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RELATO DE CASO

A cirurgia cardiovascular no Brasil: realizações e possibilidades

Euríclides de Jesus Zerbini; A. de Carvalho Azevedo; Cid Nogueira; Domingos Junqueira de Moraes; Hugo João Felipozzi; Delmont Bittencourt; Adib D Jatene; Jesse Teixeira

DOI: 10.1590/S0102-76382010000200024

Presidente: Euríclides de Jesus Zerbini.
Participantes: A. de Carvalho Azevedo (Guanabara), Cid Nogueira (Porto Alegre), Domingos Junqueira de Moraes (Guanabara), Hugo João Felipozzi (São Paulo), Delmont Bittencourt (São Paulo), Adib D. Jatene (São Paulo) & Jesse Teixeira (Guanabara).


EXPERIÊNCIA NA CIRURGIA CARDÍACA COM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA: ESTUDO DE UMA SÉRIE DE 1.000 CASOS OPERADOS
E. J. ZERBINI



A CIRURGIA CARDIOVASCULAR NO BRASIL

No período entre julho de 1958 e 14 de abril de 1963, um grupo de 1.000 pacientes foi submetido à cirurgia cardíaca com o emprego de circulação extracorpórea, sendo 680 no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e 320 no Instituto de Cardiologia do Estado de São Paulo. Nesse grupo não estão incluídos os aneurismas de aorta operados com perfusão parcial sem o uso do oxigenador.

As perfusões foram realizadas por meio de um conjunto coração-pulmão artificial, constituído por bomba oclusiva e oxigenador de discos do tipo Kay-Cross. A mortalidade total dessa série foi de 11,3%, tendo baixado de 25% na primeira centena de casos para 7% na última centena. Nos primeiros pacientes, observou-se mortalidade diretamente relacionada com o processo de perfusão, com as paradas cardíacas anóxicas prolongadas, observando-se vários casos de bloqueio aurículoventricular total. Essas complicações desapareceram progressivamente e a mortalidade passou a ter relação direta com a gravidade da patologia a ser corrida. Quando iniciamos as correções da tetralogia de Fallot e das lesões mitrais complicadas, a mortalidade elevou-se novamente. Com a experiência, houve redução das complicações nesses casos.

Nos quatro quadros seguintes estão reunidas as principais cardiopatias submetidas à correção, usando-se circulação extracorpórea.

Simpósio realizado durante o XIX Congresso Brasileiro de Cardiologia, em Salvador, Bahia, em 18-7-1963.


1. No primeiro grupo (Tabela 1) estão reunidas 274 cardiopatias congênitas acianóticas com fluxo artériovenoso; a mortalidade foi de 6,9%. Entre as comunicações interauriculares, sòmente no início da nossa experiência perdemos 2 casos (1,4%), sendo 1 no grupo de 112 lesões puras e 1 no grupo de 24 lesões associadas à drenagem anômala das velas pulmonares.

Entre 26 pacientes com atrioventricularis communis tivemos mortalidade de 15,3% , sendo mais elevada na forma total da deformidade, quando há uma comunicação interventricular associada. Na forma parcial, com fissura da válvula mitral ou tricúspide, ocorreu um óbito entre 19 pacientes operados.

Em um grupo de 102 comunicações interventriculares, observamos 12,7% de mortalidade, sendo de 24,4% no grupo de 45 casos com grande hipertensão pulmonar e apenas l,8%, no grupo de 55 casos com discreta hipertensão pulmonar. Em 2 casos de comunicação interventricular associada à lesão mitral congênita houve um óbito.

Nesse grupo estão também 3 casos de comunicação entre o ventrículo esquerdo e a aurícula direita; 2 casos de comunicação entre a aorta e o ventrículo direito; 1 caso de drenagem anômala das veias pulmonares direitas sem comunicação interauricular; 1 caso de ventrículo único; 2 casos de comunicações interauricular e interventricular associadas e 1 caso de fístula aórtica-pulmonar.




2. Na Tabela 2 estão estudadas 124 cardiopatias congênitas, acianótica com sobrecarga de resistência, sendo a mortalidade total de 5,6%.

No grupo de 71 estenoses pulmonares a mortalidade foi de 7%, sendo mais elevada nas estenoses infundibulares. Contamos 11 casos de estenose infundibular simples ou associada a outras lesões, com 3 óbitos que foram conseqüentes ao pinçamento da aorta sem drenagem da aurícula esquerda, realizada nos primeiros casos operados em 1958. Após a drenagem sistemática da aurícula esquerda nesses casos, a mortalidade desapareceu. Entre 60 estenoses pulmonares valvulares observamos 2 óbitos.

No grupo de 53 estenoses aórticas congênitas houve apenas 2 óbitos (3,7%), contando-se 34 estenoses valvulares, 12 subvalvulares, 4 valvulares e subvalvulares e 2 casos de associação de estenoses aórtica e Pulmonar.

Em 4 pacientes foi feita cardiotomia, não se encontrando lesão susceptível de correção cirúrgica.


3. Na Tabela 3 estão estudados 207 casos de cardiopatias congênitas cianóticas submetidas à circulação extracorpórea.

Em um grupo de 171 pacientes com síndrome do Fallot, tivemos 23,3% de mortalidade, observando se que essa mortalidade é mais elevada no grupo de pacientes com estenose pulmonar infundíibulovalvular associada à comunicação interventricular. Recentemente, graças à introdução de alguns detalhes na técnica da correção de estenose infundibular e no tratamento pós-operatório, temos tido melhores resultados nesse grupo de pacientes.

Quanto à chamada trilogia de Fallot, ou seja, associação de comunicação interauricular e estenose pulmonar, contamos 29 casos com 2 óbitos (6,8%).

Estão nesse grupo 25 casos de estenose pulmonar valvular e 4 casos de estenose infundíbulovalvular associada à comunicação interauricular.

Dois casos de transposição completa dos grandes vasos foram submetidos a operações paliativas. Em um dêles, encontrou-se um pequeno forame oval e extrema estenose pulmonar valvular; essa lesão foi parcialmente aliviada e o septo interauricular amplamente aberto; o paciente apresentou evolução satisfatória. O segundo paciente apresentava pequena comunicação interauricular e atresia da válvula mitral; a comunicação foi ampliada, mas êsse doente faleceu após a intervenção.






Em um caso de complexo de Eisenmenger, tentou-se fechar a comunicação interventricular, esperando-se que acianos e fôsse produzida pela dextroposição da aorta e não pela resistência pulmonar; êsse paciente, entretanto, faleceu pela insuficiência respiratória.

Outro paciente, portador de complexo de Taussig-Bing, foi submetido à cardiotomia, mas nenhuma correção foi possível. Contamos também 2 casos de drenagem anômala total das veias pulmonares.

No grupo das cardiopatias congênitas cianóticas, a mortalidade foi de 22,2%.


