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ARTIGO ORIGINAL

Lactato sérico como marcador de morbimortalidade no pós-operatório de operação de Jatene em lactentes

Taís Sica da RochaI; Alan Soares da SilveiraII; Aline Medeiros BottaIII; Cláudia Pires RicachinevskyIV; Lisiane Dalle MulleV; Aldemir NogueiraVI

DOI: 10.1590/S0102-76382010000300011

INTRODUÇÃO

O pós-operatório de cirurgia cardíaca em crianças merece atenção diferenciada, onde os cuidados e o monitoramento da sua evolução na Unidade de Tratamento Intensivo são essenciais. Entretanto, a monitorização do consumo e liberação de oxigênio é limitada em crianças após cirurgia para o reparo de doença cardíaca congênita por causa das dificuldades em mensurar o débito cardíaco e a falta de confiança na monitorização da saturação venosa nos pacientes com comunicação intracardíaca residual[1].

Nos últimos anos, os níveis de lactato sérico têm sido utilizados como marcador prognóstico de confiança em crianças no pós-operatório de doenças cardíacas congênitas, especialmente na fase instável. Estudos recentes têm mostrado uma forte correlação entre os altos níveis de lactato sérico e um aumento no risco de morbidade e mortalidade[1-6].

A distribuição inadequada de oxigênio para os tecidos é refletida pela acidose láctica, resultado do metabolismo anaeróbico. A acidose láctica é frequentemente encontrada entre os pacientes graves, incluindo crianças, no período pós-operatório de cirurgia cardiotorácica. Uma elevação nos níveis de lactato sérico resulta da hipoperfusão sistêmica e hipoxia tecidual. Entretanto, em alguns doentes, a elevação dos níveis de lactato sérico não é explicada somente por esses dois aspectos. Por exemplo, algumas drogas como os hipoglicemiantes orais, etanos, catecolaminas e os â2 broncodilatadores podem provocar o aumento do lactato sérico[1,2,7,8].

Dentre as cardiopatias congênitas cianóticas, a transposição de grandes artérias (TGA) é a principal patologia cirúrgica de correção total no período neonatal[9-11]. O tratamento cirúrgico para a correção da TGA pode ser realizado utilizando-se várias técnicas distintas: Rastelli, Mustard e Senning[3,12,13]. Contudo, após a bem sucedida realização da correção anatômica idealizada por Jatene, esta vem sendo utilizada em vários centros[14].

Como os níveis de lactato sérico elevados no pós-operatório de doenças cardíacas servem como guia para o risco de mortalidade e morbidade, justifica-se avaliar os seus níveis em pacientes que foram submetidos à correção de TGA pela operação de Jatene.

Portanto, o objetivo desse estudo foi avaliar o lactato sérico como marcador prognóstico de mortalidade e morbidade no período pós-operatório precoce até 28 dias dos pacientes que foram submetidos à cirurgia para correção de TGA através da operação de Jatene no pós-operatório imediato, na 3a hora, 6a hora e no 1º dia de pós-operatório nos primeiros 10 anos da nossa casuísta, de 1995 a 2005.


MÉTODOS

Foi realizada uma coorte histórica com pacientes pediátricos portadores de TGA que foram submetidos à cirurgia cardíaca para correção com operação de Jatene, no período de julho de 1995 a dezembro de 2005. O local do estudo foi a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

Foram incluídos os pacientes pediátricos submetidos à cirurgia cardíaca para correção de TGA nesse período. Os pacientes que não possuíam informações clínicas suficientes para preencherem os dados necessários para a pesquisa ou que morreram num período menor do que 24 horas de pós-operatório foram excluídos, estes últimos eram excluídos porque o objetivo do estudo era verificar os fatores pós-operatórios relacionados ao óbito, os fatores pré-operatórios e cirúrgicos não foram avaliados.

O estudo foi submetido à apreciação e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre com o protocolo nº 1435/06 e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil com o protocolo nº 2006-406H. Os pacientes incluídos no estudo tiveram os seus dados coletados e o anonimato foi respeitado.

O diagnóstico anatômico dos pacientes foi realizado sempre pela mesma equipe com ecocardiografia transtorácica. Todas as correções cirúrgicas foram realizadas pela mesma equipe de cirurgiões cardíacos pediátricos do serviço. A circulação extracorpórea (CEC) foi realizada em todos os pacientes, usando-se oxigenador de membrana com baixo volume de enchimento (priming), reservatório venoso Lucchese-Braile (que permite um volume de perfusão ao redor de 50 ml) e oximetria "on-line" com equipamento C DI-100-3M, com sensor ótico na linha venosa montado com o circuito de perfusão.

