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CASE REPORT

Left atrial myxoma: report of three cases

Antônio Augusto R. MOTTA0; Eloi COLEN FILHO0; Eloízio A Colen0; José Antônio S. VIEIRA0; Marcus Augusto P. ALVES0; Márcio Fernando BORGES0; Humberto C. ARAÚJO0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000400011

ABSTRACT

Between October 1987 and July 1994 three patients presenting left atrial myxoma underwent surgery in our Service - Clínica Cárdio Cirúrgica de Juiz de Fora. Ages ranged from 20 to 35 years (average 29.6 years) and 66.6% of these cases were female patients. The occurrence of tachycardic palpitations was reported by all the patients (100%) following effort with dypnea, precordial discomfort and episodes of dizziness in two cases (66.6%). Non specific manifestations such as general uneasiness, prostration, anorexia and emaciation were reported by one patient (33.3%). None of the patients in this series presented previous embolic accident.The diagnosis of cardiac tumor was accomplished with the help of the two-dimensional echocardiography and the hemodynamic study. The confirmation of the myxoma was given by the histopathological study. Extracorporeal circulation was used in the surgeries and left atriotomy was used as an approach to the tumor. There were no complications during the surgery and post-operatively the patients evolved satisfactorily. All the patients were asymptomatic when discharged from the hospital.

RESUMO

Entre outubro de 1987 e julho de 1994, foram operados, em nosso Serviço, (Clínica Cárdio-Cirúrgica de Juiz de Fora) 3 pacientes portadores de mixoma do átrio esquerdo. A idade variou de 20 a 35 anos, com média de idades de 29,6 anos, e o sexo feminino representou 66,6% dos casos. A ocorrência de palpitações taquicárdicas foi relatada por todos os pacientes (100%), seguindo-se dispnéia de esforço, desconforto precordial e episódios de tontura em 2 casos (66,6%). Manifestações inespecíficas como mal-estar, adinamia, anorexia e emagrecimento foram relatados por 1 paciente (33,3%). Nenhum paciente apresentou acidente embólico prévio. O diagnóstico da tumoração cardíaca foi realizado com auxílio da ecocardiografia bidimensional e do estudo hemodinâmico e a confirmação de mixoma foi dada pelo estudo histopatológico. Nas operações utilizou-se circulação extracorpórea e a atriotomia esquerda como via de acesso. Não houve complicações durante o ato cirúrgico e no pós-operatório os pacientes evoluíram de forma satisfatória; todos receberam alta hospitalar assintomáticos.
INTRODUÇÃO

Os tumores primários do coração e pericárdio são pouco freqüentes, apresentando em séries de necrópsias uma incidência que varia de 0,001% a 0,2% (1), e têm características histológicas benignas em 75% dos casos (2). Os mixomas respondem por cerca de 50% destas neoplasias (3, 4), sendo esporádicos e solitários na maioria dos casos e localizam-se, preferencialmente, na cavidade atrial esquerda (5, 6). Além do comprometimento cardiovascular, os portadores destas tumorações podem cursar com manifestações inespecíficas (7), que contribuem para dificultar ou confundir o diagnóstico desta doença e, conseqüentemente, retardar o tratamento que consiste na sua remoção cirúrgica. Acidentes embólicos têm sido relatados com freqüencia e podem ocasionar incapacidade ou mesmo morte súbita (8), daí a importância da precocidade no diagnóstico e tratamento do mixoma.

O presente trabalho tem por objetivo descrever o quadro clínico, as nuances diagnósticas, os recursos de técnica e a tática operatória, bem como a evolução de 3 pacientes portadores de mixoma do átrio esquerdo operados em nosso Serviço.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Entre outubro de 1987 e julho de 1994, foram tratados cirurgicamente em nosso Serviço - (Clínica Cárdio-Cirúrgica de Juiz de Fora) - 3 pacientes portadores de mixoma localizado em átrio esquerdo. A idade variou de 20 a 35 anos com média de idades de 29,6 anos, sendo 2 pacientes do sexo feminino (66,6%) e um masculino (33,3), conforme demonstrado na Tabela 1.



A sintomatologia predominante foi de palpitação taquicárdica, que esteve presente em todos os casos (100%); dor ou desconforto precordial, dispnéia para grandes e médios esforços e episódios de tontura relacionados com a mudança de postura ocorreram em 2 (66,6%) pacientes. Mal-estar, adinamia, anorexia e emagrecimento foram relatados por 1 (33,3%) paciente. Outras manifestações inespecíficas como febre, artralgias não ocorreram, como também não foram observadas, no exame físico, seqüelas de acidentes embólicos. Com relação à ausculta cardíaca, 2 (66,6%) pacientes apresentaram ruflar diastólico.

