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ARTIGO ORIGINAL

Endomiocardiofibrose: resultados do tratamento cirúrgico com conservação das valvas atrioventriculares

Sérgio Almeida de Oliveira; Luís Alberto Dallan; Antônio Carlos Pereira-Barreto; Charles Mady; Fúlvio Pileggi; Adib D Jatene

DOI: 10.1590/S0102-76381991000100002

RESUMO

Entre abril de 1988 e janeiro de 1991, foram operados 25 pacientes consecutivos, para correção de endomiocardiofibrose, com técnica conservadora das valvas atrioventriculares. Dezenove pacientes eram do sexo feminino e seis do masculino. As idades variaram de 11 a 59 anos, com média de 40,6 anos. Dezesete pacientes apresentavam acometimento biventricular, seis com comprometimento do ventrículo esquerdo e apenas dois pacientes com lesão isolada do ventrículo direito. Todos estavam em grupos avançados de insuficiência cardíaca, sendo 19 em grupo IV da NYHA e seis no grupo III. No pré-operatório, 24 apresentavam insuficiência da valva tricúspide e 22 apresentavam insuficiência da valva mitral. Todos os pacientes foram operados com o auxílio de circulação extracorpórea e hipotermia sistêmica de 28ºC e pinçamento aórtico intermitente, para melhor exposição das cavidades ventriculares. A fibrose ventricular direita foi sempre ressecada através da valva tricúspide, enquanto que a fibrose do ventrículo esquerdo foi removida através de pequena ventriculotomia esquerda apical. Em todos os pacientes com insuficiência tricúspide, foi feita plástica anular do tipo DeVega. Dos pacientes com insuficiência mitral, sete tiveram correção espontânea após a ressecção da fibrose, e os outros 15 receberam anuloplastia. Houve apenas um (4%) óbito no pós-operatório imediato e nenhum óbito tardio. A recuperação funcional foi boa, estando atualmente 16 pacientes em grupo funcional I e 8 em grupo II.

ABSTRACT

Between April 1988 and January 1991 we operated on 25 consecutive patients with endomyocardial fibrosis (EMF) with an approach to preserve the atrioventricular valves. Nineteen patients were females and six males. Their ages ranged from 11 to 5 years, with an average of 40.6 years. Seventeen patients had biventricular involvement, six had involvement of the left ventricle and only two patients had an isolated lesion of the right ventricle. All of them were in advanced stage of heart failure, 19 of which were in class IV of the NYHA, and six were in class III. Prior to the operation, tricuspid insufficiency was present in 24 patients and mitrai insufficiency was present in 22 patients. All the patients were operated on with the support of extracorporeal circulation and systemic hipothermia of 28ºC. Intermitent aortic cross-clamping was used so as to permit better exposition of the ventricular cavities. The fibrosis of the right ventricle was always removed through the tricuspid valve, while the fibrosis of the left ventricle was removed through a small apical left ventriculotomy in all the patients. An DeVega's annuloplasty of the tricuspid valve was necessary in all the patients with tricuspid insuffiency. On the other hand, seven patients had spontaneous correction of the ventricle insufficiency after the removal of the fibrosis of the left ventricle, while fifteen needed an annuloplasty. There was one (4.0%) in-hospital death and no late deaths. All patients experienced clinical improvement and are in NYHA functional class I or II.
Texto completo disponível apenas em PDF.



Discussão

DR. CARLOS R. MORAES
Recife, PE

O Dr. Sérgio Almeida de Oliveira e colaboradores merecem nossos elogios, por dois motivos principais. Primeiro, apresentam uma série consecutiva de 25 pacientes operados de endomiocardiofibrose (EMF) com mortalidade de 4%. Isso contrasta com nossa experiência pessoal e com todos os trabalhos da literatura, inclusive do próprio InCor, ainda se relata mortalidade média de 18,8%. Ora, admitindo-se que parte da operação proposta pelo Dr. Sérgio é igual ao que todos os cirurgiões têm realizado, referindo-me a endocardiectomia, temos que admitir que o segredo está na preservação da valva. Por outro lado, por mais perfeita que seja uma anuloplastia, o resultado hemodinâmico, no que diz respeito à competência valvar, não pode ser melhor ao funcionamento de uma bioprótese. Conclue-se, portanto, que seria a presença de prótese numa cavidade ventricular pequena a causa de todos os problemas. Em nossa experiência, observamos uma dramática redução da mortalidade quando passamos a utilizar próteses de baixo perfil e de diâmetros menores. No presente trabalho, os autores não especulam sobre a (ou as) causas que determinam uma baixa mortalidade na série apresentada, e eu gostaria de ouvir a opinião do Dr. Sérgio sobre o assunto. O segundo motivo pelo qual eu me congratulo com o Dr. Sérgio diz respeito ao fato de ter conseguido preservar todas as valvas numa série consecutiva de 25 casos. Desde que Nair e colaboradores, em 1980, demonstraram ser possível preservar a valva mitral na EMF, temos tido essa sorte de preocupação. Entretanto, em contraste com o Dr. Sérgio, que conseguiu preservar 100% das valvas, em nossa experiência e na de outros cirurgiões isso tem sido possível em cerca de 12% dos casos. Como a EMF é uma doença misteriosa e que apresenta características regionais diferentes, a minha única dúvida é se realmente estamos tratando o mesmo tipo de doente. Por exemplo, em um caso operado recentemente e quando já conhecíamos o trabalho do Dr. Sérgio, fomos incapazes de identificar estrutura valvar mitral que permitisse uma anuloplastia. Muito obrigado, e meus parabéns ao Dr. Sérgio e sua equipe.