4. Na Tabela 4 estão reunidos 391 casos de cardiopatias adquiridas. Entre 351 lesões da válvula mitral tivemos a mortalidade geral de 8,8%, sendo de 7,2% na estenose mitral pura, 10,2% nas duplas lesões mitrais, 10,0%, nas insuficiências mitrais puras e 21,4% nas lesões mitrais associadas a comunicação interauricular.

Inicialmente, só realizávamos a operação com circulação extracorpórea nos casos de lesões mitrais complicadas, como nas reoperações, na presença de cálcio na válvula mitral, quando havia insuficiência mitral associada na presença de fibrilação auricular ou embolias prévias, que sugerissem trombose auricular esquerda, e também nas crianças, que podem ser portadoras de estenose mitral congênita. Atualmente, no grupo de estenoses puras não-complicadas, temos excelente resultado, sem complicações.

As lesões aórticas adquiridas são mais complexas que as congênitas, sendo que vários casos requereram a substituição da válvula pelos folhetos plásticos de Hufnagel. A mortalidade total nesse grupo foi de 30%.

Temos evitado as operações nas lesões multivalvulares. Apenas em 2 casos a correção foi realizada com bons resultados: um com estenose das válvulas mitral e aórtica e outro com dupla lesão das válvulas mitral e triscúspide.




Outras lesões menos frequentes estão enumeradas na tabela 4: observamos um mixoma da aurícula esquerda, 2 aneurismas do ventrículo esquerdo, um caso com estenose do óstio das artérias coronárias por ateromas e uma fístula traumática entre a aorta e a veia inominada.


Conclusões - A circulação extracorpórea constitui processo seguro para a correção de grande número de cardiopatias congênitas e adquiridas. Nessa série de 1.000 casos, a mortalidade total foi de 11,3%, sendo de 7% na última centena de casos. Essa mortalidade está relacionada com a complexidade da patologia a ser corrigida, sendo mínima nas cardiopatias menos complexas. A experiência tem permitido ampliar as indicações da cirurgia para o tratamento de lesões cada vez mais complexas, que até agora não podiam ser corrigidas.






INDICAÇÕES DO TRATAMENTO CIRÚRGICO NAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS CIANÓTICAS
A. DE CARVALHO AZEVEDO



Diante de uma cardiopatia congênita cianótica só não indicaremos a cirurgia em duas eventualidades: 1) quando ainda não houver uma técnica cirúrgica que possa beneficiar o paciente: estão nesse caso os portadores de tronco arterial comum, ventrículo único com grande circulação pulmonar e atresia aórtica; 2) quando a evolução ou o estágio a que chegou a doença já não mais permite o tratamento cirúrgico: nesse grupo temos as cardiopatias com comunicação anormal entre o setor arterial e venoso (aos níveis auricular, ventricular ou pulmonar), com grande hipertensão pulmonar e "shunt" venoarterial puro ou predominante.

Praticamente em todas as outras cardiopatias é hoje possível tratamento cirúrgico, quer paliativo, quer curativo. Vejamos algumas das importantes:

Transposição dos grandes vasos - Além da técnica de Baffes que, embora difícil, foi benéfica em alguns casos, foi recentemente proposto por Ochsner um processo paliativo, com a criação de ampla comunicação interauricular, usando a técnica de Blalock e Hanlon. Selecionaram pacientes, com intensa anoxemia, com ou sem insuficiência cardíaca. Entre 28 operados, a maioria com menos de 12 meses de vida, 82% sobreviveram à operação com nítida melhora.

Atresia tricúspide - Nos casos com circulação pulmonar diminuída, é possível cirurgia paliativa, quer pela criação de anastomose aortopulmonar, quer pela criação de anastomose cavapulmonar.

A cianose e a anoxemia podem também ser aliviadas em várias outras más formações complexas do coração, pela criação de anastomose aortapulmonar direta ou através de uma artéria subclávia. É fundamental, para que se indique anastomose desse tipo, que haja grande anoxemia com hipotensão pulmonar e existam artérias pulmonares. Nesse grupo poderemos citar: ventrículo único, levocardia, dextrocardia isolada, estenose pulmonar com comunicação interventricular associada à transposição corrigida dos grandes vasos.

Na trilogia de Fallot a indicação cirúrgica é formal, sendo possível correção completa.

Nas conexões anômalas dos grandes vasos com cianose, há também meios cirúrgicos de devolver o doente à normalidade.

Vejamos finalmente a tetralogia de Fallot, ou seja, aquele grupo de casos com estenose pulmonar, comunicação interventricular e cianose. Temos que analisá-lo em dois subgrupos: a) lactentes ou crianças abaixo de quatro anos; b) acima de quatro anos de idade.

No grupo a deve-se lançar mão de cirurgia paliativa e não da correção total com circulação extracorpórea. Essa indicação baseia-se sobretudo na alta mortalidade com a correção total, quer devido ao pequeno volume sanguíneo circulante, quer devido ao calibre diminuto dos vasos pulmonares e do ventrículo direito, quer, por fim, pela impossibilidade de o leito vascular pulmonar (sede de tromboses e recanalizações) suportar um fluxo sanguíneo normal.

Assim, ainda hoje, é mister que o cirurgião cardiovascular esteja afeito às técnicas de Blalock-Taussig e de Potts e seja capaz de realizá-las no lactente cianótico portador de tetralogia de Fallot. Revisões a longo prazo evidenciam que a cirurgia paliativa dos portadores dessa anomalia, pela técnica de Brock, de Potts ou de Blalock-Taussig, quando feita em doentes acima dos oito anos de idade, produz resultados duradouros, embora em pacientes mais jovens o benefício não seja permanente e deva se admitir neles a técnica paliativa como um verdadeiro primeiro tempo para posterior correção total.

No grupo b, cianóticos com tetralogia de Fallot acima de quatro anos de idade há indicação para correção total dos defeitos com circulação extracorpórea, a menos que lesões associadas ou quadros atípicos tomem preferível a cirurgia anastomótica. O estudo angiocardiográfico ou cine-angiocardiográfico é, nesse grupo de doentes, o método mais importante para confirmação do diagnóstico e indicação da cirurgia.






INDICAÇÃO DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS, ANTES DOS DOIS ANOS DE IDADE
CID NOGUEIRA



As cardiopatias congênitas constituem uma das principais causas de mortalidade na primeira infância. Um levantamento, praticado nos E.U.A. pelo Dep. of Health Education and Welfare, revelou que, naquela nação, morrem anualmente 7.000 crianças, vítimas de cardiopatias congênitas, antes de completar um ano de idade; 88% desses sucumbem durante os seis primeiros meses de vida. Keith e col. Relatam que no Hospital for Sick Children, em Toronto, as cardiopatias congênitas são a principal causa de mortalidade.

O desenvolvimento e o progresso da moderna cirurgia cardiovascular criaram novas perspectivas no tratamento dessas formações.

Algumas más formações cardíacas, como a atresia aórtica, são incompatíveis com a vida. Autópsias praticadas em várias séries de crianças, no entanto, revelam que as más formações cardíacas mais freqüentemente responsáveis pelo óbito são passíveis de tratamento cirúrgico paliativo ou curativo nessa idade, com razoável sucesso.