Os exames laboratoriais de rotina evidenciaram anemia em 2 pacientes e velocidade de hemossedimentação elevada em 1 caso.

O eletrocardiograma mostrou ritmo sinusal regular em 2 pacientes e irregular em outro, pela presença de extra-sístoles supraventriculares. Dois pacientes apresentaram alterações da repolarização ventricular e outro paciente apresentou bloqueio de ramo direito. A presença de sobrecarga atrial esquerda foi evidenciada em todos os casos. A telerradiografia de tórax mostrou aumento de área cardíaca em 2 casos, por comprometimento de câmaras esquerdas.

O estudo através da ecocardiografia bidimensional foi realizado em todos os pacientes, diagnosticando a presença de tumoração pediculada, móvel, lobulada e solitária, no interior do átrio esquerdo, de aspecto compatível com mixoma. Em 2 pacientes, estas tumorações prolapsavam para o ventrículo esquerdo, através da valva mitral, durante a diástole ventricular (Figura 1). O aumento da cavidade atrial esquerda foi detectado em todos os casos. O estudo hemodinâmico também foi realizado em todos os pacientes confirmando os achados obtidos com o ecocardiograma (Figuras 2 A, B e C). Feito o diagnóstico, a remoção cirúrgica foi indicada.


Fig. 1 - Ecocardiograma bidimensional demonstrando a presença de grande mixoma no interior do átrio esquerdo. Prolapso da tumoração para o ventrículo esquerdo durante a diástole (Caso 2).


A


B


C

Fig. 2 - Aspectos angiocardiográficos do mixoma do átrio esquerdo (Caso 3). A: Sístole ventricular: tumoração no interior do átrio esquerdo. B: Início da diástole ventricular: movimentação da tumoração através da valva mitral. C: Diástole ventricular: tumoração no interior do ventrículo esquerdo.

A esternotomia mediana longitudinal foi a via de acesso para a operação. Após heparinização (4mg/kg), foi instalado o circuito de circulação extracorpórea equipado com oxigenador de bolhas. Hipotermia sistêmica moderada foi usada em todos os casos. Como proteção miocárdica foi utilizada solução cardioplégica sangüínea, gelada (4°C), hipercalêmica, de forma intermitente e infundida no início da aorta, associada à hipotermia tópica do miocárdio. O acesso à tumoração foi através de atriotomia esquerda. A manipulação das estruturas cardíacas bem como da massa neoplásica foi realizada com cuidado para evitar fragmentação e ocorrência de acidentes embólicos. A tumoração foi removida através da ressecção de seu pedículo com ampla margem de segurança. As bordas das áreas de ressecção foram cauterizadas e, na reconstrução, não foi necessário utilizar placas de Teflon ou pericárdio. A inspeção das cavidades e também da valva atrioventricular esquerda foi realizada.

RESULTADOS

Durante a operação, verificou-se que a massa tumoral ocupava a maior parte do átrio esquerdo (Figura 3), sendo totalmente extirpada (Figura 4). Não ocorreram complicações no ato operatório.


Fig. 3 - Após a atriotomia esquerda observamos o mixoma ocupando praticamente toda a cavidade atrial (Caso 1).


Fig. 4 - Aspecto da cavidade atrial esquerda após ressecção do mixoma (Caso 1).

No pós-operatório, os pacientes evoluíram satisfatoriamente, não apresentando intercorrências especiais como baixo débito, hemorragia ou acidente vascular cerebral. Arritmia esteve presente em 1 caso.

O mixoma era pediculado e solitário, localizando-se no septo interatrial, mais precisamente na região da fossa oval, em 2 casos, ou aderido à parede atrial em outros. Com relação ao aspecto macroscópico, todas as tumorações eram lobuladas, brilhantes e de consistência gelatinosa, apresentando coloração acastanhada em 2 casos e cinzenta em outro. A presença de pontos hemorrágicos também foi constatada. O peso variou de 30g a 50g, com média de 42g e o tamanho médio foi de 6,5 x 3,1 x 2,5 cm (Figura 5). O diagnóstico de mixoma foi confirmado através do estudo histopatológico, que evidenciou a presença de células estreladas ou poligonais em meio à matriz mucóide (Figura 6).


Fig. 5 - Tumor de superfície lobulada, brilhante, com pontos homorrágicos e consistência gelatinosa (Caso 3).


