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CARTAS AO EDITOR

Cartas ao Editor

Iseu Affonso da Costa

DOI: 10.1590/S0102-76382000000300012

Senhor Editor,

Recentemente publicado no Boletim do Conselho Federal de Medicina, de autoria do ilustre professor paranaense Dr. Iseu Affonso da Costa, esta biografia descreve com particular clareza a vida do Prof. René Favaloro.

Gostaria de sua avaliação quanto à publicação em nossa Revista. Recebi verbalmente a autorização do Prof. Iseu para esta minha solicitação.

Luiz Fernando Kubrusly
Cirurgião do Hospital Santa Cruz ¾ Curitiba, PR, Brasil; Presidente da Regional do Paraná da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular

René Geronimo Favaloro

Deus me perdoará. Este é o seu ofício - Heine

A tragédia encerrou a vida de René Geronimo Favaloro, em 29 de julho de 2000.

É conhecida por todos sua contribuição à cirurgia cardíaca, ao introduzir o enxerto aorto-coronário no tratamento da insuficiência coronariana, em 1967. Entretanto, a apreciação integral de sua personalidade só é possível acompanhando-lhe a vida, passo a passo, desde seus anos acadêmicos em La Plata, até o lance final, em Buenos Aires.

Este argentino, descendente de italianos, católico, arrebatado patriota, viveu, sempre, dominado pelo ideal de liberdade e justiça. O amor pela liberdade ¾ ele mesmo escreveu ¾ foi o motivo predominante que o levou ao "exílio interno" em Jacinto Aráuz, em La Pampa, onde exerceu a medicina rural, juntamente com seu irmão Juan José.

O interregno em Jacinto Aráuz trouxe-lhe a profunda satisfação de realizar sua vocação profissional, ao atender à pobre população rural de sua Pátria.

Desde seus anos acadêmicos em La Plata, atraíra-o a cirurgia torácica, liderada na Argentina pelos irmãos Finochietto, e que passara a incluir a cirurgia cardiovascular.

Decidiu, então, rumar para os Estados Unidos, onde, por influência de seu velho amigo e mestre Mainetti, foi aceito na Cleveland Clinic. Seu desempenho como Residente em Cleveland foi exemplar, e passou a médico efetivo da instituição após "uma carreira inesquecível", conforme a expressão de seu chefe, Donald Effler.

De seu longo trabalho em associação com Mason Sonnes, o criador da cineangiocoronariografia, resultou o bypass aorto-coronário, que revolucionou a terapêutica da isquemia miocárdica.

O sucesso foi imediato e os anos seguintes foram de fastígio, seu nome tornou-se mundialmente famoso, sendo procurado na Clínica por doentes de todos os continentes. Requisitado internacionalmente para operar, proferir conferências e participar de congressos, parecia ter atingido tudo que pudesse desejar.

Aos 47 anos, ele mesmo reconheceu, a decisão lógica e realista seria permanecer em Cleveland. Mas o jovem Favaloro, que um dia deixara seu país para aprender e voltar para servir seus compatriotas e dedicar-se a ensinar os jovens médicos, não havia desaparecido dentro da celebridade cirúrgica.

O destino que escolheu foi enfrentar mais uma decisão crucial: "voltar para a Argentina e dedicar o último terço de sua vida a criar um centro torácico e cardiovascular em Buenos Aires". Foi o que fez.

A Fundação Favaloro tornou-se o maior centro de prática e treinamento de cirurgia torácica e cardiovascular em seu país.

Era um homem político e sua extraordinária atividade cirúrgica não o alheou das preocupações sociais. Não aceitou posições de governo, para as quais foi instado, mas sua posição exerceu forte influência no País, após a derrocada do peronismo.

O sucesso que a Fundação Favaloro alcançou inicialmente, graças ao empenho integral do prestígio que o grande cirurgião lhe garantiu, foi, com o tempo, sendo tragado pelas areias movediças de um sistema social de assistência à saúde inadequado e inviável. Ele nunca se conformou com o triste quadro de não poder prestar o tratamento que sabia ser necessário aos seus pacientes desvalidos.

Amargurava-lhe a crise financeira, de sua Instituição, tanto mais que ela era parte do quadro geral de uma política social e econômica que julgava ruinosa para o País.

Assim, o jovem impetuoso e otimista para tanto vencera, enfrentava o início da senectude com uma perspectiva angustiada e desalentadora.

Favaloro cumpriu, integralmente, a missão de vida a que se propôs.

Sua morte traz à mente as palavras de Richard Bach: "Eis o teste para saber se sua missão na Terra está terminada. Se você está vivo, ela não está terminada".

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