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ORIGINAL ARTICLE

Surgery for endomyocardial fibrosis revisited

Carlos R Moraes0; Jorge V Rodrigues0; Cláudio A Gomes0; Euclides Tenório0; Fernando MORAES NETO0; Sheila Hazin0; Cleuza L. SANTOS0; Ivan Cavalcanti0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000200002

ABSTRACT

Eighty-three patients with endomyocardial fibrosis (EMF) underwent endocardial decortication and atrioventricular valve replacement or repair between December, 1977, and December, 1997. There were 66 (79.6%) female and 17 (20.4%) male patients, ranging in age from 4 to 59 years (mean, 31). Thirty-seven (44.5%) had biventricular disease 134 (41.0%) had disease of the right ventricle alone and 12 (14.5%) had EMF confined to the left ventricle. All were in functional class III or IV (New York Heart Association classification). Sixty-eight (81.9%) patients survived the operation and were followed-up for periods of time ranging from 1 month to 17 years. The total follow-up time was 6,290 patient/months (mean, 92 months). There were 15 late deaths but in 6 the cause was not related to the underlying disease. Four (5.8%) patients presented recurrence of the fibrosis and were reoperated and in 6 (8.8%) EMF appeared in the other ventricle. Five (7.3%) patients were reoperated to replace either a valve prosthesis or a native valve which had been preserved during the first procedure. Only 24 (45%) of the 53 living patients are in functional class I or II. The actuarial probability of survival at 17 years, including operative mortality, was 55%. In conclusion, surgical treatment of EMF should be considered a palliative procedure because surgery does not stop the progressive nature of the disease. However, surgical therapy is recommended for patients with EMF and heart failure as it is the only hope for them.

RESUMO

Entre dezembro de 1977 e dezembro de 1997, 83 doentes com endomiocardiofibrose (EMF) foram submetidos a decorticação endocárdica e substituição ou reparo das valvas atrioventriculares. Sessenta e seis (79,6%) eram do sexo feminino e 17 (20,4%) do masculino, variando as idades de 4 a 59 anos (média 31). Trinta e sete (44,5%) pacientes tinham doença biventricular, 34 (41%) apenas do ventrículo direito e 12 (14,5%) apresentavam EMF limitada ao ventrículo esquerdo. Todos estavam na classe funcional III ou IV da classificação da New York Heart Association. Sessenta e oito (81,9%) pacientes sobreviveram à operação e foram seguidos por período de tempo que variou de um mês a 17 anos. O tempo total de seguimento foi de 6.290 pacientes/meses (média: 92 meses). Houve 15 óbitos tardios, mas em 6 a causa não esteve relacionada à doença de base. Quatro (5,8%) doentes apresentaram recidiva da fibrose e foram reoperados; em 6 (8,8%) apareceu fibrose no outro ventrículo. Cinco (7,3%) pacientes foram reoperados, seja para retroca de prótese valvular, seja para substituir a valva preservada na primeira operação. Somente 24 (45%) dos atuais 53 sobreviventes estão em classe funcional I ou II. A curva de sobrevida actuarial, incluindo a mortalidade operatória, revelou que a probabilidade de sobrevida, 17 anos após a operação, é de 55%. Conclui-se que o tratamento cirúrgico da EMF deve ser considerado um procedimento paliativo porque a operação não impede a progressão da doença. Mesmo assim a operação é recomendada em pacientes com EMF e sintomas de insuficiência cardíaca, visto ser a única forma de tratamento.
INTRODUÇÃO

O tratamento cirúrgico da endomiocardiofibrose (EMF) é, atualmente, um procedimento bem estabelecido, consistindo na ressecção da fibrose endocárdica associada à substituição ou plastia das valvas atrioventriculares (1-7), mas inexistem na literatura relatos sobre a evolução a longo prazo dos doentes operados. No presente trabalho, descrevemos os resultados tardios da operação.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Entre dezembro de 1977 e dezembro de 1997, 83 pacientes portadores de EMF foram submetidos a tratamento cirúrgico no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e Real Hospital Português, em Recife. Sessenta e seis (79,6%) eram do sexo feminino e 17 (20,4%), do masculino, variando as idades entre 4 e 59 anos (média: 31 anos). Trinta e sete (44,5%) tinham doença biventricular, 34 (41%) apresentavam doença do ventrículo direito e 12 (14,5%) tinham EMF apenas do ventrículo esquerdo. Todos estavam na classe funcional III ou IV da classificação da New York Heart Association. Os achados clínicos e hemodinâmicos, bem como a técnica cirúrgica utilizada em nosso Serviço foram previamente relatados (8, 9).

