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ARTIGO DE REVISÃO

Tumores cardíacos malignos

Paulo Ruiz Lucio de Lima0; Pedro Luís Reis Crotti0

DOI: 10.1590/S0102-76382004000100012

INTRODUÇÃO

O estudo da carcinogênese atualmente engloba múltiplos fatores. Fatores extrínsecos ao organismo (agentes ambientais predisponentes) e fatores intrínsecos relacionados ao desenvolvimento de neoplasias (predisposição genética, pró-oncogenes, anti-oncogenes, entre outros) devem ser extensamente estudados e considerados no desenvolvimento de cada um dos tipos de neoplasia do organismo humano. Analisando-se as curvas atuariais e de sobrevida dos vários tipos de neoplasias, em um primeiro momento, podemos observar que alguns órgãos manifestam neoplasias mais freqüentemente que outros. Muitas considerações podem ser feitas sobre este fato, desde aquelas que considerem a exposição destes órgãos a agentes ambientais (irritantes, mutagênicos, radioativos), facilidade técnica de abordagem do órgão para a execução do diagnóstico, precocidade dos sintomas e até fatores intrínsecos a estes órgãos e a predisposição celular ao desenvolvimento das neoplasias, quer benignas ou malignas.

Desta maneira, os tumores que acometem o músculo cardíaco constituem um grupo de neoplasia bastante raro, seja o diagnóstico feito clinicamente, seja feito por meio de necropsias. Até recentemente, o diagnóstico das neoplasias cardíacas era feito por meio de exames necroscópicos, na maioria dos casos [1]. Com o advento, nas últimas décadas, de novos métodos complementares de diagnóstico está havendo aumento do número de pacientes que manifestam sintomas de neoplasias cardíacas e que podem ser tratados cirurgicamente. Métodos não invasivos e invasivos têm sido utilizados com baixa morbidade e alta eficácia no diagnóstico desta doença, propiciando o tratamento clínico (quimioterapia) ou cirúrgico (ressecção completa) dos tumores miocárdicos. Tais métodos diagnósticos (invasivos ou não) adquirem extrema importância no diagnóstico dos tumores do coração [2,3]. Este fato pode ser comprovado analisando-se os sinais e sintomas que são manifestados por um paciente com neoplasia cardíaca. Em sua grande maioria, os tumores do coração e do saco pericárdico manifestam-se por sintomas que podem ser inerentes a inúmeras outras afecções não neoplásicas do sistema cardiovascular. Assim, a dor precordial, com ou sem alterações hemodinâmicas sistêmicas, deve ter seu diagnóstico diferencial com a insuficiência coronariana estabelecido. Arritmias, alterações da condução do estímulo cardíaco, focos de estimulação cardíaca ectópicos, distúrbios da condução do sistema Hiss-Purkinje e seus ramos, entre inúmeros outros sinais e sintomas, podem ser atribuídos a um grande número de cardiopatias adquiridas, dentre elas os tumores (primários ou secundários do coração e do saco pericárdico) [1]. Vários detalhes da história clínica e do exame físico destes pacientes precisam ser considerados para que o diagnóstico possa ser estabelecido de maneira correta e o tratamento proposto. É importante ressaltarmos, então, o papel dos métodos complementares quando procuramos o diagnóstico diferencial entre estas doenças. O ecocardiograma uni e bidimensional com estudo dos fluxos intracavitários, por via transtorácica ou esofágica, é método importante na avaliação dos tumores do coração. Adquire maior acurácia diagnóstica quando pode, por exemplo, ser associado à tomografia computadorizada de tórax e mediastino. O ecocardiograma adquire papel importante na avaliação do tumor cardíaco e das suas relações intracardíacas. Tamanho do tumor, localização, local de origem, acometimento de folhetos valvares ou não, obstrução ao fluxo sanguíneo intracavitário, sinais de invasão do músculo cardíaco podem ser analisados por este método. A associação com a tomografia computadorizada do tórax ou com a ressonância magnética (mais recentemente com a angioressonância) fornece informações muito importantes quanto às relações entre o coração acometido por neoplasia e as estruturas circunvizinhas. Análise do tamanho do tumor, posição intra ou extracardíaca, invasão do pericárdio ou estruturas vizinhas, órgão no qual o tumor se originou (tumor de mediastino ou de pulmão com invasão do saco pericárdico e/ou do coração), análise da ressecabilidade do tumor, possibilidade de metástases à distância, possibilidade de neoplasia metastática de outros órgãos para o coração e pericárdio são informações importantes que podem ser conseguidas com cada um destes métodos ou com sua associação [4].

