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ARTIGO ORIGINAL

Drenagem pericárdica videotoracoscópica no tratamento dos derrames pericárdicos

José Honório PalmaI; Diego Felipe GaiaII; José Cícero Stocco GuilhenIII; João Nelson Rodrigues BrancoI; Enio BuffoloIV

DOI: 10.1590/S0102-76382009000100009

INTRODUÇÃO

Os derrames pericárdicos são afecções relativamente freqüentes, estando relacionados a processos infecciosos (tuberculose, viral, bacteriana e fúngica), metabólicos (uremia, induzida por drogas, hipotireoidismo e artrite reumatóide), radiação e neoplasias. Deste modo, o diagnóstico etiológico dos derrames torna-se fundamental. Muitos destes doentes apresentam doenças pleurais associadas [1].

Além disso, os derrames pericárdicos podem possuir outras etiologias que demandem a realização de culturas e/ou exames histopatológicos específicos.

Apesar da punção pericárdica e a drenagem pericárdica por cateter apresentarem-se eficientes no alívio dos sintomas e do tamponamento cardíaco, estes métodos não apresentam a mesma eficiência da drenagem cirúrgica em derrames recorrentes e septados, nem tão pouco permitem adequada coleta de material para biópsia [1].

Nestes casos, a drenagem cirúrgica realizada por via subxifoídea é capaz de promover alívio sintomático por meio da descompressão da cavidade pericárdica e possibilita a coleta de líquido pericárdico para análise. Infelizmente, a coleta de biópsias é limitada à pequena região abordada, diminuindo, assim, a possibilidade diagnóstica. Além disso, a incidência de recidivas pode alcançar 10% em algumas séries [2-4].

A toracotomia lateral também pode ser utilizada, permitindo amplo acesso à cavidade pericárdica, mas sem grande possibilidade de inspeção pleural adequada e com maior dor pós-operatória e recuperação mais vagarosa [3].

A drenagem pericárdica videotoracoscópica é um método pouco invasivo utilizado no diagnóstico e no tratamento das efusões pericárdicas traumáticas e não-traumáticas [5]. Permite uma inspeção ampla da cavidade torácica, bem como do pericárdio, com excelente visualização das estruturas torácicas e mediastinais, diferentemente da janela subxifoídea, que permite apenas visualização e ressecção pericárdicas limitadas. No procedimento, é possível a criação de uma janela pleuropericárdica ampla e teoricamente capaz de reduzir as recidivas [6].

Não existe consenso sobre qual a melhor alternativa no tratamento destas afecções, porém diversos grupos têm reportado resultados favoráveis com a drenagem toracoscópica [3,4].

O objetivo deste trabalho é analisar a eficácia e a segurança da drenagem pericárdica videotoracoscópica no tratamento e diagnóstico etiológico dos derrames pericárdicos por meio da revisão de 26 casos realizados em nosso serviço.


MÉTODOS

Entre abril de 2005 e dezembro de 2007, 26 pacientes com derrame pericárdico foram submetidos a drenagem pericárdica videotoracoscópica com confecção de janela pleuropericárdica, após assinatura de termo de consentimento informado e aprovação do Comitê de Ética em pesquisa. No período citado, todos os pacientes da instituição com indicação de drenagem pericárdica que não apresentassem critérios de exclusão foram submetidos ao procedimento proposto.

Os seguintes critérios de inclusão e exclusão foram utilizados:

Inclusão

1. Consentimento de participação;
2. Presença de derrame pericárdico classificado como ao menos moderado ao ecocardiograma transtorácico, com ou sem sinais de tamponamento cardíaco;
3. Possibilidade de ventilação monopulmonar;
4. Ausência de deformidades torácicas significativas;
5. Ausência de distúrbio de coagulação.

Exclusão

1. Não consentimento de participação;
2. Derrames traumáticos;
3. Impossibilidade de ventilação monopulmonar;
4. Presença de aderências pleurais;
5. Cirurgia torácica prévia no lado a ser abordado;
6. Necessidade de intervenção torácica simultânea não compatível com tratamento toracoscópico;
7. Instabilidade hemodinâmica grave, definida por necessidade de auxílio de vasopressores endovenosos para manutenção de pressão de perfusão tecidual adequada.