Fig. 6 - Estudo histopatológico evidenciando a presença de células estreladas em meio a matriz mucóide, confirmando o diagnóstico de mixoma (Caso 2).

O tempo médio de permanência hospitalar após a operação foi de sete dias. Todos os pacientes receberam alta após reavaliação ecocardiográfica (Figura 7), permanecendo assintomáticos até o presente momento.


Fig. 7 - Ecocardiograma de controle pós-operatório. Cavidade atrial esquerda livre, após ressecção da tumoração (Caso 3).

COMENTÁRIOS

Os mixomas respondem por aproximadamente 50% das neoplasias primárias do coração (3, 4) e, apesar de apresentarem caráter histológico benigno, podem levar à evolução desfavorável, sendo responsáveis por complicações incapacitantes e até a morte súbita, devido à possibilidade de ocorrência de fenômenos embólicos pulmonar ou sistêmico, em decorrência de sua fragmentação ou, mesmo, por obstrução valvar (8), dependendo de sua localização e dimensões. Portanto, a precocidade do diagnóstico e sua remoção cirúrgica melhoram o prognóstico dos pacientes (9). Passos importantes foram dados neste sentido quando, na década de 50, CRAFOORD (10) removeu cirurgicamente um mixoma atrial e, na década de 60, conseguiu-se demonstrar, através da ecocardiografia, a presença deste tumor no coração.

O comprometimento cardiovascular pode ser acompanhado de manifestações sistêmicas inespecíficas que, associadas ao fato de não se atentar para a possibilidade desta doença, principalmente pela sua baixa incidência, dificultam, confundem e retardam o diagnóstico.

Contamos, atualmente, com meios propedêuticos, principalmente os não invasivos, como a ecocardiografia bidimensional, capazes de detectar estas tumorações com bastante fidelidade (11), mesmo aquelas de dimensões reduzidas. Paralelamente, o aperfeiçoamento da circulação extra-corpórea e os progressos em relação à técnica e tática cirúrgicas contribuem para que a sua remoção seja realizada com segurança e baixa mortalidade (3, 4, 12). Entretanto, nos casos aqui apresentados e também em relatos de literatura, observamos considerável expansão das tumorações, sugerindo uma fase avançada da doença e, conseqüentemente, expondo os pacientes a maior risco de complicações. Isto vem ressaltar que um determinado grupo de pacientes, apesar dos avanços nos dias atuais, ainda possa falecer sem diagnóstico (9).

O estudo dos aspectos ultra-estruturais do mixoma demonstra que se trata de neoplasia de origem endocárdica e não trombo organizado como sugerido (13).

McCARTHY et al. (6) descrevem que mais de 90% dos mixomas ocorrem esporadicamente. Geralmente são solitários, predominando no sexo feminino em pacientes com média de idades de 51 anos, podendo, no entanto, ocorrer em qualquer faixa etária (5). HUEB et al. (14) relatam caso de mixoma do átrio direito em criança de 6 meses (11). Nesta série de pacientes estudados, que correspondem a 0,27% dos casos operados no Serviço, a média de idades foi de 29,6 anos e o sexo feminino representou 66,6% dos casos.

Usualmente, os mixomas são encontrados no átrio esquerdo (86%), podendo, também, ocorrer no átrio direito e nos ventrículos (5). Na cavidade atrial, a fossa oval é a região preferencial de sua localização em mais de 60% dos casos (4, 6), a parede atrial, como também a valva atrioventricular, podem ser sede de sua fixação.

Clinicamente, estas tumorações se manifestam de forma e intensidade variadas. Assim, o comprometimento cardiovascular pode traduzir-se por insuficiência cardíaca, arritmias, dor ou desconforto precordial, espisódios de tontura e síncope, entre outros (15). A presença do sopro cardíaco é outro achado freqüente. Um determinado grupo de pacientes pode apresentar, concomitantemente, (7, 15) febre, adinamia, mal-estar, fadiga, artralgia, anorexia, emagrecimento. Em nossos casos, 33,3% dos pacientes apresentaram essas manifestações inespecíficas. A associação destas manifestações clínicas impõe, geralmente, o diagnóstico diferencial com outras afecções, principalmente a doença valvar e a febre reumática (16).

Nos exames laboratoriais de rotina, podem-se encontrar alterações que envolvem elevação da velocidade de hemossedimentação, trombocitopenia, policitemia, anemia, elevação dos níveis de globulina, proteína C reativa, leucocitose (7). O eletrocardiograma e a telerradiografia de tórax podem estar normais ou evidenciar o comprometimento cardíaco, mas não fornecem dados específicos para a doença. No eletrocardiograma pode-se detectar a presença de arritmias, sobrecarga de câmaras cardíacas, alterações de repolarização ventricular, distúrbios de condução e, na telerradiografia de tórax, basicamente, aumento variável de área cardíaca.

