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EDITORIAL

Comitê de ética em pesquisas: Necessidade obrigatória. Obrigatoriedade necessária

Michel Pompeu Barros de Oliveira SáI; Ricardo de Carvalho LimaII

DOI: 10.1590/S0102-76382010000300002

A publicação de trabalho científico é o estágio final de toda a pesquisa. Pesquisa realizada e não publicada não é divulgada e, portanto, não se torna disponível para a comunidade científica ou população leiga e é igual à pesquisa não realizada[1], não produzindo benefícios em prol das pessoas. Portanto, a publicação é o objetivo final do pesquisador. Objetivo tal possui caráter científico.

Entretanto, até chegar-se à publicação, o pesquisador deve ser submisso a normas rígidas de conduta, no intuito de proteger o sujeito da pesquisa, a instituição de pesquisa e, até mesmo, o próprio pesquisador. Pois então, se o objetivo final do pesquisador tem caráter científico, o caminho que este deve trilhar deve ter caráter ético. O mesmo vale para os editores de periódicos científicos que almejam não só comprometer-se com a qualidade científica de suas publicações, mas também com a valorização dos preceitos éticos.

Neste ínterim, evoca-se a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)[2], que define como pesquisa envolvendo seres humanos a que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais. É importante ressaltar que, para todo e qualquer tipo de pesquisa a ser realizada, após o desenho do estudo, deve ser feito o encaminhamento do protocolo de pesquisa para o Comitê de Ética em Pesquisas (CEP) da instituição e, apenas após aprovação do protocolo é que o estudo pode ser realizado. Isto é válido não só para pesquisa direta com seres humanos (ainda que envolvam somente aplicação de questionários), mas também para pesquisa experimental, revisões de prontuários, análises retrospectivas, análises anatomopatológicas, levantamentos genéticos, levantamentos sociais e levantamentos epidemiológicos em geral.

Entretanto, as evidências indicam que essas exigências nem sempre são cumpridas nas publicações[3]. Aparentemente, alguns pesquisadores não têm bem clara a ideia da necessidade de apreciação por CEP no caso de pesquisas que envolvem seres humanos de forma indireta (entenda-se aqui revisões de prontuários, análises retrospectivas) ou até mesmo diretas (relatos de casos ou aplicação simples de questionários)[3]. Da mesma forma, as exigências legais que assegurem a confidencialidade de dados pessoais podem passar despercebidas[3].

A maior parte das pesquisas epidemiológicas observacionais baseia-se em dados já existentes, em geral obtidos por meio de revisão retrospectiva de prontuários médicos. Nesse caso, há um consenso equivocado de que os pesquisadores devem apenas assegurar a confidencialidade dos dados pessoais, não havendo necessidade de apreciação por CEP[3].

As sociedades científicas e revistas locais geralmente alertam o pesquisador sobre a necessidade de submeter o trabalho ao CEP, mas algumas vezes a monitoração do cumprimento dos requisitos é negligenciada. Exemplo disso são os casos de resumos que são apresentados em encontros científicos em categorias conhecidas como temas livres, nos quais não há qualquer obrigatoriedade de comprovação de apreciação por um CEP. Os editores e as organizações científicas devem sanar esse problema, exigindo adesão aos padrões éticos nacionais e internacionais dos estudos que os autores enviam para avaliação e publicação, seja em periódicos ou eventos científicos, independente do tipo de estudo realizado[3,4].

