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ARTIGO ORIGINAL

Efeito protetor da criocardioplegia cristalóide na isquemia global e reperfusão durante circulação extracorpórea: um mecanismo dependente do endotélio?

Paulo Roberto B Évora0; Paul J Pearson0; Berent Discigil0; Marilyn Oeltjen0; Hartzell V Schaff0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000100012

RESUMO

Estudos prévios demonstraram que o comprometimento da produção de EDRF/NO mediada por receptores, após isquemia global e reperfusão, possa ser devido a uma disfunção de G-proteínas que liga os receptores da célula endotelial à via da síntese de EDRF/NO. O presente trabalho experimental sugere que a criocardioplegia cristalóide, associada a hipotermia tópica, previne ou pode reverter, em parte, a disfunção endotelial nas mesmas condições. Mais estudos serão necessários para conclusões mais definitivas, pois as análises estatísticas mais acuradas sugeriram aumento da amostragem. Este detalhe talvez seja devido às grandes dificuldades de uniformização relacionada a este tipo de experimentos. Além disso, demonstrou-se pela primeira vez que a hipotermia, por si só, pode estimular a liberação de EDRF/NO pelo endotélio vascular. Isto sugere que o endotélio possa ser um importante sensor de mudanças da temperatura sangüínea e tem importantes implicações para o entendimento da fisiologia da CEC e dos mecanismos locais de auto-regulação.

ABSTRACT

Previous experiments showed evidence of impaired receptor-mediated production of EDRF/NO following reperfusion injury could be due to G-protein dysfunction which links endothelial cell receptors to the pathway of EDRF/NO synthesis. This experimental research suggested that criocrystalloid cardioplegia, associated to topic hypotermia, could prevent or reverse the endothelium disfunction under same experimental conditions. More experiments will be necessary to get definitive conclusions, because fine statystical analysis suggested increasing the number of experiments. Otherwise, the present study proved for the first time that hypothermia alone can cause the release of PGI2 and EDRF/NO from the endothelium. This suggests that the endothelium could be an important temperature sensor and has important implications for the understanding of cardiopulmonary bypass physiology and local vascular autoregulation.
INTRODUÇÃO

Os autores demonstraram previamente que a isquemia global seguida de reperfusão, durante a circulação extracorpórea (CEC), compromete a regulação do tono vascular dependente do endotélio, colocando a circulação coronariana sob o risco de vasoespasmo e trombose. Este efeito se deve, principalmente, ao comprometimento da liberação de óxido nítrico (NO) a nível do sistema da transdução do sinal dos receptores de membrana da célula endotelial para os processos intracelulares responsáveis pela saída do cálcio do retículo endoplasmático para o citosol. Esta mobilização do cálcio intracelular é feita através do ciclo fosfatidilinositol dependente da fosfolipase C, e não é afetada pela isquemia/reperfusão (1-3).

Os autores demonstraram, ainda, que 45 minutos de parada cardioplégica de corações de cães não comprometem a produção de EDRF/NO em artérias epicárdicas coronárias. O tratamento in vitro de segmentos coronarianos arteriais isolados com cardioplegia (7°C a 37°C) não altera a produção de EDRF/NO ou muda a habilidade da musculatura lisa vascular em contrair ou relaxar. Logo, a cardioplegia cristalóide não altera a função arterial coronariana e não pode ser responsabilizada como causadora de lesão vascular (3, 4) . O mesmo ocorre em relação à Solução da Universidade de Wisconsin (Solução UW), com elevados teores de potássio, e que não afeta a produção de EDRF/NO em condições de normotermia ou hipotermia (5). Por outro lado, a infusão de cardioplegia cristalóide, em grandes volumes e alta pressão e velocidade de infusão na raiz da aorta pinçada, também não afeta funcionalmente a produção de EDRF/NO em circulações coronarianas caninas normais (6).

