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ARTIGO ORIGINAL

Análise da resistência vascular coronariana e do fluxo sanguíneo dos enxertos venosos em revascularização do miocárdio

Ricardo Migliorini MustafaI; José Vladimir Hernan Quiroga VerazainI; Margaret Assad CavalcanteII; Fabiano Carazzai PachecoII; Henrique Issa Artoni EbaidII; Paulo Henrique JorgeII; Orlando Henrique de Melo SobrinhoII; Ureliano Cintra e ReisII

DOI: 10.1590/S0102-76382009000200017

INTRODUÇÃO

As doenças do aparelho circulatório estão entre as mais importantes causas de morbidade e mortalidade do mundo contemporâneo, incluindo o Brasil [1] e, devido ao grande impacto social e econômico, estão entre as que mais são estudadas e investigadas cientificamente. Inicialmente, os procedimentos de revascularização miocárdica trouxeram grande esperança à cardiologia, entretanto, com o tempo, pode-se observar que outros fatores impediam o sucesso mais duradouro do que o esperado [2].

A associação de fatores anatômicos, histológicos, bioquímicos e/ou outros, seja fisiológicos e/ou patológicos, envolvidos no processo etiopatogênico e nos resultados cirúrgicos [3-10], não permite que sejam obtidas conclusões objetivas a respeito da patência de um determinado enxerto, mesmo que tenha sido muito bem realizado e, ainda hoje, apesar dos avanços da cirurgia cardiovascular, não temos como fazê-lo.

Muitos procedimentos cirúrgicos são testados per-operatoriamente quanto ao alcance dos objetivos, como, por exemplo, durante a plastia ou troca valvar, em que a realização de ecocardiograma per-operatório pode verificar o "status quo" cirúrgico e, de tal forma, presumir resultados. Em cirurgia de revascularização miocárdica isto tem sido tentado com a avaliação do calibre arterial coronariano [11,12], porém não tem sido plenamente alcançado.

A despeito disto, diferentes publicações médicas têm estudado resultados tardios de pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica que são, às vezes, genericamente considerados para cirurgias futuras como se pudéssemos esperar os mesmos resultados para todos os casos, sem considerarmos as diferenças entre eles. Assim, estudou-se, aqui, a resistência vascular coronariana (RVC), avaliando o possível comportamento do fluxo sanguíneo nos enxertos coronarianos.


MÉTODOS

O presente estudo foi baseado em dados obtidos retrospectivamente da ficha de perfusão da circulação extracorpórea, conforme padrões técnicos aceitáveis e amplamente utilizados para perfusão coronariana cardioplégica normotérmica anterógrada, quando 10 pacientes foram submetidos consecutivamente a cirurgia de revascularização miocárdica, no período de 17 de junho a 15 de julho de 2005, em nossa instituição. Foram realizadas 33 anastomoses coronarianas, com média de 0,9 enxertos de artéria torácica interna esquerda e 2,4 enxertos de veia safena.

O estudo foi desenvolvido com base na avaliação per-operatória da pressão de perfusão de segmentos coronarianos em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca de revascularização miocárdica com veia safena, quando a anastomose distal do enxerto já havia sido realizada, sendo feito por meio da aferição direta, e em linha, com transdutores de pressão quando da infusão seletiva de cardioplegia (Figura 1). Posteriormente, por meio de cálculos matemáticos, determinou-se a RVC e o fluxo sanguíneo resultante para condições adequadas de pressão arterial. Por motivos técnicos da demonstração, as artérias revascularizadas com a artéria torácica interna esquerda não foram incluídas no estudo. Para efeito de constatação, todos os casos tiveram avaliação do calibre arterial coronariano, por meio de dilatadores introduzidos na luz dos vasos, conforme apresentados na Tabela 1, não tendo sido, porém, alvo da pesquisa.