Diante dos comentários feitos, podemos afirmar que o tratamento cirúrgico das cardiopatias congênitas está indicado em pacientes de pequeno porte, com menos de dois anos de idade ou 10 kg de peso, sempre que as manifestações clínicas forem graves e incontroláveis pela hospitalização e tratamento clínico. Preferimos intervir, sempre que possível, depois que o paciente atingir mais idade e maior desenvolvimento físico.

Podemos agrupar os mecanismos fisiopatológicos pelos quais as más formações cardíacas produzem a morte em dois tipos principais: os que levam à insuficiência cardíaca e os que produzem anóxia.

A insuficiência cardíaca pode decorrer da dificuldade de esvaziamento de um dos ventrículos (sobrecarga sistólica das estenoses pulmonares e aórtica ou de uma coartação). O que mais frequentemente observamos, no entanto, como causa de insuficiência cardíaca incontrolável, é a presença de um grande "shunt" sistêmico-pulmonar, com grande aumento de fluxo na pequena circulação e insuficiência cardíaca de alto débito. Esse é o tipo de insuficiência cardíaca associada à comunicação interventricular e à persistência do canal arterial (PCA).

A anóxia severa, associada ou não às crises de cianose, é a outra complicação decorrente de más formações intracardíacas e que comumente produz a morte do paciente nos primeiros meses ou anos de vida. Os mecanismos fisiopatológicos pelos quais a anóxia (cianose) é produzida são:

a) A presença de "shunt" venoarterial intracardíaco (CIV ou CIA) em associação com uma circulação pulmonar de baixo fluxo, secundária à estenose ou atresia pulmonar. A tetralogia de Fallot é a má formação mais frequentemente observada como responsável por êsse tipo de distúrbio, hemodinâmico; constitui 75% dos casos de cardiopatias congênitas cianóticas.

b) A presença de circulação sistêmica e pulmonar independentes (transposição dos grandes vasos), sendo a vida somente possível em consequência da mistura do sangue arterial e venoso, que se realiza através de más formações septais associadas (CIV, CIA). A transposição dos grandes vasos é a cardiopatia congênita mais frequentemente responsável pela morte na infância. Keith observou que 86% desses pacientes sucumbem durante os seis primeiros meses de vida; 52% morrem antes de um mês de idade.


A análise dos resultados alcançados pela cirurgia e a comparação com os resultados obtidos nos pacientes não tratados cirurgicamente nos autoriza a continuar indicando operações paliativas (menor risco), e corretivas, com ou sem o uso de circulação extracorpórea, para os casos de cardiopatias congênitas sintomáticas, com quadro clínico grave cianose ou insuficiência, em pacientes que não atingiram ainda os dois anos de idade.

A circulação extracorpórea e a magnitude da cirurgia praticada para a correção completa das más formações intracardíacas elevam consideravelmente o risco desse tratamento, em pacientes de pequeno porte. Ilustramos o nosso comentário com o seguinte fato: Cooley e col. operaram 157 crianças portadoras de CIV, entre 2 e 9 anos de idade, com mortalidade de 5,7%. Os mesmos autores relatam mortalidade de 42%, em 31 pacientes portadores de CIV operados com um ano de idade ou menos.

Procuramos evitar, sempre que possível, o emprego da circulação extracorpórea em paciente de pequeno porte e indicamos de preferência operações curativas (ligadura do canal arterial, ressecção de coartação da aorta, valvulotomia pulmonar) ou operações paliativas (anastomose sistêmico-pulmonar, bandagem da artéria pulmonar, operação de Blalock-Hanlon e anastomose da veia casa superior com artéria pulmonar direita) que não requerem o uso de perfusão.

Nossa experiência no Serviço de Cirurgia Torácica e Cardiovascular da Fac. Med. Pôrto Alegre, com tratamento cirúrgico de cardiopatias congênitas, antes dos dois anos de idade, compreende 21 casos operados de janeiro de 1962 a abril de 1963. A cirurgia foi indicada sempre na vigência de insuficiência cardíaca incontrolável pelo tratamento clínico ou de anoxia severa, com ou sem crises de cianose.






PROBLEMAS DA HEMODILUIÇÃO EM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
DOMINGOS JUNQUEIRA MORAIS



A possibilidade de se realizar circulação extracorpórea com hemodiluição deliberada poderia teoricamente apresentar várias vantagens: seria evitada a incompatibilidade sanguínea, reduzido o tarumatismo do sangue e diminuída sua viscosidade. Todos esses fatores contribuiriam para tomar a perfusão mais simples e segura.

No Brasil, de nosso conhecimento, havia apenas o trabalho de Sérgio Paladino e col., demonstrando que a hemólise mecânica era reduzida pela diluição em plasma ou soluto fisiológico. Seguindo esse princípio, escolhemos como substâncias diluentes, inicialmente, plasma e Dextran, por serem as que mais se aproximavam das condições fisiológicas.

Verificamos experimentalmente, usando fluxos altos, que a diluição podia ser muito acentuada, reduzindo a taxa de hemoglobina para 3,5 a 4 g/100 ml, sem que se observassem sinais de hipoxia, e ao mesmo tempo obtivemos revidas definitivas em animais perfundidos até durante 4 horas.

A diluição com Dextron apresentou o inconveniente de determinar tendências para hemorragia. Entretanto, na clínica, usado em quantidades entre 300 e 500 g, mostrou-se satisfatório.

Nosso primeiro paciente operado, em junho de 1960, foi um caso de tetralogia de Fallot, perfundido durante 2 horas e 35 minutos. Nesse paciente, a hemoglobina baixou para 6 g/100 ml, o hematócrito para 25% e o pH manteve-se normal durante todo o período de perfusão; êsse paciente recuperou-se e encontra-se em ótimas condições. Posteriormente, passamos a usar o método em todos os nossos casos, fazendo modificações nas substâncias diluentes e procurando reduzir para 1.000 a 1.200 ml o líquido necessário para preencher o sistema bomba-oxigenador.

Usamos, como substâncias diluentes, plasma citrado, plasma conservado "Hemoderivate", em forma pura, ou de mistura com Dextran ou soluto glicosado.

Em 15 pacientes, usamos soluto de Ringer mais um frasco de soro albumina "Hemoderivate". Não verificamos diferenças agreciáveis nesses tipos de diluição.

Em 85 pacientes, foi êsse método usado para cirurgia de lesões congênitas e adquiridas, com mortalidade de 20,5%. Empregou-se normotermia com fluxo alto: 60 a 80 ml/kg/min em adultos e 100 a 120 ml/kg/min em crianças.

Nos últimos 8 meses estamos empregando o mesmo método com hipotermia moderada, fluxo reduzido e, preferìvelmente, soluto glicosado e solução de Ringer para preencher o sistema bomba-oxigenador, como recomendam Zudhi e col.