Seguindo esta linha de pesquisa, o presente trabalho tem por objetivo mostrar que a criocardioplegia cristalóide e a hipotermia tópica exercem um efeito protetor contra a lesão de isquemia/reperfusão durante a CEC. Como complementação deste estudo, estudaram-se os efeitos da hipotermia induzida sobre os mecanismos de controle do tono coronariano dependentes do endotélio.

MATERIAL E MÉTODOS

Cães mestiços livres de verminose (25 kg-30 kg) de ambos os sexos foram anestesiados com pentobarbital sódico (30/mg/kg, bolo endovenoso; Ford Dodge Laboratories), intubados com uma sonda traqueal com balão e ventilados com 95% de oxigênio. Nos cães submetidos a CEC, cateterizou-se a artéria carótida comum para monitorização da pressão arterial aórtica. Realizou-se uma toracotomia lateral direita no quarto espaço intercostal para a exposição cardíaca. Após heparinização inseriu-se uma cânula venosa através da auriculeta direita e uma cânula na artéria femoral. Instituiu-se, então, circulação extracorpórea com fluxo de 2,3 - 2,4 L/min/m2 (32°C). Após estabilização do fluxo e pressão de perfusão, procedeu-se ao pinçamento da aorta ascendente, introduziu-se previamente uma cânula através da auriculeta esquerda para descompressão do ventrículo esquerdo durante o período de isquemia e reperfusão precoce.

A investigação incluiu 4 grupos de 6 cães: Grupo 1 - Cães não submetidos a CEC; Grupo 2 - Cães submetidos a CEC sem pinçamento aórtico; Grupo 3 - Cães em CEC submetidos a isquemia global por pinçamento aórtico durante 45 minutos seguidos de 60 minutos de reperfusão; Grupo 4 - Cães submetidos a isquemia global por 45 minutos seguida de reperfusão por 60 minutos, porém com infusão de criocardioplegia cristalóide tipo St. Thomas após o pinçamento aórtico e aos 25 minutos de CEC, além de hipotermia tópica com gelo picado.

Nos cães protegidos por cardioplegia e hipotermia tópica, esta foi realizada imediatamente após o pinçamento aórtico por infusão de 4 ml/kg da solução cardioplégica tipo St. Thomas (Plegisol, Abbott Laboratories, North Chicago, Illinois), a 6°C - 7°C. Adicionou-se 10 ml de bicarbonato de sódio 8,4% a 1000 ml da solução cardioplégica, obtendo-se a seguinte composição final (mEq/l): cálcio 2,4, magnesium 3,2, potássio 16, sódio 120 e cloro 160. Para o preparo da solução cardioplégica hipercalêmica, adicionou-se cloreto de potássio para uma concentração final de 45 mEq/l. As soluções foram mantidas a 7°C até o momento de seu uso.

Após 45 minutos de perfusão normotérmica estável no Grupo 3 (isquemia/reperfusão) e no Grupo 4 (isquemia/reperfusão com proteção cardioplégica), removeu-se a pinça da aorta, iniciando-se a reperfusão miocárdica. Procedeu-se, quando necessária, à desfibrilação cardíaca interna e, gradualmente, descontinuou-se a CEC. Manteve-se o coração em batimentos espontâneos por um período de 60 minutos de reperfusão, após os quais os cães foram exsangüinados para o reservatório de cardiotomia. Após este período excisou-se o coração, ainda com batimentos espontâneos, transferindo-o para uma solução fisiológica gelada e oxigenada com a seguinte composição milimolar: NaCL, 118,3; KCI, 4,7; MgSO4, 1,2; KH2PO4, 1,22; CaCI2, 2,5; NaHCO3, 25,0 e glicose, 11,1 (solução controle). Os mesmos procedimentos foram realizados para o Grupo 1 (não submetidos a CEC) e Grupo 2 (submetidos a 45 minutos de CEC sem pinçamento aórtico, seguidos de 1 hora de batimentos espontâneos).

