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RELATO DE CASO

Mixoma de átrio esquerdo associado a derrame pleural

Enoch Brandão de Souza Meira0; Ricardo Gomes CAMACHO0; Daniela Barros de Souza MEIRA0; Rui PÓVOA0; Kanim Kalil KASSAB0; Alberto Mauro ANIJAR0; Pedro da Costa KAHWAGE0; Ivo Richter0

DOI: 10.1590/S0102-76382000000300010

RESUMO

Homem de 65 anos apresentando emagrecimento, dispnéia e derrame pleural (DP) recorrente. A avaliação cardiológica evidenciou ruflar diastólico (3/6) no foco mitral e hiperfonese da 1ª bulha. O ecocardiograma e o estudo hemodinâmico mostraram uma grande massa tumoral no átrio esquerdo (AE), sugerindo mixoma e hipertensão pulmonar. A biópsia pleural revelou pleurite crônica inespecífica. O paciente foi submetido à operação com circulação extracorpórea para exérese do tumor de AE e o estudo histopatológico confirmou o diagnóstico de mixoma. O DP tem sido manifestação muito rara do mixoma cardíaco (MC), que às vezes apresenta somente sinais e sintomas inespecíficos de doença inflamatória crônica.

ABSTRACT

A 65-year-old man, presented with weight loss, dyspnea and recurrent pleural effusion. Cardiac evaluation showed a (3/6) diastolic rumble at the apex and accentuated 1st heart sound. Echocardiogram evaluation and hemodynamic study revealed a large mass within the left atrium (LA), suggesting a myxoma and pulmonary hypertension. Open heart surgery was performed and a large LA tumor excised, histopathology confirmed the diagnostic of myxoma. Pleural effusion has been a very rare manifestation of cardiac myxoma, that sometimes presents unspecific signs only and symptoms of chronic inflammatory disease.
INTRODUÇÃO

Os tumores primários do coração são raros, ocorrendo em cerca de 0,0017 a 0,33 nas séries de autópsias; 50% dos quais são mixomas, podendo ser encontrados em qualquer idade, tendo maior prevalência na faixa etária entre 30 e 60 anos. Têm sido raramente encontrados em crianças. Os mixomas localizam-se no átrio esquerdo (AE) em torno de 75% dos casos (1,2), onde se apresentam, quase sempre, com sinais e sintomas de doença da valva mitral ou de eventos tromboembólicos. Raramente podem apresentar sinais ou sintomas atípicos ou inespecíficos, tais como febre de origem desconhecida, ou simular vasculite periférica, ou doença do colágeno (3).

O mixoma cardíaco (MC) tem sido descrito em síndromes familiares, com modo de transmissão autossômico dominante ou recessivo (2), podendo estar associado a manifestações cutâneas ou mucocutâneas, como na síndrome NAME (nevo, mixoma atrial, neurofibroma mixóide e efélide) ou síndrome LAMB (lentigem, mixoma atrial e nevo azul) (4-7), ou apresentar hiperatividade endócrina, constituindo o complexo de Carney, com lesões cutâneas pigmentadas (lentigem e diversos tipos de nevos), mixoma localizado em pele, fibroadenoma mixoide de mama e múltiplas neoplasias endócrinas (adenoma de hipófise, doença nodular pigmentada primária da córtex supra-renal e tumores testiculares envolvendo componentes endócrinos) (5).

Os autores relatam um caso de mixoma de AE, cujas principais manifestações clínicas foram dispnéia e derrame pleural (DP), discutem as dificuldades diagnósticas dos mixomas cardíacos que apresentam apenas sinais e sintomas inespecíficos e comentam esta rara causa de DP.

RELATO DO CASO

Homem de 65 anos, encaminhado ao Serviço de Pneumologia por apresentar emagrecimento e dispnéia progressiva há 6 meses, culminando com dispnéia de repouso, sudorese noturna, tosse e expectoração mucóide abundante. A radiografia de tórax revelou DP à direita (Figura 1) e o exame do líqüido, obtido por toracocentese, tinha aspecto xantocrômico e presença de células mesoteliais. A biópsia pleural evidenciou hiperplasia focal de células mesoteliais e reação inflamatória crônica inespecífica. Após 4 meses, foi reinternado por apresentar dispnéia, fraqueza e emagrecimento, com recidiva do DP à direita, cuja análise do líqüido revelou transudato e a biópsia pleural, pleurite crônica inespecífica.



