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ORIGINAL ARTICLE

Valve repair in congenital mitral lesions: late clinical results

Gabriel LORIER0; Renato A. K Kalil0; Paulo R Prates0; Abud HOMSI NETTO0; Nicolas TELEO0; Christiano S. BARCELLOS0; Javier GONZALES0; Marcus K. S. CHIATTONI0; Gustavo Roberto Hoppen0; João Ricardo Sant'Anna0; Ivo A Nesralla0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000400005

ABSTRACT

Background: Congenital mitral valve disease is associated with complex deformities of mitral apparatus. Annular support should be avoided in children and adolescents. Since 1975 we have employed non-supported techniques for mitral repair. Objective: This paper presents long term clinical results for repair in congenital mitral valve disease in children under 12 years of age. Patients and Methods: This series comprises 21 patients operated from 1995 to 1998. Mean age 4.6 ± 3.4 years. Female sex 47.6% mitral regurgitation in 57.1% (12 pt), stenosis 28.6% (6 pt) and mixed lesion 14.3% (3 pt). Perfusion time was 43.1 ± 9.5 min and ischemic time 29.4 ± 10.5 min. Follow-up time was 41.5 ± 53.6 months for the regurgitation group (12 pt) and 46.3 ± 32.0 months for the stenosis group (4 pt followed). Results: Operative mortality was 9.5% (2 cases), both in the stenosis group. There was no late death. In the regurgitation group, 10 pt (83.3%) were assymptomatic. Echocardiographic control at a mean follow-up time of 37.1 ± 39.5 months showed, in 9 cases, 1 without reflux, 6 mild and 2 moderate reflux. There was 1 reoperation at 48 months post operative for a new valve repair. In the stenosis group, there were 4 patients followed, all in functional class I, 2 without drugs. Echo control at a mean follow-up time of 42.6 ± 30.5 months showed mean gradient from 8 to 12 mmHg. The mixed lesion group had 1 reoperation after 43 post-operative months. There were no cases of endocarditis or thromboembolism. Conclusion: Mitral valve repair in congenital lesions is associated with good late results. The majority of cases remain assymptomatic and free of reoperations. Failures are related to complexity of deformities. Rings on annular support are not necessary. Repair of regurgitation performs better than these for stenosis.

RESUMO

Fundamento: Malformações congênitas da valva mitral são lesões complexas. Em crianças e adolescentes, os anéis protéticos devem ser evitados. Desde 1975 não usamos anéis protéticos, empregando-se a técnica de Wooler nas anuloplastias. Objetivo: Análise da evolução clínica tardia após o tratamento cirúrgico das anomalias mitrais congênitas, com e sem malformações associadas, em crianças até 12 anos de idade, tratadas com técnicas reparadoras e reconstrutivas sem suporte anelar. Casuística e Métodos: Foram avaliados 21 pacientes operados entre 1975 e 1998. A média de idade foi de 4,67 ± 3,44 anos; sexo feminino em 47,6%; a insuficiência esteve presente em 57,1% (12 casos), estenose em 28,6% (6 casos) e dupla lesão em 14,3% (3 casos). O tempo de perfusão foi 43,10 ± 9,50 min; tempo de isquemia 29,40 ± 10,50 min. O seguimento clínico na insuficiência foi feito em 12 pacientes com média de 41,52 ± 53,61 meses; no grupo de estenose em 4 pacientes com média de 46,39 ± 32,02 meses. Resultados: No grupo de insuficiência 10 pacientes estavam assintomáticos. Controle ecocardiográfico em 9 pacientes, (seguimento 37,17 ± 39,51 meses) 6 pacientes apresentaram refluxo leve, 1 ausência de refluxo e 2 com refluxo moderado; 1 paciente foi reoperado aos 48 m após a primeira operação, sendo feita nova plastia. No grupo da estenose, 4 pacientes, todos assintomáticos, sendo 2 sem medicação, com seguimento ecocardiográfico, média 42,61 ± 30,59 meses, gradiente médio entre 8 e 12 mmHg. No grupo de dupla lesão, 1 paciente foi reoperado para implante de bioprótese aos 43 meses da primeira operação, 1 paciente aos 75 meses da operação encontrava-se em classe funcional II e a ecocardiografia mostrou estenose e insuficiência leve. Não foram relatados episódios de endocardite nem tromboembolismo. A mortalidade operatória foi de 9,5% (2 casos). Não houve mortalidade tardia. Conclusões: A estenose mitral apresenta maiores dificuldades de correção, pelas anormalidades valvares e pela gravidade de lesões associadas. A correção da insuficiência sem suporte anelar apresenta bons resultados a longo prazo.
INTRODUÇÃO