As artérias coronárias esquerdas (cincunflexa e interventricular anterior) dos corações de cães dos 4 grupos foram, cuidadosamente, dissecadas e colocadas em solução fisiológica.Tomou-se o cuidado de remover-se o tecido conjuntivo perivascular o máximo possível. Obtiveram-se, então 8 anéis vasculares (4-5 mm), removendo-se o endotélio de 4 deles, ficando-se, assim, com um conjunto de 4 pares de anéis coronarianos com e sem endotélio. Realizou-se a remoção do endotélio com auxílio de delicadas pinças microvasculares introduzidas na luz do anel coronariano e esfregando-se o anel vascular em toalha de papel embebida em solução fisiológica (7, 8). Estudos histológicos prévios demonstram que este simples procedimento remove o endotélio em artérias coronárias epicárdicas preservando a habilidade da musculatura lisa vascular contrair e relaxar (9, 10) (Figura 1). Em todos os grupos, anéis coronarianos com e sem endotélio foram suspensos em banhos orgânicos ("organ chambers") para medida de esforço isométrico na presença de indometacina (Figura 2). Realizaram-se curvas dose-respostas a ACH e ADP (estudo de comprometimento a nível de receptores); NaF (estudo transdução do sinal/G-proteínas); fosfolipase C (estudo do ciclo fosfatidilinositol); ionóforo do cálcio (estudo da saída do cálcio do retículo endoplasmático para o citosol); nitroprussiato de sódio (estudo função da musculatura lisa do vaso dependente da guanilato ciclase) (Figura 3). Todas estas drogas foram fornecidas pela Sigma Chemical Company, St. Louis, MO.




Fig. 2 - Representação esquemática do sistema de banho orgânico ("organ chamber") utilizado para o estudo in vitro da função endotelial.


Fig. 3 - Via clássica da liberação de EDRF/NO e seus marcadores farmacológico: Acetilcolina (ACH) e difosfato de adenosina (ADP) - estímulo externo de receptores de membrana; Fluoreto de sódio (NaF) - estímulo de G-proteínas com transdução do sinal para os processos intracelulares; Fosfolipase C (FLC) - ciclo fosfatidilinositol; Ionóforo do cálcio (Ca A123187) - simula a mobilização do cálcio do retículo endoplasmático; Nitroprussiato de sódio (NPS) - relaxamento direto da musculatura vascular por estímulo da guanilato ciclase e aumento do GMP cíclico.

Estudaram-se, em paralelo, anéis coronarianos (com e sem endotélio) de artéria dos cães pertencentes aos 4 grupos experimentais. Adicionou-se indometacina (10-5 M) aos banhos orgânicos 45 minutos antes dos experimentos, para prevenir a síntese de prostanóides. Se um conjunto de anéis coronarianos foi utilizado para testar mais de um agonista, observou-se um período de pelo menos 30 minutos entre os protocolos experimentais para cada preparação.

Como complementação do estudo, anéis coronarianos com e sem endotélio, na presença ou não de indometacina (2 X 10-6 M) (Sigma Chemical Company, St Louis, Missouri), foram submetidos a hipotermia induzida nos banhos orgânicos de 37°C a 10°C, utilizando-se observações com e sem o uso do L-NMMA (10-4 M), que é um bloqueador da síntese do NO. Após a obtenção de uma tensão ótima para os vasos coronarianos nas "organ chambers" (10 gramas) os segmentos vasculares foram mantidos em repouso por 30-45 minutos antes da administração de drogas ou indução de hipotermia. Induziu-se hipotermia, gradualmente, de 37°C a 10°C pela adição de gelo ao banho de aquecimento do sistema. Controlou-se a temperatura nas "organ chambers" com um termômetro eletrônico (Shiley Inc., Irvine, California) e registraram-se as tensões, utilizando-se uma velocidade de registro de 100 mm/min. Para eliminarem-se erros devidos a diferenças de temperatura, colocou-se um sensor de temperatura em cada "organ chamber" e, também, utilizando-se de uma rotatividade dos experimentos entre as "organ chambers". Para o estudo da via ciclooxigenase, realizaram-se experimentos na presença ou não de indometacina. Expuseram-se os segmentos arteriais, com e sem endotélio, às drogas pelo menos por 40 minutos, após os quais utilizou-se a prostaglandina F2µ (2 X 10-6 M) para a contração vascular e, então, induziu-se a hipotermia (36°C a 10°C temperatura final do banho orgânico).

