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ARTIGO ORIGINAL

Preditores de mortalidade hospitalar no paciente idoso portador de doença arterial coronária

José Carlos R Iglézias0; José Lima OLIVEIRA Jr.0; Luís Alberto O. DALLAN0; Artur LOURENÇÃO Jr.0; Noedir A. G Stolf0

DOI: 10.1590/S0102-76382001000200002

INTRODUÇÃO

A doença aterosclerótica das artérias coronárias epicárdicas (DAC), causa mais comum da isquemia miocárdica, ao reduzir a luz arterial, provoca diminuição do fluxo sangüíneo coronário, restringindo a perfusão miocárdica já em estado basal ou limitando aumentos proporcionais quando há necessidade de maior fluxo. Menos freqüentemente, trombos arteriais, espasmos e êmbolos coronários podem determinar redução do fluxo sangüíneo nas artérias coronárias epicárdicas, levando a um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de O2 a nível miocárdico(1). Com o aumento da expectativa de vida da população, o número de idosos vem crescendo em termos relativo e absoluto. Estudos realizados nos Estados Unidos(2-5), no início da década de 80, mostraram que 11% da população era constituída por idosos, estimativas realizadas a partir destes dados mostram que 40% dos norte-americanos atingirão 80 anos de idade e que os idosos irão compor cerca de 20% - 25% de sua população, na primeira metade do próximo século(1). Esta tendência é verificada no Brasil, onde a população de idosos já atinge cerca de 7 milhões, devendo ter, segundo o IBGE (Fundação IBGE ¾ Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro, 1981, 1985, 1986), um aumento progressivo da atual velocidade de crescimento (3,5% ao ano) nos próximos anos, o que, por si só, tem repercussões socioeconômicas extremamente importantes. Como a prevalência da DAC aumenta com a idade, é de se esperar que a demanda por Serviços Cardiológicos aumente nos próximos anos. Tem-se verificado, nas últimas décadas, uma redução progressiva da mortalidade atribuível à DAC, embora a incidência absoluta da doença continue a aumentar(2,3,6). Diversos modelos de estudo epidemiológico prevêem que, com as atuais taxas de crescimento da população idosa, ter-se-á, não só um aumento na incidência da DAC, mas também da mortalidade total e do custo econômico em cerca de 50% por volta do ano 2010, devendo-se ter, provavelmente, nas próximas décadas, um aumento progressivo do número de pacientes idosos que se apresentam aos Serviços de Cirurgia Cardíaca (3). Quando o tratamento clínico é insuficiente para a melhora sintomática, a revascularização do miocárdio (RM) deve ser considerada. Entretanto, um procedimento de grande porte como este está associado à elevada morbidade e mortalidade operatórias, sendo bem mais dispendioso do que a terapêutica medicamentosa. A introdução da operação de RM, há mais de três décadas, possibilitou nova e eficaz terapêutica a pacientes com doença aterosclerótica avançada, com alívio sintomático em grande número de pacientes e aumento da sobrevida em alguns subgrupos. As operações de RM têm-se tornado cada vez mais freqüentes em pacientes com idade avançada, que apresentam um acometimento coronário mais extenso, com artérias tortuosas, rígidas, calcificadas, além de outros fatores que podem contribuir negativamente para os resultados da RM nessa faixa etária. Em pacientes com idade avançada a indicação da RM deve se basear num balanço cuidadoso entre os riscos e potenciais benefícios, o que requer uma avaliação cuidadosa do quadro clínico, da anatomia das artérias coronárias e da função ventricular, uma vez que estes fatores poderão determinar o sucesso imediato do procedimento. Para muitos pacientes idosos um estilo de vida ativo e independente é mais importante que a longevidade em si. Às portas do século XXI, a DAC continua sendo a principal causa de óbito nos países desenvolvidos e uma das principais em nosso meio, justificando-se o grande número de estudos, que vem sendo realizado a cada ano (1). A fim de verificar os fatores correlacionados com a morbidade e mortalidade operatória da RM em pacientes com idade avançada, levantamos os dados referentes a 361 pacientes consecutivos, com mais de 70 anos de idade, submetidos, isoladamente, à primeira operação de RM no Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo (InCor - FMUSP), entre 1992 e 1995.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Este estudo populacional retrospectivo abrange todos os pacientes, consecutivos, com idade igual ou superior a 70 anos, submetidos a sua primeira operação de RM. As variáveis incluídas neste estudo são descritas na Tabela 1. Os dados foram coletados diretamente a partir dos prontuários dos pacientes, ou por contato telefônico nos casos em que faltavam informações. A fração de ejeção (FE) era considerada má quando menor que 50% e, boa se superior a 50%. A classificação do grau de insuficiência cardíaca/paciente seguiu os critérios estabelecidos pela New York Heart Association (NYHA).