Quanto aos métodos invasivos representados pelo cateterismo cardíaco, pelo estudo angiográfico cardiovascular e pela possibilidade de biópsia endovascular podemos salientar sua importância no diagnóstico pré-operatório das neoplasias malignas do coração (primárias ou metastáticas); e também, no diagnóstico diferencial com doenças que acometem o sistema cardiovascular com maior freqüência que as neoplasias [2].

A presente revisão de literatura, tendo como foco os tumores cardíacos malignos, primários ou metastáticos, será utilizada para descrição e discussão sobre a incidência e prevalência dos tumores intracardíacos, seus critérios diagnósticos e prognósticos, considerações sobre os métodos de tratamento e sobre os exames complementares necessários para o diagnóstico presuntivo e definitivo.

COMENTÁRIOS

De maneira didática e simplificada podemos agrupar os tumores que acometem o coração e o saco pericárdico em primários e secundários.

Os tumores primários do coração podem ser subdivididos em benignos e malignos (Figura 1).



Dentre os tumores benignos, os mixomas são os mais freqüentes. Segundo alguns autores, existe um tumor primário do coração para cada 5.000 necropsias não selecionadas [1]. A incidência dos tumores cardíacos é menor que 0,2% dos tumores que podem ser encontrados no organismo. Apesar deste fato, os mixomas representam cerca de metade dos tumores benignos do coração. Podem incidir em qualquer faixa etária, porém prevalecem entre a 4ª e 5ª décadas de vida. Localizam-se preferencialmente no átrio esquerdo, em contato com a valva mitral, pediculado ou não a um de seus folhetos (Figura 2). Mixoma de átrio direito, com obstrução da via de saída do ventrículo direito, embolia maciça tumoral para os pulmões, estenose de valva pulmonar também são descritos na literatura [1,5-7].



Dentre os tumores malignos primários do coração, o tipo histológico mais freqüente é representado pelos sarcomas do músculo cardíaco (Figura 3). Os rabdomiossarcomas são encontrados no átrio e no ventrículo direito em cerca de 40% dos casos de neoplasias malignas primárias do coração. Por apresentarem potencial de disseminação e invasão local, podem rapidamente invadir o ventrículo direito, veias cavas, septo interventricular e câmaras cardíacas esquerda. Alterações do ritmo cardíaco, arritmias e bloqueios à condução do estímulo elétrico no sistema Hiss-Purkinje são mais comuns nestes tipos de neoplasia que nos mixomas e nos tumores metastáticos ao coração [8-11].



FABRICIUS et al. [9] relatam caso de paciente que desenvolveu rápida insuficiência cardíaca devido a leiomiossarcoma de átrio esquerdo. A paciente fora admitida para tratamento cirúrgico em caráter de urgência.

Durante o procedimento operatório, um grande tumor originando-se no átrio esquerdo e estendendo-se para ambas veias pulmonares foi identificado e ressecado. Histologicamente demonstrou-se tumor de linhagem epitelial com forte imunoexpressão para desmina e actina. Seis meses após a operação, a paciente apresentou recidiva do tumor e óbito.

