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ARTIGO ORIGINAL

Resultados a médio prazo de anuloplastia com órtese maleável de pericárdio bovino na insuficiência mitral reumática

Orlando PETRUCCI JÚNIOR0; Pedro Paulo Martins de Oliveira0; Lindemberg Mota SILVEIRA0; Fabiana Moreira PASSOS0; Reinaldo Wilson Vieira0; Domingo M Braile0

DOI: 10.1590/S0102-76381999000200006

INTRODUÇÃO

O tratamento cirúrgico da insuficiência mitral tem sido objeto de numerosos trabalhos nos últimos 30 anos. A tentativa do reparo direto utilizando diminuição no anel foi descrito por LILLEHEI et al. (1), em 1957. A técnica foi modificada mais tarde por diversos cirurgiões, com resultados satisfatórios (2, 3). CARPENTIER et al. (4, 5) advogam a correção da valva por uma técnica conhecida como "francesa". Quando se emprega a anuloplastia, freqüentemente é utilizado um dispositivo para reconformar o anel. Um grande número de anéis para anuloplastia tem sido desenvolvido (6-8), não havendo, entretanto, um anel ideal.

Nós utilizamos órtese maleável de pericárdio bovino que pode ser ajustada para qualquer tamanho desejado na anuloplastia, sendo resistente e durável. Neste trabalho descrevemos nossa experiência em pacientes com valvopatia mitral reumática que foram submetidos a este tipo de tratamento conservador e os resultados a médio prazo.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

De janeiro de 1995 a fevereiro de 1997, 23 pacientes com insuficiência mitral de causa reumática foram submetidos a anuloplastia com órtese maleável de pericárdio bovino. Esta série consiste de 17 (73,9%) mulheres e 6 (26,1%) homens com média de idades de 32,39 anos (desvio padrão 15,35 anos) variando de 13 e 63 anos. Foram excluídos pacientes com outras lesões valvares ou coronarianas, sendo incluídos apenas pacientes com insuficiência mitral reumática pura ou dupla disfunção, mas com predomínio de insuficiência. Todos os pacientes apresentavam doença reumática acometendo a valva mitral, sendo insuficiência pura em 13 (78,26%) pacientes e 5 (21,74%) pacientes com dupla disfunção com predomínio de insuficiência.

Antes da operação 11 (47,8%) pacientes encontravam-se em classe funcional III ou IV, 11 (47,8%) pacientes em classe II e 1 paciente (4,4%) em classe I. A fração de ejeção avaliada através da ecocardiografia transtorácica variou de 0,27 a 0,86% com média de 0,68% (desvio padrão 0,13%). A insuficiência mitral foi classificada em: ausente, leve, moderada e grave, sendo moderada em 5 (21,7%) pacientes e grave em 18 (78,3%) pacientes.

Todos os pacientes foram submetidos à esternotomia mediana com canulação de ambas as cavas e utilização de cardioplegia sangüínea retrógrada contínua de baixo volume. Após avaliação da valva, a cúspide anterior foi medida com medidor apropriado, que permite mensurar o seu perímetro. O tamanho adequado da órtese é, então, selecionado. A medida do perímetro da cúspide anterior possibilita a reconformação da cúspide posterior, possibilitando que esta tenha a mesma extensão que o perímetro da anterior, havendo melhor coaptação das mesmas. Pontos com fios de poliéster 2.0 foram passados no anel posterior estendendo-se anteriormente, indo de um trígono fibroso ao outro; os pontos são, então, passados na órtese de maneira a reconformar o anel posterior (Figura 1). A distância média dos pontos foi de aproximadamente 2 mm e em média foram passados oito pontos. A avaliação intra-operatória consistiu na infusão de sangue sob pressão vindo da linha arterial através da aorta dentro da cavidade ventricular esquerda, observando-se a coaptação das cúspides através da atriotomia esquerda.