Foram considerados portadores de angina instável todos os pacientes que apresentavam dor há menos de 3 meses, progressiva ou em repouso. O número de ramos arteriais acometidos, a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (PD2) e o acometimento do tronco da artéria coronária esquerda (TCE) era determinado a partir da análise do estudo contrastado das artérias coronárias e da função ventricular. A presença de diabete melito, hipertensão arterial sistêmica (HAS), tabagismo e dislipidemia era verificada diretamente a partir das informações colhidas nos prontuários, estabelecendo-se contato telefônico quando necessário. Foram considerados obesos os pacientes com IMC>25. Considerouse como infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio, o ocorrido até, pelo menos, duas semanas antes da operação. As operações eram consideradas eletivas quando os pacientes eram internados eletivamente e a operação realizada nos dias subseqüentes e, não eletiva, quando os doentes eram internados após IAM, em choque cardiogênico ou edema agudo de pulmão, necessitando de combinação de suporte inotrópico, balão intra-aórtico (BIA) e ventilação mecânica. O número de enxertos realizados era definido pelo número de anastomoses distais. A presença de baixo débito foi considerada em todos os pacientes com instabilidade hemodinâmica, havendo necessidade de drogas vasoativas e nos casos mais graves, BIA no pós-operatório imediato. Os pacientes com nível sérico de creatinina superior a 2 mg/dl, no pós-operatório foram considerados portadores de insuficiência renal (IR). A ocorrência de infecção era verificada pelo quadro clínico, exames laboratoriais e necessidade de antibioticoterapia prolongada, AVC pelas alterações neurológicas localizatórias ou do nível de consciência persistentes por mais de 24 horas. Todos os óbitos ocorridos durante a internação ou no 1º mês após a operação, foram computados como mortalidade operatória. Quanto à análise estatística, inicialmente todas as variáveis foram analisadas descritivamente em cada um dos grupos através da observação dos valores mínimos e máximos, e do cálculo de médias e desvios-padrão. Para a identificação dos fatores de risco para a morbidade e mortalidade operatória foi utilizada a técnica da estatística de regressão logística, que consiste no ajuste de um modelo de regressão cuja resposta é a probabilidade de ocorrência de alguma complicação ou de óbito na RM em pacientes com idade avançada. Esta técnica consiste, inicialmente, na avaliação da associação univariada de cada variável com a variável resposta (complicação pós-operatória ou óbito). Essa avaliação foi feita através dos testes T de Student e Qui-quadrado (Software Ep. Info 6.0) considerando-se como nível de significância 5%. Após esta pré-seleção, ajustou-se o modelo de regressão logística multivariado com processo de seleção Stepwise para a obtenção do melhor modelo. O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%. Os cálculos foram realizados através do sistema SAS (Statistical Analysis System) (6-9). O programa MULTLR - Fundação Ludwig - Institute for Cancer Research SP Branch também foi utilizado, na análise da correlação das complicações pós-operatórias com a mortalidade operatória. "Odds ratio" (OR) e teste da razão da máxima verossimilhança também foram utilizados quando possível e necessário. Optamos pela inclusão da variável dislipidemia na análise multivariada da mortalidade operatória, por termos encontrado um valor limítrofe (p = 0,051) na análise univariada. Houve perda de alguns dados pré-operatórios, fato esperado, considerando-se a estrutura retrospectiva deste estudo; apenas para fração de ejeção esta perda interferiu nos resultados, impedindo uma análise profunda dos valores resposta obtidos, devido à instabilidade dos OR. As complicações pós-operatórias foram agrupadas como uma única variável resposta, alguma complicação (morbidade operatória), para se viabilizar o emprego dos modelos estatísticos utilizados.