FUKUOKA et al. [10] relatam o diagnóstico de leiomiossarcoma do coração em paciente que havia sido previamente submetida à ressecção de neoplasia de tireóide e de lobo inferior do pulmão esquerdo. Segundo os autores, o estudo anatomopatológico revelou independência entre os tipos histológicos dos três tumores. Relatam o aparecimento do leiomiossarcoma de átrio esquerdo em paciente de 63 anos e apresentam breve revisão da literatura sobre os tumores malignos primários do coração.

KWOK & HUNT [12] descrevem estudo realizado com pacientes submetidos a transplante de coração e relacionam este fato ao surgimento de neoplasias primárias do músculo cardíaco. Segundo os autores, a imunossupressão a que são submetidos tais pacientes poderia ser fator envolvido na carcinogênese cardíaca, associada a cronicidade das doenças que conduzem o paciente ao transplante.

UCHIKAWA et al. [7] relatam uma forma de neoplasia cardíaca muito rara, o histiocitoma fibroso maligno, em paciente com 50 anos de idade, admitida para o tratamento cirúrgico de insuficiência cardíaca congestiva, devido à presença do tumor cardíaco. Segundo os autores, os exames pré-operatórios mostravam a presença de grande tumor na parede septal e posterior do átrio esquerdo. O tumor foi completamente retirado e a parede do átrio reconstruída com enxerto de pericárdio. O diagnóstico histopatológico concluiu pelo histiocitoma fibroso maligno e a paciente apresentou má evolução pós-operatória, com disseminação do tumor.

CHAN et al. [2] relatam a eficácia da biópsia endocárdica através de abordagem transeptal. É descrito caso de sarcoma de átrio esquerdo que foi diagnosticado através de biópsia endocárdica transeptal monitorada por ecocardiograma.

MORIN et al. [13] descrevem o leiomiossarcoma mixóide de átrio esquerdo como neoplasia extremamente rara e o comparam com o mixoma de átrio esquerdo. Segundo os autores, o leiomiossarcoma mixóide de átrio esquerdo constitui-se em um tumor raro e maligno, que predominantemente desenvolve-se no átrio esquerdo, ao contrário das descrições de outros autores que relacionam os sarcomas preferencialmente com as cavidades cardíacas direitas. Os autores relatam caso de paciente de 53 anos de idade com sintomas de estenose de valva mitral e hipertensão pulmonar severa. Ecocardiograma e estudo angiográfico revelaram tumor no átrio esquerdo, inicialmente interpretado como mixoma de átrio esquerdo. O tumor foi retirado e os estudos histopatológicos, imunohistoquímicos e por microscopia eletrônica revelaram a linhagem do tumor. Nenhum tratamento adicional foi realizado (radioterapia) segundo os autores, devido à hipertensão pulmonar severa do paciente. Exames de rotina realizados dois meses após a operação revelaram recidiva do tumor.

BRUNNER LA ROCCA et al. [8] relatam caso de paciente que apresentava massa de átrio esquerdo, no qual a ressecção não foi possível por dois fatores: o aspecto de pseudotumor inflamatório e as atipias celulares sugeriam diagnóstico de sarcoma do músculo cardíaco. Exames imunohistoquímicos (PCNA, MIB-1/Ki67, bcl-2 positivo, p53 negativo e perda focal de nm23) sugeriam a malignidade do tumor, porém não confirmaram a linhagem histológica. Paciente foi acompanhado durante 28 meses, após os quais apresentou metástases na coluna e novo crescimento do tumor. Submetido à radioterapia, segundo os autores, apresentou evolução ainda favorável durante 15 meses.

WIPPERMANN et al. [11] relatam reoperação radical para o tratamento de leiomiossarcoma do músculo cardíaco. Segundo os autores, os leiomiossarcomas do coração correspondem a menos de 0,2% de todos os tumores cardíacos e, nos casos de tumores grandes e invasivos, a possibilidade de transplante cardíaco pode ser cogitada. Relatam reoperação de paciente submetido à extirpação de leiomiossarcoma de coração dois anos antes do segundo procedimento cirúrgico, com sucesso. De acordo com os autores, existe ainda esta possibilidade antes do transplante cardíaco.