Para cardioplegia, uma amostra de sangue foi dissolvida em solução de St. Thomas com acréscimo de potássio, na dose de 10ml/kg. Todos os pacientes submetidos à cirurgia foram resfriados a valores entre 21 e 28ºC de temperatura central durante o ato cirúrgico. No pós-operatório, os pacientes permaneceram entubados e ventilados mecanicamente no modo pressão controlada (Sechrist Infant Ventilator® Model IV - 100B), com pressão inspiratória positiva de aproximadamente 18-22cmH2O, fração inspirada de oxigênio de 0,21-0,3, pressão expiratória positiva final de 3-5cmH2O e uma frequência ventilatória de 15-25 ciclos/minuto. Cinquenta e um (67,1%) pacientes retornaram da cirurgia com esternotomia aberta. Os pacientes foram inicialmente sedados com morfina contínua na dose de 0,02 mg/kg/h. Todos os pacientes provenientes do bloco cirúrgico receberam suporte de uma ou mais drogas vasoativas (dopamina 5-15µg/kg/min e milrinone 0,37-0,75µg/kg/min por tempo indeterminado de acordo com o seu estado hemodinâmico; nitroglicerina 1µg/kg/min por 24 horas).

As informações necessárias para o estudo foram obtidas no prontuário médico e em sistemas de consultas informatizadas de cada paciente. As variáveis de interesse utilizadas no estudo foram as seguintes: sexo, idade (em dias), peso (kg), tempo de internação na UTI (em dias), diagnóstico anatômico pela ecocardiografia transtorácica (TGA, TGA e comunicação interventricular, TGA e alterações da aorta, TGA e outros defeitos anatômicos) e data da cirurgia. O lactato sérico do pré-operatório, pós-operatório imediato, 3a hora de pós-operatório, 6a hora de pós-operatório e do 1º dia de pós-operatório foi coletado conforme a rotina do serviço pela equipe de enfermagem e enviado ao laboratório central.

Os dados do transoperatório (tempo de CEC e tempo de pinçamento da aorta) foram registrados no prontuário pelo anestesiologista responsável pela cirurgia. As complicações desenvolvidas durante a internação na UTI foram classificadas de acordo com os seguintes critérios: sepse (síndrome da resposta inflamatória sistêmica + infecção suspeita ou comprovada), sangramento aumentado (>5ml/kg/h nas primeiras 24 horas), síndrome de baixo débito (pressão arterial média < 40mmHg + lactato sérico > 2mmol/L + saturação venosa central < 70% + diurese < 0,5ml/kg/h), complicações respiratórias (atelectasia, pneumonia, pneumotórax, ventilação mecânica prolongada e/ou obstrução alta), insuficiência renal (necessidade de diálise peritoneal), hipertensão pulmonar (pressão arterial sistólica pulmonar >50% da pressão arterial sistólica sistêmica), arritmias cardíacas (bloqueio atrioventricular, bradicardia sinusal e/ou taquicardia supraventricular), quilotórax (derrame pleural com triglicerídeos > 150mg/dl e predomínio de linfócitos), isquemia miocárdica (troponina sérica > 0,1 com supra ou infradesnível do segmento ST) e convulsões (movimentos tônico-clônicos). Também foram coletadas informações referentes ao tempo de internação, óbito e alta da UTI.

O lactato sérico foi analisado por meio da amostra de gasometria arterial pelo método potenciométrico, tendo como valores de referência de 5,7 a 2,0mg/dL ou 0,63 a 2,44mmol/L. O equipamento utilizado para as medições foi o ABL 700 da Radiometer®.

Os dados quantitativos foram descritos pela média e desvio padrão e os dados qualitativos por frequência e percentual. A análise das variáveis quantitativas com distribuição normal foi realizada pelo teste t de Student e como teste não paramétrico utilizou-se o Mann Whitney. Para os dados qualitativos foi utilizado o teste qui-quadrado. A comparação dos níveis de lactato nos diferentes momentos foi feita pela análise de variância (ANOVA). A medida de associação para risco de óbito foi obtida pelo odds ratio e no modelo de regressão logística foram colocadas apenas as variáveis cujo odds radio foi acima de 1. A medida de tendência utilizada foi o intervalo de confiança entre 5% e 95%. O teste de correlação de Pearson foi utilizado para o número de complicações e o nível do lactato sérico. Um valor de P < 0,05 foi considerado estatisticamente significante. A comparação dos níveis de lactato segundo a mortalidade e morbidade foi obtida pela curva ROC. A área sob a curva significativa foi maior que 0,5. O ponto de corte foi aquele em que se conseguiu maior sensibilidade e especificidade, e foi calculado para os diferentes momentos de pós-operatório. Para análise dos dados utilizou-se o programa SPSS, versão 12.0 para Windows.