O ecocardiograma bidimensional tem se mostrado um excelente exame complementar para o diagnóstico de mixoma (11). É um método que evidencia, com alto índice de positividade, a presença da massa neoplásica e fornece informações sobre o tamanho, localização, fixação, mobilidade e prolapso através da valva atrioventricular, além de permitir o estudo das outras cavidades cardíacas devido a possibilidade destas tumorações não serem solitárias (11, 17). Pequenos tumores, em fase bastante inicial, podem ser diagnosticados, assim como o grau de comprometimento valvar pode ser avaliado. Alguns autores indicam a operação somente com o resultado do estudo ecocardiográfico (4, 18). O estudo hemodinâmico também faz o diagnóstico destas tumorações e permite avaliar suas repercussões cardíacas, sendo de muita utilidade em determinadas situações, como a associação com outras lesões cardíacas passíveis de tratamento cirúrgico. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética, em alguns casos, podem fornecer detalhes mais específicos.

Em nossos casos, o diagnóstico de mixoma foi realizado com auxílio da ecocardiografia bidimensional e do estudo hemodinâmico.

Com relação aos aspectos cirúrgicos, o acesso ao mixoma do átrio esquerdo pode ser feito através da atriotomia esquerda ou pela via transeptal. Esta última tem sido sugerida por grupos cirúrgicos, por permitir a ressecção em bloco da tumoração e também por facilitar a inspeção das cavidades cardíacas (6, 17). O manuseio cuidadoso das estruturas cardíacas e da tumoração durante sua remoção diminui a possibilidade de fragmentação e ocorrência de fenômenos embólicos. A ressecção da base de implantação deve ser feita com boa margem de segurança para evitar recidiva (12). A cauterização das bordas da área de ressecção é realizada com freqüência e na reconstrução destas áreas, quando necessário, podem-se utilizar placas de pericárdio ou Teflon (19). As operações são realizadas com baixos índices de mortalidade e complicações (3, 4, 15), variando entre 1% e 5% os casos de recidiva (6, 17).

Nos casos ora apresentados, atriotomia esquerda foi a via de acesso à tumoração e não houve necessidade do uso de placas na reconstrução das estruturas. A operação foi realizada sem dificuldades técnicas e não houve mortalidade.

Os mixomas geralmente são pediculados e podem apresentar variações com relação aos aspectos macroscópicos. Sua superfície pode ser lisa ou lobulada e brilhante ou não. Formas ovaladas, arredondadas e irregulares têm sido descritas e a coloração acastanhada parece ser predominante, mas pode ser brancacenta, cinza ou amarelada. Sua consistência também é variável, podendo ser gelatinosa ou até firme. Pontos hemorrágicos e formações polipóides podem estar presentes. O peso e o tamanho dependem da fase de evolução da doença.

Nas tumorações aqui relatadas, houve predomínio da superfície lobulada e brilhante, da coloração acastanhada e consistência gelatinosa, com o peso médio de 42g.

Devemos nos atentar para a ocorrência de mixoma de caráter familiar e também para as formas sindrômicas, que incluem alterações como lentigo e/ou nevus, doença cortical nodular da supra-renal, síndrome de Cushing, fibroadenoma mixóide, tumores hipofisários e testiculares (6, 20). A síndrome NAME se apresenta com nevus/mixoma atrial/neurofibroma mixóide/efelídis e a síndrome LAMB com lentigo/mixoma atrial/nevus azuis (21, 22). Quando comparados com os casos esporádicos, as formas sindrômicas e o mixoma de caráter familiar têm maiores chances de serem múltiplos e recidivantes e ocorrerem em faixa etária menor, em torno da segunda década (6, 20).

Com base no exposto, concluímos que as neoplasias primárias do coração têm baixa incidência e o mixoma é o seu representante mais freqüente. Apesar de benígna, esta tumoração pode levar à evolução desfavorável e, portanto, a precocidade diagnóstica e sua remoção cirúrgica melhoram, indiscutivelmente, o prognóstico, prevenindo complicações e morte. A preocupação com a possibilidade de ocorrência desta doença e a utilização da ecocardiografia, com seu alto índice de positividade facilitam o diagnóstico. A operação pode ser realizada com segurança e baixa mortalidade.

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Article receive on Wednesday, October 1, 1997

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