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ARTIGO ORIGINAL

Efeito da atividade física de lazer no prognóstico da cirurgia de revascularização do miocárdio

Rosane Maria NeryI; Juarez Neuhaus BarbisanII

DOI: 10.1590/S0102-76382010000100016

INTRODUÇÃO

Existe uma grande evidência demonstrando que a prática da atividade física é benéfica na prevenção primária e secundária da doença cardiovascular, bem como na saúde em geral [1-5]. Nas últimas décadas, a atividade física tem sido incorporada no tratamento do paciente portador de doença cardiovascular [6,7]. A atividade física também é benéfica na reabilitação cardíaca pós-operatória [8-10].
A atividade física é qualquer movimento corporal produzido em consequência da contração muscular que resulte em gasto calórico. Atividade física no tempo livre (AFiTL) é uma ampla gama de atividades, baseadas no interesse pessoal e necessidades. Essas atividades incluem programas de exercício formal, bem como caminhadas, esporte, dança, jardinagem, entre outros. O elemento comum é que dessas atividades resulta um gasto energético, embora a intensidade e duração possam variar consideravelmente [11].
Alguns estudos mostram que a atividade física praticada no pré-operatório de cirurgia geral beneficia o resultado cirúrgico [12-14]. Entretanto, poucos estudos avaliaram o efeito da atividade física regular em pacientes referidos para cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) [15-17]. O efeito da prática de atividade física no tempo livre (AFiTL), no período pré-operatório sobre a incidência de eventos cardíacos maiores (ECM), imediatamente após a cirurgia, em pacientes submetidos a CRM, não é bem documentado. Este estudo teve como objetivo contribuir para melhor compreensão dos potenciais benefícios dessa prática.


MÉTODOS

Estudo de coorte prospectivo onde foram avaliados 215 pacientes adultos e de ambos os sexos, que internaram de forma eletiva para serem submetidos a CRM. Os pacientes foram recrutados em três hospitais universitários.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Comitê Científico do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul (IC/RS), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (SCMPOA) e foi obtido o consentimento livre e esclarecido dos pacientes.

Critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos no estudo pacientes consecutivos, referidos para CRM de forma eletiva, em condição clínica estável no momento da avaliação pré-operatória, realizada pela equipe responsável em cada Instituição, e em condições de realizar o teste de caminhada de seis minutos. Foram excluídos pacientes operados em caráter de urgência, com síndrome coronariana aguda e concomitância de cardiopatia congênita ou doenças terminais. Também foram excluídos pacientes com angina instável e com comprometimento osteomuscular que impossibilitasse a realização de teste de caminhada.

Instrumentos da pesquisa

Os pacientes foram divididos em dois grupos, conforme a prática de AFiTL:

  • Grupo I - composto por pacientes que se mantiveram realizando algum tipo de AFiTL até duas semanas antes da cirurgia, por três ou mais vezes por semana e por 30 minutos ou mais [18].
  • Grupo II -composto por pacientes sedentários, aqueles que não praticam atividade física.


  • Para dar maior consistência a esta classificação, foram aplicados: questionário de atividade física habitual de Baecke, que investiga a atividade física habitual dos últimos 12 meses e já validado para a população brasileira [19]. O teste de caminhada de seis minutos (TC6) foi realizado conforme padronização da American Thoracic Society (ATS) [20]. O nível de intensidade determinado por meio do equivalente metabólico (MET) de cada atividade foi derivado de várias fontes, de acordo com o Compêndio de Atividades Físicas [21].

    O risco cirúrgico foi determinado por meio do escore clínico de risco da Cleveland Clinic, o qual faz parte do protocolo de avaliação pré-operatória nas Instituições participantes [22]. Peso, altura, circunferência da cintura e do quadril foram determinados por um protocolo estandarizado.