RESULTADOS

Perfil dos Pacientes

A idade dos pacientes variou de 70 a 90 anos, com média de 73,92 anos e desvio padrão (d.p.) de 3,32. O IMC médio foi de 26,23 (d.p.=346), sendo 18,34 o valor mínimo e 40,20 o máximo, 14,73 foi a PD2 média dos pacientes, variando de 5,0 a 40,0 (d.p.=6,79). A FE média foi 0,62 (d.p.=0,13), tendo variado de 0,19 a 0,99. Quanto à permanência pós-operatória no hospital, verificamos um tempo médio de 11,32 dias, variando de 0 a 72 (d.p.=7,42). Dos 361 pacientes estudados, 111 (30,7%) eram do sexo feminino e 250 (69,3%) do masculino, 128 (35,5%) apresentavam diabete melito e HAS estava presente em 238 (66,1%). Cento e trinta (36%) pacientes eram tabagistas, 163 (45,2%) tinham apresentado IAM previamente. O estudo contrastado das artérias coronárias mostrou que em 119 (32,2%) pacientes havia acometimento do TCE e que 274 (75,9%) apresentavam 3 ou 4 ramos arteriais acometidos. Cento e vinte e um (36,7%) pacientes encontravam-se em classe funcional III/IV e 63,3% em I/II pela NYHA. Duzentos e sessenta e três (72,9%) pacientes apresentavam angina instável e 98 (27,1%) estável. Quanto à FE, verificamos que em 33 (23,7%) pacientes ela foi menor que 50% e que em 106 (76,3%) maior. A PD2 era maior que 15 mmHg em 79 (32%), menor em 168 (68%). A operação foi eletiva em 311 (86,1%) dos 361 pacientes, não eletiva em 50 (13,9%). O número médio de enxertos realizados por paciente foi de 2,75. O perfil pré-operatório dos pacientes é descrito nas Tabelas 2 e 3. Verificou-se que, com a operação de revascularização, ocorreu melhora substancial do desempenho cardíaco destes pacientes, o que foi demonstrado pela melhora da classe funcional de ICC em mais de 90% dos pacientes pela redução das necessidades de utilização de betabloqueadores e nitratos. A melhoria da qualidade de vida dos pacientes idosos revascularizados fica evidente não só pela redução dos sinais e sintomas de ICC em mais de 90% dos pacientes, mas também pela redução das queixas de angina, visto que mais de 95% destes pacientes deixaram o hospital sem referência a dor pré-cordial.







Morbidade Operatória

As complicações pós-operatórias foram agrupadas em uma única categoria, morbidade operatória, com o intuito de viabilizar a interpretação estatística dos dados, em função das 14 variáveis pré-operatórias analisadas. Cento e setenta e oito (49,3%) pacientes apresentavam alguma complicação durante sua evolução pós-operatória. Na Tabela 4 mostramos uma análise diferencial das complicações pós-operatórias apresentadas onde se pode verificar que a intercorrência mais comum no pós-operatório foi baixo débito cardíaco. A infecção pulmonar no pós-operatório respondeu por 53,5% dos casos (Tabela 5). Dos diversos tipos de infecção, a de maior correlação com óbito foi a mediastinal (p< 0,0001).





Na Tabela 6 estabelecemos uma comparação entre os grupos de pacientes que apresentavam alguma complicação pós-operatória e aqueles que evoluíram sem intercorrências.



Distribuindo morbidade operatória em função das variáveis pré-operatórias, foi maior nos pacientes do sexo feminino (59,46%) contra 44,80% no sexo masculino. Em 75% dos pacientes diabéticos verificou-se uma ou mais complicações pós-operatórias, enquanto entre os não diabéticos a taxa de complicações foi significativamente menor (35,19%). As intercorrências em função do tipo de angina, apresentaram uma taxa 1,5 vezes maior entre os pacientes com angina instável, quando comparados aos portadores de angina estável, razão semelhante à verificada quando se compara a morbidade dos procedimentos não eletivos com os do eletivos. A distribuição da morbidade operatória (taxa de complicações), em função das variáveis analisadas, é descrita nas Tabelas 6 e 7. Quando à análise univariada da morbidade operatória, em função: do sexo, diabete melito, HAS, tabagismo, dislipidemia e IAM prévio, apenas sexo e diabete melito foram estatisticamente significativas, com p= 0,010 e p< 0,0001, respectivamente (Tabela 6).