No grupo estudado, 14 pacientes eram do sexo feminino. A média de idade era 48,2 anos (15-84 anos). Os sintomas incluíram: dispnéia (n=21 / 80,8%), dor torácica (n=2 / 7,7%), insuficiência cardíaca (n=2 / 7,7%) e achado de exame (n=1 / 3,8%). Todos os doentes obtiveram diagnóstico ecocardiográfico antes do procedimento, sendo que cinco pacientes realizaram exames complementares, como a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética, na busca ativa por processos neoplásicos, dada a alta suspeita clínica e na análise de doenças pleurais que impossibilitariam o procedimento. Destes, dois apresentaram sinais compatíveis com neoplasia (pulmão e mama) e os demais não demonstraram novos achados. Oito (30,7%) indivíduos encontravam-se com sinais e sintomas de tamponamento cardíaco. Nenhum dos pacientes apresentava procedimentos pericárdicos isolados prévios ou encontrava-se hemodinamicamente instável ao diagnóstico.

O procedimento foi realizado em todos os doentes em decúbito lateral, sob anestesia geral e intubação seletiva do pulmão contralateral (Figura 1). O lado a ser abordado foi selecionado pelos seguintes critérios: áreas cardíacas demasiadamente grandes, lado direito; derrame pleural associado, lado do derrame; aderências, lado contra-lateral.


Fig. 1 - A: Posicionamento do doente em decúbito lateral. B: Posição dos trocateres



Três trocateres (Thoracoport - Ethicon - Estados Unidos) foram posicionados para a introdução da ótica (Olympus - Japão; 10mm; 30º.) e dos instrumentos endoscópicos (Ethicon Endosurgery - Estados Unidos; tesoura curva, pinça de preensão, pinça de dissecção e aspirador), um de 10 mm e dois de 5 mm, localizados, respectivamente, no quinto, quarto e sexto espaços intercostais nas linhas axilares médias (10 mm) e anteriores (5 mm) (Figura 1).

Após a introdução do primeiro trocater de 10 mm (ótica), uma inspeção de toda cavidade pleural foi realizada na busca de aderências, derrames ou sinais de doenças pleurais. Os demais trocateres foram posicionados sob visão toracoscópica. Procedeu-se à identificação das estruturas mediastinais, com especial ênfase ao nervo frênico (Figura 2). Em seguida, selecionou-se uma região tensa, abaixo do nervo frênico, a qual foi puncionada utilizando-se agulha endoscópica de punção com coleta de material para culturas, bioquímica e citologia. Posteriormente, o pericárdio foi aprisionado através de pinça endoscópica, sendo realizada então uma janela pericárdica com o auxílio de uma tesoura endoscópica curva (Figura 3).


Fig. 2 - A: Visão toracoscópica do mediastino. B: Visão toracoscópica do mediastino. Atentar para o nervo frênico (centro)


Fig. 3 - A: Punção do saco pericárdico. B: Realização da janela pericárdica e saída de líquido pericárdico



O fragmento com medida aproximada de 4-5 cm de diâmetro foi removido, retirado do tórax e enviado integralmente para exame histopatológico. Um dispositivo de aspiração endoscópico foi então utilizado para desprezar todo conteúdo líquido do saco pericárdico e desfazer eventuais aderências, liberando o coração.

Um dreno torácico foi introduzido pelo orifício do trocater mais inferior e fixado (Figura 4). A ventilação bipulmonar foi restabelecida com recrutamento alveolar sob visão toracoscópica e auxílio de manobra de Valsalva. Os doentes foram despertados da anestesia, extubados e enviados para a unidade de pós-operatório de cirurgia cardíaca e, em seguida, para a enfermaria.


Fig. 4 - Aspecto final do procedimento. Dreno torácico posicionado através do orifício mais inferior



Dados relativos ao tempo de drenagem torácica, complicações intra e pós-operatórias e recidiva foram coletados. O dreno torácico foi removido quando a drenagem diária foi menor que 100 ml.

Após a alta hospitalar, os doentes foram encaminhados ao seguimento ambulatorial regular.


RESULTADOS

A realização satisfatória do procedimento foi possível em 25 casos. Ocorreu apenas um caso de conversão para uma minitoracotomia por sangramento aumentado no intra-operatório.

Quatro (15,4%) casos foram realizados em caráter de urgência, ou seja, com necessidade de realização imediata após o diagnóstico. As variáveis intra-operatórias estão resumidas na Tabela 1.




Os diagnósticos pré e pós-operatórios estão resumidos na Tabela 2. Culturas e microbiologia foram negativas em todos os casos. Dois casos inicialmente classificados como de origem urêmica demonstraram ser neoplasias. Oito casos mantiveram diagnóstico de pericardite crônica inespecífica. Três casos ocorreram no pós-operatório de cirurgias cardíacas, nenhum deles em vigência de anticoagulação.




Em quatro pacientes, procedimentos concomitantes (biópsia pleural e/ou pulmonar) foram realizados. Em 16 (61,5%) paceintes, o lado abordado foi o esquerdo e em nenhum caso foi necessária a abordagem bilateral.

