INTRODUÇÃO
Os lipomas cardíacos têm incidência rara de 8,4%, dentre todos os tumores primários [1]. Por sua vez, os tumores secundários são 30 a 40 vezes mais frequentes que os primários [2].
O lipoma é constituído de células gordurosas, originadas do epimiocárdio, podendo aderir tanto ao tecido fibroso (pericárdico), quanto ao muscular (subepicárdico) [1].
As alterações clínicas geralmente são de ordem mecânica decorrente da localização do tumor, podendo ocasionar disfunção valvar ou compressão cardíaca, comprometendo desta forma a dinâmica cardíaca.
A terapêutica indicada no tratamento dos tumores primários do coração é a ressecção total do tumor com a finalidade de evitar complicações primárias e secundárias, sendo elas a obstrução e a embolização [3].
O primeiro relato de sucesso em ressecção de lipoma epicárdico deu-se em 1954 por Maurer et al. [4].
Relatamos o caso de um jovem, que evoluiu com sinais de cansaço e síncope. Realizado ecocardiograma que detectou uma massa a esclarecer em átrio direito. O paciente foi submetido à ressecção da mesma, com diagnóstico histopatológico de fibrolipoma.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 27 anos, natural de Americana, SP. Paciente assintomático até há 7 anos, quando iniciou quadro de cansaço progressivo associado a episódios de taquicardia.
Procurou um serviço médico de sua cidade, onde foi solicitado ecocardiograma, que demonstrou massa em átrio direito, em torno de 4,5 x 3,8 cm de diâmetro e também um Holter 24 h, que evidenciou extrassístoles ventriculares e supraventriculares e taquicardia atrial paroxística não-sustentada.
Encaminhado para serviço de referência, permaneceu sem a resolução do caso até o início de 2007, quando o paciente apresentou duas síncopes, sendo a primeira em repouso e a segunda conduzindo seu veículo.
Procurou nosso serviço, onde foi submetido a um novo ecocardiograma, confirmando a presença de uma massa com ecotextura aumentada e fixa na parede do átrio direito, em sua porção médio-basal com diâmetro em torno de 3,5 cm (Figura 1).
Fig. 1 - Ecocardiograma pré-operatório com visualização de massa em átrio direito
Indicado o tratamento cirúrgico. A cirurgia foi realizada através de uma esternotomia mediana, com circulação extracorpórea tipo aorto-bicaval, cardioplegia sanguínea normotérmica, anterógrada e retrógrada, incisão no átrio direito, visualização de massa aderida à parede lateral do átrio. Realizada ressecção tumoral (Figura 2) e retirada parcial da parede atrial, na qual o tumor encontrava-se aderido, respeitando a margem de segurança de 0,5 cm do pedículo. Realizada reconstrução parcial do átrio direito utilizando pericárdio bovino (Figura 3).
Fig. 2 - Lipoma
Fig. 3 - Reconstrução parcial do átrio direito com pericárdio
O exame anatomopatológico confirmou ser fibrolipoma de 5,5 x 5,3 cm, encapsulado e possuindo tecidos musculares estriados e tecidos moles, com proliferação de tecido adiposo maduro e presença de feixes de tecido fibroso. O pós-operatório evoluiu sem intercorrência (Figura 4), alta hospitalar no 7º dia, em uso de anticoagulante oral devido à reconstrução do átrio direito.
Fig. 4 - Ecocardiograma após a ressecção do lipoma
DISCUSSÃO
Dentre os tumores benignos, os mixomas são os mais frequentes. Existe um tumor primário do coração para cada 5.000 necropsias não-selecionadas. A incidência dos tumores cardíacos é menor que 0,2% dentre os tumores que podem ser encontrados no organismo. Apesar deste fato, os mixomas representam cerca de metade dos tumores benignos do coração [5].
Os lipomas foram descritos pela primeira vez por Orth, em 1886 [6], e a primeira ressecção de um lipoma epicárdico com sucesso foi realizada em 1954, por Maurer et al. [1].
O lipoma é constituído de células gordurosas originadas do epimiocárdio, de aspecto macroscópico idêntico ao observado em outras áreas, favorecendo por sua vez aderência ao tecido conectivo fibroso (pericárdico) e muscular (subepicárdico). Apresenta formas de degeneração lipomatosa até necrose gordurosa e calcificação. Cerca de 50% desses tumores têm origem subendocárdica, sendo 25%, intramiocárdica, afetando mais comumente o ventrículo esquerdo, átrio direito e septo interatrial, dentro desta ordem de eventos e os 25% restantes no pericárdio [1].
Os tumores intracardíacos podem determinar distúrbios da condução atrioventricular ou intraventricular, que se manifestam por meio de arritmias, interferindo na dinâmica cardíaca, levando a morte súbita [1,7]. Muitos casos são dados de achados de necropsias, já que a doença em alguns casos evoluiu assintomática, decorrentes do tamanho e de sua localização [6].
Os recentes métodos diagnósticos cursam favoravelmente para detecção precoce destas afecções cardíacas. A tomografia, a ressonância magnética e o ecocardiograma transesofágico oferecem o diagnóstico não-invasivo de forma confiável quanto à real localização do tumor [8].
A manipulação cuidadosa das estruturas cardíacas e da tumoração, durante sua remoção, diminui a possibilidade de fragmentação e ocorrência de fenômenos embólicos [3,9]. A ressecção da base de implantação do pedículo deverá ser realizada com pequena margem de segurança para evitar recidiva [8].
O diagnóstico dos tumores cardíacos devem ser rápidos e precisos, pois estes podem evoluir silenciosamente e causar disfunções valvares, compressão cardíaca e arritmias.
Uma vez estabelecido o diagnóstico de presença de massa cardíaca, o paciente deve ser encaminhado imediatamente para um centro especializado, e a ressecção cirúrgica deve ser indicada, com objetivo do diagnóstico histopatológico e eliminar os riscos de compressão cardíaca e os acidentes embólicos.
1. Silveira WL, Nery WM, Soares ECG, Leite AF, Nazzetta H, Batista MAL, et al. Lipoma de átrio direito. Arq Bras Cardiol. 2001;77(4):361-4.
3. Fernandes F, Soufen HN, Lanni BM, Arteaga E, Ramires FJA, Mady C. Neoplasias primárias do coração. Apresentação clínica e histológica de 50 casos. Arq Bras Cardiol. 2001;76(3):231-4.
5. Lima I PRL, Crotti II PLR. Tumores cardíacos malignos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(1):64-73. Visualizar artigo
6. Lion MF, Moreira AELC, Silva MVB. Inversão de aurícula esquerda por lipoma epicárdico. Comportamento atípico de um tumor levando a obstrução de veias pulmonares. Arq Bras Cardiol. 1994;62(3):207-10. [MedLine]
7. Arslan S, Gundogdu F,Acikel M, Kantarci AM. Asymptomatic cardiac lipoma originating from the interventricular septum diagnosed by multi-slice computed tomography. Int J Cardiovasc Imaging. 2007;23(2):277-9. [MedLine]
8. Mousseaux E, Idy-Peretti I, Bittoun J, Diebold B, Paulylaubry C, Carpentier A, et al. MR tissue characterization of a right atrial mass: diagnosis of a lipoma. J Comput Assist Tomogr. 1992;16(1):148-51. [MedLine]
9. Rubino M, Hamad AM, Rea F, Gerosa G. Reconstruction of the right atrium with pulmonary artery homograft after resection of right atrial lipomatosis. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2007;6(6):826-7. [MedLine]