TODA et al. [14] descrevem o diagnóstico e tratamento de jovem de 16 anos de idade, submetido à ressecção de histiocitoma fibroso maligno do coração. Segundo os autores, o paciente apresentava grave dispnéia no momento da admissão e os exames complementares revelaram tumor de 10 cm de diâmetro localizado no átrio esquerdo. O paciente foi submetido à ressecção completa do tumor e o exame anatomopatológico demonstrou o histiocitoma maligno. Nenhum tratamento complementar foi indicado (radio ou quimioterapia) e não há evidências de metástases ou recidiva do tumor nove meses após o procedimento. Ainda segundo os autores, há 42 casos descritos na literatura de histiocitoma fibroso maligno, confirmando a raridade deste tipo de neoplasia.

Por sua vez, os tumores metastáticos para o coração e saco pericárdico apresentam incidência maior que os tumores primitivos do músculo cardíaco. Os tumores metastáticos para o coração podem ser encontrados em até 6% das necropsias que revelaram tumores malignos. Carcinomas, dentre eles os carcinomas de pulmão, e os sarcomas (de qualquer localização) podem originar metástases para o coração e seus envoltórios. A disseminação por via linfática ou por contigüidade é responsável pela presença das metástases no pericárdio, no miocárdio, porém raramente no endocárdio.

Assim como os carcinomas, outros tumores de linhagem epitelial também têm o miocárdio como órgão alvo para suas metástases. Entre eles, o melanoma maligno é responsável por cerca de 44% de metástases para o coração e pericárdio [1]. Os sintomas clínicos podem ser escassos nos quadros iniciais. Por outro lado, raramente o paciente desenvolve insuficiência cardíaca, como nos casos de tumores epiteliais endovasculares. As manifestações clínicas, representadas pelos distúrbios de condução do estímulo elétrico cardíaco e arritmias, podem ocorrer em até 10% dos casos. As metástases dos melanomas para o saco pericárdico podem ser responsáveis pelo acúmulo de líquido entre as serosas e pelo tamponamento cardíaco como diagnóstico inicial da doença.

Vários autores [2,6,15] descrevem a alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico das massas intracardíacas que o ecocardiograma pode fornecer. Descrevem também a necessidade de associação entre tal método de imagem e a biópsia realizada por via endovascular, quer por via transeptal ou diretamente sobre a massa intracardíaca.

Segundo GINDEA et al. [4], os melanomas malignos metastáticos para o coração têm alta incidência, podendo ocorrer em até 64% das necropsias de pacientes que morreram por esta neoplasia. A presença de metástase cardíaca está associada, nestes pacientes, a larga disseminação da doença e envolvimento de múltiplos órgãos. Os autores descrevem a presença de tumor maligno pleomórfico, obliterando ambas cavidades ventriculares, cujo diagnóstico de melanoma maligno foi feito por avaliação imunohistoquímica. Segundo os autores, o paciente foi admitido referindo dispnéia progressiva nos trinta dias anteriores à consulta. Além da taquicardia e da dispnéia objetiva, apenas pequeno sopro sistólico era audível na região precordial. Um ano antes o paciente havia sido submetido a exérese de melanoma na região dorsal. A radiografia de tórax não demonstrou alterações e o eletrocardiograma revelou taquicardia sinusal, retardo na condução intraventricular do estímulo atrial e alterações não específicas do segmento ST e da onda T. O ecocardiograma revelou extensa massa intramiocárdica, que exercia compressão das cavidades ventriculares direita e esquerda. A ressonância nuclear magnética e a biópsia endovascular foram exames importantes na determinação do diagnóstico e do tratamento deste paciente, segundo os autores. Sugerem que a ressonância magnética pode ser utilizada, fornecendo informações importantes do acometimento do coração e de estruturas intratorácicas, principalmente quando o ecocardiograma apresentar dificuldades técnicas na sua realização.