Fig. 1 - Foto do procedimento cirúrgico. Ponte de safena/coronária com anastomose distal realizada (seta à esq.) sendo submetida a cardioplegia sanguínea com fluxo de 100 ml/min (seta à dir.). Cateter em "Y" em conexão com a cardioplegia e em linha com o sistema transdutor de aferição da pressão arterial



Durante a cirurgia, e estando a raiz da aorta pinçada, as pontes de safenas com as anastomoses distais já realizadas foram submetidas, isoladamente, à perfusão cardioplégica sanguínea normotérmica com fluxo pré-determinado (conforme descrito adiante), utilizando-se "bomba" de circulação extracorpórea modelo Braile ECO-001 (Braile Biomédica, São José do Rio Preto-SP, Brasil) e aferindo-se a pressão resultante continuamente em linha. Conhecendo-se o fluxo e a pressão sanguínea, a RVC foi obtida pela equação RVP (RVC) = PA.80/DEC (RVP - resistência vascular periférica, PA - pressão arterial e DEC - débito pelo enxerto coronariano). Por sua vez, agora se conhecendo a RVC para determinado segmento de enxerto/coronária, recalculamos o débito para condições hemodinâmicas satisfatórias de PAM = 80 mmHg, invertendo-se a fórmula (DEC = PA.80/RVC), uma vez que, após a cirurgia e objetivando-se boas condições hemodinâmicas para a perfusão coronariana através do enxerto, será equilibrada pela pressão arterial.

A RVC foi obtida em duas condições: a primeira com 100 ml/min e permitindo fluxo coronariano a montante e a jusante da anastomose, sendo considerado como fluxo retrógrado mais o anterógrado; e outra com fluxo de 50 ml/min permitindo fluxo somente a jusante da anastomose do enxerto (através do pinçamento com pinça "bulldog" da artéria coronária a montante da anastomose) e assim sendo considerado como somente fluxo anterógrado.

Os dados estatísticos foram obtidos simplesmente pela média aritmética dos fluxos e resistências coronarianas.

Alguns fatores que estão envolvidos com o fluxo coronariano, como a competição de fluxo e a vasomotricidade, bem como fatores como idade, sexo ou condições clínicas, entre outros, não foram considerados neste estudo, pois o objetivo foi determinar a RVC relacionada exclusivamente ao leito coronariano, aceitando-se as alterações fisiológicas ou patológicas como persistentes.


RESULTADOS

As artérias estudadas com fluxo de 100 ml (sem o pinçamento proximal) e o DEC resultante para condições ajustadas de PAM 80 mmHg estão representados na Tabela 1. Notou-se grande variabilidade da RVC e do DEC (Tabela 1), bem como a proporcionalidade inversa entre ambos (Figura 2), indicando íntima relação com o leito distal da artéria estudada.


Fig. 2 - Estudo dos casos. Fluxo sanguíneo (100 ml/min) pelo enxerto coronariano sem pinçamento proximal da artéria coronária em relação à anastomose. RVC = resistência vascular coronariana



Em nossa casuística, encontramos média de 68,95 ml de débito corrigido pelo enxerto para PAM 80 mmHg, moda de 64 ml e mediana de 66,6 ml (Tabela 1).

O pinçamento a montante das artérias coronárias foi necessário para simular casos de oclusão coronariana total ou competitividade de fluxo (o que claramente reduz a capacidade de fluxo através do enxerto/coronária), que foi notado com aumento ainda maior da RVC e do DEC (Figura 3).


Fig. 3 - Estudo dos casos. Fluxo sanguíneo (50 ml/min) pelo enxerto coronariano com pinçamento proximal da artéria coronária em relação à anastomose. RVC = resistência vascular coronariana



O calibre arterial, que muitas vezes é usado para se considerar a "qualidade enxerto/coronária", não guardou relação de proporcionalidade obrigatória com o débito através do enxerto e se mostrou ineficaz como método de avaliação (Figura 4).