Os procedimentos para experimentação animal foram revisados e aprovados pelo Institutional Animal Care and Use Committee, da Mayo Foundation.

Os resultados serão apresentados como médias ± erro-padrão. Em todos os experimentos, n significa o número de animais dos quais os anéis vasculares foram obtidos. Em anéis contraídos com prostaglandin F2, as respostas foram expressas como porcentagem das alterações a partir da contração máxima estável. Para os relaxamentos, calculou-se o logarítmo negativo da concentração 2 molar efetiva do agonista que causa inibição de 50% (IC50) da contração obtida pela prostaglandina F2µ. Estes valores serão utilizados para a construção de curvas dose-resposta. Para a análise estatística foram utilizados a análise de variança (ANOVA) e o teste T de Student para observações pareadas e não pareadas. Os valores foram considerados significantes quando o valor de P foi menor do que 0,05.

RESULTADOS

Relaxamentos Dependentes do Endotélio

A acetilcolina (ACH) (10-9 a 10-4 M) causou relaxamento dependente em artérias coronárias dos cães pertencentes aos 4 grupos experimentais. Entretanto, o relaxamento em artérias reperfundidas mostrou-se comprometido com desvio para a direita da curva dose-resposta, efeito este não observado quando se utilizou a criocardioplegia e hipotermia tópica. Por outro lado, as curvas dose-respostas no grupo dos corações submetidos a isquemia global/reperfusão mostraram-se alteradas quando comparadas com o Grupo controle (Gráfico 1).

GRÁFICO 1



Curvas dose-respostas à acetilcolina (ACH) obtidas nos 4 grupos experimentais. Os anéis arteriais coronarianos foram primeiro contraídos com prostaglandina F2µe depois expostos a concentrações crescentes de ACH. Apresentam-se os resultados sob a forma de média ± erro-padrão. Diferenças estatisticamente significantes apenas para o grupo submetido a isquemia/reperfusão - ANOVA, P<0,05). CTL = grupo não submetido a CEC; CEC = grupo submetido a CEC sem pinçamento aórtico; REP = grupo submetido a isquemia/reperfusão; CCP = grupo submetido a isquemia/reperfusão protegido por criocardioplegia e hipotermia tópica; E+ = Anéis com endotélio; E- = Anéis sem endotélio. A figura superior é uma superposição das curvas dos quatro grupos experimentais estudados. A figura inferior ressalta a função endotelial dos Grupos 1, 3 e 4.

O difosfato de adenosina (ADP) (10-9 a 10-4 M) causou relaxamento dependente do endotélio em artérias coronárias dos cães pertencentes aos 4 grupos experimentais. Entretanto, como a ACH, o relaxamento em artérias reperfundidas mostrou-se comprometido com desvio da curva dose-resposta para a direita, efeito este antagonizado, em parte pela criocardioplegia e hipotermia tópica. As diferenças, exceto para as coronárias submetidas a isquemia/reperfusão, não foram muito distintas, dificultando a elaboração de um gráfico realmente ilustrativo dos resultados numéricos obtidos. A causa provável está no número de animais estudados e na sensibilidade do ADP para os estudos in vitro. Por estes motivos não se apresentam estes resultados sob a forma gráfica.

