anos (2, 10, 15, 16), após o início dos sintomas, a insuficiência tricúspide causada por rotura do músculo papilar anterior tem geralmente evolução tumultuada.

Sabe-se que a inversão do fluxo, seja através do forame oval patente (8), seja através de defeito do septo interatrial (17), é conseqüência do aumento da resistência vascular pulmonar ou de falência do VD. A associação da CIA (de evolução benigna e silenciosa) com lesão traumática de músculo papilar pode ser responsável pelo aparecimento de cianose central (inversão do fluxo átrio direito ® átrio esquerdo) após o trauma do coração (17), devido à sobrecarga de volume no AD.

Em nosso caso, além da presença da CIA, a lesão da tricúspide atingiu tanto o músculo papilar anterior como o septal. Julgamos acertado supor que a disfunção valvar ocorreu progressivamente (8 a 12 semanas após) e não imediatamente ao trauma, uma vez que nosso paciente respondeu à terapêutica inicial com digitálicos e diuréticos, sofrendo deterioração rápida no curto período de 30 dias após a alta hospitalar, retornando em classe funcional III do NYHA (New York Heart Association). Nosso relato aproxima-se do de HILTON et al. (8) que, pela primeira vez, descreveram, em 1990, a rotura tardia de músculo papilar, em paciente com forame oval patente.

Embora o distúrbio de condução ou, mesmo, o bloqueio completo do ramo direito do feixe de His esteja presente em 92% dos casos de ITT (15), o eletrocardiograma de nosso paciente não foi de grande ajuda, dada a presença da CIA. Valiosos na avaliação da insuficiência tricúspide, a ecocardiografia e o cateterismo cardíaco não nos auxiliaram no diagnóstico da CIA, que foi um achado cirúrgico.

Uma vez que os resultados a longo prazo das trocas valvares tricuspídeas não são tão favoráveis como os das trocas do lado esquerdo do coração (1, 5) e dado o escasso número de pacientes descritos na literatura, há certa controvérsia na indicação da operação (2, 5, 15). Todos os autores, entretanto, estão de acordo que se faz imperativo o tratamento cirúrgico quando falha o medicamentoso no alívio dos sintomas e antes da falência irremediável do miocárdio ventricular direito (5-10, 13).

CONCLUSÃO

A insuficiência tricúspide traumática é uma entidade clínica que cursa de forma silenciosa devido à boa tolerância funcional. Entretanto, a lesão da valva pode ser parcial no momento do acidente, completando-se, progressivamente, nos dias subseqüentes, desencadeando grave insuficiência cardíaca congestiva. O nosso caso mostra que a presença de comunicação interatrial contribuiu para a má evolução clínica, requerendo tratamento cirúrgico tanto do defeito valvar como do defeito interatrial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Article receive on Sunday, November 1, 1998

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