Outras variáveis clínicas que apresentaram associação significativa com a morbidade operatória foram: angina instável (p= 0,015), ICC (p< 0,0001), PD2 (p= 0,007) e urgência da operação (p= 0,001) - Tabela 7.

Com a análise multivariada procuramos selecionar o conjunto de fatores de maior significância prognóstica da morbidade operatória na RM em pacientes com idade avançada (Tabela 7).

Pelo método de regressão logística e com o Odds rattio verificamos que os fatores de maior prognóstico foram: diabete melito (p= 0,0001), ICC (p= 0,0331), PD2 (p= 0,024) e urgência da operação (p= 0,0286).

Mortalidade Operatória

A mortalidade operatória foi de 13 (9,1%) óbitos, taxa semelhante à verificada na literatura (Tabela 8). A causa mais comum de óbito foi insuficiência de múltiplos órgãos (60,60%), seguida por choque cardiogênico (33,33%) e AVC (6,07%). Houve IAM peri-operatório, porém não foi observada relação estatisticamente significativa entre este evento e mortalidade.



Ao estabelecermos uma comparação entre os grupos de pacientes que faleceram ou não, verificamos que a freqüência de mulheres foi maior no grupo de pacientes que faleceram, ao compararmos com o grupo de sobreviventes (39,39% versus 29,88%).

Diabete melito e ICC classe funcional III-IV também foram mais freqüentes no primeiro grupo de pacientes (63,64% versus 32,64% e 66,67% versus 33,33%, respectivamente). Quanto à distribuição da mortalidade operatória em função das categorias de variáveis pré-operatórias analisadas (Tabela 9) verificamos que a mortalidade operatória foi maior entre as mulheres (11,71% versus 8%).



Quando comparamos a mortalidade operatória entre os pacientes que apresentam diabete, e os que não, verificamos uma taxa três vezes maior no primeiro grupo.

Quanto à freqüência relativa dos óbitos, em função do tipo de angina apresentada no pré-operatório, verificamos que esta foi seis vezes maior nos portadores de angina instável. Com a análise univariada (Tabelas 9 e 10), pudemos evidenciar a associação significativa do diabete melito (p< 0,0001), angina instável (p= 0,004), ICC (p< 0,0001), PD2 (p= 0,008) e urgência de operação (p= 0,0005) com a mortalidade operatória.



Uma análise multivariada e o cálculo do "Odds ratio" com as variáveis clínicas pré-operatórias, triadas previamente com a análise univariada, foram realizados para se identificar o conjunto de fatores de maior significância prognóstica da mortalidade operatória na RM em pacientes com idade avançada (Tabela 11).



Pelo método de regressão logística foram incluídas como variáveis de maior prognóstico da mortalidade operatória: diabete melito (p= 0,0029), angina instável (p= 0,0035) e ICC (p= 0,00219) - Tabela 11.

Quanto aos fatores pós-operatórios, os que mostraram associação significativa com o óbito foram AVC (p= 0,0064), IR (p= 0,0001), infecção (p= 0,0280) e suporte ventilatório prolongado (p= 0,0001), resultados semelhantes ao da literatura.

COMENTÁRIOS

Um estudo multicêntrico, retrospectivo, realizado em 1981 por GERSH et al. (10), revelou um acréscimo na mortalidade operatória da RM em pacientes com idade avançada. Posteriormente, diversos estudos em pacientes com mais de 70 anos foram realizados com o intuito de reconhecer fatores pré-operatórios possivelmente correlacionados e determinantes desses resultados (5).

Durante a década de 80, verificou-se uma redução progressiva da mortalidade operatória na RM em pacientes desta faixa etária, que se atribui ao aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas de preservação miocárdica, da melhora do bypass cardiopulmonar, além de melhor suporte pós-operatório.

Dois estudos publicados recentemente por HORWARTH et al. (11), MONTAGUE & WILSON (12) apresentaram mortalidade operatória de 10,8% e 12%, respectivamente. A mortalidade operatória verificada em nosso estudo foi similar, 9,1% em 361 pacientes.

Quanto à morbidade operatória, os resultados verificados em nossa Instituição são bastante satisfatórios, significativamente menores que os observados na literatura (13-17).