O fluoreto de sódio (NaF) (0,5 nM a 11,5 nM) induziu relaxamento concentração-dependente em artérias coronárias caninas contraídas com prostaglandina F2µ. Entretanto, a exposição ao NaF aumentou a tensão em artérias coronárias sem endotélio. Em artérias coronárias de corações expostos a circulação extracorpórea sem pinçamento aórtico ou isquemia miocárdica global, o NaF induziu relaxamentos em anéis com entolélio e nenhuma alteração na tensão de anéis sem endotélio. Esta resposta foi comparável em artérias controles não manipuladas. Em contraste, segmentos de artérias coronárias de corações expostos a isquemia global e reperfusão durante o pinçamento aórtico, o relaxamento dependente do endotélio causado pelo NaF em artérias com endotélio foi, significantemente, menor do que o relaxamento apresentado por artérias de corações controles e corações expostos a circulação extrecorpórea sem pinçamento aórtico. A utilização da criocardioplegia nos cães submetidos a isquemia global e reperfusão reverteu a resposta anormal ao NaF (Gráfico 2).

GRÁFICO 2



Curvas dose-respostas ao fluoreto de sódio (NaF) obtidas nos 4 grupos experimentais. Os anéis arteriais coronarianos foram primeiro contraídos com prostaglandina F2µ e depois expostos a concentrações crescentes de NaF. Apresentam-se os resultados sob a forma de média ± erro-padrão. Diferenças estatisticamente significantes apenas para o grupo submetido a isquemia/reperfusão - ANOVA, P<0,05). CTL = grupo não submetido a CEC; CEC = grupo submetido a CEC sem pinçamento aórtico; REP = grupo submetido a isquemia/reperfusão; CCP = grupo submetido a isquemia/reperfusão protegido por criocardioplegia e hipotermia tópica; E+ = Anéis com endotélio; E- = Anéis sem endotélio. A figura superior é uma superposição das curvas dos quatro grupos experimentais estudados. A figura inferior ressalta a função endotelial dos Grupos 1, 3 e 4.

A fosfolipase C (0,01 U/ml a 0,7 U/ml de concentração final no banho das "organs chambers"), induziu relaxamento concentração-dependente em todas as artérias obtidas independente do grupo experimental. A fosfolipase C não causou nenhuma alteração na tensão de artérias sem endotélio. Não houve nenhuma diferença significante entre artérias estudadas (Gráfico 3).

GRÁFICO 3



Curvas dose-respostas à fosfolipase C (FLC) obtidas nos 4 grupos experimentais. Os anéis arteriais coronarianos foram primeiro contraídos com prostaglandina F2µ e depois expostos a concentrações crescentes de FLC. Apresentam-se os resultados sob a forma de média ± erro-padrão. Não ocorreram diferenças estatisticamente significantes - ANOVA, P<0,05). CTL = grupo não submetido a CEC; CEC = grupo submetido a CEC sem pinçamento aórtico; REP = grupo submetido a isquemia/reperfusão; CCP = grupo submetido a isquemia/reperfusão protegido por criocardioplegia e hipotermia tópica; E+ = Anéis com endotélio; E- = Anéis sem endotélio. A figura superior é uma superposição das curvas dos quatro grupos experimentais estudados. A figura inferior ressalta a função endotelial dos Grupos 1, 3 e 4

O ionóforo cálcico A23187 (10-9 M a 10-6 M) induziu relaxamentos concentração-dependentes em todas as artérias obtidas independente do grupo experimental. O A23187 não causou nenhuma alteração na tensão em coronárias sem endotélio. Não houve nenhuma diferença em resposta ao A23187 entre segmentos vasculares obtidos nos 4 grupos experimentais. Os dados são apresentados sob a forma de figura. Para a representação dos mecanismos intracelulares de mobilização do cálcio, optou-se pela apresentação gráfica apenas da fosfolipase C.

Relaxamentos Independentes do Endotélio

O isoproterenol (AMP-cíclico mediado) (10-9 M a 10-8 M) induziu relaxamentos concentração-dependentes comparáveis em todas artérias com e sem endotélio. Não houve nenhuma diferença significante, em relaxamentos produzidos pelo isoproterenol, dentro de cada grupo (com e sem endotélio) ou entre cada grupo.