Empregamos fluxo de 35 a 40 ml/kg/min para adultos e 40 a 60 ml/kg/min para crianças, com hipotermia de 25 a 30º C. Por essa técnica, foram operados 46 pacientes, ocorrendo 8 óbitos, ou seja, 17% de mortalidade.

Julgamos que a hemodiluição com hipotermia moderada oferece mais vantagens: possibilita a redução do fluxo de perfusão, contribuindo para reduzir mais o traumatismo sangüíneo; torna o manejo da perfusão mais simples; dá maior segurança quando se faz parada cardíaca durante a cirurgia. Por outro lado, a hemodiluição, além das vantagens já enunciadas, baixando a viscosidade sanguínea, contribui para tomar o resfriamento e aquecimento mais rápidos e uniformes; assim evita ou reduz o fenômeno de empilhamento de hemácias, que é um dos inconvenientes da hipotermia e, provavelmente, aumenta o consumo de oxigênio do plasma, melhorando a perfusão dos órgãos vitais.

Assim, hemodiluição e hipotermia se completam como técnicas de fusão e são, no momento, o método de nossa preferência.






RESULTADOS IMEDIATOS E TARDIOS DA CORREÇÃO CIRÚRGICA DAS COMUNICAÇÕES VENTRICULARES
HUGO JOÃO FELIPOZZI



Nossa apresentação restringe-se à apreciação dos resultados imediatos e tardios da correção cirúrgica das comunicações ventriculares, praticada pela equipe do Instituto de Cardiologia Sabbado D'Angelo, no período de 1957 a abril de 1963.

Cinqüenta e seis pacientes portadores de defeitos do septo ventricular, isolados ou associados a outras más formações cardíacas, foram submetidos a 58 intervenções com o emprêgo da circulação extracorpórea (2 reoperações).

Dos 56 casos, 34 tinham lesões isoladas e 22 apresentavam uma ou mais associações anatômicas ou funcionais (Tabela 1).




Dos 22 portadores de lesões associadas, 8 tinham estenose pulmonar infundibular. O critério adotado para classificá-los entre as comunicações ventriculares foi a presença de saturação arterial normal. Os casos de comunicação ventricular com estenose pulmonar infundibular e insaturação arterial não estão incluídos nessa série, pois os consideramos como síndrome de Fallot. A idade dos pacientes variou entre 2 e 36 anos, tendo o grupo etário de 2 a 10 anos apresentado o maior número de casos (32).

Para indicação cirúrgica, todos os pacientes foram submetidos a exame clínico cardiológico completo, sendo realizado em 49 casos cateterismo cardíaco, com ou sem angiocardiografia seletiva.

Baseados nos estudos hemodinâmicos, os pacientes foram classificados em 4 grupos: A) Pressão na artéria pulmonar até 50% da sistêmica, com "shunt" esquerda-direita puro: 24 casos. B) Pressão na artéria pulmonar entre 50 e 85% da sistêmica, com "shunt" esquerda-direita puro: 7 casos. C ) Pressão na artéria pulmonar entre 85 e 100% da sistêmica, com "shunt" esquerda-direita predominante: 5 casos. D) Pressão na artéria pulmonar entre 85 e 100% da sistêmica, com "shunt" direita-esquerda predominante: 4 casos. Em 9 pacientes a artéria pulmonar não foi cateterizada, razão pela qual tais casos não foram incluídos na classificação.

Para correção dos defeitos intracardíacos, procuramos, sempre que possível, evitar a abertura do ventrículo. Daí ter sido a via transauricular utilizada em 34 casos, com secção da válvula tricúspide em 6. O acesso transventricular foi empregado 19 vezes. Em 3 casos, a abordagem foi combinada: auriculotomia mais ventriculotomia. Em um caso foi feita ventriculotomia mais arteriotomia pulmonar.

Em uma reoperação de defeito septal alto, utilizou-se a via transaórtica com parada cardíaca hipotérmica (gêlo sôbre o coração).

Na fase inicial de nossa experiência, utilizamos a cardioplegia induzida pelo citrato de potássio, logo abandonada pelos inconvenientes conhecidos. Posteriormente adotamos o pinçamento intermitente da aorta. Atualmente, preferimos corrigir as comunicações ventriculares com o coração parado, em hipotermia seletiva por meio de gelo sobre o coração.

Os defeitos septais ventriculares foram corrigidos, em sua maioria, com enxertos plásticos do teflon ou ivalon comprimido. Em apenas alguns foi feita sutura simples com pontos separados. Nas complicações intra e pós-operatórias, consideraremos inicialmente as mais graves, que conduziram a óbitos e, a seguir, complicações de menor monta.

Na série de 56 pacientes, submetidos a 58 intervenções, houve 10 óbitos, todos hospitalares, não tendo ocorrido nenhum óbito tardio. Quatro foram conseqüência de acidentes cirúrgicos graves: a) esgarçamento da veia cava superior antes da instalação da circulação extracorpórea; h) obstrução do filtro de Abbot, intercalado no circuito arterial; c) hemorragia pós-operatória através do orifício de punção da aorta para indução de cardioplegia com citrato de potássio; d) secção acidental do tronco venoso braquiocefálico em um caso reoperado.

Excluídos tais casos de acidentes graves ocorridos no início de nossa experiência com a circulação extracorpórea, a análise do obituário passou a demonstrar estreita correlação entre o grau de hipertensão pulmonar e a mortalidade. Assim, os 6 óbitos restantes ocorreram entre 10 pacientes, classificados nos grupos C e D, isto é, compressões em artéria pulmonar entre 85% e 100% da sistêmica, além de "shunt" cruzado.

A partir de fevereiro de 1959, os 27 pacientes consecutivos, com valores de pressão pulmonar abaixo de 85% da sistêmica (grupos A e B) tiveram seus defeitos corrigidos sem óbito.

Entre as complicações de menor conseqüência merecem destaque: a) bloqueios auriculoventriculares totais, transitórios, ocorridos em 5 casos; b) sinais de insuficiência cardíaca, de maior ou menor grau, em 8 pacientes, em 2 dos quais foi comprovada persistência de "shunt" esquerda-direita (ambos reoperados, com bom resultado em um caso); nos demais a insuficiência cardíaca pôde ser controlada clinicamente; c) hemorragia pós-operatória, com reabertura do tórax em 2 pacientes; d) insuficiência renal aguda em um caso, com recuperação total após utilização do rim artificial; e) sinais de anóxia cerebral transitória devida a perfusões inadequadas em 3 casos todos recuperados e normais; f) as complicações pulmonares graves, do início de nossa experiência com circulação extracorpórea, cessaram desde o emprego sistemático da descompressão contínua das cavidades cardíacas esquerdas durante a circulação extracorpórea. As que ocorreram depois foram inerentes à própria hipertensão pulmonar.

Os resultados pós-operatórios imediatos e tardios dos 46 sobreviventes, observados por períodos variáveis de 1 mês a 5 anos, são apresentados nas Tabelas 2 e 3.






