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ARTIGO ESPECIAL

Proposta de correção virtual geométrica da projeção ostial da artéria renal no estudo operatório de aneurismas infrarrenais: resultados iniciais de um estudo piloto

Giovani José Dal Poggetto MolinariI; Andreia Marques de Oliveira DalbemI; Fábio Hüsemann MenezesII; Ana Terezinha GuillaumonIII

DOI: 10.5935/1678-9741.20140014

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

3D: Três dimensões

AAA: Aneurisma de aorta abdominal

DICOM: Digital imaging and communications in medicine

h: Altura

MIP: Maximum intensity projection

MPR: Multiplanar reconstruction

r: Raio

TC: Tomografia computadorizada

INTRODUÇÃO

Sabe-se que para o preparo pré-operatório endovascular dos aneurismas de aorta abdominal (AAA) infrarrenais é necessária a mensuração acurada das características morfológicas e anatômicas do aneurisma, como diâmetros, comprimentos e angulações, estratégia essencial para a sua exclusão, resultado final do procedimento endovascular [1].

Com o aprimoramento da tecnologia de informação, o estudo de tomografias biplanares helicoidais associado à aortografias complementares com cateteres centimetrados foi substituído pelo uso de tomografias computadorizadas (TC) multicanais (multislice), com cortes em espessuras menores e com maior riqueza de detalhes que, quando associadas a softwares de reconstrução em três dimensões (3D), permitem a reprodução virtual digitalizada do doente e de sua anatomia [2].

A TC e a angiotomografia (angioTC) têm um papel essencial no planejamento pré-intervencionista e no controle do procedimento, sendo considerada o exame de escolha na avaliação do paciente candidato ao tratamento envodascular e para o seu acompanhamento, na pesquisa de complicações [3].

Estas reconstruções permitem a avaliação rápida da extensão do aneurisma, acometimento visceral, presença de angulações, tortuosidade e dificuldade de acesso. Uma análise acurada dos cortes axiais, coronais e sagitais possibilita o planejamento do tipo de endoprótese a ser utilizada. Isto é alcançado com o uso de métodos de reconstrução disponíveis nos softwares, como a reconstrução multiplanar (MPR e MPR-Curved), projeção de intensidade máxima (MIP) e reconstrução 3D da imagem de volume.

Nesta etapa, realizada no período pré-operatório, obtém-se as informações necessárias para o planejamento cirúrgico. Desta forma, é possível a aquisição de imagens finais que ofereçam não só melhor acurácia das medidas e das características morfológicas do aneurisma como também o estudo da sua relação anatômica com demais artérias do eixo aorto-ilíaco [1].

Um aspecto importante do planejamento é a determinação do melhor posicionamento intraoperatório da radioscopia, com uma visualização perfeitamente perpendicular à origem da artéria renal mais baixa. Um posicionamento subótimo pode causar sobreposição das estruturas vasculares, impedindo o uso de toda a extensão do colo para fixação da endoprótese e selamento proximal [4].

Expõem-se aqui os resultados iniciais de um projeto piloto, feito por análise da viabilidade da manipulação de imagens tomográficas em software, na visualização e determinação da angulação radioscópica do colo do aneurisma, através do emprego de uma técnica inédita. Acredita-se que esta técnica é bastante simples, de alcance prático imediato e que pode ser facilmente incorporada na rotina de planejamento de tratamentos endovasculares com endopróteses. Até o momento, reunimos uma série de casos de cerca de 14 estudos com resultados animadores. Para fins de ilustração da técnica empregada, descrevem-se a seguir os passos desenvolvidos em um dos casos de nossa série.

 

MÉTODOS

Foram analisadas tomografias multicanais de doentes submetidos a correção endovascular de AAA infra-renal no Centro de Alta Complexidade em Cirurgia Endovascular da Universidade Estadual de Campinas, de Agosto a Dezembro de 2013.

Utilizou-se de reconstrução tridimensional multiplanar por meio de software (OsiriX MD) de manipulação de imagens DICOM - Digital Imaging and Communications in Medicine - em análise de aneurismas em série de imagens com cortes tomográficos finos de 1 a 3mm, meio de contraste iodado intravenoso em fase arterial.

Escolheu-se a artéria renal mais baixa como referência para o tratamento das imagens, por constituir-se o colo proximal o seu segmento até o início do AAA [5]. O objetivo foi alcançar uma imagem perfeitamente perpendicular à sua origem - ou seja, sua projeção ostial - de forma a corrigir angulações ântero-posteriores próprias de sua morfologia e quaisquer efeitos rotacionais provocados pela tortuosidade do AAA. Para isto, um corte linear ao eixo da aorta (no nível da emergência da artéria renal mais baixa) foi conseguido em imagem axial, fornecido pela correção em ângulo reto das projeções sagital e coronal em MPR (Figura 1).