ROSÁRIO et al. [15] relatam a ocorrência de metástase cardíaca de melanoma ocular em paciente de 84 anos de idade. Segundo os autores, os tumores cardíacos geralmente representam causas de sintomas como a síncope, por obstruírem e dificultarem o fluxo sangüíneo através do ventrículo esquerdo. Relatam que os melanomas malignos são tumores com este potencial, apesar do pequeno número de casos descritos na literatura em que o envolvimento do endocárdio por tumores é a origem de todos os sintomas. Descrevem a presença de massa de 6,2 x 3,2 cm, móvel e não homogênea, ocupando quase toda a cavidade do ventrículo esquerdo, detectável pelo ecocardiograma transtorácico, e que era impulsionada pelo fluxo sangüíneo através da valva aórtica, a cada sístole. Submetido a ventriculotomia esquerda e remoção de massa enegrecida pediculada aos músculos papilares, o paciente apresentou hemorragia mediastinal fatal, no período pós-operatório. Para os autores, as neoplasias primárias do coração são extremamente raras, sendo observadas e 0,0017 a 0,28% das necropsias. As metástases para o coração podem incidir com mais freqüência, podendo ocorrer de 1,5 a 21% dos pacientes com neoplasias. Neste grupo, os melanomas podem corresponder até a 65% das metástases cardíacas, nos pacientes com neoplasia disseminada. Segundo relato dos autores, há apenas 16 casos de melanoma cutâneo metastático apresentando-se como massa intracardíaca pediculada [15-17]. Tipicamente o envolvimento cardíaco do melanoma metastático refere-se à disseminação para o saco pericárdico e miocárdio. Neste relato, os autores descrevem o primeiro caso de metástase de melanoma para o endocárdio, sendo o tumor primário identificado no globo ocular. Sugerem também a possibilidade de biópsia endocárdica e a realização de quimioterapia pré-operatória para diminuir o tamanho da massa intracardíaca.

GAUDREÉ et al. [16] relatam caso de paciente de 70 anos de idade, previamente submetido a enucleação de olho esquerdo por melanoma, três anos antes. Descrevem a presença de duas massas intracardíacas, no átrio direito e no ventrículo esquerdo, cuja ressecção e biópsia mostraram tratar-se de melanoma maligno. O paciente foi submetido a tratamento quimioterápico e acompanhamento, permanecendo em bom estado geral cinco anos após o diagnóstico. Os autores discutem a possibilidade de metástase do melanoma ocular para o coração, assim como a possibilidade de tumor primitivo do coração, de remissão espontânea e de cura com a ressecção cirúrgica sem tratamento complementar subseqüente.

WIKBERG et al. [18] descrevem em seus relatos novos aspectos das melanocortinas e seus receptores teciduais. O conhecimento da melanocortina, de seus receptores, a identificação de cinco receptores para melanocortina e a descoberta de dois antagonistas endógenos para estes receptores têm despertado grande interesse dos investigadores neste campo. Os autores discutem a farmacologia, fisiologia e mecanismos de biologia molecular das melanocortinas e seus receptores. Em particular, revisam as relações entre as melanocortinas e o sistema imunológico, com atenção especial ao sistema cardiovascular e aos melanomas.

KAZA et al. [19] descrevem a possibilidade de ressecção de tumores intracardíacos utilizando-se o sistema de circulação extracorpórea, aortotomia e introdução de equipamento de vídeo-cirurgia através da aortotomia e da valva aórtica, possibilitando visão direta e ampla das massas intracardíacas. Descrevem a eficácia do método, utilizado para ressecção de tumor pediculado no septo interventricular sob visão endoscópica (principalmente nos casos em que a visão direta do tumor estiver prejudicada) com bons resultados e sem recidiva do tumor no músculo cardíaco.

