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ARTIGO ORIGINAL

Perfil clínico-cirúrgico de pacientes operados por ruptura do septo interventricular pós-infarto do miocárdio

Michel Pompeu Barros de Oliveira SáI; Marcus Villander Barros de Oliveira SáII; Caio Henrique BarbosaII; Niedjon Peixoto de Carvalho SilvaIII; Rodrigo Renda de EscobarIV; Fábio Gonçalves de RuedaV; Frederico Pires Vasconcelos SilvaVI; Ricardo de Carvalho LimaVII

DOI: 10.1590/S0102-76382010000300010

INTRODUÇÃO

A ruptura de septo interventricular após infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma complicação mecânica associada a altas taxas de mortalidade[1-3]. O uso de agentes trombolíticos parece ter reduzido a incidência de 1% a 2% na era pré-trombolítica para 0,2%[1,2,4]. Esta complicação ocorre mais frequentemente na primeira semana do IAM, tipicamente de três a cinco dias após o início dos sintomas isquêmicos[1,4,5]. Os desfechos relacionados à ruptura do septo interventricular na era pré-trombolítica eram ruins, com taxas de mortalidade intra-hospitalar de aproximadamente 45% em pacientes tratados cirurgicamente e 90% em pacientes tratados clinicamente[1-3].

Apesar da evolução no tratamento rápido e eficaz na era da reperfusão coronariana (com trombólise química ou mecânica), dados dos trials SHOCK[6] e GUSTO-I[7] demonstraram que a mortalidade desta complicação permaneceu alta, com taxas de 87% e 73,8%, respectivamente[6,7].

O Complexo Hospitalar do Hospital Universitário Osvaldo Cruz/Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco (HUOC/PROCAPE), localizado no campus da Universidade de Pernambuco (UPE), é um hospital-escola referência em Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular e abrange atendimento à região metropolitana do Recife, municípios do interior do estado de Pernambuco e até mesmo de estados vizinhos. O complexo tem uma grande demanda de cirurgias cardíacas/mês e ainda não se conhece o perfil clínico-cirúrgico e desfechos de pacientes operados por ruptura do septo interventricular após infarto agudo do miocárdio na instituição.

Levando em consideração estes aspectos, os autores apresentam neste trabalho um grupo de pacientes operados consecutivamente, no centro supracitado, com ruptura do septo interventricular pós-IAM, estudando suas características clínicas pré-operatórias, complicações associadas e desfechos no período intra-hospitalar.


MÉTODOS

Foram estudados, retrospectivamente, pacientes operados na Divisão de Cirurgia Cardiovascular do Complexo Hospitalar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz/Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco - HUOC/PROCAPE, no período de janeiro de 1996 a junho de 2009, que desenvolveram ruptura do septo interventricular pós-IAM. A coleta de dados feita a partir dos registros de prontuários do hospital.

Foram revistos os casos operados com diagnóstico de comunicação interventricular (CIV) pós-IAM: pacientes que apresentavam sopro cardíaco de aparecimento recente na vigência de infarto do miocárdio (atual ou recente), com ecocardiograma transtorácico e/ou cateterismo cardíaco que evidenciasse a presença de shunt interventricular.

Foram avaliadas as seguintes variáveis independentes: idade, sexo, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, tabagismo, dislipidemia, obesidade com índice de massa corpórea maior ou igual a 30kg/m2, doença arterial coronariana prévia, doença renal prévia (em programa de hemodiálise ou não), acidente vascular cerebral prévio, doença vascular periférica prévia, pontuação no EuroSCORE[8], tipo de infarto (com supradesnivelamento do segmento ST ou não no eletrocardiograma - ECG), delta-T de chegada na admissão (<12 horas ou >12 horas) topografia do infarto (localizando a parede por meio de ECG), tipo de tratamento recebido na admissão (conservador - sem terapia de reperfusão, trombólise química ou intervenção coronariana percutânea primária - ICP), lesões coronarianas (por meio de cateterismo cardíaco), localização do shunt (septo anterior, posterior ou apical, por meio de ecocardiograma transtorácico), quantidade de shunts (singular ou múltiplos), função ventricular (pela fração de ejeção ao ecocardiograma transtorácico), tempo de aparecimento da CIV (tempo transcorrido entre o início dos sintomas de isquemia miocárdica até a identificação da complicação mecânica), complicações e estados associados (choque cardiogênico, acidente vascular cerebral, insuficiência renal aguda com necessidade de diálise, insuficiência respiratória, edema agudo de pulmão, trombose venosa profunda, infecções quaisquer, arritmias), necessidade de drogas vasoativas no pré-operatório, uso de balão intra-ártico (BIA), tempo entre diagnóstico e cirurgia (em dias), estado hemodinâmico quando da chegada à cirurgia (estável ou instável), cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) concomitante à correção da CIV. A variável dependente foi o desfecho (alta hospitalar ou óbito).