 

Mediante análise da imagem axial, procedeu-se então à construção de um triângulo equilátero circunscrito. Traçou-se uma linha central ao eixo da aorta e paralela à tangente da parede arterial no óstio renal, onde se realizou uma primeira marca na parede anterior da aorta (Figuras 2A e 2B). Este é o vértice assumido como o ápice da pirâmide no início da construção do triângulo.

 

 

Assim, reproduziram-se duas marcas adicionais, orientadas pela altura do triângulo, colocadas posteriormente, de forma a construir um triângulo equilátero (Figura 2C). Para cálculo da marcação, utilizou-se de conceitos de construção geométrica, onde a altura (h) de um triângulo equilátero em um círculo corresponde ¾ do diâmetro, ou a 1 e ½ vez o raio da circunferência [6] (r) (Figura 2D).

Partindo-se do conceito geométrico de que três pontos estão sempre no mesmo plano, procedeu-se à reconstrução tridimensional da tomografia. Por meio da manipulação rotacional da imagem, alinharam-se os 3 pontos em um único eixo, equidistantes (Figura 3). Os ângulos de projeção da visualização da imagem foram fornecidos automaticamente pelo software (destaque).

 

As imagens e angulações alcançadas durante a reconstrução 3D no software foram reproduzidas no intraoperatório - com correção do posicionamento angular do aparelho de radioscopia - revelando-se serem equivalentes (Figuras 4A, B e C).

 

Acrescenta-se ainda que - para próteses que possuem acima de duas marcações radiopacas no mesmo nível em sua porção proximal - pôde-se observar, após a liberação da endoprótese, um posicionamento em linha reta destas marcações [4] o que reforça a ideia de visualização perpendicular do colo (Figura 4D).

 

DISCUSSÃO

No início da última década, o estudo de TC biplanares helicoidais associado a aortografias complementares com cateteres centimetrados era recomendado a todos os candidatos à correção endovascular dos AAA, por apresentarem-se como exames de valores complementares: enquanto a primeira fornecia informações bastante acuradas sobre os diâmetros, a última permitia uma avaliação precisa do comprimento [7].

Devido ao acentuado desenvolvimento tecnológico da TC - desde a introdução da aquisição helicoidal aos equipamentos de múltiplos canais de detectores com sistemas eficientes de transmissão, processamento e armazenamento de dados - foi possível a redução do tempo de aquisição das imagens assim como o desenvolvimento de algoritmos de reconstrução mais sensíveis e precisos, com melhor performance e resolução espacial [2].

Atualmente, por meio da angioTC é realizada a morfometria, baseando-se na avaliação da configuração, comprimentos e diâmetros da aorta e das artérias ilíacas e relacionados com a lesão de interesse quanto à técnica de realização do procedimento endovascular. Permite, inclusive, avaliar variações anatômicas relevantes à escolha da endoprótese e da técnica cirúrgica relacionada [2].

Entretanto, a avaliação intraoperatória da liberação da endoprótese é geralmente guiada pela angiografia, a qual fornece imagem bidimensional. Por isso, sabe-se que colo proximal dos AAA e/ou artérias ilíacas muito angulados podem dificultar a visualização exata do óstio da artéria renal.

O posicionamento ideal do aparelho de radioscopia durante o procedimento cirúrgico pode ser diferente do esperado durante o estudo pré-operatório, na medida em que o colo do aneurisma possivelmente se encurte ou alongue acima do esperado [4]. Diante disto, alguns autores argumentam que a anatomia do vaso pode mudar devido à inserção dos fios guia rígidos, introdutores e do próprio sistema de entrega. Assim, acreditam que a imagem da TC pré-operatória pode ser diferente da angiografia intraoperatória [6].

Van Keulen et. al. [4] discorrem sobre a necessidade da determinação da disposição intraoperatória do arco cirúrgico, alegando que um posicionamento subótimo levaria o cirurgião a subestimar o comprimento total do colo do aneurisma e a não utilização em sua totalidade para liberação e fixação da endoprótese. Esta interpretação poderia ser causada por uma aparente sobreposição de estruturas vasculares na imagem angiográfica biplanar convencional. Recomenda que a angulação ideal e o posicionamento sejam determinados levando-se em consideração a angulação ântero-posterior do colo e a orientação horária das artérias renais. Descreve, ainda, que, embora a angulação do colo do aneurisma possa ser modificada, o posicionamento angular das artérias renais não se modifica mesmo sob a influência dos fios guias inseridos ou da própria endoprótese [4,8].

