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ARTIGO ORIGINAL

Limitações da cardiomioplastia no tratamento das cardiomiopatias

Luiz Felipe P Moreira; Edimar A Bocchi; Noedir A. G Stolf; Pedro Seferian Jr; Paulo M Pego - Fernandes; Antônio Carlos Pereira-Barreto; Fúlvio Pileggi; Adib D Jatene

DOI: 10.1590/S0102-76381992000200008

RESUMO

A cardiomioplastia melhora a função ventricular esquerda e a sobrevida de pacientes portadores de cardiomiopatias severas. O objetivo deste estudo é identificar os fatores que influenciaram os resultados da cardiomioplastia em 22 pacientes operados entre maio de 1988 e dezembro de 1991. Todos os pacientes estavam em classe funcional III ou IV, apesar do uso de terapêutica clínica otimizada. Dezoito pacientes tinham diagnóstico de cardiomiopatia idiopática, a cardiomiopatia era chagásica em 2 e isquémica em 2. Não houve óbitos no período pós-operatório imediato e os pacientes foram seguidos por um período médio de 20,5 meses. Nove pacientes faleceram tardiamente e a sobrevida atuarial foi 76,1 % no primeiro ano e 63,8% no segundo ano de seguimento. Seis pacientes estão, atualmente, em classe funcional I, e 7 em classe II. A mortalidade e a manutenção dos sintomas, no primeiro ano pós cardiomioplastia, foi relacionada a ocorrência de tromboembolismo pulmonar e a progressão da insuficiência cardíaca em pacientes com alterações isquémicas do enxerto muscular, no pós-operatório imediato (pico de liberação plasmática da creatinoquinase > 1500 U.I.) (p=0,03). Paralelamente, aelevaçáo da fração de ejeção do ventrículo esquerdo, documentada aos seis meses de seguimento, foi mais importante em pacientes que apresentaram valores menores de liberação da creatinoquinase após a operação (p=0,02). Já o tamanho da cavidade ventricular esquerda pareceu influenciar a variação da fração de ejeção apenas quando foram retirados da análise os pacientes com comprometimento importante do enxerto muscular (p=0,06). Apesar de não ter havido influência da classe funcional pré-operatória sobre esse parâmetro e sobre a evolução clínica, no primeiro ano de seguimento, os pacientes operados em classe funcional IV apresentaram uma sobrevida, no segundo ano de pós-operatório, significativamente inferior à dos pacientes operados em classe III (33,3% versus 78,1%, p=0,04). Em conclusão, a melhora da função ventricular esquerda e a melhor evolução clínica após a cardiomioplastia podem ser limitadas pela ocorrência de lesão isquémica do enxerto muscular. A condição clínica pré-operatória, bem como o grau de dilatação das câmaras ventriculares, são, também, fatores importantes para o sucesso deste procedimento no tratamento das cardiomiopatias.

ABSTRACT

Dynamic cardiomyoplasty improves left ventricular function and survival of patients with severe cardiomyopathies. The purpose of this study was to investigate the factors influencing cardiomyoplasty results in 22 patients operated upon at the Heart Institute. All patients were in New York Heart Association class III or IV, despite the use of maximal medical therapy. Eighteen patients had idiopathic dilated cardiomyopathy, in two patients the cardiomyopathy was due to Chagas' disease and in two due to ischemic ethiology. There were no operative death and patients were followed up for a mean of 20.5 months. Nine patients died at late follow-up period, and actuarial survival rates were 76.1% at 1 year and 63.8% at 2 years of follow-up. Six patients are presently in functional class I and six in class II. The mortality and the absence of functional improvement at 1 year were associated to episodes of pulmonary thromboelbolysm and to heart failure progression in patients with severe muscle flap ischemic compromise at the immediate postoperative period (creatinokinase peak level > 14001. U.) (p=0.03). In addition, the improvement of left ventricular ejection fraction at 6 months of follow-up was more significant in patients who presented lower values of creatinokinase after the surgical procedure (p=0.02). Otherwise, the influence of left ventricular dimension on ejection fraction changes was documented only when patients with severe muscle flap compromise were withdrawn from the analysis (p=0.06). Despite the absence of functional class influence on 1 year results of cardiomyoplasty, patients operated upon in class IV presented a less significant survival than patients operated upon in class III at 2 years of follow-up (33.3% versus 78.1 %, p= 0.04). In conclusion, quality of life and left ventricular function improvement after cardiomyoplasty may be limited by muscle flap ischemic compromise. Patient's condition prior to surgery and the degree of left ventricular dilation may also influence cardiomyoplasty results in patients with severe cardiomyopathies.
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Discussão