Malformações congênitas da valva mitral são lesões complexas, em conseqüência dos vários aspectos morfológicos que envolvem, geralmente, mais de um componente valvar (1-3) e, por incidirem em uma população com alta prevalência de anomalias cardíacas associadas (4, 5), incluindo defeito do septo atrioventricular, coração univentricular, hipoplasia de ventrículo esquerdo (VE), formas discordantes de conexões atrioventriculares, transposição das grandes artérias, obstrução da via de saída de ventrículo direito e dupla via de entrada de VE (6).

As lesões congênitas isoladas são raras (1, 7, 8), estenose ou insuficiência mitral afetando 1% da população de pacientes com cardiopatias congênitas (5).

A insuficiência mitral congênita (IMC) isolada é extremamente incomum (8), sendo, na infância, encontrada em associação com outros defeitos cardíacos, alterações do tecido conjuntivo e em condições inflamatórias adquiridas, tais como miocardites, endocardites, febre reumática, doença de Kawasaki e outras colagenoses com comprometimento vascular (8). Na estenose mitral congênita (EMC) a obstrução ao fluxo resulta de anomalias morfológicas em diferentes níveis (1, 2, 5), sendo mais freqüente que a insuficiência (2).

O objetivo do presente trabalho é a análise da evolução clínica tardia após o tratamento cirúrgico das anomalias mitrais congênitas, com ou sem malformações, associadas em crianças até 12 anos de idade tratadas com técnicas reparadoras e reconstrutivas sem suporte anelar, e a revisão da literatura.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período de 1975 a 1998 no Instituto de Cardiologia do RS/FUC foram operados 21 pacientes pediátricos com lesão congênita da valva mitral, com média de idades de 4,67 ± 3,44 anos, sexo feminino 47,6% e masculino 52,4%. A insuficiência valvar mitral esteve presente em 57,1% (12 casos), estenose em 28,6% (6 casos) e a dupla lesão em 14,3% (3 casos). Malformações intracardíacas associadas foram encontradas em 61,9% dos pacientes; no grupo de estenose, 83,3% apresentavam outras malformações, no grupo de insuficiência 41,6% e na dupla lesão todos os pacientes.

Malformações mais graves foram encontradas em 28,6% dos pacientes com estenose valvar, sendo valva em pára-quedas em 3 casos, todos com estenose, 2 deles portadores de síndrome de Shone's. Dilatação anelar isolada sem outras malformações foi encontrada em 2 casos.

Todos os pacientes foram operados por esternotomia mediana com auxílio da circulação extracorpórea (CEC) convencional, utilizando-se oxigenador descartável de bolhas ou membrana e hipotermia moderada entre 28° - 30°C. Para proteção miocárdica foi empregada cardioplegia cristalóide, hipercalêmica e resfriamento da cavidade pericárdica com solução salina a 4°C. Abordagem da valva mitral foi realizada mediante atriotomia longitudinal esquerda. Em 2 (33,3%) pacientes foi realizada comissurotomia mitral isolada; anuloplastia foi feita em 9 pacientes pela técnica de Wooler, e os procedimentos associados foram: 4 encurtamentos de cordas, 3 fechamentos de fenda em cúspide anterior e 2 fechamentos de fenda em folheto posterior. As lesões cardíacas associadas foram corrigidas após a valvoplastia mitral.

O tempo médio de CEC foi de 43,1 ± 9,5 min e de pinçamento aórtico 29,4 ± 10,5 min.

O acompanhamento pós-operatório foi realizado por avaliação periódica clínica, radiológica e ecocardiográfica. O tempo de seguimento foi de até 15,7 anos (média de 3,8 ± 4,1 anos).

RESULTADOS

A mortalidade operatória foi de 8,9%, em 2 pacientes com estenose mitral (hipoplásica em 1 caso e em pára-quedas em outro) associada com fibroelastose ventricular esquerda e com idades de 12 dias e de 7 meses.