Para análise dos dados foram obtidas distribuições absolutas, percentuais e as medidas estatísticas: média, desvio padrão e coeficiente de variação (técnicas de estatística descritiva). Foram utilizados os seguintes testes: exato de Fisher (desde que as condições para utilização do teste qui-quadrado não fossem verificadas) e t-Student com variâncias iguais ou desiguais. Ressalta-se que a verificação da hipótese de igualdade de variâncias foi realizada por meio do teste F de Levene. O nível de significância utilizado na decisão dos testes estatísticos foi de 5,0%. Os dados foram digitados na planilha Excel e o software estatístico utilizado para a obtenção dos cálculos estatísticos foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) na versão 15.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar do Hospital Universitário Osvaldo Cruz/Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco (CEP/HUOC/PROCAPE), parecer nº 095/2009.


RESULTADOS

Foram encontrados 21 casos operados por ruptura do septo interventricular pós-IAM no período estudado. A idade média dos pacientes foi de 62,81 anos (desvio-padrão ± 8,21 anos), variando de 49 a 82 anos, sendo 61,9% (n=13) do sexo masculino e 38,1% (n=8) do sexo feminino.

Na avaliação das características clínicas (Tabela 1), observou-se presença de: 52,4% (n=11) hipertensos, 33,3% (n=7) diabéticos, 52,4% (n=11) tabagistas, 19% (n=4) com dislipidemia, 14,3% (n=3) obesos, 14,3% (n=3) com doença coronariana prévia, 9,5% (n=2) portadores de doença renal prévia, 4,8% (n=1) com acidente vascular cerebral prévio e nenhum paciente com doença vascular periférica.




Na avaliação do evento agudo do infarto (Tabela 2), identificou-se que 81% (n=17) dos pacientes foram vítimas de IAM com supradesnivelamento do segmento ST, sendo que 66,7% (14) tiveram um delta-T de chegada >12 horas. Quanto às paredes atingidas pelo IAM, tivemos que 42,9% (n=9) dos casos foram de parede inferior (supradesnivelamento do segmento ST nas derivações D2, D3 e a VF no ECG), 33,3% (n=7) de parede anterior extenso (supradesnivelamento do segmento ST nas derivações V1 a V6 com ou sem alteração de DI e a VL no ECG) e 23,8% (n=5) de parede ântero-septal (supradesnivelamento do segmento ST nas derivações V1 a V4 no ECG), totalizando 57,1% (n=12) de acometimento da parede anterior. Quanto ao tratamento na admissão, observamos que 66,7% (n=14) receberam tratamento conservador (nenhum tratamento de reperfusão), 33,3% (n=7) receberam trombólise química e nenhum paciente realizou intervenção coronariana percutânea primária.




Na avaliação das lesões coronárias (Tabela 3) por meio do cateterismo cardíaco, observamos as seguintes frequências: nenhuma lesão em tronco de artéria coronária esquerda, 66,7% (n=14) na artéria descendente anterior (sendo que havia 12 casos destes com oclusão total), 19% (n=4) no ramo circunflexo, 52,4% (n=11) na artéria coronária direita (sendo que havia cinco casos destes com oclusão total), 4,8% (n=1) nos ramos diagonais, nenhuma lesão em ramos marginais, 4,8% (n=1) na artéria descendente posterior e nenhuma lesão em ramo ventricular posterior. Quanto ao número de lesões coronarianas, identificamos 66,7% (n=14) uniarteriais, 23,8% (n=5) biarteriais e 9,5% (n=2) triartieriais.