Nossa proposta foi simplificar este cálculo, com obtenção simultânea dos ângulos oblíquos e craniocaudais utilizando-se conceitos de geometria tridimensional e de triangulação espacial, com o auxílio do software. Isto posto, embora sejam resultados de um projeto piloto em andamento, estes se mostraram bastante encorajadores.

Com isso, acreditamos que é possível por meio de conceitos de correção geométrica e por meio da manipulação das imagens DICOM em software, traçar o mesmo ângulo de projeção ostial da artéria renal em imagem bidimensional intraoperatória (angiografia).

Ao reproduzir tomograficamente um corte transversal em ângulo reto (ou seja, perpendicular ao eixo da aorta), com rotação e exposição ortogonal da artéria renal, consegue-se prever a necessidade de correção intraoperatória da projeção da radioscopia na obtenção de imagem angiográfica bidimensional.

Utilizando-se da aplicação de conceitos de geometria espacial para alcançar o melhor ângulo de exposição ostial da artéria renal de forma sistemática, reduzem-se as variações entre os observadores do estudo e possibilita-se a reprodutibilidade da técnica, reduzindo-se os erros de interpretação interpessoais.

Quanto mais próxima da reprodução tomográfica for essa correção radioscópica, mais cuidadosa é a visualização do óstio da artéria renal, melhor é o aproveitamento do colo para a fixação e selamento e mais precisa é a liberação da endoprótese.

REFERÊNCIAS

1. Oderich GS, Malgor RD. Aneurisma da Aorta toracoabdominal. In: Lobato AC (org). Cirurgia Endovascular. 2nd ed. São Paulo: Instituto de Cirurgia Vascular e Endovascular de São Paulo; 2010. p.695-742.

2. Pitoulias GA, Donas KP, Schulte S, Aslanidou EA, Papadimitriou DK. Two-dimensional versus three-dimensional CT angiography in analysis of anatomical suitability for stentgraft repair of abdominal aortic aneurysms. Acta Radiol. 2011;52(3):317-23. [MedLine]

3. Kuroki IR, Magalhães FV, Rizzi P, Coreixas IMH. Angiotomografia. In: Brito CJ. Cirurgia Vascular: cirurgia endovascular, angiologia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2014. p.437-96.

4. van Keulen JW, Moll FL, van Herwaarden JA. Tips and techniques for optimal stent graft placement in angulated aneurysm necks. J Vasc Surg. 2010;52(4):1081-6. [MedLine]

5. Lobato AC. Aneurisma da Aorta Infrarrenal. In: Lobato AC (org). Cirurgia Endovascular. 2nd ed. São Paulo: Instituto de Cirurgia Vascular e Endovascular de São Paulo; 2010. p.743-96.

6. Rigonatto M. Triângulo equilátero inscrito numa circunferência. [cited 2013 Mai 22]. Available from: http://www.mundoeducacao.com/matematica/triangulo-equilatero-inscrito-numa-circunferencia.htm

7. Espinosa G, Marchiori E. Araújo AP, Caramalho MF, Barzola P. Abdominal aorta orphometric study for endovascular treatment of aortic aneurysms: comparison between spiral CT and angiography. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002;17(4):323-30.

8. van Keulen JW, Moll FL, Tolenaar JL, Verhagen HJM, van Herwaarden JA. Validation of a new standardized method to measure proximal aneurysm neck angulation. J Vasc Surg. 2010;51(4):821-8. [MedLine]

Não houve suporte financeiro.

Papéis & responsabilidades dos autores

GJDPM: Autor principal, idealizador da técnica descrita. Pesquisador principal da manipulação das imagens utilizadas, da redação do Projeto Piloto e do Projeto de Pesquisa e do levantamento bibliográfico.

AMOD: Coautora. Colaboradora do desenvolvimento e da aplicação da técnica descrita, pesquisadora auxiliar durante o desenvolvimento do Projeto de Pesquisa

FHM: Coautor. Revisor da redação da Nota Técnica, correção e elaboração do Abstract. Revisor da bibliografia.

ATG: Coautora. Orientadora. Revisora Final da Nota Técnica, do Projeto Piloto e do Projeto de Pesquisa

Article receive on sexta-feira, 30 de agosto de 2013

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