Neoplasias cardíacas têm incidência bastante reduzida, sejam primárias ou metastáticas, quando comparadas com neoplasias que acometem outros órgãos, por exemplo, mama, pulmões, próstata e intestino. As neoplasias primárias do músculo cardíaco e dos componentes intracardíacos representam raridade, variando sua incidência na literatura entre 0,0017 e 0,28%. Os principais tipos histológicos dos tumores primários do coração são os mixomas, fibromixomas e os sarcomas. A invasão direta por continuidade, por contigüidade ou por disseminação linfática ou hematogênica dos carcinomas e melanomas pode acometer os tecidos do coração em 6 a 10% dos pacientes que apresentem estes tipos de tumores. Carcinomas ou adenocarcinomas que invadem o coração e seus envoltórios habitualmente são originários do parênquima pulmonar adjacente. Equivalente número de casos de tumores metastáticos para o coração é representado pelo melanoma. Dentre os tumores metastáticos para o miocárdio, os melanomas podem representar de 30 a 65% dos casos [1].

Estatisticamente os tumores primários do coração desenvolvem-se preferencialmente nas cavidades cardíacas esquerdas como, por exemplo, os rabdomiossarcomas e os mixomas do átrio esquerdo. Pode ou não haver invasão e comprometimento de cavidades cardíacas direitas no momento do diagnóstico ou do aparecimento dos primeiros sintomas [2,5,9,13-15,20].

Por sua vez, os tumores metastáticos para o coração ocorrem predominantemente no pericárdio (disseminação linfática) e nas cavidades direitas (teoria da disseminação hematogênica).

Nos pacientes em que existe disseminação do tumor para o pericárdio, os sinais e sintomas iniciais e predominantes referem-se à presença de exsudato neoplásico ao redor do coração. São, portanto, relacionados aos derrames pericárdicos volumosos e ao tamponamento cardíaco [20].

Ao considerarmos os tumores que acometem o músculo cardíaco, primários ou metastáticos, a principal forma de manifestação são as arritmias e os distúrbios de condução do sistema elétrico do coração. Fibrilação atrial, flutter atrial, extrasístoles ventriculares isoladas ou freqüentes, bloqueio de ramo direito (e de suas divisões) são fenômenos freqüentemente observados nestes pacientes. Sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva são relatados e relacionados a tumores cardíacos que acometem as cavidades cardíacas direitas, preferencialmente. Na verdade, manifestam-se com sintomatologia de obstrução ao fluxo de sangue através do VD, necessitando diagnóstico diferencial com infarto de VD, tromboses de veias supra-hepáticas, trombose de veias cavas superior, síndrome de compressão de veia cava superior, tumores do mediastino, estenose pulmonar, dentre outros [1,3,11,16].

Vários outros sinais e sintomas podem ser relatados nos pacientes com neoplasias do coração, em menor freqüência, são eles: dor torácica e/ou precordial, dispnéia aos esforços, desmaios, tonturas, síncopes e convulsões. Importante ressaltar que estes sintomas inespecíficos, nos pacientes com tumor no coração, são muito mais freqüentes em outras doenças não neoplásicas do sistema cardiovascular, entre elas as arritmias, a insuficiência coronariana, as afecções orovalvares e os quadros agudos da aorta.

As arritmias são as formas de manifestação mais freqüente dos tumores cardíacos, primários ou metastáticos. Sua fisiopatologia pode estar relacionada ao estímulo mecânico que pode gerar, assim como pelo edema que pode ocorrer ao redor no tumor. Admite-se que tumores pediculados possam ser mais arritmogênicos que os tumores sésseis nas fases iniciais da doença [15].

Os demais sinais e sintomas podem ser inespecíficos e é importante o diagnóstico diferencial com outras patologias cardiopulmonares.

O exame físico e os exames laboratoriais podem ser inespecíficos e inconclusivos.

