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CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

Doença de Ebstein: o grau de disfunção do ventrículo direito e a conduta cirúrgica

Alexandra Regina SiscarI; Marcelo Felipe KozakI; Ulisses Alexandre CrotiI; Domingo M BraileI

DOI: 10.1590/S0102-76382009000200025

DADOS CLÍNICOS

Criança do sexo feminino, nascida a termo com 2,8 kg por parto cesário. Mãe primigesta negava uso de medicações durante a gravidez. A alta hospitalar ocorreu dois dias após nascimento, com a criança mamando bem e sem sinais ou sintomas de cardiopatia congênita.

Aos 6 meses de idade, a criança foi encaminhada ao nosso Serviço com história de cansaço às mamadas, sudorese abundante e taquicardia mesmo em repouso.

Com o diagnóstico confirmado, iniciada terapêutica com diurético e programados retornos semestrais. Com 3 anos de vida a criança começou a apresentar queixa de cansaço aos esforços moderados e cianose com saturação periférica de 80% em ar ambiente.

No exame físico estava em bom estado geral, cianótica +/4+, normotensa e com ganho pôndero-estatural adequado. O ictus cordis normoposicionado, bulhas normofonéticas e ausência de sopros. Abdome normal. Extremidades bem perfundidas, pulsos presentes e simétricos.


ELETROCARDIOGRAMA E HOLTER

Ritmo sinusal com bloqueio atrioventricular de primeiro grau, frequência 115 bat/min. SÂQRS entre +90° e +180°, PR 200 ms, QRS 80 ms. Eixo desviado para direita, com sobrecarga atrial direita (Figura 1).


Fig. 1 - Eletrocardiograma com intervalo PR prolongado e sobrecarga de átrio direito frequentemente observado na doença de Ebstein



O Holter ratificou os achados eletrocardiográficos e mostrou presença de ectopia supraventricular isolada.


RADIOGRAMA

Situs solitus visceral em levocardia. Área cardíaca aumentada com predomínio de câmaras direitas e índice cardiotorácico de 0,60. Trama vascular pulmonar normal (Figura 2).


Fig. 2 - Radiografia de tórax pré-operatória com cardiomegalia à custa das cavidades direitas



ECOCARDIOGRAMA

Situs solitus em levocardia. Doença de Ebstein com insuficiência valvar tricúspide moderada a importante, comunicação interatrial (CIA) ostium secundum grande, com 11 mm, e disfunção sistólica do ventrículo direito (VD). O anel da valva tricúspide media 32 mm, havia importante aderência do folheto septal e o VD apresentava-se com mais de 50% de sua cavidade atrializada (índice de Celemajer de 1,5). Ao Doppler, o fluxo pela CIA era bidirecional, a pressão sistólica no VD de 24 mmHg e os índices de função diastólica normais.


DIAGNÓSTICO

Desde o início o ecocardiograma definiu o diagnóstico como doença de Ebstein, tendo detalhado os aspectos anatômicos e logo permitindo o acompanhamento clínico rigoroso. O balanceamento das variáveis: insuficiência valvar tricúspide, tamanho da comunicação interatrial e a contratilidade do VD foram responsáveis pela evolução e gravidade do quadro hipoxêmico [1].

Com o tratamento clínico não obtendo sucesso em diminuir os sinais de hipoxemia e congestão venosa sistêmica, foi indicado o tratamento cirúrgico antes da total deterioração da função do VD, já que a paciente estava em classe funcional III (NYHA) e, portanto, com risco de policitemia e eventos de embolia paradoxal [1,2].

A operação deveria prioritariamente visar à preservação da valva tricúspide com plastia, evitando-se implante de prótese, porém a maior preocupação era com o importante grau de disfunção do VD, o qual poderia exigir uma correção cavopulmonar superior bidirecional (Glenn bidirecional) adicional [1,2].


