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ARTIGO ORIGINAL

Experiência cirúrgica inicial com a operação de Ross (auto-enxerto pulmonar)

Francisco Diniz Affonso da CostaI; Robinson PoffoI; Rogério GasparI; Décio Cavalet Soarer AbuchaimI; Rubem Sualete de MeloI; Valdemir QuintaneiroI; Fábio Said SallumI; Djalma Luís FaracoI; Iseu Affonso da CostaI

DOI: 10.1590/S0102-76381996000200007

RESUMO

FUNDAMENTO: Em decorrência dos excelentes resultados tardios observados com a operação de Ross, sua utilização tem sido cada vez mais freqüente em vários Centros de todo o mundo. OBJETIVO: Relatar a experiência cirúrgica inicial com essa operação em nosso meio. CASUÍSTICA E MÉTODOS: De maio/95 a fevereiro/96,24 pacientes com média de idades de 28,3 anos foram submetidos à operação de Ross pelo método de substituição do segmento proximal da aorta ascendente. Para a reconstrução da via de saída do ventrículo direito, foram utilizados 17 homoenxertos pulmonares e 7 homoenxertos aórticos preservados em solução de antibióticos. Em todos os pacientes foram realizados ecocardiograma bidimensional com Doppler e cateterismo cardíaco no pós-operatório imediato, para avaliar a função ventricular e desempenho hemodinâmico dos auto e homoenxertos utilizados. Três pacientes com evolução clínica superior a seis meses realizaram novo ecocardiograma. RESULTADOS: A mortalidade hospitalar foi de 4%. Os sobreviventes tiveram alta hospitalar em ritmo sinusal e sem sopro diastólico de insuficiência aórtica. O desempenho hemodinâmico dos auto-enxertos foi muito satisfatório, com baixos gradientes de pico (4,0 ± 1,3 mmHg pelo ecocardiograma e 2,8 ± 1,2 mmHg pelo cateterismo). Vinte e um pacientes apresentaram auto-enxertos suficientes e/ou com insuficiência trivial, e 2 pacientes tiveram insuficiência leve. Nenhum paciente teve insuficiência moderada ou importante. Os gradientes de pico dos homoenxertos também foram baixos (3,0 ± 0,9 mmHg pelo ecocardiograma e 4,3 ± 1,4 mmHg pelo cateterismo) e apenas 2 apresentaram insuficiência leve. Houve significativa redução das dimensões sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo no pós-operatório imediato, assim como da massa ventricular esquerda. Após um tempo médio de seguimento clínico de 5,1 meses (1-9 meses), todos os pacientes encontram-se em classe funcional I e livres de eventos. Três pacientes, com tempo de evolução superior a seis meses, realizaram ecocardiograma, que demonstrou normalização da função e massa ventricular, assim como manutenção do adequado desempenho hemodinâmico dos enxertos. CONCLUSÕES: A operação de Ross pode ser realizada em nosso meio com baixa mortalidade e resultados satisfatórios a curto prazo. Acreditamos que será amplamente empregada.

ABSTRACT

BACKGROUND: After the excelent long term results reported with the Ross operation, its use increased worldwide. OBJECTIVE: Report our initial surgical experience with this procedure. METHODS: From may/95 trough february/96, 24 patients (mean age 28.3 years) were submitted to Ross procedure with the root replacement method. Reconstrution of the right ventricular outflow tract was achieved by 17 pulmonary and 7 aortic homografts stored in nutrient-antibiotic media. All patients were submitted to angiographic and echocardiographic Doppler flow studies at the immediate postoperative period to assess ventricular function and hemodynamic performance of the homografts. Three patients with follow-up longer than 6 months had a second ecocardiographic study. RESULTS: Hospital mortality was 4%. All hospital survivors were discharged in synus rhytm and with no diastolic murmur of aortic insufficiency. Hemodynamic performance of the autografts was excellent with low peak systolic gradients (4.0 ± 1.3 mmHg by echocardiography and 2.8 ± 1.2 mmHg by cardiac catheterism). Twenty-one patients had none or trivial autograft insufficiency and two presented with mild insufficiency. None had moderate or severe regurgitation. Peak systolic gradients in the homografts were also low (3.0 ± 0.9 mmHg by echocardiography and 4,3 ± 1,4 mmHg by catheterism) and only two had mild insufficiency. There was a significant reduction in left ventricular mass in the early postoperative period. After a mean follow-up of 5,1 months (1-9 months) all patients were in NYHA functional class I and free of events. Three patients with followup periods longerthan 6 months had asecond echocardiogram which showed normal left ventricular function and mass and adequate performance of the auto and homografts. CONCLUSION: The Ross operation can be done with low operative mortality and good short term results. We believe it will be widely employed by others in our country.
Texto completo disponível apenas em PDF.


