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ARTIGO ORIGINAL

Ausência de ventriculotomia previne arritmias ventriculares pós correção da tetralogia de Fallot?

Renato A. K Kalil0; Paulo R Prates0; João Ricardo M Sant'Anna0; Paulo R Lunardi PRATES0; Leonardo VEDOLIN0; Guaracy F. Teixeira Filho0; Orlando C. WENDER0; Flávio P. OLIVEIRA0; Rogério ABRAHÃO0; Ivo A Nesralla0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000100005

RESUMO

Arritmias ventriculares são eventos tardios freqüentes após correção da tetralogia de Fallot (TF). Morte súbita, possivelmente relacionada a arritmias, é responsável por mais de 40% dos óbitos tardios. Fibrose cicatricial pela ventriculotomia direita poderia ser fator predisponente a eventos arrítmicos. A abordagem atrial teria vantagens por evitar lesão das coronárias, não comprometer a dinâmica ventricular e prevenir arritmias tardias. Trabalhos prévios demostraram não haver melhor desempenho hemodinâmico no procedimento pós-operatório imediato na correção atrial. Nesta série, procuramos analisar a incidência de arritmias ventriculares tardias no Grupo de correção atrial, comparativamente à ventriculotomia direita. Entre 1988 e 1995, 238 pacientes foram submetidos a correção cirúrgica da TF, sendo 28 por via exclusiva atrial (Grupo A) e 210 por via ventricular (Grupo V). Os grupos eram semelhantes quanto a idade, sexo, peso, altura e superfície corporal. A escolha da abordagem foi aleatória. Pacientes que sofreram qualquer ventriculotomia foram incluídos no Grupo V. Avaliamos a ocorrência de BAV transitório ou definitivo no p.o. imediato e a presença de arritmias atriais e ventriculares no ECG comum obtido na última consulta ambulatorial. O tempo de acompanhamento foi 45 ± 22 m no Grupo A e 33 ± 24 m no Grupo V. Não houve BAV transitório ou definitivo no Grupo A. Ocorreram 7% BAV transitórios e 2% definitivos no Grupo V (NS). Arritmias supraventriculares foram 17,4% no Grupo A e 12,0% no Grupo V (NS). Arritmias ventriculares foram 13,0% A e 3,8% V (NS). A evolução clínica quanto ao alívio da estenose pulmonar, eventos p.o. imediatos e classe funcional foi semelhante em ambos os grupos. Resultados publicados de mapeamento eletrofisiológico de VD demonstram anormalidade da despolarização, não apenas na parede livre, mas também no septo, banda parietal e ápex, sendo as arritmias ventriculares mais freqüentes e mais graves em casos da despolarização alterada no VD. Entretanto, não se encontra correlação entre arritmias e ventriculotomia. Concluímos que a abordagem atrial não previne a ocorrência de arritmias ventriculares no p.o. tardio de TF.

ABSTRACT

Right ventriculotomy might be related to late ventricular arrhythmias after surgical correction of Tetralogy of Fallot. This paper presents the incidence of late ventricular arrhythmias comparing groups submitted or not to a ventriculotomy. From 1988 to 1995, 238 patients were consecutively operated upon, 28 by atrial approach exclusively (Group A) and 210 uncluding a right ventriculotomy (Group V). There were no significant differences regarding to age, sex, weight, height or body surface area. There been no previous selection for the approach. Fallow-up time was 45 ± 22 months for Group A and 33 ± 24 months for Group V (NS). The incidence of atrioventricular block and arrhythmias were studied by conventional ambulatory EKG. Group A presented no transient or permanent AV block, while there have been 7% transient and 2% permanent AV block in Group V (NS). Supraventricular arrhythmias were 17,4% in Group A and 12,0% in Group V (NS). There have been no relation between arrhythmias and ventriculotomy. This might suggest that atrial approach, avoiding ventriculotomy, does not prevent late ventricular arrhythmias.
INTRODUÇÃO