Não foram relatados episódios de endocardite nem tromboembolismo durante o acompanhamento. A incidência de reoperação foi de 3 (13%) casos.

Quando da última avaliação, de 12 pacientes originalmente com insuficiência valvar, 10 (83%) estavam assintomáticos, sem medicamento, 1 paciente em classe funcional I da NYHA (com medicamento) e 1 em classe funcional II. Foi realizado controle ecocardiográfico em 9 pacientes, (seguimento 37,17 ± 39,51 meses) sendo 6 com refluxo leve, 1 ausência de refluxo e 2 com refluxo moderado. Foi reoperado 1 paciente aos 48 meses da primeira operação, sendo feita nova plastia. Em nossa série, tratamos com a técnica de Wooler as dilatações anelares, obtendo um seguimento clínico para 12 pacientes com insuficiência mitral congênita com média de 41,52 ± 53,61 meses; durante este período 10 pacientes estavam assintomáticos e 2 em classe funcional II de NYHA.

O grupo da estenose (6 casos), apresentou 2 óbitos e 1 caso de reoperação, que faleceu, 4 (66%) pacientes encontram-se em classe funcional I (sendo 2 com uso de mediação) e 2 em classe funcional II. O seguimento com ecocardiografia feita em 4 destes pacientes (média 42,61 ± 30,59 meses) mostrou gradiente transvalvar médio entre 8 e 12 mmHg.

No grupo de dupla lesão (3 casos) temos: 1 paciente sem controle, no qual havia, na alta hospitalar, refluxo leve pela ecocardiografia; em 1 paciente foi trocada a valva por uma bioprótese aos 43 meses da primeira operação. O 3º paciente do grupo, aos 75 meses da operação encontrava-se em classe funcional II; e a ecocardiografia mostrou estenose e insuficiência leve.

Os dados ecocardiográficos encontram-se na Tabela 1.



A sobrevida atuarial foi, aos 5, 10 e 15 anos, de 90% (Gráfico 1), probabilidade de sobrevida livre de reoperação foi de 72% aos 5 anos e de 46% aos 10 e 15 anos (Gráfico 2).





COMENTÁRIOS

A apresentação clínica da estenose ou insuficiência depende da gravidade da lesão mitral e da associação de defeitos intracardíacos (9).

O conhecimento da complexidade das malformações valvares é de importância fundamental devido ao atual entusiasmo pela cirurgia reparadora (2). É também conveniente descrever as anormalidades morfológicas em termos de malformações dos componentes da valva mitral, lembrando que semelhantes alterações podem resultar em estenose, insuficiência ou ambos (1, 10). A apresentação clínica, assim como a indicação cirúrgica da estenose ou insuficiência depende da gravidade da lesão mitral e da associação de defeitos intracardíacos (9). A indicação para operação foi falha cardíaca intratável ou hipertensão pulmonar grave ou ambas; a operação de preferência não deveria ser feita antes dos 6 meses de vida. Na infância, antes dos 3 meses, o colágeno não está amadurecido adequadamente, e o tecido valvar é particularmente friável, dificultando a manipulação (3). Em nossa série a média de idade da IMC foi de 6,09 ± 3,42 anos e na EMC de 2,95 ± 2,22 anos. Na série de CARPENTIER (3), foi para a EMC de 5,1 ± 3,2 anos e para IMC de 6,1 ± 3,2 anos. Na série de Planché, a EMC foi de 5,8 ± 3,9 meses e a IMC, de 7,4 ± 2,7 meses. Da série de DAVACHI et al. (11), a base mais comum dos distúrbios primários da valva mitral foi a anormalidade dos músculos papilares, seguidos do envolvimento das cúspides. Nas anormalidades dos músculos papilares, a valva mitral em pára-quedas, associada com endomiocardiofibrose, foi a malformação mais comum (11); em nossa série de 4 casos de valva mitral em pára-quedas, somente 1 paciente mostrava fibroelastose ventricular esquerda. No 2º grupo, a alteração mais comum foi o anel supravalvar seguido de tecido mitral acessório (11).