Na evolução dos doentes que sobreviveram à operação, analisaram-se a mortalidade tardia e suas causas, a progressão da doença, seja por aparecimento de fibrose em outro ventrículo, ou por recidiva no ventrículo operado, as reoperações, a classe funcional à época da última consulta e, finalmente, a curva de sobrevida actuarial pelo método de Kaplan-Meier.

RESULTADOS

Sessenta e oito (81,9%) pacientes sobreviveram à operação e foram seguidos por período de tempo que variou de um mês a 17 anos. O tempo total de seguimento foi de 6.290 pacientes/meses (média: 92 meses).

Mortalidade - A mortalidade tardia foi de 15 (18%) doentes. Na Tabela 1, observam-se a localização da doença nesses 15 pacientes, o tipo de evolução após a operação, o tempo e a causa do óbito.



Não foi significativa a relação entre a localização da doença e a mortalidade tardia, ocorrida em 22,2% dos pacientes biventriculares, em 24,1% dos doentes com lesão de ventrículo direito e em 16,6% daqueles com lesão no ventrículo esquerdo.

Cinco dos 15 óbitos tardios ocorreram em doentes que não obtiveram melhora após a cirurgia, permanecendo em insuficiência cardíaca. A morte nesses casos ocorreu sempre no primeiro ano de pós-operatório.

Quatro pacientes que tiveram, por vários anos, excelente evolução clínica voltaram a apresentar manifestações de insuficiência cardíaca, comprovando-se, por ecocardiografia ou estudo hemodinâmico, importante comprometimento miocárdico (2 casos) ou recidiva da fibrose endocárdica (2 casos). Estes últimos faleceram no pós-operatório imediato da reoperação.

Finalmente, 6 doentes tinham excelente evolução hemodinâmica e faleceram por causas não diretamente relacionadas à doença de base.

O período do óbito variou do 3º mês ao 15º ano de pós-operatório (média: 3 anos), e as causas incluíram insuficiência cardíaca congestiva (4), reoperação (2), embolia pulmonar (2), acidente vascular cerebral (2), sepsis (2), endocardite (1), hepatite (1) e infecção intestinal (1).

Progressão da doença - Seis (8,8%) dos 68 sobreviventes exibiram, ao longo da evolução pós-operatória, evidência eco e/ou angiográfica de aparecimento da doença no outro ventrículo. Cinco haviam sido operados do lado direito desenvolvendo doença do ventrículo esquerdo, e 1 havia sido operado do lado esquerdo e, atualmente, exibe sinais de fibrose do ventrículo direito. Nenhum deles foi ainda reoperado. Não houve nesses pacientes episódios de eosinofilia ao longo da evolução pós-operatória.

Recidiva da fibrose - Quatro (5,8%) pacientes, todos com doença biventricular, exibiram recidiva da fibrose no ventrículo esquerdo, respectivamente 3, 11, 12 e 15 anos após a operação. Todos foram reoperados, ocorrendo dois óbitos. Um deles tinha, também, disfunção da bioprótese, e o outro, cuja valva mitral havia sido preservada, foi submetido a substituição valvar. O aspecto macro e microscópio da fibrose era semelhante ao observado originalmente. Nenhum deles apresentou eosinofilia durante a evolução pós-operatória.

Reoperação - Além das quatro reoperações por recidiva da fibrose, 5 (7,3%) outros doentes foram reoperados: 4 para retroca de prótese e 1 para substituição de valva mitral, preservada na primeira operação.

Evolução clínica - A avaliação clínica, através da classificação funcional da New York Heart Association, pode ser analisada no Gráfico 1. Apenas 24 (45%) dos atuais 53 sobreviventes estão em classe funcional I ou II.



Curva de sobrevida actuarial - A curva de sobrevida actuarial pelo método de Kaplan-Meier (Gráfico 2), incluindo a mortalidade operatória, com intervalo de confiança de 95%, revelou que a probabilidade de sobrevida, 17 anos após a operação, é de 55% (erro padrão = 7,8%).