Nessa ocasião, foi avaliado pelo Serviço de Cardiologia e o exame do coração mostrou ritmo regular em dois tempos, com ruflar diastólico (3/6) no foco mitral e 1a bulha hiperfonética. O eletrocardiograma revelou ritmo sinusal, sobrecargas de AE e ventrículo direito (Figura 2). O ecocardiograma evidenciou a presença de grande massa tumoral, sugerindo mixoma, localizada no AE, com pedículo implantado no septo interatrial, medindo 73 x 33 mm, com mobilidade para a cavidade do ventrículo esquerdo através da valva mitral, durante a diástole, e hipertensão pulmonar (Figura 3). O estudo hemodinâmico confirmou o diagnóstico de tumor em AE, hipertensão pulmonar (AP = 50/20/30 mmHg, CP = 20 mmHg, VD = 50/0/5 mmHg, AD = 5 mmHg, VE = 100/0/12 mmHg, Ao = 100/60/73 mmHg e AE = 20 mmHg) e mostrou artérias coronárias normais.





O paciente foi submetido a operação com auxílio de circulação extracorpórea, sendo, então, realizada exérese do tumor do AE, em monobloco com sua base de implantação septal, observando-se uma margem de segurança de 0,5 cm (Figuras 4 e 5). Evoluiu bem no pós-operatório e obteve alta hospitalar no 9º dia. O exame anatomopatológico revelou mixoma (Figura 6).







Atualmente, está assintomático, desapareceu a sobrecarga ventricular direita e não mais apresentou qualquer sintoma respiratório ou recidiva do DP, decorridos 8 meses após a operação.

COMENTÁRIOS

Os mixomas cardíacos podem apresentar-se como fenômenos tromboembólicos ou evidenciar sinais e sintomas cardiovasculares ou manifestações inespecíficas, tais como febre de origem desconhecida, emagrecimento, fraqueza, fadiga, simular vasculite, ou doença do colágeno, com artralgia e fenômeno de Raynaud (8).

Quando localizado no AE, o MC pode se assemelhar à estenose mitral. Entretanto, muitos pacientes possuem apenas sinais e sintomas não relacionados com doenças do coração. PFAMMATTER et al.(9) relataram o caso de uma criança de 10 anos, portadora de grande MC de AE, cujos sintomas e achados laboratoriais sugeriam doença inflamatória crônica recorrente e ausência de manifestações cardiovasculares, recomendando, então, considerar-se como diagnóstico diferencial de mixoma toda doença febril recorrente cronicamente, que pudesse sugerir vasculite auto-imune ou doença do colágeno. ANDREWS & POLLOCK (3) relataram a ocorrência desta rara associação de MC de AE e DP, com elevação da velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C reativa e imunoglobulinas. WIEDERMANN et al. (10) verificaram aumento de Interleucina-6 (IL-6) em pacientes com MC, porém sem alteração de outras citocinas. KANDA et al. (11) sugeriram que a IL-6 poderia ser considerada um marcador de mixoma.

Considerando-se que nosso paciente tinha um MC localizado em AE, poderíamos inferir o mecanismo fisiopatológico do DP à obstrução do AE ao nível do plano valvar e conseqüente hipertensão venocapilar. Entretanto, poderemos aventar a hipótese desse derrame possuir fisiopatologia não relacionada somente ao fator mecânico, ocasionado pelo tumor intra-atrial, mas também em decorrência de fatores imunopatológicos, ainda não muito bem conhecidos.

As causas dos sintomas inespecíficos dos mixomas e a associação com as anormalidades dos exames laboratoriais, tais como anemia normocítica e normocrômica, trombocitopenia e elevação de VHS ainda são pouco entendidas. As manifestações auto-imunes e inflamatórias poderiam estar relacionadas com a IL-6 secretada pelas células do mixoma (9). Também têm sido relatadas como alterações imunológicas, decorrentes do MC, a elevação dos níveis de proteína C reativa e gamablobulina, bem como presença de imunoglobulina anormal, fatores reumatóides e anticorpos antinucleares (10).