DR. ROBERTO V. ARDITO
Sâo José do Rio Preto, SP

No Instituto de Moléstias Cardiovasculares de São José do Rio Preto - SP (IMC), no intervalo de junho de 88 a março de 92 operamos 15 pacientes, sendo 12 do sexo masculino e 3 do sexo feminino, com idade média de 39,6 anos, variação de 22 a 58 anos. A indicação foi miocardiopatia dilatada idiopática em 9, sendo 1 paciente com cardiomiopatia periparto e 6 com cardiopatia chagásica crônica. Os cardio-estimuladores foram: 12 MED.SP/1005, 1 Diplos 06 e 7 Myos BP. Tivemos 5 óbitos que ocorreram nos pacientes chagásicos: 3 por ICC, 1 por taquicardia ventricular, 1 por embolia pulmonar no pós-operatório. Dos pacientes com ICC, 1 teve reagudização da doença de Chagas, indo a óbito 4 meses após cirurgia. A fração de ejeção média dos pacientes no pré-operatório foi de 34,2%, com uma variação de 22% a 49% e no pós-operatório uma fração de ejeção média de 49,7%, com uma variação de 31% a 77,7% demonstrando um aumento médio de 15,7% da fração de ejeção do VE. A fração de ejeção nos pacientes com cardiopatia chagásica teve melhora discreta de 2,8 pontos percentuais, enquanto para os demais, de 18,8 pontos percentuais em média. Nós concordamos com o Dr. Felipe: quando se faz a correlação da evolução clínica e a FE, os pacientes com classe funcional IV da NYHA apresentam mortalidade maior, o que nos leva a pensar se há benefício da cirurgia nesses pacientes. Outros autores, como o Dr. Timothy Hooper, vêm pondo em dúvida esse procedimento. Em recente editorial publicado no British Heart Journal (outubro/91), ele diz que fica difícil demonstrar uma melhora hemodinâmica nesses pacientes, uma vez que, pela própria lei de Laplace, não existia vantagem mecânica evidente, além do que o músculo esquelético, treinado para ser resistente à fadiga, reduz sua força contrátil e diminui sua velocidade de contração, mas, de qualquer forma, refere o próprio Dr. Timothy, que o músculo grande dorsal colocado em volta do coração reduziria a tensão da parede, em virtude de um aumento efetivo da espessura dos ventrículos envolvidos. Somos da opinião que os pacientes com miocardiopatia dilatada que ainda apresentam certo grau de reserva miocárdica e se encontram entre classe funcional III e IV se beneficiam muito com a cirurgia. Mesmo que não observemos melhora efetiva na sua FE, contém o avanço da doença e melhora sobremaneira a sintomatologia dos pacientes, elevándoos à classe funcional II e I, como o próprio Dr. Felipe vem demonstrando. Muito obrigado.

DR. MOREIRA
(Encerrando)

Gostaria de agradecer ao Dr. Roberto Ardito pelos comentários realizados. A experiência do grupo de São José do Rio Preto nos trouxe, sem dúvida, informações importantes a respeito dos problemas observados com a indicação da cardiomioplastia no tratamento da miocardiopatia secundária à cardiopatia chagásica. Como demonstrado pelos dados apresentados, os pacientes portadores de doença de Chagas, apesar de melhorarem após o procedimento cirúrgico, podem vir a falecer em decorrência de fatores relativos à doença de base, como a presença de arritmias severas ou de miocardite ativa. Em relação ao comentário a respeito dos mecanismos de ação da cardiomioplastia, gostaria de lembrar que nós também acreditamos que este procedimento atua, principalmente, sobre a mecânica da contração ventricular. Além da melhora da função sistólica do ventrículo esquerdo pela direta atuação do enxerto muscular, a queda do "estresse" sistólico e diastólico daquela câmara e a conseqüente diminuição do consumo de oxigênio pelo miocárdio parecem ser alguns dos mecanismos principais da cardiomioplastia. Essas alterações seriam, provavelmente, as responsáveis pela interrupção da progressão da miocardiopatia de base. Finalmente, podemos concluir que a cardiomioplastia ainda é um procedimento de caráter experimental, cujos resultados iniciais apontam para uma indicação mais precoce do que o transplante cardíaco, em pacientes que ainda mantenham algum grau de preservação da função miocárdica. Os bons resultados apresentados nesse grupo específico de pacientes, no entanto, abrem uma boa perspectiva para a utilização da cardiomioplastia como um procedimento paliativo no tratamento da insuficiência miocárdica.

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