Fig. 1

Todos os pacientes foram submetidos à ecocardiografia antes da alta e repetida a cada 6 meses no pós-operatório. As variáveis ecocardiográficas analisadas foram: diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo (DSFVE), diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo (DDFVE), fração de ejeção, tamanho do átrio esquerdo e grau de insuficiência valvar mitral. Os pacientes foram também avaliados clinicamente no período de seguimento quanto a classe funcional.

RESULTADOS

Não ocorreu óbito hospitalar. Todos os pacientes estão em seguimento com tempo médio de 25,8 ± 7,8 meses, variando de 8,9 a 37,9 meses. Ocorreram duas reoperações com 22,7 e 28,5 meses, ficando livres de reoperação 83,95% dos pacientes em um período de 36,09 ± 1,21 meses (intervalo de confiança 33,73 a 38,46 meses). Um paciente foi reoperado por insuficiência mitral residual e outro por ter desenvolvido insuficiência aórtica grave associada à insuficiência mitral residual leve. No período de seguimento todos os pacientes encontram-se em classe I ou II. Vinte e dois (95,7%) pacientes não apresentam, na avaliação ecocardiográfica, insuficiência mitral, ou é leve; apenas 1 (4,3%) paciente apresenta insuficiência mitral moderada.

Utilizando-se o teste T para amostras pareadas, observou-se melhora significativa no tamanho do átrio esquerdo de 53,47 ± 10,05 mm para 46,26 ± 7,20 mm (p < 0,0001), melhora no DDFVE de 58,52 ± 12,87 mm para 53,00 ± 12,15 mm (p = 0,001). Não observamos melhora do DSFVE de 37,60 ± 8,68 mm para 36,30 ± 10,42 mm (p = 0,359) e da fração de ejeção de 0,67 ± 0,13% para 0,69 ± 0,12% (p = 0,551).

Os dados estatísticos (teste T de Student) demonstraram melhora para o grau de insuficiência mitral.

Em Tabela de contingência (Tabela 1) observou-se melhora na classe funcional com significância estatística durante o seguimento.



COMENTÁRIOS

A maior experiência pessoal no reparo da valva mitral, de acordo com dados da literatura é a de CARPENTIER (9) com 1421 pacientes apresentando insuficiência mitral. As técnicas empregadas foram a combinação de ressecções parciais, encurtamento de cordas, transposição, reimplante de músculos papilares e anuloplastia com anel. O reparo da valva evita os problemas decorrentes da troca valvar, tais como degeneração de biopróteses, infecção de próteses, gradientes transvalvares, insuficiência paravalvar, hemólise e fenômenos tromboembólicos.

No reparo da valva mitral, freqüentemente, um dispositivo é utilizado para a anuloplastia que corrige a dilatação do anel e causa melhor coaptação das cúspides, reforçando as suturas anulares e prevenindo futuras dilatações (10).

Diferentes tipos de anuloplastia têm sido utilizados nos últimos anos (6-8) para evitar os inconvenientes das próteses, preservar a maior área valvar, bem como a função ventricular. O anel para anuloplastia deve ser flexível e possibilitar a mensuração da reconformação limitada à porção posterior do anel valvar (10).

A técnica utilizada em nossa série foi descrita por BRAILE et al. (11), utilizando uma órtese maleável de pericárdio bovino, que é resistente e precocemente endotelizada, sem fenômenos tromboembólicos, permite a mensuração da reconformação do anel posterior, proporcionando boa coaptação das cúspides.

Nossa experiência demonstra que a utilização desta técnica em pacientes reumáticos é segura (sem mortalidade operatória), é um procedimento efetivo (95,7% dos pacientes sem insuficiência ou insuficiência mitral leve) e com resultados duradouros (83,95% dos pacientes livres de reoperação em um período de 36,09 ± 1,21 meses). O índice de reoperação nos parece baixo comparado com outras séries em pacientes reumáticos onde variou de 10% a 35% em tempo de seguimento semelhante (12-15).

Nenhum paciente em nossa série demonstrou aumento no grau de insuficiência durante o seguimento, indicando que a órtese maleável de pericárdio bovino é suficientemente resistente.