    Desfechos

    A incidência de ECM (morte; infarto agudo do miocárdio e reoperação cardíaca) e tempo de permanência hospitalar foram analisados. Os pacientes foram acompanhados no período pós-operatório com rotina de exames clínicos. Os ECM foram diagnosticados pelo médico responsável.

    Amostra

    O cálculo do tamanho da amostra foi realizado a partir do desfecho ECM; utilizou-se o teste qui-quadrado. Considerando-se a questão "Pacientes não praticantes de atividade física têm incidência maior de ECM no pós-operatório de CRM que os praticantes?" Um estudo piloto de Nery et al. [23] sugere que a incidência de ECM é em torno de 31% nos praticantes de atividade física e 58% nos não praticantes.

    Análise Estatística

    Os dados coletados foram analisados usando-se o programa estatístico Statistical Package For Social Sciences (SPSS versão 15.0). As variáveis categóricas são apresentadas por frequências absolutas e percentagens. As variáveis contínuas com distribuição normal são apresentadas por média e desvio padrão e aquelas sem distribuição normal como mediana e amplitude interquartílica (IQ). Para avaliar as características demográficas, antropométricas e clínicas e, fazer-se a comparação entre o grupo de pacientes ativos e o grupo de pacientes sedentários, utilizou-se o teste t de Student para as variáveis contínuas e o teste qui-quadrado para as variáveis categóricas. Para comparações de medianas, entre duas amostras, foi utilizado o teste U de Mann-Whitney.

    Foi realizada análise bivariada com emprego do teste qui-quadrado, onde foram incluídas as variáveis: idade, sexo, atividade física pré-operatória, tabagismo, dislipidemia, doença vascular periférica, doença pulmonar obstrutiva crônica, infarto agudo do miocárdio, diabete mellitus, doença cerebrovascular, hipertensão arterial sistêmica e escore de risco cirúrgico. As variáveis que apresentaram o nível descritivo amostral (P) de 0,20, o que permite selecionar variáveis que não foram significativas por estarem sob a influência de variáveis de confusão, foram incluídas no modelo de regressão logística e regressão de Cox.

    A análise multivariada de regressão logística foi utilizada para controlar possíveis variáveis de confusão e avaliar preditores do desfecho ECM. A análise multivariada de regressão de Cox foi utilizada para avaliar preditores de tempo de permanência na internação.

    Em todas as análises, um valor P < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.


    RESULTADOS

    Características da amostra


    Dos 215 pacientes entrevistados, treze foram excluídos por não terem sido elegíveis para a cirurgia. Os demais tiveram o seguimento completado em 100% dos casos.

    Na Tabela 1 estão demonstradas as variáveis demográficas, antropométricas e clínicas dos pacientes. Observa-se que as amostras foram semelhantes nos dois grupos, exceto pelo gênero, onde o grupo de pacientes ativos apresentou maior proporção de homens.




    Na Tabela 2 estão relacionadas as comorbidades presentes e os medicamentos utilizados pelos pacientes no período pré-operatório. Observa-se maior proporção de pacientes fazendo uso de antiplaquetários no grupo de pacientes ativos.




    Na Tabela 3, verificamos que em relação à ocorrência de ECM no pós-operatório imediato, os dois grupos foram semelhantes, exceto quando analisamos óbito e IAM como desfecho composto, observando-se maior ocorrência no grupo de pacientes sedentários.




    Os resultados do questionário atividade física habitual de Baecke e TC6 demonstraram escores significativamente maiores entre os pacientes ativos em comparação aos sedentários (Tabela 4), reforçando a classificação inicial dos pacientes.




    A Figura 1 apresenta os resultados relativos ao efeito da AFiTL no resultado precoce da CRM, como demonstrado pela análise multivariada de regressão logística. Os pacientes do grupo ativo apresentaram probabilidade 78% menor de desenvolver ECM, enquanto o tabagismo e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) aumentaram em 2,2 e 3,84, respectivamente, a probabilidade de desfechos. Pacientes com escores de risco mais altos apresentaram 5,98 mais probabilidade de cursar com ECM, em comparação com pacientes de baixo risco.