Outro aspecto que deve ser abordado aqui é o fato de que pesquisadores (e editores de periódicos) são geralmente mais entusiasmados com a publicação de estudos que mostram um grande efeito, quer de um novo tratamento (resultados positivos) ou equivalência das duas abordagens para o tratamento (estudos de não-inferioridade). Também são tipicamente menos animados com os ensaios que mostram que um novo tratamento é inferior ao tratamento padrão (resultados negativos) e ainda menos interessados em ensaios que não são claramente positivos, nem claramente negativos. Isso gera uma espécie de "consciência seletiva" em favor de trabalhos com resultados positivos. Entretanto, se todos os estudos de intervenção estiverem registrados em um registro público no início de sua execução, vários intervenientes nas pesquisas podem explorar toda a gama de evidências clínicas. Nasce, então, em 2004, a proposta do Comitê Internacional de Editores de Periódicos Médicos (International Committee of Medical Journal Editors) sobre a obrigatoriedade de um registro de ensaios clínicos em bases de dados acessíveis a todos, de maneira a evitar o problema da "consciência seletiva" [5]. Uma opção já bastante difundida é o registro no ClinicalTrials.gov, patrocinado pelo National Library of Medicine dos Estados Unidos. Vários periódicos já impõem esta condição para publicação de artigos oriundos de estudos de intervenção.

Dirigindo-se diretamente aos profissionais médicos, é imperioso citar o Artigo 100o do Capítulo XII do Código de Ética Médica, referente ao item Ensino e Pesquisa Médica [6]: "É vedado ao médico deixar de obter aprovação de protocolo para a realização de pesquisa em seres humanos, de acordo com a legislação vigente". Ora, se a legislação vigente quanto à execução de pesquisas no Brasil é regida pela Resolução 196/96 do CNS e esta reza que para todo e qualquer tipo de pesquisa a ser realizada deve ser feito o encaminhamento do protocolo de pesquisa para o Comitê de Ética em Pesquisas da instituição, não fazê-lo não só é antiético sob o prisma ético-científico, mas também do ponto de vista ético-profissional, de maneira que o médico que não segue este axioma torna-se faltoso com a ética em dobro.

Este editorial tem a finalidade e a responsabilidade de esclarecer sobre temas importantes relacionados à ética em pesquisas e publicações científicas, informando aos leitores que os editores da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular têm respeitado todas essas regras. Nas normas de publicação da RBCCV, há instruções claras relacionadas à obediência a preceitos éticos na condução de pesquisas envolvendo seres humanos (e animais), bem como à aprovação dos projetos pelos Comitês de Ética em Pesquisas, devendo vir, obrigatoriamente, acompanhados por uma Carta de Submissão, explicitando presença ou não de conflito de interesse e a inexistência de problema ético relacionado [7].

Este aspecto (a obrigatoriedade de comprovação de parecer positivo por parte de um CEP) também faz parte do desenvolvimento da RBCCV enquanto revista científica emergente no cenário de indexação no Thomson Scientific (a principal base de indexação no mundo), posição a qual não só o Corpo Editorial, mas também os autores que publicam aqui têm o dever de zelar, no sentido de dar continuidade ao destaque (científico, não prescindindo do componente ético) no âmbito internacional.


REFERÊNCIAS

1. Muccioli C. O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e as publicações científicas. Arq Bras Oftalmol. 2004;67:195-6.

2. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm

3. Borracci RA, Calderón G, Seoane MR, Perez AC, Doval HC. Revisão ética e termo de consentimento livre e esclarecido nas publicações de pesquisas cardiovasculares na Argentina. Arq Bras Cardiol. 2008;90(5):317-21.

4. Block MI, Khitin LM, Sade RM. Ethical process in human research published in thoracic surgery journals. Ann Thorac Surg. 2006;82(1):6-11. [MedLine]

5. De Angelis C, Drazen JM, Frizelle FA, Haug C, HoeyJ, Horton R, et al; International Committee of Medical Journal Editors. Clinical trial registration: a statement from the International Committee of Medical Journal Editors. N Engl J Med. 2004;351(12):1250-1. [MedLine]

6. Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/index.asp

7. Braile DM. Ao MCT/ CNPq / MEC/ CAPES Programa de Editoração e Publicação de Periódicos Científicos Brasileiros. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(4):590-2. [MedLine] Visualizar artigo

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