Quanto à ruptura do septo interventricular, observamos que o evento ocorreu, em média, de 4,8 dias (desvio-padrão ±6,6 dias) após o IAM. A maioria dos pacientes (61,9%; n=13) apresentou a ruptura dentro dos primeiros 2 dias do IAM. No que diz respeito ao local do shunt, 33,3% (n=7) foram em septo anterior, 33,3% (n=7) em septo posterior e 33,3% (n=7) em septo apical, sendo que em 95,2% (n=20) a quantidade de shunts foi singular e, em 4,8% (n=1), múltipla.

Na análise das complicações associadas (Tabela 4), observaram-se as seguintes frequências: 57,1% (n=12) choque cardiogênico, 0% (n=0) acidente vascular cerebral, 9,5% (n=2) insuficiência renal aguda com necessidade de diálise, 9,5% (n=2) insuficiência respiratória, 4,8% (n=1) edema agudo de pulmão, 0% (n=0) trombose venosa profunda, 9,5% (n=2) infecções quaisquer e 9,5% (n=2) arritmias. A complicação choque cardiogênico apresentou-se como fator de risco para desfecho adverso (Tabela 5), com taxa de óbito de 100% nos portadores de choque cardiogênico versus 22,2% nos não-portadores de choque cardiogênico (P<0,001).






Na avaliação da função ventricular esquerda, observou-se média da fração de ejeção de 50,6% (desvio-padrão ±12,3%). Pacientes sobreviventes à cirurgia tiveram média de fração de ejeção maior em comparação aos pacientes que foram a óbito (Tabela 6), sendo esta diferença estatisticamente significativa (sobreviventes: 66,29%±4,61% versus óbitos: 42,71%±4,79%; P<0,001).




O tempo médio entre diagnóstico e intervenção cirúrgica foi de 7,8 dias (desvio padrão ±6,4 dias). Pacientes sobreviventes à cirurgia tiveram média de tempo entre diagnóstico e cirurgia maior em comparação aos pacientes que foram a óbito (Tabela 6), sendo esta diferença estatisticamente significativa (sobreviventes: 11,86 ± 8,07 dias versus óbitos: 5,79 ± 4,42 dias; P=0,036).

Todos os pacientes do estudo foram classificados como de alto risco cirúrgico levando em consideração o EuroSCORE (pontuação > 6), sendo a média de pontuação igual a 9,5 pontos (desvio-padrão ±2,8). Pacientes sobreviventes à cirurgia tiveram média de pontuação no EuroSCORE menor em comparação aos pacientes que foram a óbito (Tabela 6), sendo esta diferença estatisticamente significativa (sobreviventes 6,57±0,53 pontos versus óbitos 10,93±2,23 pontos; P<0,001).

Quanto à condição clínica antes da entrada na sala de cirurgia, 76,2% (n=16) tiveram necessidade de uso de drogas vasoativas, 23,8% (n=5) utilizaram BIA e 57,1% (n=12) foram considerados instáveis hemodinamicamente (Tabela 7). A necessidade de drogas vasoativas no pré-operatório se apresentou como fator de risco para o desfecho óbito (Tabela 8); taxa de 81,3% no grupo com drogas vasoativas versus 20% no grupo sem drogas vasoativas, P=0,025). Observou-se que a variável instabilidade hemodinâmica também foi fator de risco para desfecho adverso (Tabela 8; taxa de óbito de 100% no grupo instável hemodinamicamente versus 22,2% no grupo estável hemodinamicamente, P<0,001).






Não foi procedida em nenhum paciente CRM concomitante à correção da CIV.

Foi observada alta taxa de mortalidade intra-hospitalar (66,7%; n=14), com apenas 33,3% (n=7) de sobreviventes (Tabela 7).


