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ARTIGO ORIGINAL

Reoperações após cirurgia de Bentall-De Bono para ectasia anulo-aórtica

Renato A. K Kalil; Ricardo Garcia-Macedo; Paulo Roberto Prates; Fernando A Lucchese; João Ricardo Sant'Anna; Raul F. A Lara; Altamiro R Costa; Nestor S Daudt; Edemar M Pereira; Ivo A Nesralla

DOI: 10.1590/S0102-76381988000200003

RESUMO

Complicações tardias após substituição da aorta ascendente e valva aórtica pela técnica de enxerto valvulado de Bentall-De Bono podem constituir sério problema cirúrgico. Condutas nestas situações não estão padronizadas. Entre 37 pacientes operados, no período de janeiro de 1976 e dezembro de 1986, ocorreram complicações tardias necessitando tratamento cirúrgico em 5 (13,5%) casos. Alguns deles apresentaram mais de uma alteração. Estas foram: rotura de válvula biológica (dura-máter), pertuito peritubular na anastomose proximal, pseudo aneurisma em sutura do óstio coronariano esquerdo, deiscência da sutura proximal do tubo, hemólise e endocardite infecciosa localizada no enxerto de Dacron. Um paciente apresentou embolização sistêmica por vegetação. O tratamento cirúrgico consistiu na substituição do enxerto, preservándol e a prótese, nos 2 casos de endocardite infecciosa. As duas biopróteses de dura-máter rotas foram substituídas por próteses metálicas de disco, preservando-se o tubo implantado e abordando-se a prótese através de incisão longitudinal no mesmo. As situações de deiscência de sutura e pseudo-aneurisma foram corrigidas mediante sutura direta dos pertuitos localizados. Ocorreu 1 óbito (20%) no pós-operatório imediato à reoperação, em paciente com endocardite infecciosa por fungo (Aspergillus), decorrente de sangramento incontrolável. Os demais 4 pacientes receberam alta hospitalar, após recuperação sem intercorrências, no 9º dia de pós-operatório, em 3 casos, e no 22º, no caso de endocardite. Como complicação tardia, tivemos 1 caso de persistência do pertuito peritubular em comunicação com o óstio coronariano esquerdo, causando insuficiência aórtica (IAo) e hemólise leve residuais. Houve 1 óbito tardio, por hemorragia, durante procedimento cirúrgico não cardíaco. Complicações relacionadas a infecção, deiscência de suturas, ou degeneração de bioprótese ocorrem com certa freqüência na evolução a longo prazo deste tipo de correção cirúrgica. O tratamento pode ser realizado com risco aceitável e visar apenas à intervenção sobre o defeito apresentado, conservando-se as demais estruturas. É recomendável a utilização de prótese metálica, como primeira opção, para evitar os problemas degenerativos dos materiais biológicos.

ABSTRACT

A major surgical problem is imposed when late complications occur in patients submitted previously to aortic root replacement by the Bentall-De Bono technique. During an 11 years period, from January 1976 to December 1986, 37 patients had aortic root replacement with valved conduits and 5 presented late complications (13.5%) requiring a new operation. The lesions were: biological valve degeneration, infective endocarditis and suture leaks leading to pseudo aneurysm, peritubular leakage and hemolysis. There was 1 systemic embolization with an infected vegetation. The 5 patients were re-operated, with 1 surgical death (20%), in a case presenting fungal endocarditis (Aspergillus), due to uncontroled bleeding. The remaining 4 had an uneventful hospital course. There was 1 late death during a surgical exploratory thoracic procedure. The remaining 3 patients enjoy a normal active life. One of these still has a small peritubular leakage causing mild aortic regurgitation and hemolysis. The surgical procedure consisted of Dacron tube replacement preserving the implanted valve prostheses in the 2 cases with infective endocarditis. Two ruptures biological valves were replaced by methalic disc valves. In this situation, the Dacron tubes were preserved and the valves approached through a longitudinal incision in the tube. The suture leaks were corrected with direct isolated mattress sutures. Late re-operations may be required after aortic root replacement with composite valve-tube grafts. They can be performed at an acceptable surgical risk. The technique should be as conservative as possible and directed to the causing lesions, preserving the remaining structures. A methalic prosthesis should be the first choice for the primary procedure, in order to avoid late tissue degeneration.
Texto completo disponível apenas em PDF.