DR. JOSÉ WANDERLEY NETO
Maceió, AL

À partir de Dubost, em 1971, abriu-se uma nova perspectiva para o tratamento cirúrgico da endomiocardiofibrose com a decorticação ventricular e substituição da valva correspondente. Coube ao Prof. Carlos Moraes, do Recife, divulgar a técnica entre nós e, junto com seu grupo, dar muitas contribuições para o estudo da doença. Esta técnica permite a recuperação funcional em muitos casos. Agora, entre nós, o Prof. Sérgio Oliveira, com esta inovação técnica, nos traz, sem dúvida, um grande avanço para o tratamento da doença. A técnica permite que possamos conservar as valvas atrioventriculares e seus papilares, elementos importantes na manutenção de função ventricular a curto e longo prazo. Isto permite que indiquemos o tratamento cirúrgico nas formas iniciais da doença, quando esta se encontra restrita ao endocardio e não há comprometimento de outros órgãos. Em Maceió, durante o período de dez anos, tivemos oportunidade de operar 16 casos de endomiocardiofibrose. Nos últimos três pacientes, utilizamos a técnica preconizada pelo Prof. Sérgio Oliveira: um caso de ventrículo esquerdo e outro de ventrículo direito; o terceiro caso era biventricular e foi a óbito em baixo débito. A necropsia mostrou que havia uma intensa fibrose invadindo o miocárdio. Parabenizo o Prof. Sérgio, por mais esta contribuição à cirurgia cardíaca do nosso País. Muito obrigado à direção do Congresso e à atenção dos senhores.

DR. OLIVEIRA
(Encerrando)

Agradeço a todos os colegas que nos prestigiaram com seus comentários ao nosso trabalho. O Dr. Carlos Roberto de Moraes é, indiscutivelmente, a pessoa que mais contribuiu para a difusão dos conhecimentos sobre a cirurgia da EMF em nosso meio. Nós concordamos com sua dúvida sobre se a EMF é uma mesma doença, homogênea em sua expressão anatômica, assim como em sua etiopatogenia. O que nós sabemos é que, em suas múltiplas formas de apresentação, a fibrose endocárdica, felizmente, respeita, na grande maioria dos casos, as cúspides das valvas atrioventriculares, havendo apenas acometimento dos músculos papilares. A queda na mortalidade operatória, em nossa casuística, já se observava mesmo antes da introdução desta nova técnica, onde a mortalidade caiu de 20% para aproximadamente 10%. Mas, com a cirurgia conservadora, houve melhora ainda mais expressiva, refletindo, provavelmente, melhor resultado funcional. O Dr. José Wanderley Neto referiu-se à sua experiência inicial com esta nova técnica e sugere a possibilidade de ser indicada a cirurgia em fases mais precoces da evolução da doença, considerando-se a alta probabilidade de ser um procedimento conservador das valvas atrioventriculares. Nós temos cogitado desta mudança na indicação, mas os trabalhos clínicos realizados no InCor têm mostrado que os pacientes que estão em classe funcional I e II (NYHA) apresentaram boa evolução clínica num seguimento de até 10 anos. Ao contrário, os pacientes em classe funcional III e IV apresentaram taxas de mortalidade. Por isto, ainda estamos reservando o tratamento cirúrgico para os pacientes com classe funcional lll-IV. Agradeço, também, ao Dr. José Teles de Mendonça, pelos comentários e observações sobre nosso trabalho. Muito obrigado.

REFERÊNCIAS

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