DISCUSSÃO

A média de idade apresentada pelos pacientes neste estudo (62,81 anos) parece não ser consistente com os estudos SHOCK[6] e GUSTO-I[7], sendo os pacientes destes últimos mais velhos (média de 72 e 71,8 anos respectivamente). A faixa etária de nossos pacientes se assemelha mais aos estudos da era pré-trombolítica[9-11]. A maioria de nossos pacientes eram homens (61,9%; n=13), fato que está de acordo com outros estudos, entretanto, em contraste com os estudos SHOCK[6] e GUSTO-I[7], nos quais houve predominância do sexo feminino. O tempo médio entre início do IAM até a ruptura do septo interventricular foi de 4,8 dias neste estudo e mais da metade dos pacientes desenvolveu esta complicação dentro dos primeiros 2 dias. Esta observação pode indicar que a ruptura pode ocorrer mais cedo do que é indicado nos estudos da era pré-trombolítica[1,5,12-14]. Embora a terapia trombolítica reduza a extensão do infarto, a reperfusão pode promover hemorragia e dissecção miocárdica, acelerando o risco de ruptura[15]. O diagnóstico precoce desta complicação reflete o acesso rápido à ecocardiografia no Complexo Hospitalar HUOC/PROCAPE, uma vez que é hospital terciário especializado em Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular.

Assim como demonstrado em outros estudos, este evidenciou predominância de doença arterial coronariana uniarterial (66,7%; n=14), com oclusão total da artéria culpada pelo infarto em mais da metade dos pacientes. É descrito que a doença coronariana limitada, representada por lesões não extensas e pontuais, leva à circulação colateral pouco desenvolvida, o que deixa a parede atingida pelo evento agudo sem qualquer proteção, tornando-a mais suscetível a ruptura[7,16-18].

Tem sido descrito que infartos de parede anterior são mais propensos a complicar com ruptura do septo interventricular em comparação com os infartos de parede inferior[5,14,19]. Neste estudo, confirma-se discreta predominância de infartos de parede anterior (57,1%; n=12) em comparação a infartos de parede inferior em pacientes que complicaram com ruptura do septo interventricular após IAM.

Apesar de serem admitidos em hospital terciário especializado, nenhum dos pacientes recebeu terapia de reperfusão com ICP primária. Este fato ocorreu devido à maioria dos pacientes (66,7%; n=14) ter chegado após 12 horas dos sintomas e/ou não tinham indicação de terapia de reperfusão (por apresentarem IAM sem supradesnivelamento do segmento ST). Dentre os que chegaram com menos de 12 horas do início dos sintomas, todos apresentavam IAM com supradesnivelamento do segmento ST, recebendo terapia de reperfusão com trombolíticos. Cabe aqui um breve comentário sobre a relação entre trombolíticos e desenvolvimento de ruptura do septo interventricular pós-IAM.

Westaby et al. [21], estudando 29 pacientes que desenvolveram ruptura do septo interventricular pós-IAM (dos quais 26 foram operados), demonstraram que a média de intervalo entre o início dos sintomas de isquemia miocárdica aguda e o desenvolvimento da ruptura septal foi de 24 horas para aqueles tratados com trombolíticos (todos com estreptoquinase) e 6 dias para aqueles que receberam tratamento conservador. Neste mesmo estudo, a observação macroscópica do miocárdio infartado mostrou feixes musculares dissecados por sangue não-coagulável devido ao tratamento trombolítico, juntamente com as características histológicas da lesão de reperfusão. Os autores concluíram que a trombólise precoce levou ao colapso do septo interventricular após infarto agudo do miocárdio.