Discussão

DR,. MÁRIO O. VRANDECIC
Belo Horizonte, MG

A cirurgia de Ross é um exemplo da autodeterminação do homem na busca do aprimoramento técnico. O esforço solitário inicial desse visionário e líder nato que é Donald Ross resultou no atual Registro Internacional, coordenado por James Oury e que já conta com mais de 1.500 cirurgias com resultados clínicos expressivos. O trabalho apresentado pelo Dr. Francisco foi excelente, não apenas na sua elaboração e apresentação, mas por expressar a necessidade de melhores resultados clínicos com a troca da valva aórtica, mesmo que isto implique numa curva de aprendizado real. Ao contrário da era inicial, a técnica atual de implante do enxerto pulmonar é principalmente do tipo root replacement. Porém, qualquer delas carreia a noção da troca de duas valvas para se corrigir uma, o que implica em um tempo mais prolongado de exfracorpórea e em um número maior de anastomoses. Além disso, o risco de lesão dos ramos septais proximais da descendente anterior na dissecção do enxerto pulmonar, com o conseqüente IAM septal, é uma realidade. Outros detalhes incluem a possibilidade de complicações decorrentes da manipulação dos óstios coronários, a necessária compatibilização dos diâmetros anulares e sino-tubulares aórtico e pulmonar e a impossibilidade de uso do autoenxerto se a valva pulmonar apresenta alterações morfológicas, o que não é incomum, em especial nos congênitos. Obviamente, a maioria desses impecilhos pode ser superada com um bom conhecimento anatômico, aderência a técnica cirúrgica e, principalmente, com experiência, já que o domínio da técnica influencia diretamente os resultados. Com referência ao auto-enxerto, há de se aguardar mais algum tempo para se avaliar o grau de dilatação do enxerto pulmonar e o comportamento a longo prazo da valva pulmonar. Não se pode esquecer que o percentual de reoperações na experiência de Ross é de 13% e do Registro Internacional, em 4 anos, é de 5%. A experiência do nosso grupo com essa técnica é muito limitada. Porém com o mesmo objetivo, qual seja, proporcionar melhor qualidade de vida ao paciente e maior durabilidade ao substituto valvar, temos desenvolvido a válvula aórtica porcina "stenless", já com 7 anos de seguimento, e o tratamento anticalcificante "No-ReactTM", em uso há 2 anos.

DR. COSTA
(Encerrando)

Não há dúvidas de que a operação de Ross é tecnicamente mais complexa que uma troca valvar convencional, e isso deve ser levado em consideração, quando se faz a opção por um determinado tipo de substituto valvar. A técnica de implante de auto-enxerto pulmonar por substituição total da raiz aórtica (roof replacement) tem algumas vantagens, dentre elas, a de se padronizar essa operação. A transferência da valva pulmonar como unidade íntegra, para o lado esquerdo do coração, permite um perfeito alinhamento geométrico da mesma e, conseqüentemente, desempenho hemodinâmico normal, semelhante ao da valva aórtica nativa. A experiência de Ross, já com mais de 20 anos de seguimento clínico, demonstra que as cúspides da valva pulmonar se comportam de forma adequada na circulação sistêmica. Os relatos de Elkins et al. sugerem o mesmo, com relação à parede arterial pulmonar, apesar do tempo de evolução ser de apenas oito anos. Pelo fato do auto-enxerto pulmonar ser vivo, com capacidade regenerativa, ser morfologicamente semelhante à valva aórtica nativa e ter desempenho hemodinâmico normal, pode representar a cura da valvopatia aórtica em algumas situações. Isso, obviamente, não pode ser alcançado por nenhum outro tipo de substituto valvar. Conforme apontado pelo Dr. Vrandecic, o Registro Internacional demonstra uma incidência de 5% de reoperações em quatro anos, por disfunção do auto-enxerto. A análise mais detalhada desses dados revela que a causa mais freqüente para isso é de ordem técnica, o que enfatiza a necessidade de bom conhecimento anatômico e da utilização de boa técnica operatória para a obtenção de bons resultados. A durabilidade dos homoenxertos usados na reconstrução da via de saída do ventrículo direito tem sido muito satisfatória, conforme ralatado por diversos autores. Na experiência de Ross, a incidência de reoperações para substituição de homoenxertos foi de apenas 3,6% em 20 anos. Idealmente, deve-se utilizar homo-enxertos pulmonares criopreservados, nessa posição. Temos acompanhado com muito interesse o desenvolvimento da prótese aórtica porcina sem suporte com tratamento anticalcificante "No React", e esperamos que os resultados clínicos venham confirmar os dados experimentais, que foram externamente promissores. Finalizando, acreditamos que a operação de Ross se demonstrou factível em nosso meio e, atualmente, parece representar a melhor opção no tratamento cirúrgico de pacientes jovens com valvopatia aórtica.

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