A radiografia de tórax evidencia, na maioria das vezes, aumento da área cardíaca, porém dificilmente pode induzir à suspeita clínica de uma neoplasia do miocárdio. Sinais de aumento de cavidade cardíacas direita e esquerda podem ser encontrados nas miocardiopatias dilatadas, com ou sem arritmia. Sinais radiográficos de tamponamento cardíaco são os que mais podem levar à suspeita clínica de neoplasia, mesmo que no pericárdio, inicialmente. Em nosso meio, cerca de 60 a 70% dos derrames pericárdicos diagnosticados são devidos à tuberculose pericárdica. Entre 20 a 25% dos casos pode-se comprovar a etiologia neoplásica do exsudato pericárdico. Outras causas de aumento de área cardíaca, devido ao acúmulo de líquido no pericárdio, podem ser o lupus eritematoso sistêmico (LES), o hipotireoidismo, dermatopoliserosites de maneira geral, desnutrição, insuficiência renal crônica, insuficiência hepática, quadros infecciosos agudos em pacientes imunossuprimidos e/ou transplantados, entre outras doenças.

A presença de alterações do ritmo cardíaco ou da condução do estímulo, detectadas ao eletrocardiograma, também podem ser inespecíficas e comportam vários diagnósticos diferenciais (Figura 4).



O ecodopplercardiograma constitui-se no exame com maior sensibilidade e especificidade para o diagnóstico das massas intracardíacas, principalmente nos mixomas atriais [5,6,9,16]. A presença de lesão vegetativa, pediculada ou séssil, em um dos folhetos valvares ou no aparelho valvar, na ausência de sinais e sintomas infecciosos e freqüentemente associado a arritmias, pode levar ao diagnóstico de tumor cardíaco. Obstrução ao fluxo de sangue, local de origem do tumor, relação com as estruturas intracavitárias, comprometimento do miocárdio e do pericárdio são informações que podem ser obtidas com o ecodopplercardiograma transtorácico ou com o ecocardiograma transesofágico.

Outros métodos de imagem, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética do tórax (angioressonância), podem ser úteis na avaliação das estruturas circunvizinhas, determinando se o tumor pode ter origem em órgãos intratorácicos ou não. Neoplasias pulmonares, carcinomas do timo e linfomas, podem ser avaliados por estes métodos [4]. As neoplasias malignas do timo (timomas estágio III, segundo MASAOKA et al. [21]) e os linfomas intratorácicos, quando não diagnosticados em fase inicial podem comprimir e/ou invadir diretamente as estruturas mediastinais vizinhas, como o coração, grandes vasos, pulmões e traquéia. Geralmente os sinais e sintomas clínicos estão relacionados à síndrome de compressão da veia cava superior. O diagnóstico pode ser feito através de biópsia transtorácica dirigida por tomografia computadorizada de tórax (Figura 5).



De maneira semelhante, os tumores renais (tumor de Wilms) e das glândulas supra-renais também podem comprometer o sistema cardiovascular. A invasão das veias renais pelas neoplasias citadas anteriormente pode dar origem a "trombos neoplásicos" que invadem o átrio direito através da veia cava inferior. "Êmbolos neoplásicos" podem comprometer ambos pulmões (metástases) e a invasão direta do músculo cardíaco por estas neoplasias ocorre mais raramente.

Mesmo nos casos de tumores próprios do coração, primários ou metastáticos, a tomografia e a ressonância fornecem informações importantes. O aspecto do tumor, a presença de áreas com diferentes coeficientes de atenuação, o tamanho do tumor, as câmaras cardíacas envolvidas, o comprometimento septal atrial ou ventricular, o acometimento da aorta ou da artéria pulmonar, a característica uni ou multifocal do tumor dentro do coração podem ser relatados nestes exames.

O cateterismo cardíaco pode ser indicado associado ou não à realização de biópsia miocárdica ou tumoral, por via endovascular [2]. Não há relatos na literatura quanto a critérios para a indicação de biópsia de tumores cardíacos, principalmente devido à incidência extremamente baixa. Em nossa opinião, a realização da biópsia endovascular deveria ser realizada nos casos em que os demais métodos de imagem demonstrem a irressecabilidade do tumor cardíaco e a ausência de acometimento de outros órgãos por neoplasias. Assim, a determinação do tipo histológico do tumor do coração é importante para direcionar o tratamento (Figura 6).