A estenose mitral congênita ocorre em 0,6% das necrópsias e em 0,2 a 0,42% das séries clínicas (1, 12). Na série de RUCKMANN & VAN PRAAGH (13) de 49 necrópsias com EMC, achou-se típica estenose mitral em 49% dos casos, tendo como lesão associada mais comum a coarctação da aorta. O tamanho do VE foi normal em 96% destes pacientes. Hipoplasia mitral congênita foi a segunda causa de EMC (41%), todas as vezes associada com hipoplasia de VE. Anel supravalvar foi encontrado em 12% dos casos e valva mitral em pára-quedas em 8%. Em nosso trabalho, na estenose mitral congênita (EMC), em 50% havia valva em pára-quedas, 38% estenose mitral típica e 12,5% hipoplasia mitral congênita; a hipoplasia ventricular esquerda esteve presente em 50% da EMC associada em 50% com fibroelastose ventricular esquerda. A hipoplasia mitral congênita é denominada por ANDERSON & BECKER (14) de miniaturização da valva mitral, podendo ou não estar associada a displasia do VE.

Na série de MOORE et al. (12), hipoplasia mitral típica com músculos papilares simétricos foi a primeira causa de EMC (52% dos casos), seguida de anel supravalvar em 20%, duplo orifício em 11%, hipoplasia mitral com assimetria de músculos papilares em 8% e valva mitral em pára-quedas em 8% dos casos. Em contraposição a esta série, EMBREY & BEHRENDT (5) afirmam que raramente o anel é tão pequeno que resulte em estenose, a menos que esteja presente hipoplasia de VE. Segundo estes autores, malformação das cordas é a causa mais comum de estenose (5).

CARPENTIER (15), em sua série de 50 pacientes, apresentou, como causa mais comum de EMC com músculos papilares normais, a fusão comissural em 17 pacientes. Com músculos papilares anormais, a mais comum foi a valva mitral em rede (Hammock) em 11 pacientes. Em nossa série, em 50% das EMC os músculos papilares eram anormais, sendo a mais comum a valva mitral em pára-quedas.

Segundo DAVACHI et al. (11), a dificuldade de fluxo através do orifício mitral parece decorrer de lesões congênitas, tais como espessamento das cúspides e cordas, fusão de comissuras e outras alterações e anormalidades típicas por erros na embriogênese. Na estenose congênita todos os componentes do aparelho valvar podem apresentar anormalidades variáveis e inter-relacionadas, ou seja, a obstrução se procede em diferentes níveis (2).

Segundo McGIFFIN (2), a insuficiência mitral congênita ocorre menos freqüentemente que a EMC. Em nossa série, tivemos 12 casos de insuficiência e 11 de estenose. A causa mais freqüente é a dilatação anelar (2, 15).

CARPENTIER (3) propôs classificar as lesões em 3 tipos:

Tipo I - com movimentos das cúspides normais

Tipo II - quando há prolapso das cúspides

Tipo III - quando há restrição aos movimentos das cúspides. Este grupo pode ser subdividido em 2:

Grupo III-A: com músculos papilares normais encontrando-se fusão comissural das cúspides, cordas curtas e valva mitral tipo Ebstein;

Grupo III-B: com músculos papilares anormais encontrando-se a valva em pára-quedas, valva em rede (Hammock) e hipoplasia ou agenesia de músculos papilares.

Tratamento Cirúrgico

Anormalidades congênitas ou adquiridas da valva mitral em crianças podem ser manejadas cirurgicamente com prótese mecânica, biológica ou plastia (4, 16). A troca valvar acompanha-se de alta mortalidade e de problemas com anticoagulação e impossibilidade de crescimento anelar que tornam inevitável a reoperação (2, 4, 17, 18).

Existem evidências de que a troca valvar interfere mais na função ventricular (no pós-operatório recente e tardio) do que os métodos de reparo valvar (17).

As biopróteses em crianças sofrem rápida degeneração tissular cálcica (9). KUTSCHE et al. (19) reportam uma incidência de 9% por paciente / ano, CARPENTIER (3) relata incidência de 50% em 4 anos, GEROLA et al. (20), relatam tempo médio de calcificação de 40 meses, não encontrando diferença entre as próteses bovina e porcina. GEHA et al. (16), em avaliação multicêntrica, demonstram 20% de troca de valva porcina no período médio de 33 meses. O mecanismo da rápida calcificação não está claro, relatando-se, como fatores predisponentes, o acelerado metabolismo cálcico em crianças e a preservação em glutaraldeído (sobre este último fator encontram-se em prova agentes detergentes, tal como os agentes disfosfonantes) (17).

