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ARTIGO ORIGINAL

Cirurgia cardíaca no idoso

Danton R. da Rocha Loures0; Roberto Gomes de Carvalho0; Leonardo Mulinari0; Arleto Zacarias SILVA Jr.0; Carlos Augusto SCHMIDLIN0; Maricélia BROMMELSTRÖET0; Vinícius Nicolau VOITOWICZ0; Marcelo Haddad DANTAS0; Ricardo José CHOMA0; Sérgio SHIBATA0; Marcello Laneza Felicio0; Dênis BONATTO0; Nilo ANTUNES FILHO0

DOI: 10.1590/S0102-76382000000100001

INTRODUÇÃO

Com o crescente aumento da expectativa de vida da população brasileira, é cada vez maior o número de pessoas a atingir os 70 anos de idade e que necessite de algum tipo de intervenção cardiovascular. Segundo fontes do IBGE, no Brasil a população de idosos já atinge cerca de 7 milhões, devendo ter um aumento progressivo na atual velocidade de crescimento (3,5% ao ano). A expectativa de vida do brasileiro ao nascer em 1940 era de 41,5 anos. Os maiores ganhos de expectativa de vida ocorreram na década de 80, quando aumentou de 53,5 anos de idade em 1970 para 61,8 anos de idade em 1980, sendo atualmente de 67,6 anos. Esta é uma tendência observada nas populações ocidentais. Estudos realizados nos Estados Unidos, no início da década de 80, mostraram que 40% dos norte-americanos atingirão 80 anos de idade e que os idosos irão compor cerca de 20 a 25% de sua população, na primeira metade do próximo século (1-4). A doença cardiovascular é extremamente prevalente nesta faixa etária, com aproximadamente 40% dos octogenários apresentando doença cardiovascular sintomática. A incidência de doença coronariana obstrutiva em pessoas com idade superior a 70 anos chega a 76%, sendo comum a associação com doença valvar (4-6).

Este estudo tem o objetivo de avaliar os resultados imediatos e tardios das operações cardíacas realizadas em pacientes com idade igual ou superior a 70 anos, no período entre 1995 e 1999, no Serviço de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR).

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram avaliados, retrospectivamente, 75 pacientes com idade ³ a 70 anos submetidos a operação cardiovascular no Serviço de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do HC-UFPR, entre janeiro de 1995 e janeiro de 1999. A idade dos pacientes variou de 70 a 88 anos (média: 74,5 anos), sendo 41 (53,3%) do sexo masculino e 34 (46,7%) do feminino. As principais características clínicas do grupo de pacientes estudados são apresentadas na Tabela 1



Foram considerados hipertensos os pacientes que estavam recebendo algum tipo de medicação anti-hipertensiva e portadores de dislipidemias os que apresentavam dosagem de colesterol total ³ 200 mg/dl. Doença vascular periférica foi considerada presente em pacientes com história de claudicação intermitente, operação vascular periférica ou ambos. Pacientes com doença cerebrovascular incluíram aqueles com história de acidente vascular cerebral (AVC), ataque isquêmico transitório (AIT) e sopro carotídeo confirmado por ecodoppler. Insuficiência renal pré-operatória foi considerada em pacientes com níveis de creatinina sérica ³ 1,5 mg/dl. Considerou-se como infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio o ocorrido até, pelo menos, quinze dias antes da operação. Todos os pacientes foram submetidos a cineangiocoronariografia pré-operatória.

Os procedimentos cirúrgicos realizados estão apresentados na Tabela 2



Após anestesia geral, era realizada esternotomia mediana, eventualmente toracotomia póstero-lateral nas operações de aorta descendente, canulação da aorta e átrio direito ou bicaval. Em seguida, era realizada a heparinização sistêmica e iniciada CEC com oxigenadores de membrana, perfusão não-pulsátil e hipotermia moderada. A proteção miocárdica era obtida com solução cardioplégica sangüínea hipotérmica anterógrada. Nos pacientes valvares houve preferência pela utilização de próteses biológicas e nos coronarianos utilização de enxertos de artéria torácica interna esquerda para o ramo descendente anterior e de veia safena para os demais ramos coronarianos com lesões críticas. O número de enxertos realizados era definido pelo número de anastomoses distais.

As intercorrências pós-operatórias foram separadas em complicações cardiovasculares - arritmias cardíacas, baixo débito cardíaco, ICC, IAM, choque cardiogênico, choque hipovolêmico - infecciosas, pulmonares, neurológicas e renais. As arritmias cardíacas e os transtornos de condução eram detectadas pelo cardioscópio e eletrocardiograma (ECG) e foram consideradas quando levaram à instabilidade hemodinâmica e necessidade de reversão farmacológica ou elétrica, ou de estimulação cardíaca artificial temporária. A presença de baixo débito cardíaco foi considerada nos pacientes com instabilidade hemodinâmica havendo necessidade de drogas vasoativas por tempo superior a 48h. A ocorrência de infecção era verificada pelo quadro clínico, exames laboratoriais e necessidade de antibioticoterapia prolongada, AVC pelas alterações neurológicas localizadas ou de nível de consciência por mais de 24h. Os pacientes com nível sérico de creatinina ³ 2,0 mg/dl no pós-operatório foram considerados como portadores de insuficiência renal. As complicações pulmonares incluíram todas aquelas que levaram a ventilação mecânica prolongada. Todos os óbitos ocorridos durante a internação ou nos primeiros 30 dias após a operação foram considerados óbitos hospitalares.

O "follow up" dos pacientes foi obtido através de consulta ambulatorial e contato telefônico, quando necessário.