RESULTADOS

No período de julho de 1995 a dezembro de 2005, foram realizadas 2.626 cirurgias cardíacas no Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio. Dessas, 106 foram para correção de TGA pela operação de Jatene. Dezessete (16,04%) pacientes foram excluídos porque morreram com menos de 24 horas de evolução pós-operatória. Dos 89 pacientes, 10 pacientes não tinham registro do lactato sérico no seu prontuário e três não tiveram o seu prontuário localizado. A média de idade dos 76 pacientes incluídos no estudo foi de 14,59±19,09 dias (mínima de 1 e máxima de 113 dias), a média do peso ao nascimento de 3,128±0,48kg (mínimo de 1,9 e máximo de 4,2kg) e 49 (64,47%) eram do sexo masculino. Quarenta e quatro (57,9%) pacientes tinham o diagnóstico anatômico exclusivo de TGA, incluindo a associação de persistência do canal arterial (PCA) e forame oval patente (FOP).

Outros defeitos anatômicos encontrados associados à TGA foram comunicação interventricular (CIV) em 24 (31,6%) pacientes e alterações aórticas (AAo) em 8 (10,5%) pacientes. Com relação ao transoperatório, o tempo médio de CEC foi de 143,78±28,77 minutos (mínimo de 91 e máximo de 276 minutos) e o tempo médio de pinçamento (clamp) de 87,68±22,3 minutos (mínimo de 43 e máximo de 140 minutos). O tempo de internação dos pacientes na UTI durou, em média, 20,28±15,62 dias, sendo o de menor tempo 2 dias e o de maior tempo 80 dias (Tabela 1). Cinquenta e dois (68,42%) pacientes tiveram alta da Unidade de Tratamento Intensivo e 24 (31,58%) morreram nesse período.




As variáveis dos pacientes foram comparadas de acordo com os seus desfechos na UTI e estão apresentadas na Tabela 2. Os dados demonstram que nenhuma das variáveis analisadas teve valor de P significante em relação aos pacientes que morreram ou viveram. Apenas uma tendência ao óbito foi encontrada nos pacientes que permaneceram por mais tempo em CEC, com um P=0,05.




No pós-operatório, 51 (67,1%) pacientes retornaram da cirurgia com esternotomia aberta. Apenas sete (9,21%) pacientes não tiveram nenhum tipo de complicação após a cirurgia, 22 (28,9%) apresentaram uma complicação, 26 (34,2%), duas complicações, 14 (18,4%), três complicações, seis (7,9%), quatro complicações e um (1,3%), cinco complicações. As complicações mais frequentes desenvolvidas pelos pacientes no período pós-operatório durante o tempo de internação na UTI estão descritas na Tabela 3.




Existe uma correlação positiva entre o número de complicações e os níveis de lactato no POI (r=0,23), na 3a hora (r=0,33), na 6a hora (r=0,32) e no 1º dia de PO (r=0,28), exceto no pré-operatório.

Separando os pacientes em dois grupos, os que tinham TGA com CIV e AAo, e os que tinham somente TGA, ou seja, sem CIV, observou-se que o lactato sérico no pré-operatório e no POI foi maior nos pacientes que tinham TGA sem CIV (Tabela 4).




Não houve aumento no risco de complicações nos pacientes com CIV, conforme a Tabela 5.




Há aumento no risco de óbito nos pacientes com sangramento aumentado, baixo débito e complicações respiratórias (Tabela 6). Porém, apenas o baixo débito é um fator de risco isolado quando colocado num modelo de regressão logística.




A média do lactato sérico no pré-operatório foi de 4,28±4,78mmol/L; no pós-operatório imediato, 6,66±3,98mmol/L; na 3a hora de pós-operatório, 6,26±3,8 mmol/L; na 6a hora de pós-operatório, 6,03±4,7mmol/L e no 1º dia de pós-operatório, 3,27±2,98mmol/L. Comparando os níveis do lactato sérico do pré-operatório com os do POI, da 3a hora e da 6a hora; os níveis do 1º dia de PO com os do POI, da 3a hora e da 6a hora; e os da 3a hora com os da 6a hora, houve diferença significativamente estatística com um P<0,01 (Figura 1).