Discussão

DR. MAURO ARRUDA
Recife, PE

Inicialmente, quero agradecer à Comissão Organizadora deste Congresso a oportunidade que me dá de comentar o trabalho do Dr. Renato Kalil, a quem cumprimento, e à sua equipe, pela excelência da apresentação. Recentemente, revimos, em nosso Serviço, 38 pacientes portadores de aneurisma da aorta; neste grupo, havia 16 aneurismas localizados na aorta ascendente; 9 eram representados por ectasia anular aórtica e 7, dissecções, sendo 4 do tipo 1 e 3 do tipo 2; nestes pacientes com dissecções, foi, sempre, feita a correção da delaminação, interposição de enxerto tubular de Dacron e correção da delaminação, interposição de enxerto tubular de Dacron e correção da disfunção da valva; nos 9 pacientes portadores de ectasia anular aórtica, em 5 a correção foi feita implantando-se, em separado, uma prótese metálica tipo Starr-Edwards e um enxerto tubular de Dacron; em um outro paciente, a correção foi feita implantando-se uma prótese biológica de dura-máter, ressecção da zona extasiada e anastomose término-terminal da aorta. A técnica preconizada por Bentall-De Bono foi por nós realizada em 3 pacientes, 2 deles com boa evolução clínica e 1 terceiro que evoluiu para o óbito, tendo contribuído para esse óbito a distorção dos óstios coronarianos, sangramento após repetidas manobras para o seu alinhamento, revascularização dos troncos coronarianos com pontes de veia safena, resultando, daí, um prolongado tempo de perfusão, sangramento irreversível e óbito; a literatura está pontilhada de críticas a ambos os métodos; é referido que a operação de Bentall-De Bono favorece a distorção dos óstios coronarianos, que o tempo de perfusão é maior em função do maior número de anastomoses, que favorece a hemorragia, que favorece o escape paravalvar e paratubular, que favorece a formação de pseudo-aneurismas; por outro lado, críticas também são feitas à conduta do implante valvar e prótese tubular em separado, mais veementemente porque muito de tecido aórtico doente é preservado; curiosamente, nesta pequena série, a única registrada foi em um paciente que é comparado a 2 casos apresentados aqui; foi num paciente em que nós não escolhemos bem a prótese utilizada; a prótese escolhida foi uma válvula de duramáter, que, depois de 3 anos de implante, apresentou rotura do tecido com insuficiência aórtica e justamente num paciente em que nós havíamos ressecado a porção ectasiada da aorta e feito a anastomose terminal; a reoperação foi realizada sem problemas. Das complicações descritas no trabalho do Renato, eu vejo, pelo que está descrito como complicações da técnica de Bentall-De Bono, que apenas o caso de número 5 se enquadra nessa gama de complicações; os demais apresentados foram todos de complicações inerentes à cirurgia cardíaca de um modo geral, referentes à escolha da prótese, à infecção; por esta razão, numa série tão bonita de casos operados e por ter apresentado apenas 1 caso de complicações, que se enquadrou dentro das complicações da técnica que o Renato escolheu, é que eu gostaria de voltar a cumprimentá-lo, pela excelência de seu trabalho. Muito obrigado.

DR. HENRIQUE MURAD
Rio de Janeiro, RJ

Eu gostaria, inicialmente, de agradecer a oportunidade de comentar este trabalho e, também, de parabenizar o Dr. Renato Kalil e o grupo de cardiologistas do Rio Grande do Sul, não só pelo magnífico trabalho apresentado, como também pelos resultados. As complicações da técnica de Bentall-De Bono têm, cada vez mais, aparecido na literatura e o que mais se tem receio é o implante das coronárias; entretanto, apenas 1 caso mostrou alguma alteração nas coronárias, tardiamente; os demais casos referidos pelo Dr. Mauro Arruda foram por infecção, ou problemas de prótese. O Dr. Kalil advoga que nós passemos a usar prótese metálica e nós temos o problema ao contrário; a nossa experiência é de cerca de 28 casos globais de pacientes com aneurisma de aorta ascendente, seja por dissecção, ou por ectasia ânulo-aórtica e nós temos o problema ao contrário; o paciente hipertenso em que trata de dissecção ânuloaórtica; e tivemos casos de hemorragia cerebral tardia com o uso de anticoagulantes; então, também tivemos o uso da prótese metálica e, recentemente, passamos a usar as válvulas biológicas, na tentativa de não empregar anticoagulante nesses grupos de maior risco. (Slide) Então, a pergunta que existe, hoje, é se a cirurgia ideal seria, realmente, a de Bentall-De Bono para essas situações, ou fazer a cirurgia que foi proposta pelo Dr. With e, depois, popularizada pelo Dr. Craig Miller, para os pacientes com dissecções aórticas, ou com ectasia ânulo-aórtica, e que os óstios coronarianos não fossem muito deslocados (slide), em que se deixam lingüetas onde ficam as coronárias e a ressecção aórtica é feita o mais baixo possível, praticamente perto do nível do anel aórtico; deste modo, se resseca o tecido doente e se faz o implante da prótese ao nível das artérias coronárias. (Slide) Foi o que fizemos neste doente; foi quando conseguimos ter os melhores resultados imediatos e tardios em pacientes com dissecções aórticas agudas e, também, em casos de ectasia ânulo-aórtica, onde se resseca o aneurisma até o nível da valva aórtica, preservando os óstios coronarianos, (slide) de tal modo que a prótese é implantada perto do anel aórtico e o óstio coronariano é mantido. Nós acreditamos que, talvez, possamos evitar, assim, os problemas trazidos com os óstios coronarianos, que tem sido muito descrito após a cirurgia de Bentall-De Bono. Gostaríamos, finalmente, de parabenizar o grupo do Rio Grande do Sul.