O nitroprussiato de sódio (GMP-cíclico mediado) (10-9 M a 10-4 M), também, não induziu diferentes relaxamentos em anéis coronarianos obtidos nos 4 grupos experimentais, com e sem endotélio. Estes resultados não são apresentados sob a forma de figura pelo fato da ação do nitroprossiato, à semelhança do EDRF, ser mediada via GMP-cíclico.

Os dados sobre a função da musculatura lisa vascular não são apresentados sob a forma gráfica. Os dados foram todos normais e uniformes nos 4 grupos, dificultando a superposição das curvas dose-respostas.

Função Endotelial Durante a Indução de Hipotermia

O relaxamento de vasos pré-contraídos com prostaglandina F2 na ausência de indometacina ocorreu logo que se iniciou a indução da hipotermia, mostrando um importante relaxamento já entre 36°C e 32°C, sugerindo uma liberação precoce de prostaciclina (provavelmente PGI2). Artérias coronárias não tratadas com indometacina, um inibidor da ciclooxigenase, apresentaram relaxamento independente do endotélio. As artérias coronárias tratadas com indometacina apresentaram um relaxamento dependente do endotélio com significantes diferenças nas tensões dos anéis vasculares com e sem endotélio. Estas respostas tiveram um certo retardo nas temperaturas mais altas (36°C a 30°C), quando comparadas com relaxamentos de segmentos arteriais não tratados pela indometacina. O estudo da L-Arginina como fonte de EDRF/NO aos 30°C, durante a indução de hipotermia em vasos tratados com indometacina e na presença de L-NMMA, um bloqueador clássico da NO-sintetase, mostrou uma significante atenuação do relaxamento dependente do endotélio. O comprometimento da vasodilatação causado pelo L-NMMA pode ser, parcialmente, revertido pela L-Arginina. Observou-se eficiente bloqueio do relaxamento dependente do endotélio pela pirenzepina, que é um bloqueador de receptores muscarínicos do tipo M1 (Gráfico 4).

GRÁFICO 4



Curvas dose-respostas produzidas pela indução in vitro de hipotermia em artérias coronarianas, epicárdicas, com e sem endotélio, tratadas com indometacina. Os segmentos arteriais foram contraídos com prostaglandina F2µ. Apresentam-se os valores sob a forma de média ± erro-padrão (Gráfico superior). Efeito da NG-monometil-L-arginina (L-NMMA) nos relaxamentos dependentes do endotélio causados pela indução in vitro de hipotermia em artérias coronarianas epicárdicas tratadas com indometacina (10-6 M). Apresentam-se os resultados sob a forma de médias ± erro-padrão que representam o percentual máximo de relaxamento ou contração sob o efeito da indução de hipotermia. Controle representa as respostas sem o uso de bloqueadores. LNMMA representa a resposta máxima à indução de hipotermia na presença de NG-monometil-L-arginina (10-4 M). LNMMA+LARG indica a resposta máxima à indução de hipotermia na presença de NG-monometil-L-arginina (10-4 M) e L-arginina (200 µl, 10-4 M). Pirenzepina indica o efeito do bloqueio de receptores muscarínicos do tipo M1 (Gráfico inferior).

