Este trabalho tem como objetivo a apresentação do caso de uma paciente submetida à correção da dissecção da aorta descendente utilizando "stent" recoberto com Dacron introduzido através da artéria femoral na sala de hemodinâmica. Para este fim, a paciente foi submetida a sedação, anestesia local de ambas regiões inguinais e heparinização sistêmica. O cateter contendo o "stent" foi introduzido através da artéria femoral comum esquerda previamente dissecada até a aorta descendente no seu terço médio. A expansão do "stent" foi realizada no local onde existia a lesão da íntima diagnosticada previamente por arteriografia, com oclusão imediata da falsa luz. O tempo do procedimento foi de 1h30 min. A alta hospitalar ocorreu, sem complicações, 48 horas após o procedimento. Acreditamos que este procedimento poderá proporcionar uma melhora substancial nos resultados do tratamento das dissecções da aorta descendente.
We present a case of dissection of the thoracic descending aorta that underwent treatment with an auto-expandable Dacron - covered stent. The stent was deployed through the femoral artery in the hemodynamic laboratory after sedation, local anesthesia in both inguinal areas and systemic heparinization. The catheter with the stent was introduced through a cutdown in the left femoral artery till the area in the thoracic aorta with a previously diagnosed tear in it. The stent was expanded with immediate occlusion of the false lumen: the whole procedure took ninety minutes and the patient was discharged, without complication, 48 hours later. We believe that stent utilization is an important step to contribute to improve treatment results in type B dissection.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos a utilização dos "stents" tem proporcionado uma nova perspectiva no tratamento das dissecções e dos aneurismas da aorta (1), dos aneurismas da artéria subclávia e dos traumas arteriais (2), das complicações decorrentes das dissecções aórticas (3), da doença oclusiva de membros inferiores (4) e dos aneurismas da aorta abdominal (5-7).
A introdução, em 1988, da técnica da "tromba de elefante" (8, 9) para tratamento das dissecções agudas da aorta descendente permitiu a resolução local do processo da dissecção, assim como a diminuição da mortalidade cirúrgica, quando comparada com as técnicas tradicionais. Entendemos que o tratamento da lesão da íntima na dissecção do Tipo B, durante a fase aguda, evita a expansão da adventícia que ocorre durante a evolução a longo prazo, no segmento tóraco-abdominal da aorta. Tratar primariamente o local da rotura da íntima, geralmente logo após a subclávia esquerda, previne a necessidade de substituições de segmentos maiores da aorta.
Apesar de vários grupos ainda contra-indicarem o tratamento cirúrgico para as dissecções da aorta descendente, observamos diversos trabalhos atuais descrevendo a tentativa de resolução do processo da dissecção através da oclusão da lesão da íntima utilizando "stents" na sala de hemodinâmica (10-12).
O desenvolvimento, em nossa Instituição, de cateteres contendo "stents" recobertos com Dacron, inicialmente utilizados experimentalmente em cães (13) e, em uma segunda fase, inseridos cirurgicamente sob visão direta (14), permitiu introduzi-los em artéria femoral, na sala de hemodinâmica.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
O "stent" desenvolvido em nossa instituição foi confeccionado com fios de aço em formação tubular e recoberto de Dacron. Este cilindro com fios de aço em "zig-zag" apresenta alta resistência ao colapso radial e mantém a capacidade de retornar ao diâmetro original (memória). Esta prótese foi cuidadosamente comprimida e inserida em um cateter com diâmetro 26F. Trata-se de dispositivo auto-expansível que permite a sua liberação e expansão através de simples mobilização da bainha (Figura 1). A prótese expandida apresentava diâmetro de 26 milímetros.
Fig. 1 - Ilustração do "stent" exposto e recoberto, desenvolvido na instituição, e utilizado neste caso.
Estudo descritivo histológico foi previamente realizado em cães, onde o "stent" foi posicionado na aorta torácica descendente. Estudos em períodos variáveis demonstraram ausência de deslocamento da prótese, e sua perfeita integração com a parede da aorta, evidenciada a olho nú pela neoíntima que cobria a gaiola de metal, nem tampouco evidências de hemólise ou trombose.
A nossa paciente apresentava quadro clínico compatível com dissecção da aorta descendente confirmada por aortografia e tomografia computadorizada, o que nos permitiu a confecção do "stent" no que diz respeito ao comprimento e expansão máxima.
A introdução do cateter contendo o "stent" foi feita através da artéria femoral esquerda dissecada, pois os exames demonstraram ser menos tortuosa que a direita. Antes da introdução do cateter, a lesão da íntima foi reestudada por cateter inserido na artéria femoral direita e cujo local foi marcado com auxílio de uma régua radiopaca posicionada no dorso do paciente. A partir desta marcação, o cateter foi introduzido contendo o "stent", cuja inserção seguiu o guia que acompanha o cateter. Durante a fase de expansão do "stent", foi utilizado nitroprussiato de sódio para manter uma pressão arterial baixa, evitando o deslocamento da prótese. A paciente foi submetida a heparinização sistêmica, no início do procedimento.