DR. NILZO RIBEIRO
Salvador, BA

Eu tenho a impressão de que grande número de complicações dessa cirurgia está na decorrência direta da linha de sutura do tubo do anel aórtico. (Slide) Os senhores reparem o seguinte: se nós deixarmos esta protuberância onde sai o óstio coronariano, é evidente que esta área de sutura será uma área problemática, difícil de co-habitar isto corretamente com o tubo; então, o que nós fizemos nos nossos 2 últimos doentes - onde não tivemos nenhum sangramento, ficou uma sutura absolutamente estanque - colocamos o paciente em extracorpórea, levamos a ressecção da aorta até próximo do anel, desinserimos os óstios coronarianos, tanto o direito quanto o esquerdo, não ressecamos as válvulas aórticas, deixamos a válvula íntegra, pegamos um fio ancorado em feltro e entramos para a luz da aorta e, na saída, pegamos, novamente, a válvula aórtica; então, ficamos com um primeiro tecido, que era a parede da aorta, conjuntamente com o anel aórtico, pegamos a válvula da aorta e, agora, ficamos com as agulhas pelo lado de fora, pegamos este tubo, não fizemos tubo valvulado; tínhamos a prótese destacada, inteiramente solta do tubo e, agora, com estas agulhas que estavam colocadas pelo lado de fora, passamos, primeiro, no bordelete da prótese e, a seguir, no tubo, de tal maneira que, quando aproximamos este tubo, agora valvulado, contra o anel aórtico, tínhamos os seguintes planos, de fora para dentro: a plaquinha de feltro, a parede da aorta, o anel aórtico, a válvula, o bordelete da prótese e a parede do tubo. Se nós nos recordarmos da apresentação do Dr. Kalil, a maioria dos problemas ocorreu a partir desta linha de sutura e, como nós temos conhecimento de que o grande problema desta cirurgia é a hemorragia que se pode estabelecer ao nível da sutura junto ao nível aórtico, aí reside o grande problema, o maior número de complicações dessa cirurgia; uma outra coisa que nós não fazemos, e me dá a impressão de que deve ser uma coisa coerente, é envolver o tubo com a aorta, porque isto pode, no pós-operatório imediato, não permitir sangramento, mas permitir que, num pós-operatório mais tardio, o sangramento que ficou mascarado pelo envolvimento com a parede da aorta, dê esse tipo de problema apresentado pelo Dr. Kalil. Muito obrigado.

DR. RENATO KALIL
(Encerrando)

Agradeço os comentários dos Drs. Mauro Arruda, Henrique Murad e Nilzo Ribeiro. Procurando responder a todos, conjuntamente, gostaria de dizer que o título do nosso trabalho é "Reoperações por complicações após cirurgia de Bentall-De Bono"; pretendemos, com isto, apresentar casos de reoperações e não casos de complicações, como, talvez, tenha parecido. Achamos, ainda, apesar de se saber que existem outras técnicas, que esta de Bentall-De Bono, para este problema, é mais simples, mais rápida e mais completa para a correção deste defeito. Para resolver o problema do hematoma que se forma e foi, sobretudo, salientado pelo Dr. Nilzo, existe a técnica da anastomose aorta com átrio direito, proposta na França, que tem sido usada, também, por alguns outros autores; nós nunca a utilizamos, mas talvez seja um recurso viável. Apenas, para finalizar, quero dizer que, em alguns casos, em situações especiais em que se pode usar a válvula biológica, nós temos, atualmente, utilizado o tubo preparado no I.M.C., de pericárdio bovino, pelo resultado imediato muito mais fácil e mais adequado, com melhor hemostasia, restando, apenas, o óbice dele conter uma prótese biológica. Muito obrigado.

REFERÊNCIAS

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