A principal complicação pós-operatória encontrada em nossos pacientes foi o baixo débito cardíaco, perfazendo cerca de 1/3 das complicações verificadas, semelhantes aos dados da literatura (13,14,17).

No que diz respeito à taxa de infecção detectada para o mediastino, de forma isolada ou em associação, acreditamos que a mesma representa mais um viés criado artificialmente pelos critérios de inclusão do que retrate um valor elevado, em termos absolutos. Foram incluídos no grupo desde pacientes com alteração no hemograma, até aqueles com infecção mediastinal declarada com repercussão para o estado geral.

É interessante notar que presença de baixo débito cardíaco no pós-operatório imediato não mostrou associação significativa com óbito, ao contrário do que é sugerido por alguns autores (18). O emprego de um segundo modelo estatístico que nos permitiu uma análise "passo a passo" da correlação das 5 variáveis pós-operatórias com a mortalidade, evidenciou um ponto interessante: a associação significativa entre baixo débito cardíaco e óbito até a introdução como variável estudo o suporte respiratório prolongado, após o que a associação com a mortalidade operatória se desfazia (p> 0,05) e o baixo DC deixava de ser um fator preditivo de óbito. Nesta situação, a associação de suporte respiratório prolongado com óbito diminuiu, mas se manteve significativa.

Sugerimos uma possível interpretação biológica para este achado estatístico dado o fato de que a associação de baixo débito débito cardíaco com óbito só se faz na ausência de um suporte ventilatório prolongado; os pacientes que evoluem com baixo DC pós-operatório ao serem extubados mais tardiamente, tenderiam a apresentar menor mortalidade operatória.

É de se esperar que os pacientes com baixo débito cardíaco apresentem um certo grau de congestão pulmonar e, daí, certa tendência à hipoxemia, extremamente prejudicial a um paciente coronariopata com déficit de função ventricular associada, seja por acidose metabólica, seja pelo aumento da FC (alterações esperadas numa situação de hipoxemia) deprimindo o miocárdio e aumentando seu consumo de O2, respectivamente.

Cabe relembrar que 31,7% dos pacientes apresentaram baixo débito cardíaco no pós-operatório e cerca de 1/ 3 dos óbitos ocorreu por choque cardiogênico.

A idade avançada tem sido vastamente mostrada na literatura como um fator correlacionado com a mortalidade operatória e ao longo do tempo na RM(12-16, 19-23).

Por diversas razões, a idade avançada pode ser considerada como fator de alto risco em procedimentos cirúrgicos de grande porte, especialmente em operações cardíacas.

Os pacientes idosos geralmente apresentam acometimento coronário, mais extenso, com artérias tortuosas, rígidas, lesões calcificadas, freqüentemente com déficit de função ventricular associado(24), além de fatores extracardíacos que também podem ser determinantes do resultado da RM (21,25).

A gravidade e a progressão da doença coronária são multifatoriais, podendo não se refletir na intensidade da ICC, fator apontado amplamente na literatura como um dos principais, ou o principal, fator prognóstico da RM em pacientes idosos (18,25). Neste estudo verificamos uma significativa associação da classe funcional da ICC pré-operatória, não só com a morbidade (p= 0,0331), mas também com a mortalidade operatória (p= 0,0219).

Alguns estudos (26,27) demonstram piores resultados em pacientes do sexo feminino. Para STEVEN et al. (28), esses resultados devem-se à maior média de idade e à ICC mais avançada, nas mulheres ao serem encaminhadas aos Serviços de Cirurgia. Outros autores também associam esse resultado com diferenças significativas no status pré-operatório dos pacientes do sexo feminino, seja com a maior proporção de angina instável (26), ou com diferenças anatômicas nas artérias coronárias das mulheres (menor distribuição de ramos periféricos, diâmetro médio menor) (28).

Neste estudo o sexo não foi um fator determinante de maior morbidade e mortalidade operatórias (p> 0,05), resultado semelhante ao publicado por outros autores (18,25). Ao contrário dos resultados obtidos por GERSH & FRYE (25), acometimento de TCE e tabagismo não foram preditores de maior morbi-mortalidade em nosso estudo. Partindo da premissa de que a população brasileira vem apresentando aumento progressivo da expectativa de vida, considerando que a morbi-mortalidade da RM em pacientes idosos é cada vez menor, podemos concluir que a operação representa boa alternativa terapêutica, sobretudo se indicada precocemente, ao portador de doença arterial coronária, mesmo idoso, pois propicia melhora substancial da qualidade de vida e aumento da expectativa, em alguns grupos.