COMENTÁRIOS

As verificações fundamentais utilizando-se o plano experimental proposto foram: 1) As curvas dose-respostas correspondentes a todos os passos da via de liberação no NO foram normais nos Grupos 1 (Controle sem CEC) e 2 (CEC sem pinçamento aórtico); 2) No Grupo 3 (CEC com isquemia global e reperfusão), observaram-se respostas alteradas para ACH e ADP e ao NaF quando comparadas com as respostas obtidas nos Grupos 1 e 2; 3) No Grupo 4 (CEC com isquemia global e reperfusão, criocardioplegia cristalóide e hipotermia tópica) observaram-se melhores respostas vasculares quando comparadas com o Grupo 3, porém alteradas quando comparadas com os grupos não submetidos a isquemia global e reperfusão; 4) Os anéis coronarianos submetidos a hipotermia induzida nos banhos orgânicos sem a presença da indometacina apresentaram relaxamentos dependentes do endotélio a partir de 36°C até cerca de 20°C quando o relaxamento vascular também ocorreu nos anéis coronarianos sem endotélio; 5) Na presença da indometacina, o relaxamento dos anéis coronarianos com endotélio iniciaram-se a partir de 33°C-34°C até cerca de 20°C quando os anéis coronarianos sem endotélio também apresentavam vasodilatação; 6) Os relaxamentos vasculares dependentes do endotélio na faixa de temperatura de 37°C a 20°C foram significantemente inibidos pelo bloqueador de síntese L-NMMA, e parcialmente recuperados quando se adicionou a L-Arginina ao banho orgânico; 7) Os relaxamentos dependentes do endotélio induzidos pela hipotermia foram inibidos pela pirenzepina, um bloqueador de receptores muscarínicos do tipo M1.

Após isquemia global e reperfusão durante a CEC, perde-se o efeito protetor do endotélio expresso pela inibição da vasoconstrição a plaquetas agregadas (11). Entretanto, a habilidade da célula endotelial em produzir EDRF/NO pela ação do cálcio ionóforo A23187, um agonista independente de receptores de membrana, é normal.

Os trabalhos experimentais que precederam o presente protocolo procuraram estudar o comprometimento seletivo da liberação mediada por receptor do EDRF/NO após isquemia global e reperfusão (1-3). Escolheu-se um modelo de isquemia global não modificada por intervenções como a cardioplegia ou a hipotermia de tal forma a isolar os efeitos da isquemia/reperfusão. É razoável assumir que métodos protetores do miocárdio contra os efeitos da isquemia/reperfusão possam, também, reduzir disfunções coronarianas endoteliais; entretanto, este fato necessita de comprovação. Nada mais lógico, portanto, do que começar estudando-se os efeitos da criocardioplegia. Neste estudo julgou-se que a disfunção de G-proteínas após isquemia cardíaca global e reperfusão possa acontecer como um mecanismo de comprometimento de relaxamento a agonistas dependentes do endotélio com resposta normal a agonistas independentes do endotélio. As G-proteínas são necessárias na transdução do sinal para a produção de EDRF/NO entre o receptor celular e o mecanismo de síntese. A lesão de G-proteínas induzida pela reperfusão pode comprometer a liberação de EDRF/NO mediada por receptores, sem afetar a habilidade da célula endotelial em produzí-lo (1-3). Para testar a função G-proteína na célula endotelial após a lesão de reperfusão usou-se o fluoreto de sódio (NaF), o qual ativa G-proteínas, diretamente, pela formação de fluoroaluminato complexo AIF4 (12, 13). Na artéria coronária canina, o NaF é um marcador específico para a indução de relaxamento dependente do endotélio atuando em G-proteína(s) sensível à toxina pertussis (14-17). Após isquemia global e reperfusão, houve um significante comprometimento do relaxamento ao NaF. Este achado demonstra um comprometimento do relaxamento dependente do endotélio, mediado por G-proteína, causado pela lesão coronariana de reperfusão. Este comprometimento foi claramente devido à isquemia cardíaca global e reperfusão, porque artérias coronárias de animais expostos a CEC sem pinçamento aórtico ou isquemia global mostraram relaxamentos normais pela ação do NaF. Quando se submeteram os corações de cães a isquemia global seguida de reperfusão, porém com proteção criocardioplégica, as respostas a todos os marcadores farmacológicos foram melhores quando comparadas aos estudos de corações submetidos a isquemia global seguida de reperfusão. Quando comparadas às respostas observadas nas coronárias de cães não submetidos a CEC ou submetidos a CEC sem o pinçamento aórtico, observou-se um certo comprometimento da função endotelial nos corações submetidos a isquemia global com proteção cardioplégica. Portanto, a utilização de cardioplegia cristalóide e hipotermia tópica podem prevenir ou reverter, em parte, os efeitos da isquemia global e reperfusão conseqüentes ao pinçamento aórtico com parada anóxica. Ressalte-se as limitações dos estudos in vitro e as dificuldades de se reproduzir exatamente as mesmas condições experimentais para cada cão operado. Para melhores e mais seguras conclusões é evidente que seria necessário um número maior de experimentos. De qualquer forma, procurou-se estudar a participação funcional do endotélio nos processos de proteção miocárdica testados. Fica difícil separar a importância da solução cardioplégica per se do papel protetor exercido pela hipotermia. Isto motivou o estudo dos efeitos da hipotermia, em vasos coronários normais, na liberação dos dois principais fatores relaxantes liberados pelo endotélio (EDRF/NO e PGI2).