Relato de Caso
L. G., 73 anos, sexo feminino, internada em 22/11/96, com história de dor na região posterior do tórax há 20 dias. Submetida a tomografia e arteriografia, evidenciou-se lesão única da íntima no terço médio da aorta descendente, a qual provocava a delaminação de suas paredes. Durante a internação, foi observado que a paciente apresentava doença pulmonar crônica obstrutiva grave.
O procedimento foi realizado sem intercorrências. Logo após a expansão do "stent", a aortografia demonstrou exclusão da falsa luz, com a paciente ainda heparinizada. O estudo radiológico demonstrou a prótese bem posicionada na aorta descendente (Figuras 2, 3, 4).
Fig. 2 - Imagem radiológica demonstrando a dissecção da aorta descendente.
Fig. 3 - Imagem radiológica do "stent" totalmente expandido.
Fig. 4 - Aortografia demonstrando a exclusão da falsa luz.
A evolução foi satisfatória. Após a alta hospitalar, o eco transesofágico confirmou a trombose da falsa luz, sem gradiente através do "stent" ou evidências de hemólise. Após 2 dias na Unidade Coronária em observação, a paciente recebeu alta do hospital, sem complicações.
COMENTÁRIOS
A dissecção da aorta é enfermidade de conseqüências catastróficas, de alto risco e elevada mortalidade.
Para a melhoria dos resultados da correção cirúrgica, vários grupos cirúrgicos propuseram novas alternativas técnicas, como: utilização de cola biológica (15), reforço da friável parede aórtica, visando a uma sutura de melhor qualidade (16), desenvolvimento das próteses endoluminares sem sutura (17-19), a técnica do fluxo reverso com tromboexclusão (20) e a técnica da "tromba de elefante" (8, 9).
O conceito da correção dos aneurismas através da introdução percutânea de uma prótese intraluminar foi originalmente proposto, em 1969, por DOTTER (21) e amplamente divulgado por PARODI et al. (7), em 1991, no tratamento, com sucesso, dos aneurismas da aorta abdominal utilizando próteses expandidas por balão. Em 1994, o grupo da Universidade de Stanford (1) publicou a sua experiência inicial com a correção dos aneurismas da aorta torácica descendente em 13 pacientes, baseado no mesmo conceito, porém com próteses auto-expandidas.
Em contraste com a prótese expandida por balão descrita por PARODI et al. (7), o mecanismo por nós utilizado segue os princípios de auto-expansão proposto nas próteses "Z", "stent" e pela prótese conhecida como Wallstent (22). A escolha deste mecanismo está relacionada com os grandes diâmetros da aorta descendente, diferente dos achados na aorta abdominal, ilíacas e femorais.
O desenvolvimento dos "stents" em nossa Instituição iniciou-se com exaustivos trabalhos experimentais (13), que se estenderam para inserção sob visão direta em centro cirúrgico, utilizando a parada circulatória total (14). Após esta fase inicial e baseados nos trabalhos da literatura, iniciamos, com o caso apresentado, uma nova época, com a inserção dos "stents" na aorta descendente, através da artéria femoral exposta.
A utilização desta técnica seguramente permitirá as seguintes vantagens: diminuição da mortalidade cirúrgica e dos gastos hospitalares. Há, obviamente, necessidade de refinamento de técnica para permitir a colocação do "stent" através de introdutores e cateteres menores.
Poderemos, talvez, com este método, evitar complicações inerentes à manipulação cirúrgica convencional, como, por exemplo, insuficiência respiratória e renal, coagulopatias, dor pós-operatória, paraplegia, hematoma ao redor da prótese e pseudoaneurismas nas zonas de sutura e infecção.
A colocação destas próteses nos leva a uma preocupação a longo prazo, que é a expansão da parede da aorta dissecada, apesar da trombose da falsa luz, decorrente da força lateral centrífuga exercida pelo "stent". Esta complicação não ocorreu no tratamento dos aneurismas da aorta torácica, nos cães por nós operados e nos pacientes iniciais tratados cirurgicamente, apesar do pouco tempo de acompanhamento.
CONCLUSÕES
A experiência inicial sugere que a utilização dos "stents" posicionados sob visão radioscópica irá melhorar os resultados obtidos no tratamento da dissecção da aorta descendente. Acreditamos ser este o primeiro relato, em nosso meio, da colocação de "stent" para tratamento de dissecções agudas da aorta torácica descendente sob visão radioscópica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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