A recidiva de mixoma cardíaco após sua remoção cirúrgica é incomum. Isso se deve à excisão de sua base de implantação nas paredes do coração. Caso essa ressecção não seja ampla, existe a possibilidade da recidiva do tumor. Os autores descrevem o caso de paciente do sexo masculino, 26 anos de idade, com antecedentes de recidiva de mixoma de átrio esquerdo em duas ocasiões e ressecção com sucesso. O paciente foi admitido em nosso Serviço devido à presença de tumor em átrio esquerdo. O exame ecocardiográfico revelou massa pediculada, localizada no septo interatrial. Por tratar-se de testemunha de Jeová, não recebeu sangue ou hemoderivados durante todo o tratamento cirúrgico. Na operação observou-se massa gelatinosa fixada no septo interatrial. Foi realizada ampla ressecção do tumor e de sua inserção no septo. O exame histopatológico constatou tratar-se de mixoma cardíaco.
Recurrence of cardiac myxoma after excision is uncommon. The complete excision of the base of the tumor from the heart wall prevents its recurrence. In cases without wide resections , the probability of tumor recurrence rises. The authors report the case of a 26 year old male patient with recurrent left atrium myxoma presenting on two occasions. The patient was admitted with a left atrium tumor. Echocardiogram disclosed a tumor in interatrial septum. The patient is a Jehova's witness and did not receive whole blood or any blood products during the hospital stay. At operation a gelatinous mass fixed on interatrial septum was found. A wide resection was done, including the septal insertion of the tumor. Pathological examination revealed it to be a cardiac myxoma.
INTRODUÇÃO
Os mixomas cardíacos são neoplasias intracardíacas verdadeiras, histologicamente benignas, que podem ter comportamento sugestivo de malignidade (1). São as formas mais comuns de tumor primário cardíaco em cerca 50% destes (2-9). Apresentam maior prevalência no sexo feminino. A maioria destes tumores encontra-se em átrio esquerdo, junto ao septo interatrial, área do forame oval (10). Por simular uma variedade de afecções clínicas, o diagnóstico da doença nem sempre é fácil (10, 11). A maioria dos pacientes apresenta sintomatologia inespecífica (11-15). A ecocardiografia é o meio de investigação mais apropriado para detecção do tumor, uma vez que pode excluir as lesões valvares e ainda demonstrar, quando presente, o prolapso do tumor através das valvas atrioventriculares (16). Outros métodos não invasivos, tais como a tomografia computadorizada e, mais recentemente, a ressonância magnética, são também de grande valor na detecção da doença (6, 17-19). Uma vez feito o diagnóstico de tumor intracardíaco, o tratamento é cirúrgico, com índice de recidiva em 7% a 22% dos casos (2, 4, 7, 11).
O objetivo desta publicação é o relato do caso de paciente submetido a terceira operação para exérese de mixoma de átrio esquerdo duplamente recidivado.
RELATO DO CASO
Paciente masculino, 26 anos, encaminhado ao Serviço de Cardiologia Geral do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP, com diagnóstico de tumor em átrio esquerdo recidivado.
Referia exérese de mixoma em átrio esquerdo (localizado no septo interatrial) em 1983. Em 1986 apresentou recidiva do tumor na mesma localização, sendo submetido a exérese do tumor e reconstrução do septo interatrial com placa de pericárdio bovino (ambas operações em outro Serviço). Apresentava-se em uso de inibidor da ECA para controle de hipertensão arterial sistêmica e bromoergocriptina devido a ginecomastia e acromegalia. O ecocardiograma mostrou massa hiperecogênica pediculada, de textura homogênea, localizada no septo interatrial, medindo 4 cm de diâmetro, projetando-se sobre as cúspides da valva mitral. Durante a diástole havia protusão para cavidade ventricular esquerda. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo era de 0,70 (Figura 1). A ressonância magnética do coração mostrava massa aderida ao septo interatrial no átrio esquerdo, com pedículo estreito, protundindo para o ventrículo esquerdo durante diástole (Figura 2).
Fig. 1 - Ecocardiograma pré-operatório. Evidência de massa hiperecogênica em átrio esquerdo (LA), com protusão para ventrículo esquerdo (setas).
Fig. 2 - Ressonância magnética. presença de grande massa tumoral em átrio esquerdo (setas).
Submetido a tratamento cirúrgico através de esternotomia mediana (instalação de circulação extracorpórea por canulação fêmoro-femoral e da veia cava superior, utilização de parada cardíaca através da infusão de solução cardioplégica sangüínea normotérmica na aorta). Optou-se pela abordagem do átrio esquerdo pela técnica transeptal, onde foi visibilizado tumor medindo 4 cm x 5 cm, de aspecto friável, amorfo, gelatinoso, de coloração avermelhada (Figura 3), localizado no terço médio do septo interatrial. Feita a ressecção ampla do tumor e a ressecção parcial do endocárdio de átrio esquerdo. Realizada cuidadosa inspeção da cavidade atrial e ventricular esquerda no intuito de identificar possíveis focos tumorais, o que não se confirmou. Por questões religiosas o paciente não recebeu transfusão sangüínea, sendo, então, utilizado esquema intra-operatório de aprotinina endovenosa e sistema de autotransfusão intra-operatória (Sequestra TM 1000/ Auto Transfusion SystemTM Meditronic), não sendo utilizados hemoderivados durante o ato operatório. O exame histológico da peça diagnosticou mixoma de átrio esquerdo.