Foram recateterizados apenas 7 pacientes, tendo sido confirmada a persistência de "shunt" esquerda direita em 3 casos, sendo maior do que no pré-operatório em 2 deles; apesar disso houve, em ambos, redução da pressão no ventrículo direito. Num 4.º caso suspeito de reabertura, o cateterismo foi normal.

Em 2 casos houve normalização das pressões pulmonares e, em um persiste moderada hipertensão. Os pacientes, que ainda apresentam qualquer alteração radiológica ou sopro acompanhado de frêmito, foram rotulados como suspeitos de reabertura, devendo ser recateterizados. Excluímos apenas os portadores de estenose pulmonar infundibular, nos quais a persistência do sopro áspero com frêmito é a regra na nossa experiência.

Em resumo, nossa casuística confirma a estreita correlação existente entre o grau de hipertensão pulmonar e resistência vascular pulmonar e o resultado cirúrgico obtido. Tal verificação obriga à seleção cada vez mais rigorosa dos candidatos à correção dos defeitos do septo ventricular, não se justificando ao nosso ver, no momento atual, continuar recomendando cirurgia nos casos incluídos no grupo D, ou seja, com "shunt" direita-esquerda predominante A seleção adequada dos pacientes constitui o fator mais importante para a obtenção de bons resultados, com o mínimo de risco cirúrgico, como o atesta a ausência de mortalidade nos 27 pacientes com pressão pulmonar menor do que 85% da sistêmica e "shunt" esquerda-direita puro.






TRATAMENTO CIRÚRGICO DAS VALVULOPATIAS MITRAIS COM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
DELMONT BITTENCOURT



O presente relatório refere-se à experiência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, concernente ao tratamento cirúrgico de 217 casos consecutivos de lesões da válvula mitral operados entre maio de 1959 e abril de 1963. Nessa série, contam-se 127 casos de estenose pura, 74 casos de dupla lesão mitral, 8 casos de insuficiência mitral pura e 8 casos de comunicação interauricular associada a lesões da válvula mitral (Tabela 1).




A mortalidade imediata foi de 9 casos entre as estenoses mitrais puras (7%), 9 casos entre as duplas lesões mitrais (12%), 1 caso entre as insuficiências mitrais puras (12,5%) e 1 caso entre as comunicações interauriculares associadas a lesões mitrais (25%). A mortalidade global na presente série foi 9,7% (21 casos). Desses óbitos, 18 incidiram na primeira centena de casos operados (18%) e 3 ocorreram entre os 117 casos restantes (2,5%).

Dois casos de lesões multivalvulares foram operados e, em ambos, as lesões foram corrigidas num mesmo ato cirúrgico. Um dêles apresentava estenose mitral pura associada a estenose aórtica reumatismal e o outro mostrava associação de estenose mitral e dupla lesão tricúspidea.

A via de acesso foi a toracotomia ântero lateral direita, com ressecção do arco anterior da 4.ª costela. Em um caso, em que a estenose mitral associava-se à estenose aórtica, foi empregada a via médiosternal

1. Os casos de estenose mitral pura tiveram indicação cirúrgica por apresentarem um ou mais das seguintes complicações: 1) reoperação, 16 casos; 2) embolia prévia, 6 casos; 3) fibrilação auricular, 25 casos; 4) calcificação evidenciada por planigrafia, 12 casos; 5) suspeita de discreta insuficiência mitral, 11 casos; 6) doentes jovens, com menos de 12 anos de idade, por possível lesão congênita da válvula mitral, 3 casos; 7) presença de lesões multivalvulares, 2 casos.

Desde novembro de 1961, passamos a operar sob visão direta todos os casos complicados de estenose mitral, e não apenas os casos complicados pelos fatores acima enumerados. Ficou assim abandonada a cirurgia clássica ou fechada, para os casos não-complicados de estenose mitral. Os resultados dessa conduta, adotada em 51 casos, mostraram-se até agora extremamente favoráveis, especialmente quanto aos sinais estetacústicos e à regressão radiológica, eletrocardiográfica e vetorcadiográfica. Nenhum óbito ocorreu nesse grupo de 51 doentes.

A cirurgia da estenose mitral sob visão direta permite ampla abertura da fusão comissural. Desaparece desse modo a ocorrência de válvulas parcialmente abertas, fato comum na cirurgia fechada da estenose mitral.

Em apenas dois casos havia estenose unicomissural, sendo essa devidamente corrigida. O tratamento das lesões subvalvulares é indubitavelmente mais perfeito sob visão direta.

Em 70% dos casos foi praticada a secção longitudinal do músculo papilar anterior, do posterior, ou de ambos. A divulsão da cordoalha tendinosa conglomerada e retraída é também possível sob visão direta; conseqüentemente, consegue-se melhor mobilidade do aparelho valvular. Esse é um dos fortes argumentos para o emprego de cirurgia aberta em todos os casos de lesão mitral, especialmente os não complicados, tal como fazemos atualmente.

A estenose mitral acompanhou-se de calcificação acentuada em 12 casos dessa série, com dois óbitos. Nesses casos fatais, a válvula era muito lesada e comportaria indicação para substituição total.

Onze doentes com estenose mitral apresentaram suspeita de insuficiência mitral associada. Esses casos mostraram-se à cirurgia como estenose, pura acompanhada de insuficiência triscúspide funcional. Quatro óbitos ocorreram entre esses pacientes.

Três crianças com menos de 12 anos de idade, tendo a mais jovem, 9 anos, foram operadas sem mortalidade. Em todos êsses casos, a válvula mitral mostrava aspecto sugestivo de lesão reumatismal. Em contraposição, uma paciente de 20 anos com estenose mitral apresentou, à cirurgia, aspecto altamente sugestivo de lesão congênita da válvula mitral. finalmente, uma paciente com 32 anos de idade, portadora de acentuada cifoscoliose da coluna dorsal, teve o diagnóstico pré-operatório de estenose mitral pura; a exploração cirúrgica da válvula mitral e da tricúspide revelaram aparelhos valvulares anatômica e funcionalmente normais.




2. Setenta quatro casos de dupla lesão mitral foram operados com circulação extracorpórea. Nesses casos, a lesão valvular é mais acentuada no que se refere à fibrose, à incidência de calcificação e à retração da cordoalha tendinosa. Nove óbitos (12%) ocorreram nessa série.

Na maioria dos casos de dupla lesão mitral, a correção da estenose valvular presente e a liberação da cordoalha, seguida muitas vezes de secção dos músculos papilares, eram suficientes para controlar a insuficiência mitral presente. Entretanto, em 21 casos (28%), fez-se necessário o emprego de uma prótese parcial de ivalon ou teflon para corrigir a regurgitação mitral.

3. Oito casos de insuficiência mitral pura foram operados, ocorrendo um óbito (12,5%). O processo de tratamento cirúrgico da maioria desses casos foi o da redução circunferencial do anel mitral dilatado por meio da fusão unipolar ou bipolar.