Mais da metade dos pacientes evoluiu em choque cardiogênico e pouco mais de três quartos receberam suporte inotrópico com drogas vasoativas, o que denota que nossa casuística era composta de pacientes mais graves em comparação a outros estudos[7,15,19], nos quais apenas um terço dos pacientes evoluiu com choque cardiogênico e até dois terços necessitaram de drogas vasoativas. A simples necessidade de suporte inotrópico com drogas vasoativas foi associada a maior risco para desfecho adverso (Tabela 8; taxa de óbito de 81,3% no grupo com drogas vasoativas versus 20% no grupo sem drogas vasoativas, P=0,025). Não se deve objetivar que as drogas vasoativas são causa de aumento de mortalidade, havendo certamente um fator de confusão relacionado à estabilidade hemodinâmica destes pacientes. Quem necessita de suporte inotrópico com drogas vasoativas? Resposta: os pacientes hemodinamicamente instáveis. Esta sim (a instabilidade hemodinâmica) é a verdadeira causa do aumento de mortalidade. Basta observar (Tabela 8) que houve taxa de óbito de 100% no grupo instável hemodinamicamente versus 22,2% no grupo estável hemodinamicamente, sendo esta diferença estatisticamente significativa (P<0,001).

Curioso notar que, a despeito da maior gravidade dos pacientes na presente série em comparação com estes mesmos estudos[7,15,19], sendo nestes últimos utilizado o BIA em cerca de metade dos pacientes, este foi utilizado em menos de um quarto dos pacientes em nosso estudo. Este fato se deveu, provavelmente, à aquisição recente do BIA no serviço, não estando disponível para uso antes de 2008. Embora não haja estudos definitivos que demonstrem que o BIA melhora a sobrevida neste grupo específico de pacientes, é amplamente aceito que seu uso é favorável no tratamento da ruptura do septo interventricular pós-IAM[15]. O BIA diminui a pós-carga ventricular esquerda, diminui o fluxo do shunt esquerda-direita e melhora a perfusão coronariana, de maneira que estabiliza e melhora as condições clínicas e hemodinâmicas[15] antes da intervenção cirúrgica.

Semelhante a outros autores[15], observou-se no presente estudo que pacientes sobreviventes à cirurgia foram operados, em média, mais tardiamente em comparação àqueles com desfecho adverso, sendo esta diferença estatisticamente significativa (tempo entre diagnóstico e cirurgia de sobreviventes: 11,86±8,07 dias versus óbitos: 5,79±4,42 dias; P=0,036). Devemos ponderar um pouco quanto a esta observação. O miocárdio necrótico frágil é uma grande preocupação quando é decidido pela cirurgia precoce. Do ponto de vista técnico, o melhor momento para realizar a cirurgia é após a cicatrização fibrótica do músculo necrótico, quando este se torna menos friável, suportando melhor a tensão das suturas.[15]. No entanto, em um estudo histológico[20], foi demonstrado que a proliferação de tecido conjuntivo não esteve presente até a terceira semana após o infarto. Além disso, em uma grande proporção de pacientes não é possível adiar a cirurgia porque estes desenvolvem insuficiência cardíaca grave, choque cardiogênico e disfunção de múltiplos órgãos[15].

Basta observar que, em nossa casuística, evolução para choque cardiogênico apresentou-se como fator de risco para desfecho adverso, resultando em taxa de mortalidade de 100% contra apenas 22,2% nos não-portadores de choque cardiogênico (P<0,001), um resultado similar aos achados de outros trabalhos[19]. A deterioração hemodinâmica antes da intervenção cirúrgica e evolução para choque cardiogênico são conhecidas como fortes preditores de mortalidade precoce [7,19]. Em tese, uma medida lógica de se adquirir melhores desfechos seria operar os pacientes imediatamente após o estabelecimento do diagnóstico, antes que a deterioração hemodinâmica apareça[15].

David et al.[22] demonstraram que a diminuição da função ventricular esquerda foi preditora de mortalidade precoce. Confirmando esta observação anterior, observou-se em nossa casuística que pacientes com desfechos adversos apresentaram média da função ventricular esquerda (mensurada pela fração de ejeção) menor em comparação aos sobreviventes (Tabela 6), sendo esta diferença estatisticamente significativa (sobreviventes: 66,29%±4,61% versus óbitos: 42,71%±4,79%; P<0,001).

