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ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico da lesão do óstio da coronária esquerda

Luiz Carlos Bento de SouzaI; Paulo ChaccurI; Jarbas J DinkhuysenI; Savério Angrisani NetoII; Antoninho S ArnoniIII; Camilo Abdulmassih NetoI; Haroldo B BarrosoII; Ricardo PavanelloII; Leopoldo S PiegasI; Paulo P PaulistaIII; J. Eduardo M. R SousaI; Adib D JateneII

DOI: 10.1590/S0102-76381988000300005

RESUMO

A lesão do óstio da coronária esquerda pode ser tratada cirurgicamente de duas maneiras: revascularização dos principais ramos arteriais da coronária esquerda (DA, diagonais, circunflexa), ou ampliando a área estenosada, portanto, realizando um ataque direto à lesão. O presente trabalho apresenta nossa experiência com 4 pacientes portadores de lesão do óstio da coronária esquerda e que foram tratados por ampliação da região lesada. Todos os pacientes eram do sexo masculino, com idades de 56, 59, 61 e 68 anos. Em 3 deles, havia presença de fatores de risco de doença coronária (hipertensão, diabetes, tabagismo) e, em 1, antecedente luético. Dois pacientes apresentavam quadro de angina instável, 1 apresentava angina estável e outro era assintomático, porém com teste ergométrico positivo. Do ponto de vista cinecoronariográfico, todos apresentavam lesão importante (> 70%) do óstio da coronária esquerda, sem lesões obstrutivas nas porções distais. A cirurgia foi conduzida com uso de circulação extracorpórea, hipotermia moderada e solução cardioplégica. Realizou-se aortotomia transversal direcionada posteriormente ao seio de Valsalva coronariano esquerdo, seccionando-se o óstio CE estenosado e prolongando-se até mais ou menos 1 cm pelo tronco da CE. A ampliação foi levada a efeito com segmento de veia safena em 3 casos e, em outro, retalho de pericárdio bovino tratado. O tempo de perfusão variou de 45 a 85 minutos (média de 64 minutos) e o tempo de clampeamento foi de 34 a 62 minutos (média de 45 minutos). Não ocorreram complicações dignas de nota no pós-operatório imediato, não havendo mortalidade hospitalar. Os pacientes evoluem em um período de 3 meses a 1 ano e 8 meses. Todos estão assintomáticos, com vida normal. Os autores concluem que a ampliação do óstio da CE é uma boa opção técnica a ser utilizada em lesões deste tipo, que não se acompanhem de obstruções distais nos demais ramos arteriais.

ABSTRACT

The surgical management of the left coronary mitral stenosis can be achieved by revascularizing individually its main branches (LAD, Cfx), or duing a direct approach over the stenosed area. The purpose of this paper is to present the results of the surgical enlargement of this lesion in 4 patients. All cases were males, aging 56, 59, 61 and 68 years old. Three cases had risk factors for coronary disease (hypertension, diabetes, heavy smokers), and 1 had syphilis. Two patients were in unstable angina, 1 presented stable angina, and the last one was assymptomatic, with a positive ergometric test. All patients showed obstructions more than 70% at the cinecoronariography, with no significant peripheral lesions. The operations were performed with the use of moderate hypothermia and crystaloid cardioplegic solution. A transverse aortotomy was made, extending posteriorly to the left coronary sinus, dividing the ostium, and entering 1 cm through the left main artery. In 3 cases, a saphenous vein patch was used for the enlargement, and bovine pericardium on the other one. The immediate postopertive period was uneventful, asn all patients were discharged from the hospital. The late follow-up at 20 months shows assymptomatic patients with normal life. The authors emphasize that the surgical widening of the coronary ostium seems to be a good technical option to treat coronary ostial stenosis, with no peripheral lesions.
Texto completo disponível apenas em PDF.



AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a assistência do Sr. RAUL CECÍLIO MENEZES JÚNIOR, desenhista técnico, na ilustração esquemática dos tempos cirúrgicos.