Arritmias ventriculares são eventos tardios comuns após correção da tetralogia de Fallot. MURPHY et al. (1) relatam a morte súbita como causa mais freqüente de óbito tardio, provavelmente relacionado a arritmias, como sugerem DEAN et al. (2) e FRIEDLI et al. (3). A abordagem cirúrgica preferencial para correção desta má-formação tem sido a ventriculotomia direita. Apesar de HUDSPETH et al. (4) já terem descrito a correção via atrial, cuja viabilidade foi confirmada, entre outros, por EDMUNDS et al. (5) e BINET et al. (6), sua superioridade não está comprovada. Os requisitos de boa abordagem cirúrgica seriam: prover exposição excelente, evitar ramos coronarianos e evitar secção excessiva de feixes musculares. As possíveis vantagens da abordagem atrial seriam: preservar a função contrátil do ventrículo direito e evitar fibrose miocárdica, reduzindo a possibilidade de arritmias. RISO et al. (7) não encontraram diferença quanto ao desempenho hemodinâmico no período pós-operatório imediato. DANFIELD et al. (8), VAKSMANN et al. (9) e DOWNAR et al. (10) estudaram os mecanismos eletrofisiológicos da gênese das arritmias, sem encontrar correlação direta com a presença de ventriculotomia.

Este trabalho objetiva avaliar a prevalência das arritmias ventriculares na evolução tardia pós-correção de tetralogia de Fallot, relacionando-a à presença de ventriculotomia direita.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foi realizado estudo retrospectivo em série consecutiva de 238 pacientes não selecionados, submetidos a correção cirúrgica da tetralogia de Fallot no IC/FUC, no período de 1988 a 1995. Os casos foram classificados em 2 grupos: Grupo A (atrial) com 28 casos e Grupo V (ventricular) com 210, conforme a abordagem cirúrgica tivesse sido realizada por via exclusiva atrial ou acrescentado ventriculotomia. Não houve seleção prévia dos pacientes para cada grupo. Prevaleceu a escolha do cirurgião. As características e parâmetros computados foram idade, sexo, peso, tempo de perfusão, tempo de isquemia miocárdica, reoperação por sangramento, tempo de intubação traqueal, tempo de UTI, tempo de internação pós-operatória, ocorrência de bloqueio atrioventricular transitório ou permanente, presença de arritmias no eletrocardiograma em repouso nas últimas avaliações, classe funcional e tempo de acompanhamento.

As características de cada grupo estão expressas na Tabela 1.



A análise estatística foi realizada, considerando-se a média e o desvio-padrão pelo teste T de Student- Fisher para os dados numéricos e o teste do Qui-quadrado para dados qualitativos, considerando-se o a crítico em 5%.

RESULTADOS

No Grupo atrial não ocorreram epísódios de bloqueio atrioventricular, quer transitório ou permanente, estando 100% dos casos em ritmo sinusal (ou atrial).

No Grupo ventricular houve BAVT transitório em 7,2% dos casos e permanente em 2,1%, os quais necessitaram implante de marcapasso definitivo, permanecendo 90,7% sem distúrbios significativos da condução AV. Não houve, entretanto, significância estatística neste parâmetro (Gráfico 1).



Arritmias supraventriculares estavam presentes em 17,4% do Grupo A e em 12,6% do Grupo V (NS), enquanto as ventrículares se manifestaram em 13,0% do Grupo A e em 3,8% do Grupo V (NS), como mostra o Gráfico 2.

GRÁFICO 2

INCIDÊNCIA DE ARRITMIAS SUPRAVENTRICULARES, NOS GRUPOS ATRIAL E VENTRICULAR.



COMENTÁRIOS

Embora teoricamente a ausência de fibrose miocárdica devida a ventriculotomia direita possa diminuir os mecanismos gerados de arritmias, em nossa série não encontramos diferença entre os grupos atrial ou ventricular. Ao contrário do esperado, houve uma tendência do Grupo V apresentar menos arritmias ventriculares, embora sem significância na análise estatística. Por outro lado, houve tendência a este Grupo V apresentar mais episódios de bloqueio atrioventricular total, porém sem atingir nível de significância. Portanto, nossa experiência não permite afirmar que uma ou outra via de abordagem favoreça ou previna a ocorrência de arritmias ventriculares.

DANFIELD et al. (8) estudaram as anormalidades locais da despolarização do ventrículo direito após correção da tetralogia de Fallot, como base para aparecimento de arritmias. Encontraram evidências de associação entre arritmias e despolarização fracionada em vários locais do ventrículo direito, sugerindo haver áreas disseminadas de dano miocárdico ventricular provendo substrato para taquicardia ventricular.

VAKSMANN et al. (11), estudando a incidência e os fatores favorecedores de arritmias ventriculares no p.o. de tetralogia de Fallot, encontraram a idade mais avançada, o tempo de seguimento p.o. e a idade na época da avaliação como relacionados à maior presença de arritmias ventriculares. Não encontraram diferença entre os grupos submetidos ou não a ventriculotomia.