Ocorrem complicações menores intra-operatórias em três casos: taquicardia ventricular não-sustentada, edema agudo pulmonar e necessidade de intubação orotraqueal prolongada em um paciente portador de doença pulmonar obstrutiva crônica.

Não ocorreram óbitos relacionados ao procedimento. Uma mortalidade igual a 19,2% (n=5) foi constatada no seguimento tardio, sendo quatro casos em decorrência do avanço de doença neoplásica e um por aspergilose.

Ocorreu apenas uma recidiva (diagnóstico inicial de derrame secundário à uremia). O seguimento foi realizado com avaliação clínica e ecocardiográfica seriada.


DISCUSSÃO

Os derrames pericárdicos são uma doença relativamente comum na prática médica e em especial na cirurgia cardiovascular. Seu tratamento é por vezes considerado simples, quando se considera apenas o alívio sintomático pontual. Porém, a intervenção convencional muitas vezes é incapaz de fornecer resultados sustentáveis, com baixo índice de recidivas e alto índice de diagnóstico [3].

Tendo em vista que o diagnóstico correto pode influenciar positivamente o tratamento, obter um diagnóstico "de certeza" é fundamental no manejo adequado desses pacientes.

O melhor método para diagnosticar e tratar as efusões pericárdicas ainda é assunto controverso. Nos últimos anos, com o avanço dos procedimentos minimamente invasivos na cirurgia cardiovascular, maior ênfase tem sido dada a tal abordagem e relatos crescentes têm demonstrado a eficácia, segurança e reprodutibilidade do procedimento toracoscópico [4-7].

Além de permitir o esvaziamento das efusões pericárdicas, o procedimento é capaz de diagnosticar processos pleurais associados que podem ser investigados e tratados em um mesmo tempo operatório, tornando a avaliação invasiva muito mais completa.

Em nossa experiência, o procedimento demonstrou excelente capacidade de inspeção mediastinal e torácica, podendo ser realizado de maneira segura e rápida, bem como prover elementos que puderam modificar o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento específico de alguns pacientes. Nossa amostra foi capaz de demonstrar a capacidade do procedimento em fornecer diagnósticos etiológicos capazes de mudar a orientação terapêutica, inclusive com aumento substancial do número de neoplasias identificadas inicialmente como derrames idiopáticos.

Antes do procedimento, 14 doentes foram classificados como portadores de derrames idiopáticos ou a esclarecer, sendo este número reduzido para oito após a intervenção, demonstrando a capacidade do mesmo de afetar positivamente o diagnóstico.

Foram excluídos os doentes portadores de aderências pleurais e derrames traumáticos, por esta ser a experiência inicial da equipe no procedimento, evitando assim fatores possivelmente complicadores em sua realização. Alguns centros já não consideram estes achados como contra-indicações à realização da janela pleuro-pericárdica videotoracoscópica [5].

O seguimento da nossa amostra foi comparável com outros autores confirmando um índice baixo ou inexistente de recidivas, possivelmente pela realização de janelas pleuro-pericárdicas amplas [8-11].

A intervenção também não demandou a utilização de dispositivos de alto custo, visto que os trocateres e pinças podem ser constituídos de instrumental permanente, assim como o dispositivo de vídeo, viabilizando a intervenção em muitos centros de recursos limitados em nosso meio.

O tempo para realização do procedimento foi relativamente curto, porém maior que o relatado anteriormente para procedimentos convencionais através da janela subxifoídea [4]. Existiu uma curva de aprendizado nítida, na qual os primeiros procedimentos foram realizados em período maior, não afetando, entretanto, o número de complicações relacionadas ao mesmo.

A drenagem pericárdica videotoracoscópica mostrou ser um procedimento seguro, reprodutível e com complicações intra-operatórias não-fatais que não alteraram o resultado final. O índice de complicações foi semelhante ao relatado por Geissbühler et al. [12], porém, maior do que o reportado em outras séries de intervenção toracoscópica e subxifoídea, podendo eventualmente refletir diferenças nos grupos estudados e na experiência da equipe com o procedimento [13,14]. A intervenção foi efetiva na realização do diagnóstico e tratamento das efusões pericárdicas, permitindo ainda a realização de procedimentos pleurais associados.

As limitações de nosso estudo incluem o pequeno número de doentes, a ausência de intervenções em doentes instáveis e não randomização com o procedimento convencional.

Apesar disto, podemos supor pelos nossos achados e dos crescentes relatos de segurança e efetividade da literatura, que, em casos selecionados, a abordagem dos derrames pericárdicos por videotoracoscopia possa ser a preferencial, no intuito de evitar recidivas e permitir maior índice de diagnóstico de certeza.


REFERÊNCIAS

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Article receive on quinta-feira, 3 de abril de 2008

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