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RELATO DE CASO

Insuficiência valvar aórtica por valva quadricúspide

Marco Antônio Salum0; Karina Santos WANDECK0; Márcio KALIL0; Renato N. F. OLIVEIRA0; Gilberto Lino Vieira0

DOI: 10.1590/S0102-76382002000100014

INTRODUÇÃO

A valva aórtica quadricúspide (VAQ) é uma anomalia rara, cuja incidência estimada encontra-se entre 0,003% e 0,043% (1-5). Pode ser um achado ocasional em pacientes assintomáticos, mas, freqüentemente, está associada com regurgitação aórtica (1-3). Geralmente, não está associada a outros defeitos cardíacos. O ecocardiograma é o método ideal de determinação e acompanhamento desta anomalia e suas repercussões (1-5). O objetivo deste trabalho é relatar um caso desta anomalia.

RELATO DE CASO

Paciente de 56 anos do sexo masculino, leucodérmico, em controle de hipertensão arterial sistêmica com níveis pressóricos mantidos em 140/70 mmHg, em uso de diurético de alça e inibidor do receptor da angiotensina II. Tinha evolução satisfatória quando apresentou dispnéia paroxística noturna e tosse seca, que o fizeram procurar assistência médica. Ao exame físico, encontrava-se sem edemas, com pulsos rítmicos, simétricos, em "martelo d'água", precórdio hiperdinâmico, ictus impulsivo e sopro diastólico grau III/VI em focos aórtico e aórtico acessório, bem como crepitações pulmonares em ambas as bases. Com base nesses dados, diagnosticou-se insuficiência cardíaca. A radiografia de tórax apresentava aumento da área cardíaca às custas de câmaras esquerdas. O eletrocardiograma foi compatível com sobrecarga de ventrículo esquerdo. O ecocardiograma transtorácico mostrou valva aórtica com quatro cúspides e regurgitação moderada. Acrescentou-se ao esquema terapêutico a Digoxina, sendo o paciente acompanhado em regime ambulatorial, com melhora do quadro. O paciente fazia uso descontínuo da medicação. Após cerca de um ano, novo ecocardiograma para controle revelou regurgitação aórtica acentuada, dilatação leve da porção ascendente da artéria aorta, hipertrofia moderada e dilatação discreta de ventrículo esquerdo, aumento discreto de câmaras direitas e hipertensão pulmonar. A seguir, foi realizado cateterismo cardíaco que evidenciou a VAQ com insuficiência aórtica grave, contratilidade preservada de ventrículo esquerdo, coronárias isentas de aterosclerose significativa e normoposicionadas. Diante do início da deterioração da fração de ejeção do paciente, da presença de dilatação do ventrículo esquerdo e hipertensão pulmonar, indicou-se a troca valvar (valva biológica, por escolha do paciente). A valva nativa era formada por três cúspides de mesmo tamanho e uma cúspide pouco menor. O paciente evoluiu com hipotensão arterial no pós-operatório imediato, com hemiparesia esquerda transitória (pequenas áreas de isquemia cerebral à tomografia computadorizada), com boa evolução com auxílio de fisioterapia.

COMENTÁRIOS

A valva aórtica quadricúspide é uma anomalia rara, cuja incidência oscila entre 0,003% a 0,043%, em contraste com a valva aórtica bicúspide que tem sua incidência estimada em 2% da população geral (3,4). A insuficiência valvar por VAQ geralmente só é detectada em adultos; nas crianças a função cardíaca é normal (1-4). Os achados anatomopatológicos têm demonstrado que o espessamento fibroso da valva pode resultar em incompleta coaptação das cúspides e conseqüente regurgitação. Outro possível mecanismo responsável pela insuficiência valvar consiste na presença de uma cúspide acessória menor, que causaria distribuição desigual do estresse transvalvar e coaptação anormal das cúspides, com resultante trauma localizado e deterioração hemodinâmica(3).

JANSSENS et al. (5), em revisão da literatura, identificaram 70 casos de VAQ, sendo 26 casos diagnosticados pelo ecocardiograma transtorácico ou transesofágico, 25 por necrópsia,15 durante cirurgias e 4 com angiografia.

Há poucos relatos na literatura sobre defeitos cardíacos associados à VAQ, sendo as anomalias do óstio coronário e artérias coronárias as mais descritas(4,5).

A anatomia da valva varia de acordo com o tamanho das cúspides, sendo que em 60% dos casos a VAQ possui três cúspides de igual tamanho e uma cúspide menor (1-5). Em apenas 12% dos casos, as cúspides são de igual tamanho.

O ecocardiograma é o método de escolha para o diagnóstico precoce e acompanhamento de sua principal complicação, a regurgitação aórtica (1-5). A definição ecocardiográfica característica de VAQ é a forma de 'X' durante a diástole e abertura livre das cúspides com configuração retangular durante a sístole (1,3).

No paciente deste relato, os sintomas manifestaram-se a partir dos 56 anos de idade, fato condizente com a história natural da anomalia descrita na literatura. Não havia antecedente de febre reumática. Ao ecocardiograma, a valva aórtica era constituída de três cúspides de igual tamanho e uma pouco menor, com imagem em forma de "X" na diástole (Figura 1) e abertura em formato retangular durante a sístole; todos estes dados condizem com outros relatos da literatura.



CONCLUSÕES

A decisão quanto ao momento cirúrgico ideal tem sido tema controverso. Contudo, parece sensato indicá-la tão logo existam indícios de deterioração da função cardíaca, antes que ocorra dilatação cardíaca.

Embora rara e pouco descrita na literatura, a VAQ é causa de insuficiência cardíaca progressiva e potencialmente refratária ao tratamento medicamentoso, devendo ser incluída no diagnóstico diferencial desses quadros. O ecocardiograma é um exame acessível, não invasivo e que permite o pronto diagnóstico e acompanhamento da anomalia.

AGRADECIMENTOS: Agradecemos de maneira especial ao Dr. José Gilberto de Brito Henriques, pela ajuda fundamental na elaboração deste trabalho. Agradecemos, também, ao Dr. Mário Lopez, Dra. Sandra Castilho e Dra. Zilda Alves Meira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Feldman B J, Khandheria B K, Warnes C A, Seward J B, Taylor C L, Tajik A J - Incidence, description and functional assessment of isolated quadricuspid aortic valves. Am J Cardiol 1990; 65: 937-8.
[ Medline ]

2 Brouwer M H, de Graaf J J, Ebels T - Congenital quadricuspid aortic valve. Int J Cardiol 1993; 38:196-8.
[ Medline ]

3 Cruz L A, Castier M B, Ferro M E, Menezes C C, Albanesi Filho F M - Insuficiência aórtica por valva aórtica quadricúspide. Arq Bras Cardiol 1993; 60:103-5.
[ Medline ] [ Lilacs ]

4 Prates P R, Lucchese F A, Kalil R A K, Azambuja P, Bertoletti V, Nesralla I A - Valva aórtica quadricúspide com malposição do óstio coronário direito. Arq Bras Cardiol 1977; 30: 369-71.
[ Medline ]

5 Janssens U, Klues H G, Hanrath P - Congenital quadricuspid aortic valve anomaly associated with hypertrophic non-obstructive cardiomyopathy: a case report and review of the literature. Heart 1997; 78: 83-7.
[ Medline ]

Article receive on sábado, 1 de setembro de 2001

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