Fig. 4 - Estudo dos casos. Relação entre calibre arterial e RVC. Note que a variabilidade da RVC não se apresenta diretamente proporcional com o calibre. RVC = resistência vascular coronariana



DISCUSSÃO

A RVP, frequentemente avaliada em diversas situações clínicas, é, na verdade, a média resultante das resistências de todas as artérias de um organismo. Em decorrência de condições fisiológicas ou patológicas, a resistência vascular estimada em artérias ou segmentos isolados pode ser muito diferente da média esperada.

Inúmeros são os fatores que direta ou indiretamente afetam a RVC e que podem ser causa de oclusão de artérias e enxertos [3]. Fluxo coronariano lento ou ausência de fluxo sanguíneo têm sido observados em casos de infarto do miocárdio ou após angioplastia, sugerindo mecanismos de início recente, como os fatores da injúria pós-reperfusional por radicais livres, vasoconstrição alfa-adrenérgica, angiotensina, ativação neutrofílica, embólicos ou trombóticos e escassez de leito distal [4-10].

Os diferentes resultados encontrados em cirurgia de revascularização miocárdica, mesmo considerando estudos randomizados, têm mantido uma dúvida permanente entre os cirurgiões quanto ao motivo de um procedimento bem realizado algumas vezes não resultar no objetivo esperado. Entretanto, é importante questionar se estes excelentes resultados são devidos tão somente à qualidade do enxerto ou às condições propícias da artéria nativa, ou se não seriam, talvez, em função do fluxo e da resistência. E, assim, incluímos a indagação se poderíamos entender melhor a perviabilidade dos enxertos venosos estimando os riscos per-operatoriamente.

Já em 1906, Carrel [13] notou as alterações sofridas pelas veias quando submetidas ao processo de arterialização e Faulkner et al. [14] analisaram, como efeitos da turbulência do fluxo nos enxertos venosos, a proliferação endotelial ocorrida nas porções distais das anastomoses, o que bem nos parece uma variável a depender também da RVC. Spray & Roberts [15] mencionam, como um dos preditores de oclusão precoce dos enxertos venosos, o calibre aumentado dos enxertos em relação aos segmentos coronarianos, também conceituando as alterações do fluxo sanguíneo.

Questões como enxertos sequenciais e seus possíveis benefícios têm sido apresentadas por vários autores, como Rabelo et al. [16]. Neste estudo fizemos, em um caso, enxerto venoso sequencial e observamos distribuição da resistência por ambos os segmentos revascularizados, com a consequente redução da resistência final, o que permitiu não somente um débito razoável, mas, talvez, e o mais importante: a maior velocidade de fluxo [16], podendo indicar, caso se confirme em estudos posteriores, possível diminuição das complicações obstrutivas [17].

Castro Neto et al. [18], avaliando a fluxometria por meio de cateter-guia em pós-operatória, encontraram fluxo arterial, no grupo controle, semelhante aos valores encontrados neste estudo.


CONCLUSÃO

Conclui-se, assim, que, apesar de inúmeros fatores contribuírem para o sucesso ou insucesso dos enxertos coronarianos, possivelmente pode-se compreender melhor os resultados clínicos das cirurgias por meio da interpretação adequada da RVC.


AGRADECIMENTOS

A Deus, nosso Senhor, pelas bênçãos derramadas em nossas vidas.


REFERÊNCIAS

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2. Kirklin JW, Barratt-Boyes BG. Cardiac surgery. 2ª ed. New York:Churchill Livingstone;1993. p.332.

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17. Lobo Filho JC, Leitão MCA, Lobo Filho HG, Silva AA, Machado JJA, Forte AJV, et al. Revascularização miocárdica com enxerto composto de artéria torácica interna esquerda em Y: análise de fluxo sanguíneo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(1):1-8. Visualizar artigo

18. Castro Neto JV, Chaccur P, Carvalho AR, Staico R, Albertal M, Ferran J, et al. Revascularização cirúrgica do miocárdio com enxerto composto de artérias torácica interna esquerda e radial: comparação do fluxo sanguíneo para artéria coronária esquerda com a técnica convencional. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(4):365-71. Visualizar artigo

Article receive on segunda-feira, 25 de agosto de 2008

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