Discussão

DR. CARLOS FIGUEIROA
Belo Horizonte, MG

Inicialmente, gostaria de agradecer o convite da comissão organizadora, para discutir o trabalho do Dr. Luiz Carlos. As lesões do óstio da coronária, como bem salientou o nosso prezado Luiz, é uma condição realmente rara; elas se apresentam com maior freqüência na lesão sifilítica, na aterosclerose, na doença congênita e em algumas situações de retroca da valva aórtica, em que podemos ter obstrução dos óstios da coronária e iatrogênica, por uma colocação da prótese bem acima do anel da valva aórtica; (slide) no curto tempo que tivemos para revisar a literatura, encontrei, recentemente, os últimos trabalhos, já referidos pelo Dr. Luiz e esta é a cirurgia proposta pelo grupo de Tenessee, sobre lesões de óstio da coronária direita, que faz a plastia com fragmentos de veia; o outro trabalho, também já referido aqui, que mostra o grupo de Michigan, sobre o emprego de pericárdio autógeno no óstio da coronária esquerda, nas lesões congênitas tipo supra-aórticas associadas com obstrução do óstio coronário esquerdo; em parece que a cirurgia direta sobre as lesões do óstio é uma proposta lógica; entretanto, esta cirurgia, acredito, na maioria dos casos em que nós temos obstrução de óstios, que é na retroca de valvas aórticas, é uma condição na qual não se poderia fazer este tipo de cirurgia e sim a cirurgia de ponte de safena ou mamária. Eu vejo algumas vantagens, como já enumerou o Dr. Luiz Carlos, neste tipo de cirurgia; a primeira seria (eu gostaria de um esclarecimento maior a respeito, por ele) a cardioplegia; ele refere, no trabalho, que fez a cardioplegia, mas gostaria de saber como a fez; tenho a impressão de que, após a abertura do óstio, fez uma cardioplegia seletiva no tronco da coronária esquerda; o outro ponto que eu gostaria de esclarecimento é a respeito de qual o enxerto mais indicado, nessa situação; é mais fácil trabalhar com veia, como ele fez em 3 pacientes, ou então com pericárdio autógeno ou pericárdio heterólogo conservado. Quero parabenizar o grupo do Dr. Luiz Carlos, pelo brilhantismo da exposição, pela documentação desses pacientes e acredito que, na realidade, nesses pacientes com obstrução isolada do óstio, é um método que podemos, perfeitamente, realizar. Muito Obrigado.

DR. ALEXANDRE BRICK
Juiz de Fora, MG

É, para nós, uma grande honra e, ao mesmo tempo, uma enorme responsabilidade comentar este trabalho do Dr. Luiz Carlos Bento de Souza, com quem tivemos a oportuniade de conviver de maneira indireta, uma vez que não trabalhamos em seu Serviço, mas que nos deixou até hoje, cada vez mais, novos ensinamentos e, agora, essa responsabilidade aumenta ainda mais, pois estamos frente ao presidente de nossa sociedade. Em virtude desse fato, gostaríamos de prestar a ele a nossa homenagem e, também, do Instituto do Coração de Juiz de Fora. Lembrando palavras de um grande homem, que viveu e morreu sempre procurando servir aos outros, Martin Luther King, que afirmou: "aqueles que lutam em favor dos seus semelhantes um dia construirão aquilo que os egoístas procuram destruir, de qualquer maneira"; e nós temos certeza, Luiz, de que este é, também, o seu pensamento. Por isso, os nossos sinceros cumprimentos. Quanto ao trabalho apresentado, vamos teceralguns comentários e fazer algumas perguntas que já foram feitas aqui pelo Dr. Figueiroa. Realmente, a literatura apresenta poucos casos relatados de lesão isolada do óstio da coronária; (slide) este trabalho já foi referido pelo Dr. Luiz Carlos e pelo Dr. Figueiroa, é a lesão do óstio da coronária direita; aqui está a fotografia da lesão do óstio deste trabalho e aqui está representada a cirurgia que foi apresentada com a plastia de veia safena com este óstio da coronária; em nosso Serviço, em Juiz de Fora, num total de 6.400 cateterismos realizados pelo Dr. João Batista Lopes Soares, foram encontradas 8 destas lesões, com percentual de 0,12%, em concordância com o que foi mostrado pelo Dr. Luiz Carlos e, na revisão da literatura nós não temos nenhum caso tratado com esta técnica, mas achamos que a opção é ótima, evitando, principalmente, o problema relacionado com as pontes de safena na sua evolução a longo prazo. Em nosso meio, tivemos a oportunidade de levantar 4 casos que foram tratados com esta técnica; é a lesão isolada do óstio da coronária e que foram operadas com técnica semelhante à aqui descrita pelo Dr. Luiz Carlos; 2 pacientes foram operados no Serviço do Dr. Sérgio Almeida de Oliveira e 1 das pacientes, além da lesão do óstio, apresentava lesão da valva mitral, que foi tratada concomitantemente; a outra paciente apresentou, 3 anos após, lesões nas artérias coronárias, sendo, então, reoperada para revascularização do miocárdio e, segundo o Dr. Sérgio nos informou, a observação dessa plastia anteriormente realizada estava perfeita; os outros 2 casos nos foram relatados pelo Dr. Ênio Buffolo e, como na experiência do Dr. Sérgio, tratava-se de pacientes jovens, com lesão também isolada do óstio da coronária esquerda; nesses 2 casos, a técnica empregada pelo Dr. Ênio foi um pouco diferente da usada pelo Dr. Luiz Carlos e pelo Dr. Sérgio, pois ele fez a transecção do tronco pulmonar para realizar a plastia, também com veia safena; em todos esses 4 casos que tivemos a oportunidade de levantar através de comunicação verbal, a plastia foi realizada com veia safena. Algumas coisas nós gostaríamos que o Dr. Luiz Carlos comentasse, se isso estaria associado com uma atenção maior do pessoal da hemodinâmica e da cardiologia e do próprio cirurgião pela doença, ou se foi, realmente, uma coincidência; num dos casos aqui apresentados o Dr. Luiz Carlos já comentou isto; foi observada, além da lesão do óstio, a lesão na artéria descendente anterior; perguntamos ao Dr. Luiz Carlos se não seria interessante, nesses casos, realizar a revascularização da artéria; outro ponto que gostaria que fosse explicado e que o Dr. Figueiroa também já perguntou, mas vamos reforçar, é quanto à introdução da cardioplegia, se ela teria sido feita na raiz da aorta, ou diretamente no óstio da coronária, após abordagem e perguntamos também se notou alguma diferença técnica imediata na lesão entre os pacientes que receberam a veia safena e o pericárdio bovino; finalmente, mostraremos aqui 2 casos de nossa casuística, com lesão do óstio da coronária pós-cirurgia de troca valvar aórtica tratados com a técnica de revascularização do miocárdio e perguntaríamos ao Dr. Luis Carlos se, nesses casos, indicaria esse tipo de conduta para corrigir a lesão do óstio. Agradecemos a oportunidade dada pela comissão organizadora e parabenizamos, mais uma vez, o Dr. Luiz Carlos, pelo excelente trabalho. Muito obrigado.