Nos casos de pacientes em que prevalece a suspeita de mixoma do átrio esquerdo ou de trombos intramurais, a biópsia endovascular está contra-indicada pelo risco de embolia e de disseminação da neoplasia para outros órgãos. O tratamento cirúrgico seria o método terapêutico de escolha.

Recentes estudos com antígenos e histocompatibilidade e com melanocortinas e seus receptores podem relacionar o tropismo das células do melanoma pelos miócitos do coração [18,22]. Tal fato explicaria a alta incidência de metástases de melanoma para o miocárdio, nos pacientes com disseminação sistêmica do melanoma. A "imunoatração" entre as células do melanoma e o músculo cardíaco pode também ser a explicação para o fato de pacientes operados por melanoma ocular ou de pele, livres de doença neoplásica no sítio primitivo, apresentarem "metástases de melanoma' isoladas para o miocárdio. Poder-se-ia adotar critérios para a formação de grupo de risco, quando analisamos pacientes idosos submetidos à ressecção de melanoma da pele ou do globo ocular e que apresentem arritmia de etiologia indeterminada.

No campo das hipóteses, o diagnóstico de melanoma unicamente no miocárdio pode sugerir a presença de tumor muito pequeno, não detectado em outros órgãos, ou nas mucosas. Não existem evidências na literatura de que células miocárdicas possam adquirir comportamento maligno e síntese de melanina. Estudos realizados com células totipotentes e implantes destas no músculo cardíaco talvez possam esclarecer este fato no futuro [18].

Nos casos de melanomas localizados, pediculados ou sésseis, pequenos e que possam ser ressecados, o tratamento cirúrgico deve ser indicado. A ressecção cirúrgica dos tumores intracardíacos, como os mixomas, tem baixa morbidade e mortalidade se comparados com os tumores que infiltram as paredes do coração, como os melanomas e os sarcomas (Figura 7).



A faixa etária dos pacientes, a fragilidade dos órgãos e tecidos, os riscos inerentes à cirurgia cardíaca e a circulação extracorpórea e o comportamento incerto e agressivo do melanoma são fatores determinantes de alta mortalidade nestes pacientes, tanto no período pós-operatório imediato quanto tardio [14,16].

Não existem relatos na literatura, também pela incidência extremamente baixa, quanto ao tratamento quimio ou radioterápico dos melanomas cardíacos, operados ou não. Assim, não é possível determinar o impacto do tratamento paliativo na sobrevida destes pacientes. Pacientes com melanoma disseminado e com metástases cardíacas apresentam sobrevida extremamente baixa, com ou sem tratamento.

Podemos concluir que os melanomas e os demais tumores cardíacos podem se manifestar através de arritmias e distúrbios de ritmo, podendo ou não causar obstrução ao fluxo sangüíneo no coração. Sua incidência é extremamente baixa, porém a agressividade das células tumorais e o potencial de disseminação determinam mortalidade alta. O diagnóstico inespecífico de massa tumoral intracardíaca pode ser feito por métodos convencionais de imagem, como o ecocardiograma, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética do tórax. O cateterismo cardíaco pode ter indicação nos casos de biópsia endovascular da massa, mais raramente.

O tratamento é cirúrgico preferencialmente; porém, as condições locais do coração e do tumor associadas à fragilidade dos órgãos acometidos e a faixa etária habitual destes pacientes, são fatores que determinam alta mortalidade (Figura 8).



Á luz dos recentes avanços apresentados pelos estudos imunohistoquímicos, genéticos e da biologia molecular podemos sugerir que estudos multicêntricos e/ou metanálises devam ser realizados, visando agrupar os casos relatados na literatura, propiciando estudos que tentem determinar a melhor maneira de conduzir o tratamento destes pacientes.

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Article receive on sábado, 1 de março de 2003

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