Estudos de mapeamento intra-operatório durante operação para ablação de arritmias após reparo cirúrgico de tetralogia de Fallot, realizados por DOWNAR et al. (10) mostraram que os locais de atuação mais precoces estavam situados no subendocárdio do ventrículo direito em todos os casos, mas houve grande variação nas localizações septais, de parede livre e banda parietal, não podendo ser identificados por fibrose visível.

ZIMMERMANN et al. (12), estudando potenciais tardios ventriculares e arritmias induzidas após correção de tetralogia de Fallot, concluíram que, tanto a presença de extrassístoles ventriculares expontâneas, como de potenciais tardios ventriculares estão associados à maior indução das taquicardias ventriculares. Inversamente, a ausência de ambos pode identificar pacientes com baixo risco para arritmias subseqüentes no p.o. tardio.

CHANDAR et al (13) relatam haver relação entre morte súbita no p.o. tardio e presença de arritmias ventriculares, mas sugerem estudos prospectivos agressivos eletrofisiológicos para estudar fatores preditivos com maior certeza.

Em vista dos nossos resultados e das informações encontradas na literatura, pode-se concluir que a morte súbita é evento prevalente no p.o. tardio da tetralogia de Fallot, estando relacionada a arritmias ventriculares prévias. Estas parecem se originar de àreas esparsas do ventrículo direito, não necessariamente do local da ventriculotomia. Portanto, na escolha da abordagem cirúrgica, não seria adequado considerar a prevenção de arritmias ventriculares para favorecer a abordagem atrial ou evitar ventriculotomia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Murphy J G, Gerah B J, Mair D D - Long term outcome in patients undergoing surgical repair of tetralogy of Fallot. New Engl J Med 1993; 329: 593-9.

2 Dean B J, Scagliotti D, Miller S M, Gallastegui J L, Hariman R J, Levitsky S - Electrophysiologic drug testing in symptomatic ventricular arrythmias after repair of tetralogy of Fallot. Am J Cardiol 1987; 59: 1380-5.

3 Friedli B, Faidutti B, Oberhausli I, Rouge J C - Late results of surgery for congenital heart defects. Helv Chir Acta 1990; 57: 533-43.

4 Hudspeth A S, Cordell A R, Johston F R - Transatrial approach to total correction of tetralogy of Fallot. Circulation 1996; 93: 796.

5 Edmunds L H, Saxena N C, Friedman S, Rashkind W J, Dodd P F - Transatrial repair of tetralogy of Fallot. Surgery 1976; 80: 681- 8.
[ Medline ]

6 Binet J P, Hvass U, Bruniaux J. et al. - Correction complete de la tetralogie de Fallot sans ouverture du ventricle droit. Arch Mal Coeur 1980; 73: 1185- 91.

7 Riso A A, Barbero-Marcial M, Verginelli G, Dias A R, Ebaid M, Jatene A D - Correção cirúrgica da tetralogia de Fallot (TF): estudo comparativo entre as vias ventricular e átrio pulmonar. In: Anais do XX Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca. Maceió, AL: Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, 1993: 52-3.

8 Danfield J, McKenna W, Rowland E - Local abnormalities of right ventricular depolarizantions. After repair of tetralogy of Fallot: a basis for ventricular arrhythmia. Am J Cardiol 1985; 55: 522-5.

9 Vaksmann G, El Kohen M, Lacroix D et al. - Influence of clinical and hemodynamic characteristics on signal-averaged electrocardiogram in postoperative tetralogy of Fallot. Am J Cardiol 1993; 71: 317-21.

10 Downar E, Harris L, Kimber S - Ventricular tachycardia after surgical repair of tetralogy of Fallot: results of intraoperative mapping studies. J Am Coll Cardiol 1992; 20: 648-55.

11 Vaksmann G, El Kohen M, Brevière G M et al. - Incidence et facteurs favorisant les arythmies ventriculaires après réparation de tétralogie de Fallot. Arch Mal Coeur 1990; 83: 659-63.

12 Zimmermann M, Freidli B, Adamec R, Oberhansli I - Ventricular late potentials and induced ventricular arrhytmias after surgical repair of tetralogy of Fallot. Am J Cardiol 1991; 67: 873-8.

13 Chandar J S, Wolff G S, Garson Jr. A et al. - Ventricular arrhythmias in postoperative tetralogy of Fallot. Am J Cardiol 1990; 65: 655-61.

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