Outros fatores que contribuem para o aumento do índice de falha das próteses incluem:

Contínuo crescimento do orifício valvar em crianças

Crescimento de tecido no orifício valvar, causando estenose (2)

Em crianças menores de 1 ano com lesões congênitas, o grupo de Boston relata média de sobrevida de 52% ao ano, e 43% em 5 anos nos seguimentos de troca por prótese mecênica ou porcina, com mortalidade imediata de 43% (17). CARPENTIER (3) relata, em média, mortalidade de 22% com troca aos 7,1 anos de idade. A UCLA, em crianças menores de 1 ano, relata média de mortalidade de 14% e 15% em menos de 2 anos, sendo que a média de mortalidade tardia foi de 4% no grupo menor de 1 ano e de 25% no grupo de menos de 2 anos (9).

Finalmente, a inserção da prótese limita o crescimento anelar (3, 4, 9, 17), além da necessidade de anticoagulação, com diferentes complicações (2-4, 9, 17) existindo relato (21) em que o tratamento prolongado com anticoagulante oral induz a calcificação traqueal e traqueobronquial.

Em nossa série, somente uma troca foi feita após os 43 meses da plastia.

A específica complexidade da operação reparadora valvar congênita mitral está demarcada pelos seguintes fatores:

É um grupo heterogêneo de malformações

Coexistência de complexas anormalidades cardíacas associadas a graus variáveis de hipoplasia anelar (2)

A técnica específica de reparo de cada componente valvar deve-se amoldar aos variados achados morfológicos (5)

O uso do anel rígido ou flexível com pré-requisito para eficácia e durabilidade do remodelamento anelar (22) atualmente está sendo questionado em adulto (23, 24) e a tendência é a diminuição de seu emprego (24, 25).

Em crianças e adolescentes, os anéis protéticos devem ser evitados por não permitirem o normal crescimento anelar (5) além de ser fator de risco para a distorção de cavidade cardíaca e contribuírem na obstrução da via de saída do VE (4).Isto ocorreu em 4 de 6 pacientes da série de Kadoba e CASTAÑEDA et al. (17) em trocas valvares em crianças com menos de 1 ano. Do mesmo modo, STELLIN et al. (26) encontraram este problema com anéis protéticos em 2 dos 5 colocados, tendo que ser reoperados. Sem acrescentar o fato de que o segmento anelar de continuidade mitro-aórtica tem capacidade de contração e relaxamento durante o ciclo cardíaco na via de saída do VE (22, 24, 25, 27), sendo a única porção que não se dilata; assim, conclui-se que a esse nível não deve existir qualquer estrutura protética.

A estabilidade a longo prazo do reparo da valva mitral dentro do conceito de anuloplastia remodeladora não significa o uso de anel rígido ou flexível para diminuir o diâmetro ântero-posterior do anel; acreditamos que a estabilidade na anuloplastia sem suporte com técnica de Wooler está contida na ancoragem nos trígonos fibrosos direito e esquerdo, mantendo-se as relações anatômicas variáveis normais com a valva aórtica e a via de saída do VE, podendo ficar o segmento anelar de continuidade mitro-aórtica com a capacidade de contração e relaxamento durante o ciclo cardíaco (27).

No momento de realizar a técnica de Wooler, é de essencial importância para a estabilidade a longo prazo do reparo que os pontos passem pelos trígonos fibrosos, lembrando as relações destes com a cúspide anterior (28). Esta técnica mostrou resultado tardio comparável com técnicas de suporte mais complexas (29-33), porém com menor incidência de falha técnica do reparo. A incidência relatada de falha de reparo por problemas técnicos com o anel protético varia AHARON et al. (9) 2,9%, CASGROVE et al. (34) 3,2%, DELOCHE et al. (35) 4,3%, COSGROVE et al. (24) 3,3%.