4. Oito casos de lesão mitral associada à comunicação interauricular (CIA) foram operados com circulação extracorpórea. Em todos êles, a lesão valvular foi corrigida por via transeptal, após atriotomia direita. A lesão mitral associada CIA era estenose pura em 2 casos, dupla lesão mitral em 4 casos e insuficiência mitral pura em 2 casos. Nenhum desses casos deu impressão de lesão mitral congênita, parecendo tôdas elas reumatismais.


CONCLUSÕES

1. Todas as lesões mitrais devem ter indicação cirúrgica para correção, sob visão direta, com circulação extracorpórea.

2. As lesões estenóticas puras, sem complicações, não apresentaram mortalidade numa série de 51 casos operados a céu aberto. As lesões estenóticas complicadas por calcificação, fibrilação auricular, embolia prévia ou reestenose, apresentaram mortalidade de 12%. A mortalidade global para as estenoses mitrais foi ele 7%.

3. Alguns casos de lesões multivalvulares permitem tratamento simultâneo das lesões, como a associação de estenose mitral e estenose aórtica, ou a combinação de lesões mitrais e tricúspideas.

4. As duplas lesões mitrais apresentam-se com válvulas mais intensamente lesadas por fibrose e calcificação. Cerca de 10% desses casos deveriam ser submetidos à troca de válvula por prótese total; entretanto, até o momento não possuímos prótese inteiramente satisfatória. Próteses parciais foram utilizadas em 28% dos casos de dupla lesão mitral.

5. As lesões mitrais associadas à comunicação interauricular foram estenóticas em apenas 25% dos casos. Na maioria dos doentes (75%), está presente um grau maior ou menor de insuficiência mitral.

6. A mortalidade global da presente série de 217 casos foi de 9,7%. A mortalidade nos últimos 117 casos operados foi de 2,5%.






RESULTADOS DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DAS LESÕES DA VÁLVULA AÓRTICA
ADIB D. JATENE



No período compreendido entre março de 1961 e março de 1963 foram operados, no Serviço de Cirurgia do Instituto de Cardiologia do Estado de São Paulo, 37 pacientes portadores de lesões aórticas. Trinta e quatro apresentavam estenose e 3 apresentavam insuficiência aórtica.

A distribuição dos casos de estenose, de acôrdo com a localização, foi a seguinte: 1 paciente tinha estenose supravalvular; 11 pacientes tinham estenose valvular por fusão comissural, sem cálcio; 11 pacientes apresentavam estenose valvular por fusão comissural e calcificações mais ou menos extensas; 6 casos tinham estenose subvalvular, unicamente; 4 casos apresentavam-se com estenose valvular e subvalvular; 1 caso tinha estenose muscular.

A indicação para operação foi feita por determinação do gradiente entre ventrículo esquerdo e aorta, em 10 casos. Nos restantes 24 casos, a indicação baseou se em dados clínicos, eletro e vetorcardiográficos e radiológicos Nos 10 pacientes em que o gradiente foi determinado, encontraram-se valores acima de 40 mm Hg em 7 casos; três pacientes operados tinham gradiente inferior a 40 mm Hg. Em 2, existiam calcificações visíveis ao exame radiológico, com sintomatologia de síncopes em um e dor precordial no outro.

A correlação entre o achado cirúrgico e os dados pressóricos mostrou que a estenose era importante nos 7 casos com gradiente elevado e discreta nos outros 3, embora em 2 existissem calcificações tensas.

Posteriormente, relacionou-se a sintomatologia desses dois casos à insuficiência coronariana em um, e a um quadro neurológico, no outro.

Dos 24 pacientes indicados pelos dados clínicos, sem determinação gradiente, encontrou-se sintomatologia em 13. A idade média encontrada nesse grupo foi de 31 anos, com limites de 13 a 45 anos. Onze desses casos tinham importantes eletrocardiográficas e 10 apresentavam área cardíaca aumentada entre + + e + + +. Durante a operação, 9 casos tinham estenose importante e, em 3, a estenose era moderada. Onze casos não tinham sintomas. A idade média desse grupo foi de 13 anos, com limites de 2 a 25 anos. Apenas 1 paciente apresentava graves alterações ao eletrocardiograma e 4 tinham área cardíaca entre + + e + + +. Durante a cirurgia, encontrou-se estenose importante em 3 e moderada em 8 casos.

O tratamento cirúrgico consistiu em: comissuroctomia mais ressecção de cálcio em 8 casos; comissurotomia, ressecção de cálcio e prótese parcial em 1; ressecção de cálcio e de válvulas mais implantação de válvula plástica em 1; ressecção de cálcio em 1; comissurotomia, apenas, em 11; comissurotomia mais ressecção do infundíbulo em 3; comissurotomia e ressecção do infundíbulo mais prótese parcial em 1; ressecção do infundíbulo em 6; aortotomia exploradora, não tendo sido identificada a estenose muscular, em 1 caso.

A técnica da parada cardíaca durante o processo cirúrgico foi feita por anóxia em 2 pacientes, e por hipotermia seletiva do miocárdio, nos 32 restantes. Em 20 desses, a hipotermia foi feita por perfusão seletiva de sangue gelado na raiz da aorta, procurando baixar a temperatura a 16º C, o que nem sempre foi conseguido.

Em 12, a hipotermia seletiva foi feita pela utilização de "gelo amorfo" na cavidade pericárdica; a temperatura nesses casos foi sempre inferior a 8º C. A recuperação do coração só não foi obtida em 1 paciente em que a hipotermia por perfusão coronária foi insatisfatória, acima de 22º C, e o tempo de perfusão foi longo. Em outro paciente, no qual a hipotermia seletiva não foi satisfatória, a recuperação foi extremamente difícil, tendo ocorrido, no período pós-perfusão, fibrilação ventricular, de recuperação extremamente difícil e demorada, conduzindo a lesões renal e cerebral, com óbito no 4.º dia.

No pós-operatório imediato, além dos 2 óbitos referidos, tivemos mais 1, em paciente com estenose subvalvular, ocorrido no 2.º dia, em quadro de arritmia grave, com distúrbio da condução, provavelmente produzida por droga. A mortalidade operatória desse grupo foi, portanto, de 8,82%.

Entre os 31 pacientes que sobreviveram, ocorreu 1 óbito, no 4.º mês de pós-operatório. Tratava-se de um paciente de 42 anos com válvula bicúspide totalmente calcificada. Foi feita implantação de dois folhetos plásticos do Hufnagel. Na evolução do 3.º mês, havia grande diminuição da área cardíaca e melhora acentuada dos quadros clínico, eletro e vetorcardiográficos. Soubemos que falecera subitamente, em sua cidade, em condições que não nos permitiram qualquer esclarecimento. Vinte e seis pacientes estão bem e assintomáticos. Em todos, verificou-se redução da área cardíaca e melhora do quadro eletro e vetorcardiográfico. Três pacientes tiveram resultado regular. Dois, já referidos antes, tinham sua sintomatologia decorrente de outros fatores e a estenose valvular, embora com bastante cálcio, era discreta. O outro paciente, com 46 anos e estenose com subvalvular, passou bem durante 5 meses e voltou a apresentar sintomas; foi recateterizado e encontrouse gradiente de 60 mm Hg. Está sendo observado, para se avaliar a possibilidade de reoperação. Um paciente ficou inalterado, não se reconhecendo, durante a cirurgia, a estenose muscular.