Todos os pacientes do estudo foram classificados como de alto risco cirúrgico levando em consideração o EuroSCORE (pontuação > 6). Este fato já era esperado, levando em consideração que só o fato de o paciente ter uma CIV pós-IAM já registrava 4 pontos no escore. Foi observado que pacientes com desfecho adverso tiveram média de pontuação maior (diferença estatisticamente significativa) em comparação aos pacientes que evoluíram satisfatoriamente (sobreviventes: 6,57±0,53 versus óbitos: 10,93±2,23; P<0,001; Tabela 6). Outros estudos brasileiros[23,24] validaram este sistema em cirurgia de revascularização miocárdica e cirurgia cardíaca valvar como um preditor satisfatório de mortalidade operatória, sendo o risco cirúrgico mais alto tanto quanto maior for a pontuação no escore.

Em nenhum paciente de nossa casuística foi procedida CRM concomitante à correção da CIV. Isso provavelmente se deveu à observância do elevado risco cirúrgico ao qual os pacientes estavam sujeitos, sendo considerada a adição de CRM à correção da CIV (com aumento do tempo cirúrgico, aumento do tempo de circulação extracorpórea, com más condições hemodinâmicas dos pacientes em geral quando da entrada na sala de cirurgia) como fator adicional de aumento de mortalidade operatória. A necessidade de CRM concomitante é uma questão polêmica. Algumas séries indicam que a revascularização concomitante pode melhorar a sobrevida tardia[25,26], enquanto outros não conseguiram demonstrar qualquer benefício definitivo da cirurgia de revascularização concomitante[27,28].

Observamos alta taxa de mortalidade intra-hospitalar (66,7%; n=14). Esta taxa foi ainda mais alta do que a observada no GUSTO-I (53%), entretanto, devemos lembrar que nossos pacientes eram mais graves que os pacientes deste último, uma vez que nossa casuística apresentou maior percentual de pacientes instáveis hemodinamicamente, com maior necessidade de drogas vasoativas e com maior evolução para choque cardiogênico antes da intervenção cirúrgica.


LIMITAÇÕES

O número de pacientes desta casuística é pequeno e, apesar de vários resultados terem apresentado significância estatística, as interpretações devem levar em consideração este aspecto. O presente estudo captou para análise apenas os pacientes que chegaram a ser submetidos ao procedimento cirúrgico, havendo perda dos pacientes que não chegaram a ser operados por terem morrido antes mesmo que a intervenção cirúrgica fosse realizada. Apesar de não terem sido observados resultados positivos relativos ao BIA, os autores não ousam inferir que o mesmo não traga benefícios a este grupo de pacientes, tendo em vista que só foi utilizado em menos de um quarto dos indivíduos em nosso estudo, fato que se deveu, provavelmente, à aquisição recente desta tecnologia no serviço, não estando disponível para uso antes de 2008.

Outro aspecto que se deve ser assinalado é relativo à definição de duas variáveis que apresentaram associação estatisticamente significativa no estudo: estabilidade hemodinâmica e choque cardiogênico. Como este estudo é baseado em revisão de prontuários, os autores não sabem de fato quais critérios os profissionais que assistiam aos pacientes utilizaram para definir a estabilidade hemodinâmica dos mesmos ou a presença de choque cardiogênico, de maneira que, no momento da coleta dos dados, não havia como saber quais critérios eram estes e se foram homogêneos em relação à definição, um defeito próprio de estudos que se utilizam de dados secundários. Os autores se basearam na presença das expressões "hemodinamicamente estável", "hemodinamicamente instável" e "choque cardiogênico" registrado nos prontuários.


CONCLUSÃO

Traçamos o seguinte perfil clínico-cirúrgico da ruptura do septo interventricular pós-IAM em nossa casuística:

1. A maioria dos pacientes apresenta doença coronariana uniarterial;

2. Há leve predominância de acometimento da parede anterior no evento agudo;

3. Os seguintes fatores se associaram com maiores taxas de mortalidade: necessidade de drogas vasoativas no período pré-operatório, instabilidade hemodinâmica e choque cardiogênico;

4. Pacientes que evoluem com desfecho adverso apresentam menor função ventricular esquerda (com menores frações de ejeção) e maior pontuação no EuroSCORE;

5. Pacientes operados para correção desta afecção apresentaram alta taxa de mortalidade.


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Article receive on domingo, 28 de março de 2010

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