CONCLUSÕES

O estudo dos fatores pré e pós-operatórios possivelmente associados (prognósticos) com a morbi-mortalidade operatória em 361 pacientes com idade igual ou superior a 70 anos, permitiu concluir:

A RM pode ser realizada com elevado nível de segurança, com índices aceitáveis de morbidade e mortalidade operatórias, mesmo em pacientes com idade muito avançada.

A operação pode proporcionar melhora substancial da qualidade de vida nos pacientes desta faixa etária, o que pode ser verificado, não só pela eliminação da angina, como pela redução dos sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva.

A indicação da RM em pacientes com idade muito avançada deve ser um pouco diferente das décadas mais jovens; em pacientes idosos a melhora da qualidade de vida deve ser sempre muito valorizada.

Ao se retardar a indicação da operação, por conta de preceitos incorretos sobre o nível de segurança e os resultados que se têm obtido com a RM nesta faixa etária, pode se impor ao paciente piores resultados, no que tange à morbi-mortalidade operatória, por conta da evolução da classe funcional de ICC (um dos principais fatores prognósticos) enquanto aguarda possível operação.

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Discussão (Transcrições de fita gravada)

DR. GERALDO MONTEIRO RAMALHO
Niterói, RJ

Gostaria de agradecer à Comissão Organizadora a indicação do meu nome para comentar o trabalho apresentado. Trata-se de um estudo retrospectivo, não-randomizado, sem grupo controle, levando a limitações na análise dos resultados. Observou-se uma confirmação epidemiológica de que o idoso tem anatomia cirúrgica representada por lesões multiarteriais em 75.9% dos casos e de tronco coronário esquerdo em 32%. A melhora da classe funcional foi verificada em período curto, 11 dias em média, e não foi o objetivo do trabalho, o que leva a reduzir o valor do achado. A morbidade e a mortalidade pós-operatórias foram maiores nas mulheres, nos diabéticos e nos pacientes submetidos à reoperação de urgência, assim como nos casos de choque e infecção o que corresponde aos achados da literatura e também da nossa experiência. A fração de ejeção foi considerada baixa quando menor que 50%, subestimando a função ventricular. A mortalidade foi de 9,1%, condizente com os dados da literatura. Em nossa recente experiência, em 18 meses, observamos uma mortalidade de 4,6% em 65 pacientes com idade média de 75,24 ± 4,5 anos. A importância do trabalho está mostrar a validade da revascularização cirúrgica em pacientes idosos com bons resultados terapêuticos, o que permite atender uma massa crescente da população de idosos, estimada em 20% a 25% da população na primeira metade do século que se inicia. Devemos lembrar que no início da operação de revascularização do miocárdio o limite de idade era de 60 anos e que, atualmente, esse critério foi alongado, sendo apenas considerado o estado clínico do paciente, independente da sua idade cronológica. Concordamos que a proteção miocárdica é de fundamental importância com relação aos resultados obtidos nos pacientes idosos com função ventricular comprometida. Perguntaria ao autor: Que tipo de enxerto empregou? Houve na série operada casos em que não foi utilizada a circulação extracorpórea? Como justifica o expressivo número de enxertos por paciente (2.75pontes/paciente), pois na nossa experiência o número é bastante menor? Parabéns aos autores, principalmente, pela mensagem que o trabalho traz, possibilitando uma melhor qualidade de vida aos pacientes longevos. Muito obrigado.

DR. IGLÉZIAS
(Encerrando)

Agradeço as observações e passarei a responder às questões objetivamente. Com relação ao tipo de enxerto, a artéria torácica interna foi usada todas as vezes que possível mas, o enxerto usado com maior freqüência nesta série foi o enxerto venoso. Em relação à circulação extracorpórea neste momento da observação praticamente não realizávamos a revascularização sem a circulação extracorpórea. Em relação à terceira pergunta, como o objetivo é sempre a revascularização completa daí o número de 2,75 pontes/paciente.

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