Fig. 3 - Massa tumoral retirada da cavidade atrial esquerda, incluindo seu pedículo de insersão no septo interatrial.
O paciente teve boa evolução pós-operatória imediata, tem sido realizado controle ecocardiográfico no sétimo dia pós-operatório, com ausência de tumor residual. Recebeu alta hospitalar no oitavo dia de pós-operatório.
COMENTÁRIOS
Oas tumores cardíacos são freqüentes. Em sua maioria decorrem de tumores metastáticos (30:1 em relação aos tumores primários). Dentre as neoplasias primárias do coração o mixoma cardíaco é o responsável por 50% dos casos (1, 9, 11, 20).
Por simular uma variedade de afecções clínicas, a doença nem sempre é de fácil reconhecimento (11-14). Os métodos de imagem não invasivos são essenciais para estabelecer o diagnóstico e diferenciar o mixoma de outras lesões cardíacas. Dentre estes exames, a ecocardiografia transtorácica constitui o método de excelência no diagnóstico, apresentando alta sensibilidade para demonstrar lesões intracavitárias e endocárdicas (12, 13, 18). WALLER et al. (21) demonstraram discreta superioridade do ecocardiograma transesofágico sobre o transtorácico na detecção precoce da recidiva tumoral nos casos de mixomas múltiplos e complexos. Como rotina acompanhamos os pacientes através da ecocardiografia transtorácica. Nos casos em que há suspeita de focos tumorais múltiplos é realizado o exame transesofágico, para melhor localização.
Na suspeita de lesões pericárdicas associadas, com ou sem extensão para estruturas contíguas, a ressonância magnética é método auxiliar de diagnóstico, sendo utilizada no planejamento da técnica cirúrgica, já que proporciona importantes informações anatômicas das relações do tumor com estruturas intracardíacas normais e/ou sua extensão com as estruturas vasculares e mediastinais adjacentes (19).
Devido ao risco de complicações, os mixomas cardíacos devem ser removidos cirurgicamente assim que diagnosticados (6, 10, 11, 22). A primeira descrição de exérese deste tipo de tumor foi feita por CRAAFORD(3), em 1954 .
A completa ressecção do tumor é imperativa para a cura da doença, evitando, assim, a recidiva e subseqüentes reoperações, que expõem o paciente a uma série de complicações, como por exemplo maior sangramento e, portanto, maior possibilidade do uso de hemoderivados. No caso apresentado o paciente era testemunha de Jeová, o que impediu o uso de sangue e hemoderivados. Nesses pacientes temos utilizado, como expansor volêmico, solução dextran-salina hipertônica (7,5%) 15 minutos antes do início da circulação extracorpórea. A solução hipertônica, além de aumentar a volemia, provoca uma diminuição da resistência vascular sistêmica com melhora da função respiratória e hemodinâmica no final da circulação extracorpórea (23). KARBANI & COOLEY (24) e WALLER et al. (25) recomendam a ampla ressecção do septo interatrial, se necessário, com colocação de um remendo, eliminando, dessa forma, maior área ao redor da inserção do pedículo. Esta técnica havia sido realizada em nosso paciente durante a segunda operação, o que não evitou a recidiva, talvez devido à presença de focos tumorais não visibilizados macroscopicamente.
A taxa de recorrência destes tumores no coração é baixa (4,7% em 526 casos relatados na literatura) (5). Como fatores responsáveis pela recorrência tumoral, vários autores descrevem os tumores múltiplos e/ou complexos (quando acompanhados de lesões pigmentares de pele, fibroadenoma de mama, mixonas cutâneos, doença adrenocortical nodular primária) (9, 10, 12, 16). KOTYLO et al. (26) descreveram, como responsável pela recidiva tumoral, o grau de ploidia do DNA dos mixomas, onde os pacientes portadores de mixomas com DNA aneuplóides ou com elevada fração proliferativa do ciclo celular apresentam um comportamento biológico mais agressivo.
WALLER et al. (25), estudando 41 casos de recidiva tumoral, sugerem a excisão de toda parede septal nos casos de mixomas únicos. Ressaltam, também, a necessidade dessa ressecção extensa nos pacientes jovens com múltiplos mixomas, devido à maior taxa de recidiva. GRAY & WILLIAMS (27), mostram possibilidade de 25% de uma segunda reincidência da neoplasia em doentes que apresentaram recorrência anterior, citando como causas: ressecção incompleta do tumor, implantação tumoral, presença de células precursoras tumorais no endocárdio e múltiplos focos de desenvolvimento tumoral. No entanto, WALLER et al. (25) acreditam ser a presença de células tumorais no subendocárdio a causa mais importante da recidiva.
No presente caso, acreditamos ser a principal causa da segunda recidiva a ressecção incompleta do tumor, uma vez que se encontrava implantado próximo à localização citada na operação anterior. Destacamos a raridade da dupla recorrência desse tumor, sem relatos semelhantes em nosso meio.
Para evitar situação semelhante, recomendamos redobrar a atenção na completa retirada do pedículo de inserção do tumor. É imperativo, também, a meticulosa inspeção das câmaras cardíacas no ato operatório, à procura de outros focos tumorais não identificados durante a investigação pré-operatória. Apesar dos baixos índices de recidiva, faz-se, também, necessário o acompanhamento a longo prazo destes doentes, com a realização de ecocardiogramas seriados (18, 21, 24, 25, 28).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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