Ressaltamos a importância do total conhecimento das manifestações não cardiovasculares desta doença pelos cardiologistas e recomendamos que, diante de um paciente com DP de causa desconhecida, havendo os achados laboratoriais acima citados, a suspeita clínica de MC deve ser aventada e a ecocardiografia, freqüentemente utilizada, tem demonstrado ser um método bastante sensível no seu diagnóstico.

O MC, apesar de histologicamente benigno, pode exibir um comportamento biológico semelhante ao de tumor maligno, podendo haver recorrência, invasão local e propagação à distância por mecanismo embólico, produzindo o aparecimento de massa tumoral em qualquer parte do leito vascular sistêmico ou pulmonar, dependendo de sua localização em cavidades cardíacas esquerdas ou direitas (2, 12, 13). O tratamento cirúrgico pode ser considerado curativo, oferecendo um bom prognóstico. Os sintomas e anormalidades laboratoriais desaparecem em pouco tempo (9). A recorrência do MC varia entre 5 a 14%, sendo mais freqüente nos mixomas familiares, podendo ser minimizada a sua incidência com uma ampla ressecção de sua base de implantação e manuseio cuidadoso do tumor (14). O seguimento pós-operatório se faz necessário por muitos anos, com a realização periódica de ecocardiograma (1, 10).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Meira E B S, Ho C L, Santos Filho M M, Pimenta J - Mixoma de átrio esquerdo provocando infarto agudo do miocárdio. Arq Bras Cardiol 1996; 67: 347-9.
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2 Markel M L, Waller B F, Armstrong W F - Cardiac myxoma: a review. Medicine (Baltimore) 1987; 66: 114-25.
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3 Andrews R & Pollock G - Atrial myxoma presenting as a pleural effusion and raised erythrocyte-sedimentation rate of unknown cause. JR Soc Med 1996; 89: 585-6.

4 Colucci W S, Schoen F J, Braunwald E. In: Braunwald E, ed. Heart disease. A textbook of cardiovascular medicine. 5.ed. Philadelphia: W. B. Saunders, 1997: 1464-9.

5 McCarthy P M, Piehler J M, Schaff H V et al. - The significance of multiple, recurrent, and "complex" cardiac myxomas. J Thorac Cardiovasc Surg 1986; 91: 389-96.
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7 Rhodes A R, Silverman R A, Harrist T J, Perez-Atayde A R - Mucocutaneous lentigines, cardiomucocutaneous myxomas, and multiple blue nevi: the "LAMB" syndrome. J Am Acad Dermatol 1984; 10: 72-82.
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8 Suvarna S K & Royds J A - The nature of the cardiac myxoma. Int J Cardiol 1996; 57: 211-6.
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9 Pfammatter J P, Iff T, Schüpbach P - Imitation of a chronic recurrent illness by a cardiac myxoma. Eur J Pediatr 1996; 155: 637-9.
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10 Wiedermann C J, Reinisch N, Fisher-Colbrie R, Vollmar A M, Herold M, Knapp E - Proinflammatory cytokines in cardiac myxomas. J Intern Med 1992; 232: 263-5.
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11 Kanda T, Umeyama S, Sasakii A et al. - Interleukin-6 and cardiac myxoma. Am J Cardiol 1994; 74: 965-7.
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12 Cruz J F M, Dias L B, Rodrigues Neto J O, Oliveira S A - Mixoma gigante de átrio esquerdo. Arq Bras Cardiol 1998; 71: 717-8.
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13 Silverman N A - Primary cardiac tumors. Ann Surg 1980; 191: 127-38.
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14 Faber C N, Dallan L A, Oliveira S A et al. - Tratamento cirúrgico do mixoma do coração duplamente recidivado, em paciente testemunha de Jeová: relato de caso. Rev Bras Cir Cardiovasc 1998; 13: 173-7.
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Article receive on quarta-feira, 1 de setembro de 1999

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