Fig. 1 - Valores do lactato sérico (média e desvio padrão) em lactentes após operação de Jatene Pré-op = pré-operatório; POI = pós-operatório imediato; 3a hora = 3a hora de pós-operatório; 6a hora = 6a hora de pós-operatório; 1º PO = 1º dia de pós-operatório



O teste Mann Whitney não demonstrou diferença para as médias dos valores do lactato sérico dos pacientes que morreram e que tiveram alta da UTI nos diferentes períodos. Entretanto, os pacientes que morreram tiveram um lactato sérico no pré-operatório mais baixo do que aqueles que viveram, mas no POI assumiram níveis mais elevados do que os que viveram. Esses níveis elevados foram sustentados até o final do 1º dia de PO (Figura 2).


Fig. 2 - Valores do lactato sérico (média) após operação de Jatene comparação entre óbitos e vivos Pré-op = pré-operatório; POI = pós-operatório imediato; 3a hora = 3a hora de pós-operatório; 6a hora = 6a hora de pós-operatório; 1º PO = 1º dia de pós-operatório



Somente os níveis séricos de lactato da 3a hora discriminam a mortalidade, como pode ser observado através da área sob a curva > 0,5 com P=0,035. Já os níveis séricos da 6a hora demonstram apenas uma tendência, com P=0,052 (Figura 3, Tabela 7).


Fig. 3 - Curvas ROC do lactato sérico após operação de Jatene em lactentes - Lactato Pré-Op = lactato sérico pré-operatório; Lactato POI = lactato sérico no pós-operatório imediato; Lactato 3a = lactato sérico na 3a hora de pós-operatório; Lactato 6a = lactato sérico na 6a hora de pós-operatório; Lactato 24h = lactato sérico no 1º dia de pós-operatório




Em relação ao desfecho óbito-alta da UTI, considerando um ponto de corte para o lactato sérico > 5,8 mmol/L na 3a hora de pós-operatório foi obtida uma sensibilidade de 67% e especificidade de 64%.


DISCUSSÃO

A comparação das características dos pacientes de nossa amostra com os da literatura permite dizer que a média de idade dos nossos pacientes de 14,59±19,09 dias, foi um pouco acima daquelas encontradas por Conte et al.[4], que foi de 7 dias e por Zabala Arguelles et al.[5], que foi de 8,3±2,9 dias. Com relação ao transoperatório, o tempo médio de CEC encontrado em nosso estudo foi de 143±28,77 minutos e o de pinçamento, 87,68±22,3 minutos. No estudo de Zabala Arguelles et al.[5], com 15 pacientes que foram submetidos à correção de TGA sem CIV, o tempo médio de CEC foi de 108±91 minutos e o de pinçamento de 56±11 minutos.

Mais da metade dos nossos pacientes (64,47%) era do sexo masculino, assim como no estudo de Sharma et al.[15]. Dos 76 pacientes incluídos no nosso trabalho, 57,9% dos diagnósticos de TGA não tinham defeitos anatômicos associados. Em outros dois estudos, um de 2002 e outro de 2004, 56,5% e 62,2% tinham o diagnóstico anatômico de TGA sem defeitos associados, respectivamente[15,16].

Em nosso estudo, no período de julho de 1995 a dezembro de 2005, foram realizadas 106 cirurgias para correção de TGA utilizando a operação de Jatene. Em contraste, em uma revisão publicada em 2002, no período de 10 anos, também num país em desenvolvimento, foram feitas 299 cirurgias de correção de TGA[11]. Um estudo brasileiro somente com pacientes com Taussig-Bing encontrou mortalidade de 23,8%, neste grupo cuja complexidade cirúrgica é maior, em nossa casuística não realizamos a estratificação de óbito segundo o tipo de malformação associada à TGA[17].

O risco cirúrgico desta operação, segundo a literatura, fica em torno de 2% a 5%, apesar de ainda apresentar, em alguns centros, risco ainda maior que 10%, alcançando até a mais de 20% dos casos[18]. A evolução pós-operatória de qualquer cardiopatia congênita depende de três variáveis: da situação anatomofuncional antes da operação, da técnica empregada e das complicações pós-operatórias.