RESULTADOS

Na Tabela 3 são apresentadas as principais intercorrências pós-operatórias.



A mortalidade hospitalar foi de 13,3%, a causa dos óbitos foi choque cardiogênico em 5 pacientes, IAM em 2, choque hipovolêmico em 2 e infecciosa (mediastinite) em 1 paciente.

Dos 65 pacientes que sobreviveram, compareceram 51 (78,4%) para seguimento ambulatorial. O tempo de seguimento variou de 1 a 48 meses (média: 20,7 meses). Houve 5 óbitos tardios, sendo 2 de origem neoplásica, 1 por hemorragia digestiva alta, 1 de etiologia infecciosa (mediastinite) e 1 de origem cardiovascular (IAM). A sobrevida tardia foi de 92%.

COMENTÁRIOS

O aumento da expectativa de vida da população brasileira trouxe consigo as enfermidades cardiovasculares inerentes à oitava década de vida, como a doença valvar aórtica devido às alterações degenerativas de fibrose e calcificação valvar (7, 8) e a doença coronariana obstrutiva, cuja incidência aumenta dramaticamente com a idade. Dos 40 aos 49 anos a incidência de doença coronariana obstrutiva severa é de 33%, dos 50 aos 59 é de 38%, dos 60 aos 69 é de 64% e acima dos 70 anos chega a 76%, sendo comum a associação com valvopatias (5). Diversos modelos de estudo epidemiológico prevêem que, com as atuais taxas de crescimento da população idosa, haverá não só um aumento na incidência de doença arterial coronariana, mas também uma elevação progressiva do número de pacientes idosos que se apresentam aos Serviços de cirurgia cardiovascular (1).

A decisão de submeter o paciente idoso à intervenção cirúrgica depende da relação risco-benefício baseada em fatores dentre os quais estão a classe funcional, a estabilidade emocional e a qualidade geral de vida. Além do mais, freqüentemente há discrepância entre a idade e o estado geral do paciente, devendo-se utilizar como critério para a escolha do tratamento o estado fisiológico do indivíduo, em vez de sua idade cronológica, evitando retardar o momento da operação, pois sua realização deve ser anterior ao aparecimento de disfunção miocárdica severa (4-6).

Apesar de serem pacientes de maior complexidade clínica devido à maior incidência de doenças crônicas e de acometimento de outros órgãos, os avanços na cirurgia cardíaca, anestesia, circulação extracorpórea e terapia intensiva têm contribuído para a intervenção com baixa morbi-mortalidade nesta população, demonstrando segurança e eficácia da operação cardíaca não apenas nos septuagenários bem como nos octogenários (3, 5, 6, 8). No presente estudo, a mortalidade hospitalar foi de 13,3% e encontra-se dentro dos índices relatados na literatura (1-8). Vários autores têm recomendado que um meticuloso e agressivo controle pós-operatório deve ser oferecido a estes pacientes no sentido de minimizar as complicações pós-operatórias. Atenção especial deve ser dada à mobilização precoce, tratamento das arritmias, evitar uso de drogas nefrotóxicas, manutenção de um adequado estado nutricional, prevenção de complicações infecciosas pela retirada de cateteres e drenos. Todos esses cuidados podem levar a resultados próximos àqueles obtidos nas populações mais jovens (3, 6, 8, 9).

CONCLUSÃO

Apesar dos pacientes com idade ³ a 70 anos apresentarem maior complexidade clínica devido a maior incidência de doenças crônicas e de comprometimento de órgãos-alvo, os avanços na operação cardíaca, anestesia e terapia intensiva, bem como a indicação cirúrgica antes de que haja disfunção miocárdica severa, tornaram possível a intervenção cirúrgica com baixa morbi-mortalidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Iglezias J C R, Oliveira Jr. J L, Fels K W et al. - Fatores prognósticos na revascularização do miocárdio em pacientes idosos. Rev Bras Cir Cardiovasc 1997; 12: 325-34.

2 Chocron S, Etievent J Ph, Clement F et al. - Is surgery for aortic stenosis justified in patients over 75 years of age? J Cardiovasc Surg 1996; 37: 255-9.

3 Adkins M S, Amalfitano D, Harnum N A, Laub G W, McGrath L B - Efficacy of combined coronary revascularization and valve procedures in octogenarians. Chest 1995; 108: 927-31.

4 Gehlot A, Mullany C J, Ilstrup D et al. - Aortic valve replacement in patients aged eighty years and older: early and long-term results. J Thorac Cardiovasc Surg 1996; 111: 1026-36.

5 Kirsch M, Guesnier L, LeBesnerais P et al. - Cardiac operations in octogenarians: perioperative risk factors for death and impaired autonomy. Ann Thorac Surg 1998; 66: 60-7.

6 Elayda M A, Hall R J, Reul R M et al. - Aortic valve replacement in patients 80 years and older: operative risks and long-term results. Circulation 1993; 88 (5 Pt 2): 11-6.

7 Abdalla L A, Piegas L S, Timerman S et al. - Manuseio cirúrgico da valva aórtica em pacientes acima de 70 anos. Arq Bras Cardiol 1992; 58: 453-5.

8 Aranki S F, Rizzo R J, Couper G S et al. - Aortic valve replacement in the elderly: effect of gender and coronary artery disease on operative mortality. Circulation 1993; 88 (5 Pt 2): 17-23.

9 Roques X F & Baudet E M - Long term results of cardiac valve replacement in patients aged 75 years and older. J Cardiovasc Surg 1991; 32: 794-9.

Article receive on quarta-feira, 1 de setembro de 1999

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