COMENTÁRIOS

As características morfológicas e clínicas da EMF estão bem estabelecidas há vários anos (10-12). Contudo, não tem havido progresso significativo para a elucidação da etiopatogenia da doença. Apesar de contar com elementos básicos aceitáveis, a teoria elaborada por BROCKINGTON & OLSEN (13), a qual tenta associar EMF com eosinofilia, tem sido questionada entre nós. LIRA (14) considera que, sendo a eosinofilia tão freqüente em nosso meio, seria de se esperar uma incidência mais alta da doença. Também não têm sido identificadas entre nós as formas agudas acompanhadas por eosinofilia. Ademais, quando se faz o estudo histológico do material cirúrgico e de necropsia, o achado de eosinófilos é em pequeno número. O presente trabalho contribui com mais um argumento contra a teoria eosinofílica, visto que foi possível identificar, na evolução tardia de pacientes operados, casos de recidiva da fibrose sem que nesse período tivessem ocorrido episódios de eosinofilia.

A evolução clínica de pacientes acometidos de EMF depende, fundamentalmente, da intensidade da fibrose ventricular e da magnitude da insuficiência das valvas atrioventriculares, sendo a indicação cirúrgica feita nos pacientes sintomáticos (15). Os resultados imediatos do tratamento cirúrgico foram relatados, detalhadamente, em diversas séries (2, 5, 8, 16-18). A mortalidade imediata descrita é de cerca de 18%. Entretanto, OLIVEIRA et al. (19), em uma série de 43 pacientes, nos quais conseguiram preservar as valvas atrioventriculares, obtiveram mortalidade de 4,6%. Também tem sido relatado que a operação, a curto e médio prazos, proporciona uma melhora da capacidade funcional e da qualidade de vida na maioria dos sobreviventes, mas a evolução a longo prazo é desconhecida (8).

A análise da presente série, composta de 68 doentes os quais foram seguidos por período de tempo médio de 7 anos e 8 meses, mostrou ter sido de 15 (18%)pacientes a mortalidade tardia, embora em 6 casos a causa da morte não tivesse relação com a doença de base. Nos outros nove óbitos, dois tipos de evolução foram observados: 1) 5 doentes não melhoraram com a operação e faleceram em insuficiência cardíaca no primeiro ano de pós-operatório; 2) 4 outros voltaram a deteriorar após um longo período de excelente evolução clínica, seja por ter ocorrido recidiva da fibrose, seja por terem desenvolvido comprometimento miocárdico importante.

A falta de melhora clínica após a operação, observada em alguns pacientes dessa série, só pode ser explicada, em nossa opinião, como decorrente de importante infiltração miocárdica da fibrose. Não se deve esquecer de que na EMF o miocárdio também está envolvido no processo patológico, se bem que o grau desse envolvimento não possa ser avaliado no pré-operatório. Esse tipo de avaliação, se fosse possível, permitiria dividir os doentes de EMF em dois grupos: uns que se beneficiariam com a endocardiectomia e outros que teriam indicação apenas para transplante cardíaco.

O comprometimento miocárdico tardio, o aparecimento de fibrose endocárdica no outro ventrículo e a recidiva de fibrose no ventrículo operado, somente recentemente descrita (20), sugerem que a EMF é uma doença progressiva e que o seu curso não é interrompido pela operação. Por outro lado, a ausência de episódios de eosinofilia na evolução pós-operatória de nossos pacientes torna difícil a implicação dos eosinófilos na produção de fibrose. Esse fato reforça a necessidade de se pesquisarem a causa e a patogenia da EMF, única solução para se alcançar a cura ou, ao menos, impedir a progressão da doença.

Um outro fato que também contribui para uma evolução desfavorável no pós-operatório é a disfunção de prótese valvular. Isso ressalta a importância de preservação das valvas atrioventriculares, como têm preconizado OLIVEIRA et al. (6). Infelizmente, em nossa experiência, a preservação valvar tem sido possível em apenas 30% dos casos. Também foi observado, na evolução tardia de nossos pacientes, que apenas 45% dos atuais sobreviventes apresentam qualidade de vida e capacidade funcional satisfatórias. O restante ou não melhorou com a operação ou voltou a deteriorar clinicamente. Em contrapartida, a probabilidade de sobrevivência aos 17 anos é de 55%, sendo esse resultado claramente superior à história natural da doença. Isso mostra que, apesar do tratamento cirúrgico ser um procedimento paliativo, deve ser indicado em pacientes com EMF e manifestações de insuficiência cardíaca.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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20 Moraes C R, Buffolo E, Moraes Neto F et al. - Recidiva da fibrose após correção cirúrgica da endomiocardiofibrose. Arq Bras Cardiol 1996; 67: 297-9.

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