A experiência dos primeiros casos operados no Instituto Dante Pazzanese, onde a técnica foi idealizada por Jatene et al.[18], em 1975, aliados aos primeiros casos operados no InCor, até a data de 1987, se obteve uma mortalidade de 20,7%. Entretanto, um estudo mineiro apresentou uma mortalidade hospitalar de 5,8% após a operação de Jatene, com pacientes muito semelhantes aos nossos em relação ao peso, idade e defeitos associados[19].

Em estudo multicêntrico nacional, observou-se mortalidade hospitalar geral de 26%, o período das operações de Jatene realizadas foi de 1975 a 2000. Não houve estratificação de mortalidade segundo a instituição. Participaram do estudo as seguintes instituições: Hospital da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio e Instituto do Coração, as duas últimas instituições foram responsáveis por 96,4% dos casos, respectivamente 50,7% e 45,7%[20].

Em relação ao tempo de internação na UTI, obtivemos uma média de 20,28±15,62 dias, em contraste com os 2±1 dias descritos por Conte et al.[4]. Dados semelhantes aos nossos foram vistos num estudo de 1998, onde a média de tempo de internação na UTI foi de 17,8 dias, porém em pacientes que realizaram cirurgia cardíaca por diversos motivos[21].

Dos estudos considerados, nenhum teve o objetivo de mostrar uma variável específica como fator de risco para óbito. Dentre todas as variáveis do nosso estudo, somente o baixo débito mostrou-se fator de risco para óbito nas primeiras 24 horas. Apesar da mortalidade hospitalar após a operação de Jatene ser maior no Brasil do que nos relatos da literatura internacional, existem poucos estudos sobre os fatores determinantes. Nosso estudo é localmente pioneiro na tentativa de relacionar os fatores pós-operatórios dentre eles o nível sérico de lactato. A grande limitação de nosso estudo reside na falta de dados pré-operatórios ou transoperatórios que pudessem ter contribuído para alta mortalidade encontrada em nosso grupo. O baixo débito, único fator determinante de óbito nesta amostra pode ter sido devido à dessaturação mantida pré, atraso no diagnóstico, eventos coronarianos transoperatórios, que não foram analisados.

Outros estudos associaram óbito com hipertensão arterial pulmonar, sepse e disfunção ventricular esquerda[15,16]. No nosso estudo, apenas uma tendência a óbito foi encontrada nos pacientes que permaneceram por mais tempo em CEC, com um P=0,05.

No pós-operatório, apenas sete (9,21%) pacientes não desenvolveram nenhum tipo de complicação. Entretanto, 26 (34,2%) pacientes tiveram duas complicações associadas. A complicação mais frequente encontrada foi a sepse (38,16% dos pacientes). Em estudo publicado em 1998 e outro em 2002, as complicações desenvolvidas no pós-operatório foram semelhantes às encontradas por nós[21,22].

A média do lactato sérico dos nossos pacientes no pré-operatório foi de 4,28±4,78mmol/L; no POI de 6,66±3,98mmol/L; na 3a hora de PO de 6,26±3,8mmol/L; na 6a hora de PO de 6,03±4,7mmol/L e no 1º dia de PO de 3,27±2,98 mmol/L. Como em outros estudos, os valores do lactato sérico mostram um pico no POI com a diminuição dos seus níveis gradativamente, no decorrer de 24 horas, para valores até mesmo inferiores aos do pré-operatório[2,7,8,16,23].

Recentemente, Kalyanaraman et al.[24] demonstraram que o lactato inicial e de pico são significativamente elevados em não sobreviventes de vários tipos de cirurgia cardíaca em crianças de várias idades, no entanto, eles não são preditores de mortalidade. O tempo em que o lactato sérico fica acima de 2mmol/L por mais de 48h de pós-operatório prediz mortalidade em pacientes RACHS-1 (Risk Adjustment for Congenital Heart Surgery), com valor preditivo positivo de 60%, sensibilidade de 50% e especificidade de 98%. Outro estudo recente sugere a associação de nível sérico de lactato > 8mmol/L com uma saturação venosa central < 40% como preditores de mortalidade com sensibilidade e especificidade altas[25]. Existe uma correlação entre saturação de regional oxigênio a nível cerebral e renal aferidos por espectrospia no quase-infravermelho e lactato, quando a aquela estiver menor do que 65%, os níveis séricos de lactato serão maiores ou iguais a 3mmol/L em pacientes acianóticos[26].