Os 3 pacientes operados por insuficiência aórtica apresentavam lesão de tipo reumático, com retração e deformidade dos folhetos. Todos tinham sintomas, aumento da área cardíaca e importantes alterações eletro e vetocardiográficas: a pressão diastólica, tomada no braço, chegava a zero, nos 3 casos. O estudo hemodinâmico confirmou grande insuficiência aórtica nos 3 pacientes. A parada cardíaca foi feita sempre com hipotermia seletiva, por "gêlo amorfo" no pericárdio, e durou 120, 75 e 70 minutos, respectivamente. A recuperação dos batimentos foi possível nos 3 casos, e em todos, foi implantada válvula aórtica de Hufnagel.

No pós-operatório, todos evoluíram bem. A revisão atual feita após 5, 4 e 2,5 meses, respectivamente, mostra ausência de sintomas, estando todos trabalhando, normalização da pressão arterial e redução muito acentuada da área cardíaca em 2 e redução moderada em 1. Não encontramos, ainda, alterações eletro e vetorcardiográficas comparáveis às observadas ao exame radiológico.






ESTUDO DAS PRINCIPAIS CAUSAS DE ÓBITO COM O EMPRÊGO DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA EM CIRURGIA CARDÍACA. ANÁLISE DE 1.668 OPERAÇÕES PRATICADAS NO BRASIL
JESSE TEIXEIRA



Para a realização deste estudo foram solicitados dados estatísticos à maioria dos cirurgiões brasileiros que praticam a cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea, reunindo-se informes sobre 1.668 intervenções executadas, em todo o País, até abril de 1963.

Assim se distribuem as fontes do inquérito: E. J. Zerbini, São Paulo, 1.000 casos; H. Felipozzi, São Paulo, 377 casos; D. J. Morais, Rio de Janeiro, 147 casos; C. Nogueira, Porto Alegre, 63 casos; L. Tavares da Silva, Recife, 47 casos; M. A. Andrade, Rio de Janeiro, 16 casos; acrescentamos ainda 18 casos por nós operados. Registraram-se, em toda a série, 223 óbitos, o que perfaz mortalidade global de 13,3%.

Tendo sido heterogêneas, em sua formulação, as causas de óbito assinaladas pelos vários informantes, pareceu-nos indispensável apresentá-las ordenadas em uma classificação baseada na análise do material recebido. Dividimos os óbitos operatórios em quatro grupos principais, segundo foram eles atribuídos a causas circulatórias e respiratórias, a perfusões inadequadas e falhas técnicas, a lesões cerebrais irreversíveis e, por fim, a causas, não esclarecidas.

Somos os primeiros a reconhecer o artificialismo do isolamento causas de morte na cirurgia aberta do coração, pois cada grupo individualizado não pode furtar-se à influência de mecanismos múltiplos e complexos, que foram classificados sob outras epígrafes. A ressalva é necessária para justificar a referência a fatores causais que, para fins expositivos, se colocaram em categorias diferentes da que estiver sendo analisada.

I. CAUSAS CIRCULATÓRIAS E RESPIRATÓRIAS - Representam o grupo mais numeroso (116 casos 52% de todos os óbitos cirúrgicos), o que é compreensível em se tratando de correções no órgão central da circulação, a que os pulmões estão estreitamente ligados. Incidem nesse grupo as falhas da esfera cardiológica: má seleção de casos e erros de diagnóstico. Só podemos, em princípio, obter resultados favoráveis, na cirurgia cardíaca sob visão direta, na medida em que os pacientes recebam o benefício de operações curativas; a mortalidade é sempre maior quando as operações têm cunho meramente explorador, a reserva miocárdica é escassa, as alterações da circulação pulmonar são irreversíveis e a correção do vício anatômico é incompleta ou de caráter paliativo.

Predominam aqui os casos de lesões não-operáveis, mas submetidas por equívoco à cardiotomia (complexo de Eisenmenger, anomalia de Taussig-Bing ventrículo único, atresia tricúspide, forma total do canal atrioventricular comum, tetralogia de Fallot com atresia pulmonar), ou de risco cirúrgico proibitivo (comunicação interventricular hipertensa, valvulopatias, adquiridas com miocárdio isquêmico ou com graves alterações pulmonares). É a seguinte a discriminação dos 116 óbitos:

1. Insuficiência cardiocirculatória (não especificada) - Sob essa denominação reunimos vários distúrbios fisiopatológicos terminais, cuja característica comum foi a insuficiência da circulação sanguínea, tanto central como periférica. Não houve meio de especificar a essência desses distúrbios pois eles foram rotulados genericamente de "insuficiência cardíaca", "insuficiência cardíaca congestiva", "insuficiência esquerda" ou "direita", "falta de batimento cardíacos efetivos", "incapacidade de manter a pressão arterial, "choque irreversível". Faleceram 59 pacientes por essa causa, ou seja, 515 do grupo I e 26,5% de todo o material.

A causa mais comum do choque pós-perfusional é a insuficiência cardíaca, mormente quando a correção cirúrgica é imperfeita ou nula, a capacidade funcional do miocárdio reduzida ou a operação trabalhosa e demorada; o estresse operatório aumenta as necessidades metabólicas do organismo, contribuindo para prejudicar a recuperação do coração duplamente inferiorizado pela lesão primária e pelo trauma cirúrgico direto. Em perfeito círculo vicioso, a queda do rendimento cardíaco é responsável por deficiente circulação periférica (hipotensão arterial), com hipóxia textrina, donde acidose metabólica intensa, que potencializa o colapso cardiovascular final.

Merecem ainda ser salientados os seguintes fatores de insuficiência cardiocirculatória: perfusão inadequada, parada cardíaca eletiva mal conduzida, incisão da ventriculotomia, déficit coronário, insuficiência cardíaca pré-operatória, arritmias cardíacas, tamponamento cardíaco inapercebido, hipertensão pulmonar persistente.

2. Parada Cardíaca - A cessação súbita dos batimentos efetivos do coração, em diástole ou fibrilação ventricular, foi referida especificamente, como causa mortis, em 17 casos, correspondendo a 14% do grupo I e 7,5% de todo o material. Os principais fatôres responsáveis já foram apontados no item precedente, devendo ser realçado, entretanto, o papel da falta de proteção adequada ao miocárdio durante as assistolias induzidas; o denominador comum é a anóxia miocárdica por perfusão coronária insuficiente.