    Fig. 1 - Resultados relativos ao efeito da atividade física no tempo livre no resultado precoce da cirurgia de revascularização do miocárdio



    Conforme apresentado na Tabela 5, a prática de AFiTL reduziu o tempo de permanência hospitalar. Ajustando todas as variáveis na regressão de Cox encontramos uma redução de 33% no tempo de permanência hospitalar para os pacientes do grupo I em relação ao grupo II. O aumento da idade também foi relacionado ao aumento do tempo de permanência hospitalar, 2% por cada ano de idade a mais.





    DISCUSSÃO

    Este estudo demonstrou que a prática da atividade física no tempo livre pré-operatório, nos pacientes submetidos à CRM, teve efeito benéfico no prognóstico pós-operatório imediato, com diminuição significativa no tempo de permanência hospitalar e na incidência de ECM. Os pacientes incluídos no nosso estudo não realizaram esforços intensos, ou exercícios isométricos ou que pudesse comprometer a saúde destes. A prática de AFiTL representou um importante fator de proteção para os pacientes com atividade física durante o período de um ano antes de CRM e que se mantiveram ativos até duas semanas antes da cirurgia. Estes pacientes apresentaram probabilidade 78% menor de desenvolver ECM durante a internação, demonstrando o efeito benéfico da AFiTL associada à ECM no início do período pós-operatório de CRM.

    Arthur et al. [15] observaram que um programa de exercícios pré-operatório pode ser usado com pacientes de baixo risco à espera de CRM, especialmente em serviços de saúde pública. Os autores demonstraram que pacientes que receberam o treinamento tiveram menor tempo de internação e curtos períodos de permanência na unidade de cuidados intensivos quando comparados a pacientes no grupo controle. A qualidade de vida desses pacientes também foi melhorada, e foi mantida durante os primeiros 6 meses após a cirurgia. Cook et al. [16] demostraram também que um programa de exercícios e orientação sobre fatores de risco é benéfico para pacientes internados aguardando a CRM, e foi eficaz em reduzir o tempo de internação hospitalar.

    Herdy et al. [24], em um ensaio clínico controlado, avaliaram a reabilitação cardiopulmonar composta por exercícios musculares e ventilatórios, além de educação no pré-operatório por no mínimo 5 dias e, pós-operatório, até a alta hospitalar. Como resultado, pôde-se observar expressiva redução nas complicações pulmonares, significativa diferença na incidência de arritmias cardíacas (especialmente fibrilação atrial), além de melhora da capacidade funcional medida no sétimo pós-operatório por meio do TC6. A melhora da capacidade pulmonar também foi vista em um estudo que selecionou voluntários, enquanto esperavam a CRM e/ou cirurgia de troca valvar. Esses foram divididos aleatoriamente para um programa domiciliar de pelo menos duas semanas de treinamento pré-operatório dos músculos inspiratórios, usando um dispositivo com uma carga correspondente a 40% da PImáx. Os outros 15 pacientes não realizaram treinamento muscular ventilatório. A capacidade vital forçada e a ventilação voluntária máxima foi maior no grupo treinado em comparação ao grupo controle [25].

    Apesar do efeito positivo observado em relação à prática da AFiTL no pré-operatório observado em nosso estudo, ainda existe uma lacuna a ser explorada com estudos randomizados, onde a avaliação da capacidade funcional máxima seja mensurada por meio de um teste cardiopulmonar de exercício máximo com análise de gases expirados em diferentes programas de exercícios realizados no pré-operatório da CRM.


    CONCLUSÃO

    Este estudo demonstrou que a prática de atividade física no tempo livre no pré-operatório da CRM pode ter um efeito benéfico sobre o prognóstico dos pacientes, resultando em diminuição da incidência de eventos cardíacos maiores e tempo de internação hospitalar.


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    Article receive on segunda-feira, 30 de novembro de 2009

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