Os nossos dados demonstram que somente os níveis séricos de lactato da 3a hora discriminam a mortalidade, como observado na análise nas curvas ROC, mostrando uma área sob a curva > 0,5 com P=0,035. Diferente do encontrado num artigo publicado em 1997[6]. Já os níveis séricos da 6a hora demonstram apenas uma tendência, com P=0,052. Em outros estudos, somente depois de 24h o lactato sérico serviu como fator preditor de mortalidade[3,4]. Considerando-se um ponto de corte para o lactato sérico > 5,8mmol/L na 3a hora de pós-operatório para o desfecho óbito-alta da UTI, obtivemos uma sensibilidade de 67% e especificidade de 64%, apesar de estatisticamente significativos esse achado é de pouca serventia clínica, devido às baixas sensibilidade e especificidade. Um estudo publicado em 2006, com um ponto de corte de 4,8mmol/L para o lactato sérico, demonstrou que os pacientes com níveis acima desses no pós-operatório precoce tinham um risco aumentado de morbidade e mortalidade[6]. Em outro estudo, um lactato sérico maior que 6mmol/L no pós-operatório inicial tinha um ótimo valor preditivo para mortalidade[8].

O nosso estudo, assim como o de Hatherill et al.[8], também mostra o lactato sérico como marcador de morbidade, pois houve correlação positiva dos seus níveis com o número de complicações desenvolvidas pelos pacientes, exceto no pré-operatório.

Os neonatos são um grupo especialmente suscetível a complicações no pós-operatório devido a alterações desencadeadas durante a CEC decorrentes de vários fatores, entre eles: os efeitos da hemodiluição são mais pronunciados; a redução do hematócrito e da pressão oncótica limita a oferta de O2 e a diminuição na resistência vascular sistêmica pode comprometer a perfusão tecidual; maior exposição do sangue circulante à superfície não endotelial do circuito extracorpóreo, com exacerbação da resposta inflamatória sistêmica, com liberação de citoquinas e radicais livres de O2, levando a lesão direta dos tecidos ou alteração na microcirculação. Além disso, a duração da CEC, da anoxia miocárdica, do grau de hipotermia, a duração do esfriamento e do aquecimento, a estratégia de manipulação do pH e o valor do hematócrito, podem contribuir também para a hipoperfusão durante a CEC[27].

Apesar de ser inespecífico, o aumento ou a mudança dos níveis de lactato durante a CEC pode ser marcador de hipoperfusão regional ou de aumento da demanda metabólica. Os órgãos que mais frequentemente produzem lactato incluem o cérebro, intestinos, fígado, rins e músculos esqueléticos[28,29]. A acidose láctica resulta da hipoperfusão tecidual, do efeito de certas drogas, ou de defeitos inatos do metabolismo dos carboidratos. A oferta de O2 é determinada pelo débito cardíaco e pelo conteúdo arterial de O2. A anemia e a hipoxemia diminuem o conteúdo arterial de O2, mas a sua oferta aos tecidos tende a ser mantida por mecanismos compensatórios que elevam o débito cardíaco.

Quando ocorre acidose láctica associada a esses fatores, provavelmente existe comprometimento cardiovascular concomitante. A elevação do lactato sérico à admissão na terapia intensiva foi proposta como um marcador potencial de má evolução no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica. Nessa população, a elevação do lactato deve ser motivo de investigação das condições que levaram à hipoperfusão tecidual. De maneira geral, incluem a adaptação do aparelho cardiovascular e respiratório às mudanças da volemia no pós-operatório, aos efeitos da CEC sobre o organismo e à presença de defeitos residuais[27].

Nesse estudo retrospectivo, com pacientes em pós-operatório de cirurgia para correção de transposição de grandes vasos pela operação de Jatene, é possível concluir que o lactato sérico mostrou-se um marcador de mortalidade e morbidade. Também, que houve um aumento nos seus valores no pós-operatório imediato, retornando aos níveis próximos aos do pré-operatório em 24 horas. Os pacientes que foram a óbito apresentaram níveis de lactato mais altos a partir do pós-operatório imediato, e assim o mantiveram até o final do 1º dia de pós-operatório. O lactato sérico da 3a hora foi o que melhor discriminou a mortalidade. Existe associação entre a síndrome de baixo débito e o risco aumentado de óbito.


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Article receive on quarta-feira, 14 de abril de 2010

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