A reconformação da porção posterior do anel mitral é de fácil realização, permitindo uma acomodação adequada para cada achado patológico, previne o movimento sistólico anterior da cúspide anterior da valva mitral, evitando a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, que algumas vezes pode ser observada na técnica de CARPENTIER (16). Observamos melhora clínica significativa da classe funcional (New York Heart Association), pois, no pré-operatório, 47,8% dos pacientes apresentavam-se em classe III ou IV e em classe I ou II 52,2%. No período de seguimento pós-operatório todos os pacientes encontravam-se em classe I ou II. A presença de 52,2% dos pacientes em classe I ou II pré-operatoriamente é devido a sinais de disfunção ventricular demonstrados na ecocardiografia pré-operatória ou no teste de esforço sem, no entanto, haver clinicamente sintomatologia importante, contudo, com indicação cirúrgica clara segundo TAVEL e CARABELLO (17, 18).

É nossa opinião que a técnica sendo segura nos permite a indicação cirúrgica com maior liberdade e mais precocemente, no sentido de preservar a valva e a função ventricular.

A técnica promoveu também melhora nos parâmetros ecocardiográficos, como a diminuição do tamanho do átrio esquerdo e do diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo.

Não observamos fenômenos tromboembólicos e os pacientes não foram submetidos a anticoagulação, no pós-operatório imediato.

Em resumo, nossa experiência com a órtese maleável de pericárdio bovino demonstrou ser um procedimento efetivo e com bons resultados a médio prazo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Lillehei C W, Gott V L, De Wall R A, Varco R L - Surgical correction of pure mitral insufficiency by annuloplasty under direct vision. Lancet 1957; 2: 446.

2 McGoon D C - Repair of mitral insufficiency due to ruptured chordae tendineae. J Thorac Cardiovasc Surg 1960; 39: 357-62.

3 Wooler G H, Nixon P G F, Crimshaw V A, Watson D A - Experience with the repair of the mitral valve in mitral incompetence. Thorax 1962; 17: 49-57.

4 Carpentier A, Relland J, Deloche A et al. - Conservative management of the prolapsed mitral valve. Ann Thorac Surg 1978; 26: 294-302.

5 Carpentier A, Chauvaud S, Fabiani J N et al. - Reconstrutive surgery of mitral valve incompetence: ten years appraisal. J Thorac Cardiovasc Surg 1980; 79: 338-48.

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10 David T E, Komeda M, Pollick C, Burns R J - Mitral valve annuloplasty: the effect of the type on left ventricular function. Ann Thorac Surg 1989; 47: 524-8.

11 Braile D M, Ardito R V, Pinto G H et al. - Plástica mitral. Rev Bras Cir Cardiovasc 1990; 5: 86-98.
[ Lilacs ]

12 Skoularigis J, Sinovich V, Joubert C, Sareli P - Evaluation of the long-term results of mitral valve repair in 254 young patients with rheumatic mitral regurgitation. Circulation 1994; 90: 167-74.

13 Kumar A S & Rao P N - Mitral valve reconstruction: intermediate term results in rheumatic mitral regurgitation. J Heart Valve Dis 1994; 3: 161-4.

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15 Kumar A S, Rao P N, Saxena A - Results of mitral valve reconstruction in children with rheumatic heart disease. Ann Thorac Surg 1995; 60: 1044-7.

16 Schiavone W A, Cosgrove D M, Lever H M, Stewart W J, Salcedo E E - Long term follow-up of patients with left ventricular outflow tract obstruction after Carpentier ring mitral valvuloplasty. Circulation 1988; 78 (Suppl 1): 160-5.

17 Tavel M E & Carabello B A - Chronic mitral regurgitation: when and how to operate. Chest 1998; 113: 1399-401.
[ Medline ]

18 Carabello B A - Mitral valve regurgitation. Curr Probl Cardiol 1998; 23: 202-41.

Article receive on segunda-feira, 1 de março de 1999

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