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ARTIGO ORIGINAL

Acesso transeptal vertical ampliado em reoperações valvares mitrais com átrio esquerdo pequeno

Walter Vosgrau Fagundes; Bruno Botelho Pinheiro

DOI: 10.1590/S0102-76382004000100007

INTRODUÇÃO

A completa visibilização do aparelho valvar mitral é um fator crítico de sucesso nas plastias ou substituições da valva mitral. Na maioria das vezes, exposição satisfatória é alcançada por meio de incisão no átrio esquerdo, paralela e posterior ao sulco interatrial [1,2]. No entanto, a abordagem pode ser difícil na presença de algumas circunstâncias como: (1) átrio esquerdo pequeno, (2) aderências densas de cirurgias cardíacas prévias, (3) prótese aórtica rígida, (4) anomalias congênitas do coração e do tórax, (5) calcificações atriais e (6) trombo grande organizado.

Variantes técnicas têm sido empregadas para lidar com casos complexos, principalmente no que se concerne a presença de átrio esquerdo pequeno e/ou reoperações da valva mitral [3-9].

O objetivo do nosso trabalho é avaliar a abordagem transeptal vertical ampliada em reoperações da valva mitral com átrio esquerdo pequeno.

MÉTODO

No período de janeiro de 2001 a dezembro de 2002, 15 pacientes (pt) portadores de doença valvar mitral com indicação de reintervenção cirúrgica, átrio esquerdo pequeno (menor ou igual a 4,0cm de diâmetro no ecocardiograma transtorácico) e fibrilação atrial crônica, foram submetidos à abordagem transeptal vertical ampliada da valva mitral. Nove (60%) pacientes eram do sexo feminino e seis (40%) do masculino. A idade variou de 22 a 48 anos, com média de 36,7 anos.

As indicações cirúrgicas foram: disfunção de prótese mitral (seis pt), insuficiência mitral (cinco pt) e dupla lesão mitral (quatro pt). Três pacientes apresentavam insuficiência aórtica associada e um pt, insuficiência tricúspide. Nove (60%) pacientes encontravam-se em insuficiência cardíaca classe funcional III da NYHA (New York Heart Association) e seis (40%), em classe funcional IV. A hipertensão vascular pulmonar estava presente em cinco (30%) pt (Tabela 1).



Todos os pacientes foram informados da opção técnica que seria empregada e consentimento escrito foi obtido previamente.

Técnica Cirúrgica

A via de acesso utilizada foi a esternotomia mediana convencional. Após dissecção das aderências e exposição do coração, realizou-se a anticoagulação com administração de heparina sódica (LiquemineR) na dose de 5mg/kg. Foi instalada circulação extracorpórea (CEC) com canulação da aorta ascendente e das veias cavas superior e inferior diretamente.

Durante a CEC com hipotermia moderada (28º C), após a administração de cardioplegia sanguínea anterógrada hipotérmica, realizou-se incisão longitudinal na parede atrial direita 1cm superior ao sulco terminal. Essa incisão foi prolongada parcialmente ao redor da base do apêndice atrial direito até atingir a porção superior do septo interatrial. O septo interatrial foi aberto com incisão vertical até atingir a porção cefálica terminal da abertura atrial direita. A incisão então foi ampliada ao teto do átrio esquerdo por 3 a 5 cm, distanciando da raiz da aorta. Permitindo assim, visualização das valvas mitral e tricúspide.

Nos pacientes em que foi necessária a manipulação da valva aórtica concomitantemente, realizou-se aortotomia transversa.

As incisões atriais foram fechadas com dupla sutura de polipropileno nº 4-0 (Ethicon, São Paulo, SP, Brasil), assim como as aortotomias.

RESULTADOS

Em todos os pacientes a exposição do aparelho valvar mitral foi excelente (Figura 1). O tempo de circulação extracorpórea variou de 65 a 150 minutos, com média de 95 minutos. O tempo de pinçamento de aorta variou de 45 a 120 minutos (média = 72,5 min).



Foram implantadas 15 próteses na posição mitral (10 biopróteses e cinco mecânicas), três próteses na posição aórtica (duas biopróteses e uma mecânica) e uma prótese mecânica na posição tricúspide (Tabela 2).