DR. SOUZA
(Encerrando)

Inicialmente, quero agradecer aos comentadores. Eu responderia ao Carlos e, ao mesmo tempo ao Alexandre, que a realização deste tipo de operação com uma prótese aórtica em posição torna-se mais desconfortável; não acredito seja impossível; aceito, com muito mais razão, nesse caso, que se propuzesse uma revascularização nos moldes habituais do que a cirurgia sobre o óstio; entretanto, não concluiria pela impossibilidade do procedimento, mas reconheço que ela seria mais trabalhosa, pela presença de uma estrutura rígida numa região onde se tenha que afastar e trabalhar; o problema da cardioplegia é que ela foi uma cardioplegia de raiz de aorta, não foi uma cardioplegia ostial após liberação de estenose, nós acreditamos que, por esse óstio, passava sangue em quantidade suficiente para promover uma função miocárdica compatível com a vida e não vejo porque, durante a cirurgia, ao se injetar uma solução cardioplégica sobre pressão na raiz da aorta, que essa solução não possa ganhar o leito coronário e promover o resfriamento do miocárdio; no que diz respeito ao enxerto, eu tenho preferência pela veia; creio que um segmento de veia safena elítico traz um bom elemento de ampliação para essa área; eu não procuraria utilizar o pericárdio autógeno porque, algumas vezes em que ele foi utilizado, já se percebeu a capacidade de enrugamento e retração desse pericárdio e eu não sei se, talvez, isso pudesse ocorrer nessa posição, o que seria um desastre, pois que o doente voltaria a ter todos os inconvenientes outra vez e também aceito que o pericárdio tratado seja uma solução para esse enxerto, mas tenho minha preferência pelo segmento de veia. Não encontramos, na evolução até agora, nenhuma diferença entre o doente que recebeu pericárdio bovino e os outros com safena como elemento de ampliação; não há nenhuma diferença funcional, desde que nós não pudemos ter o elemento anatômico do reestudo, pela recusa dos doentes, pelo menos a avaliação dos doentes não mostrou nenhuma diferença no comportamento desses dois enxertos. Sobre a associação de lesões a essa lesão ostial, neste caso a opção foi por ataque direto ao tronco óstio, porque, fatalmente, esse doente não tinha uma lesão arterial que justificasse qualquer tipo de atitude na artéria e, realmente, era uma lesão discreta; hoje, tenho a certeza de que aquele acidente coronário havido no pós-operatório foi por isquemia em cima de uma placa de 20% a 30%; creio que, nessas circunstâncias, eu também aceito a discussão, há controvérsias sobre se seria melhor operar sobre as porções de lesão da artéria, ou se fazer uma cirurgia central; acredito que, em casos como este apresentado, que tinha uma lesão discreta na descendente anterior, eu voltaria a realizar a ampliação da lesão do óstio e somente pensaria em abandonar a ampliação do óstio para um ataque às porções periféricas da artéria, quando a lesão assumisse magnitude maior. Por fim, eu queria agradecer as palavras de entusiasmo à direção da SBCCV, porque, realmente eu estarei, nestes próximos 2 anos, muito ocupado com este assunto. Muito obrigado.

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