O efeito do resfriamento sobre o relaxamento mediado pelo endotélio depende do agonista e do vaso sangüíneo examinado. Na veia safena de cães, a hipotermia (15°C) tende a aumentar o relaxamento induzido pela acetilcolina, ao passo que a hipertermia (41°C) prejudica este efeito. Nestas observações, os efeitos da temperatura na ação vasodilatadora da acetilcolina foram atribuídos mais a alterações da afinidade dos receptores colinérgicos do que a um efeito direto na liberação do EDRF/NO (18). Na veia jugular de ratos o resfriamento (10°C) atenuou o relaxamento dependente do endotélio causado pela serotonina e pela acetilcolina, ao passo que o relaxamento ao nitroprussiato de sódio não se alterou (19). Neste tipo de vaso sangüíneo, a hipotermia parece inibir não só a liberação estimulada de EDRF/NO, mas também inibe a sua produção basal. Estes estudos foram realizados usando diferentes agonistas em temperaturas variáveis, ao passo que a estratégia experimental deste estudo foi a observação experimental das respostas vasculares induzidas pela hipotermia por si só sem a utilização de agonistas farmacológicos. Sob a ação de temperaturas decrescentes, a parede arterial apresentou uma liberação endotelial precoce de prostaciclina. O mesmo ocorreu, possivelmente, em relação à musculatura lisa vascular coronária. Após a liberação inicial de prostaciclina, a parede arterial libera EDRF/NO, provavelmente, através da estimulação de receptores muscarínicos do tipo M1. Este pode ser um mecanismo de defesa contra a vasoconstrição periférica causada pela hipotermia. Como o resfriamento também aumenta a resposta contrátil a plaquetas periféricas em artérias periféricas (20), a liberação de prostaciclina e EDRF/NO pelo endotélio vascular pode contrapor-se aos efeitos da hipotermia sobre a adesão e agregação plaquetárias. Este estudo mostrou, pela primeira vez, o papel do endotélio como um sensor de temperatura na faixa de 36°C a 20°C. A temperaturas mais baixas, os relaxamentos foram independentes do controle endotelial sugerindo uma alteração da atividade do receptor colinérgico (21) ou um efeito direto da hipotermia na musculatura lisa vascular, com os vasos permanecendo relaxados em um estado de hibernação. Esta pode ser a situação quando se utiliza hipotermia profunda e cirurgia cardíaca.

Em conclusão, o presente estudo in vitro mostrou um possível efeito protetor da criocardioplegia cristalóide, associada a hipotermia tópica, contra os efeitos da isquemia global seguida de reperfusão, e o endotélio como um sensor de temperatura. Demonstrou-se pela primeira vez a liberação endotelial de prostaciclina e EDRF/NO causada pela hipotermia por si só. Estes efeitos podem constituir-se em mecanismos de defesa contra a vasoconstrição periférica e contra o aumento de respostas contráteis à agregação plaquetária induzida pela hipotermia e realça o papel de EDRF/NO como um importante mediador do controle do tonus vascular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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