O sangramento pós-operatório médio foi de 655ml ± 230ml. A permanência na UTI variou de 36 a 120h (média = 48h).

A mortalidade hospitalar foi de 6,7% com óbito de um paciente (mitro-aórtico-tricuspídeo) devido a baixo débito cardíaco e falência de múltiplos órgãos. Um paciente apresentou broncopneumonia na fase hospitalar (morbidade = 6,7%). O tempo de permanência hospitalar médio foi de 8,2 dias.

Em relação ao ritmo cardíaco, dos 14 pt sobreviventes, 10 (71,5%) permaneceram com fibrilação atrial, três (21,4%) reverteram para ritmo sinusal e um (7,1%) evoluiu com ritmo juncional bradicárdico, necessitando de implante de marcapasso definitivo no pós-operatório.

Doze (85,7%) pacientes encontram-se em classe funcional I da NYHA e dois (14,3%), em classe funcional II. A curva atuarial de sobrevida é de 92,5% em 22 meses de seguimento (Figura 2).



COMENTÁRIOS

Várias técnicas têm sido empregadas para otimizar a exposição do aparelho valvar mitral em pacientes portadores de átrio esquerdo pequeno e/ou reoperações [3-9]. A abordagem transeptal pelo átrio direito é a via de acesso mais antiga à valva mitral [10,11]. GUIRAUDON et al. [6] propuseram o acesso transeptal vertical ampliado à valva mitral, com as vantagens teóricas de excelente visibilização e ausência de distorções do aparelho valvar mitral.

A exposição da valva mitral foi excelente em todos os pacientes por nós operados com a utilização da via transeptal vertical ampliada. ALFIERI et al. [7] preconizam o amplo uso dessa técnica para qualquer tipo de cirurgia valvar mitral.

A mortalidade pós-operatória em reoperações valvares mitrais tem variado de 6,2% a 12% [12,13]. Em nossa série, uma paciente mitro-aórtico-tricuspídea, segunda reintervenção, foi a óbito devido a baixo débito cardíaco e falência de múltiplos órgãos. Portanto, a nossa mortalidade hospitalar de 6,7% pode-se dizer que não está diretamente relacionada à técnica empregada. Vários autores têm demonstrado mortalidades variando de 5,5% a 12, 6% quando se utiliza a via transeptal vertical ampliada [14-16].

A morbidade pós-operatória de 6,7%, relacionada a um episódio de broncopneumonia, também não pode ser correlacionada diretamente à técnica em questão. O sangramento pós-operatório médio permaneceu nas faixas habituais para reoperações valvares mitrais. Não houve constatação de nenhum caso com deiscência da sutura do septo interatrial e shunt esquerda-direita na fase pós-operatória, embora tenha sido descrito com baixa freqüência (0,9%) em algumas séries da literatura [7].

Efeitos adversos no ritmo cardíaco pós-operatório têm sido relatados, principalmente devido à divisão de importantes vias de condução interatrial e lesão da artéria do nó sinusal [8]. No entanto, alguns autores demonstraram que a secção da artéria do nó sinusal não resulta necessariamente em perda do ritmo sinusal no pós-operatório [6,7]; como também observado em estudos experimentais de isolamento do nó sinusal [17], transplante cardíaco no qual o receptor permanece em ritmo sinusal [18], dissecção do sulco coronariano direito na Síndrome de Wolff-Parkinson-White [19] e acesso superior à valva mitral [20].

Todos os pacientes de nossa série apresentavam arritmia atrial pré-operatória (fibrilação atrial crônica) e em 21,4% deles houve reversão para ritmo sinusal no pós-operatório. Um (7,1%) paciente apresentou ritmo juncional bradicárdico, necessitando de implante de marcapasso endocavitário DDDR.

CONCLUSÃO

A técnica cirúrgica empregada proporciona excelente visibilização do aparelho valvar mitral em pacientes com átrio esquerdo pequeno e com baixo índice de complicação pós-operatória. Os efeitos sobre a condução atrial e ritmo sinusal requerem futuras investigações.

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Article receive on sábado, 1 de novembro de 2003

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