Morfologicamente, as lesões que mais dificultam o reparo efetivo e duradouro são as que apresentam alteração do aparelho subvalvar com músculos papilares anormais - incluindo valva em pára-quedas, a valva em rede (Hammock) - e agenesia de músculos papilares. Estas lesões determinam com mais freqüência estenoses (9) e estão associadas com grande freqüência a malformações complexas. Em nosso trabalho, 50% das EMC apresentaram síndrome de hipoplasia ventricular esquerda, 25% de grau importante, sendo mais grave que na insuficiência (36). Em nossa série, 3 pacientes apresentaram valva mitral em pára-quedas estenótica, duas delas associadas com síndrome de Shone's, sendo as valvas recuperadas. BARBERO-MARCIAL et al. (37) apresentam bons resultados a curto e longo prazo com 7 pacientes com valva mitral em pára-quedas com estenose (37).

A Tabela 2 (38, 39) mostra como é possível realizar a plastia da estenose mitral com valva em pára-quedas em 91,4% e da valva em rede (Hammock) em 50% dos casos.



AHARON et al. (6) comunicaram bons resultados em reconstruções mitrais associadas a cardiopatias complexas, sendo a sobrevida de 82% aos 5 anos e 89% dos pacientes aos 8 anos livres de reoperação. OKITA et al. (40), relataram sobrevida de 88% e possibilidade livre de reoperação em 86% aos 17 anos de evolução.

Observações de DAVACHI et al. (11) e HISATOMI et al. (41) sugerem que a comunicação interventricular perimembranosa é fator predisponente das dilatações anelares, porém em nossa série não observamos esta associação. A dilatação mitral como único mecanismo de insuficiência foi encontrada em 3 (25%) casos semelhante aos resultado da série de Planché 3 (30%) casos. A dilatação anelar com hipoplasia da cúspide posterior foi a lesão mais freqüente da série de Okita, mas isto não foi encontrado em nossa série.

Não registramos casos de duplo orifício mitral (3, 12, 42).

Referente aos óbitos intra-operatórios, ambos os pacientes apresentavam fibroelastose endocárdica. O paciente de 12 dias de idade apresentava hipoplasia ventricular esquerda e o de 7 meses, a síndrome de Shone's. Recentes estudos de BOWLES et al. (43), sugerem a infecção viral como etiologia na fibroelastose endocárdica, sustentando a hipótese de que esta enfermidade é uma seqüela da miocardite viral, particularmente ao vírus mumps. Esta enfermidade, em 60% dos casos, compromete ambos os ventrículos, em 40% só o esquerdo e em 10% apenas o direito (35). Com o tratamento médico, um terço morre durante o primeiro ano de vida (8, 44), um terço sobrevive persistindo com sintomas de insuficiência cardíaca e um terço apresenta completa recuperação (8). JARRAR et al. (45) mostraram, em 127 pacientes com menos de 2 anos de idade com fibroelastose endocárdica primária e cardiomiopatia dilatada, em seguimento de 8,9 anos em que: 74% dos pacientes foram curados, 13% persistiram com cardiomiopatia dilata e 13% morreram.

Tradicionalmente, o tratamento cirúrgico em complexas obstruções ventriculares esquerdas tem sido associado com alta mortalidade e lesões corrigidas com técnicas univentriculares ou biventriculares, como a cirurgia de Ross-Konno associada à ressecção da fibroelastose endocárdica (46). FRASIER et al. (47) reportaram bons resultados a longo prazo em 1 paciente com fibroelastose endocárdica com transplante cardíaco. DINAVERIC et al. (48) descreveram a formação de anel fibrótico completo em volta da prótese implantada há 9 anos, prévia à ressecção da fibrose ventricular, provocando a morte do paciente.

As correções mitrais foram feitas por atriotomia longitudinal da parede direita do átrio esquerdo, não sendo usadas outras abordagens (37, 49).

A Tabela 3 mostra os resultados comparativos da literatura. Por ser estudo retrospectivo, dada a extrema variedade das malformações valvares mitrais, a elevada associação de malformações cardíacas e a idade variável dos pacientes, não nos é possível obter conclusões generalizáveis.



CONCLUSÕES

A valvopatia mitral sem suporte, nas lesões congênitas, isoladas ou em associação, mostra bons resultados a longo prazo. O risco cirúrgico é baixo e a evolução favorável, em relação às plastias com anéis ou substituição protética.

A estenose mitral apresenta maiores dificuldades pelas anormalidades do aparelho subvalvar e pela gravidade das lesões associadas.

A correção da insuficiência sem suporte anelar apresenta bons resultados a longo prazo.

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