OPERAÇÃO

Esternotomia, administração de heparina, introdução de cânulas em aorta e veias cavas, auxílio da circulação extracorpórea (CEC) com hipotermia moderada a 28ºC. Pinçamento da aorta, cardioplegia sanguínea, anterógrada, hipotérmica a 4ºC e intermitente a cada 20 minutos.

Após a abertura do átrio direito, foi encontrada importante displasia de valva tricúspide com grande porção aderida ao VD, espessamentos e fusões comprometendo principalmente o folheto anterior.

Iniciada plastia valvar segundo a técnica de Carpentier, com plicatura longitudinal da parede do VD, desinserção do folheto anterior e parte do posterior junto ao anel tricúspide, rotação no sentido horário e reinserção [3], porém sem sucesso no teste de competência com solução fisiológica, após diversas tentativas de ajustes.

Assim, foi optado por troca valvar ressecando-se a valva displásica e passando os pontos na região atrial de tal sorte que o seio coronário restasse posicionado abaixo do anel da prótese implantada, situação não habitual em paciente não portador de doença de Ebstein e que necessita de troca valvar tricúspide.

A necessidade de prótese suscitou a dúvida quanto à biológica ou mecânica, fato controverso, já que a degeneração das próteses biológicas na posição tricúspide parece ocorrer mais lentamente em relação às colocadas nas cavidades esquerdas, porém a calcificação resulta em disfunção e necessidade de trocas em médio prazo, principalmente em crianças de menor idade. Por outro lado, as baixas pressões nas cavidades direitas predispõem à formação de trombos pelas próteses mecânicas [4]. Apesar destas ponderações, optou-se por implantar uma prótese mecânica nº31, bivalvular, moderna e de baixo perfil.

A CIA ostium secundum foi fechada com placa de pericárdio bovino, apesar da grande preocupação com a funcionalidade do VD, que poderia necessitar ou não do Glenn bidirecional.

A desconexão da CEC foi suportada com a ajuda de inotrópicos, após 110 minutos de auxílio da CEC e 86 minutos de isquemia miocárdica, mantidos na unidade de terapia intensiva por sete dias. Após este período, a paciente evoluiu bem clinicamente, com derrame pericárdico discreto e derrame pleural moderado, os quais foram revertidos com a introdução de corticóide oral e fisioterapia respiratória. Recebeu alta hospitalar no 13º dia de pós-operatório, em uso de digital, diurético e warfarina sódica.

Acompanhada no ambulatório há 3 meses, está acianótica, com bom ganho pôndero-estatural, sem queixa de cansaço, em controle do INR, com diminuição da área cardíaca na radiografia de tórax (Figura 3) e ecocardiograma demonstrando disfunção de ventrículo direito de grau discreto.


Fig. 3 - Radiografia de tórax pós-operatória com diminuição da área cardíaca e prótese mecânica em posição tricúspide



REFERÊNCIAS

1. Croti UA, Mattos SS, Pinto Jr. VC, Aiello VD. Cardiologia e cirurgia cardiovascular pediátrica. 1a ed. São Paulo:Roca;2008. p.536-44.

2. Attenhofer Jost CH, Connolly HM, Edwards WD, Hayes D, Warnes CA, Danielson GK. Ebstein's anomaly: review of a multifaceted congenital cardiac condition. Swiss Med Wkly. 2005;135(19-20):269-81. [MedLine]

3. Carpentier A, Chauvaud S, Macé L, Relland J, Mihaileanu S, Marino JP, et al. A new reconstructive operation for Ebstein's anomaly of the tricuspid valve. J Thorac Cardiovasc Surg. 1988;96(1):92-101. [MedLine]

4. Kaplan M, Kut MS, Demirtas MM, Cimen S, Ozler A. Prosthetic replacement of tricuspid valve: bioprosthetic or mechanical. Ann Thorac Surg. 2002;73(2):467-73. [MedLine]

Article receive on terça-feira, 5 de maio de 2009

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