3. Distúrbios do Sistema de Condução - As arritmias cardíacas, principalmente o bloqueio auriculoventricular total, foram causa de 8 óbitos (7% do grupo I e 3,5% de todo o material). Entre os fatores mais importantes da complicação está o comprometimento do sistema de condução, durante a sutura do defeito septal (comunicação interventricular, tetralogia de Fallot, canal atrioventricular); todavia, o bloqueio pode ocorrer independentemente de agressão direta do feixe de His, nos pacientes com graves alterações miocárdicas pré-operatórias, (CIV hipertensa) e nas prolongadas paradas eletivas com inadequada proteção miocárdica. Estão assinalados ainda como arritmias letais, 2 casos de taquicardia paroxística ventricular e 2 outros não especificados, mas atribuídos ao uso do clorofórmio como agente anestésico.

4. Insuficiência respiratória - Configura-se quando as trocas gasosas alveolares deixam de processar se normalmente, manifestando-se por quadros de hipóxia e hipercapnia. Na presente série, constituiu importante causa de morte: 24 casos, correspondendo a 20,6% do grupo I e 11% de todo o material. Ela aparece quando: 1) o fole torácico não garante ventilação pulmonar adequada (depressão do centro respiratório por drogas anestésicas, dor insicional, redução do débito cardíaco gerando fadiga dos músculos respiratórios por má perfusão e hipóxia); 2) a capacidade funcional dos pulmões está afetada (acúmulo de secreções brônquicas, atelectasia obstrutiva, espasmo bronquiolar, colapso pulmonar por derrames endotorácicos ou grande cardiomegalia, congestão ou inflamação aguda do parênquima, redução da complacência nos pulmões rígidos dos mitrais).

Especificamente ligados à circulação extracorpórea, devem ser mencionados os seguintes fatores de dano pulmonar: a) hemorragia intersticial resultante do aumento súbito da pressão auricular esquerda (responsável por numerosos óbitos na fase inicial da experiência pioneira dos cirurgiões paulistas, quando não se conhecia a necessidade de descomprimir o coração esquerdo durante o "bypass"; b) deposição instersticial de sangue hemolisado, reduzindo a difusão alveolocapilar; c) aumento da tensão superficial alveolar nas perfusões muito prolongadas, provocando aumento paralelo da resistência ao fluxo aéreo e atelectasia congestiva.

5. Insuficiência cardiorrespiratória - Houve 8 óbitos em que não foi possível separar o fator circulatório do respiratório (7% do grupo 1 e 3,5% de todo o material).Tal associação mórbida há de ser mais freqüente do que se imagina, em fase das íntimas ligações fisiopatológicas entre coração e pulmões. A respiração artificial deve por isso ser mantida pelo tempo necessário à recuperação do equilíbrio hemodinâmico e metabólico do operado.

II. PERFUSÃO INADEQUADA E FALHAS TÉCNICAS - Colocamos aqui todos os óbitos diretamente atribuídos a imperfeições e acidentes verificados no sistema de perfusão ou na técnica cirúrgica: 61 casos, totalizando 27,5% de todo o material. Estão nesse número os primeiros operados pelos informantes, na dura fase inicial de aprendizado técnico e de formação das equipes.

Recentemente, vêm sido apontados, como causa de morte na circulação extracorpórea, fatores biofísicos, algo imponderáveis, como a desnaturação das proteínas plasmáticas, acarretando embolias gordurosas, hemaglutinação ao nível de arteríolas, capilares e vênulas, com microinfartos de órgão vitais. Tais estudos parecem vir em apoio das técnicas modernas de hemodiluição e hipotermia, visando a reduzir o dano sanguíneo durante a perfusão. Contudo, o risco da cirurgia cardíaca a céu aberto depende muito mais da gravidade da lesão a corrigir do que do uso da circulação extracorpórea.

1. Acidose metabólica - A perfusão inadequada com deficit na oxigenação tecidual é responsável por sério estado de acidose, provocado pelo acúmulo de ácidos fixos (fluxo insuficiente, hipotensão arterial, insaturação arterial, hemólise acentuada, "bypass" prolongado).

Foi causa de óbito de 22 pacientes (36% do grupo II e 10% de todo o material).

As dificuldades de manter perfusão correta são maiores nas crianças de pequeno porte (idade inferior a 2 anos) e nos casos de grande fuga sanguínea através de excessiva circulação brônquica (tetralogia do Fallot), funcionando essa como canal arterial ignorado ou insuficiência aórtica.

2. Insuficiência renal aguda - Causou a morte de 18 pacientes (29% do grupo II e 8% de todo o material); o principal fator da complicação é a redução da perfusão renal, através da baixa do débito cardíaco e da pressão arterial. Fatores coadjuvantes são a hemólise excessiva, a função renal prèviamente comprometida e a administração de sangue incompatível. Ocorreu maior incidência de anúria na tetralogia de Fallot

3. Infecção - A morte sobreveio em consequência de infecção em 10 pacientes (16,5% do grupo II e 4,5% de todo o material); manifestou-se sob a forma de endocardite bacteriana, septicemia, supuração torácica ou pneumopatia, ocorrendo o êxito letal sempre depois do 7.º dia pós-operatório.

4. Hemorragia - A hemorragia incontrolável foi causa de 8 óbitos (13% do grupo II e 3,5% de todo o material). Resultou sempre de falhas técnicas e não de diátese hemorrágica: imperfeições nas canulizações venosa (1 caso) e arterial (2 casos de aneurisma dissecante da femoral e aorta), cardiorrafia e na hemostasia em geral.

5. Recidiva do defeito - A recidiva da comunicação interventricular, por deficiência técnica na sutura do defeito, resultou na morte de 3 pacientes (5% no grupo II e 1,5% de todo o material). Sua causa principal é aplicação de pontos superficiais com receio de lesar o feixe de His.

III. LESÃO CEREBRAL IRREVERSÍVEL - Trinta e sete pacientes não recuperaram a consciência após a perfusão ou entraram em coma sem remissão no pós-operatório imediato, representando 16,5%, de todo o material.

Em 20 pacientes houve embolia cerebral (54% do grupo III e 8,9% de todo o material), que pode ser provocada por gás (abertura do coração esquerdo, baixa do nível do oxigenador ou bolhas formadas no circuito), cálcio (lesões mitrais e aórticas), trombos (coágulos intracardíacos), fibrina (doses inadequadas de anticoagulante) e corpos estranhos (silicona). Os restantes 17 casos (46% do grupo III e 7,6% de todo o material) foram rotulados simplesmente de "lesões cerebrais irreversíveis".

O dano cerebral não-embólico decorre de anóxia do sistema nervoso central, seja por deficiência na perfusão, obstrução circulatória, hipotensão venosa prolongada no território da cava superior ou hipotermia profunda.

IV - CAUSAS NÃO DETERMINADAS - Em 9 pacientes, ou 4% dos casos, não foi esclarecida a causa de morte.

Publicado originalmente nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Ano 5, volume 16, 1963. Reproduzido com autorização dos editores.

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