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ARTIGO ORIGINAL

Bandagem ajustável do tronco pulmonar. IX: atividade da G6PD do miocárdio de cabras adultas submetido ao treinamento ventricular

Renato Samy AssadI,IV; Leonardo Augusto MianaI,II,IV; Miriam Helena Fonseca-AlanizI,V; Maria Cristina Donadio AbduchI,VI; Gustavo José Justo da SilvaI,III,VII; Fernanda Santos de OliveiraI,VIII; Luiz Felipe Pinho MoreiraI,IV; José Eduardo KriegerI,IV

DOI: 10.5935/1678-9741.20130079

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

ANOVA: Análise de variância

Ao: Aorta

ATP: Adenosina trifosfato

BTP: Bandagem do tronco pulmonar

COBEA: Colégio Brasileiro de Experimentação Animal

ECG: Eletrocardiograma

G6PD: Glicose 6-Fosfato Desidrogenase

IM: Intramuscular

IV: Intravenoso

NADPH: Fosfato de dinucleotídeo de nicotinamida e adenina

Pi: Peso inicial

Os: Peso seco

SIV: Septo interventricular

TCCGA: Transposição congenitamente corrigida das grandes artérias

TGA: Transposição simples das grandes artérias

TP: Tronco pulmonar

VD: Ventrículo direito

VE: Ventrículo esquerdo

INTRODUÇÃO

Pacientes adolescentes ou adultos, portadores de transposição congenitamente corrigida das grandes artérias (TCCGA) e aqueles com transposição simples das grandes artérias (TGA), submetidos à cirurgia de Senning ou Mustard, podem evoluir com disfunção do ventrículo direito (sistêmico) [1,2]. O treinamento do ventrículo subpulmonar para a correção anatômica, nesse universo de doentes, ainda apresenta resultados desapontadores. A hipertrofia induzida por sobrecarga pressórica aguda pode levar a focos de necrose celular no miocárdio hipertrofiado e a consequente disfunção ventricular tardia [3,4]. No momento atual, é essencial compreender os mecanismos moleculares envolvidos nesse processo de hipertrofia miocárdica do miocárdio maduro, induzida pela bandagem do tronco pulmonar (BTP), para se estabelecer protocolos de treinamento que levam a uma hipertrofia fisiológica "desejável".

Em condições fisiológicas, os ácidos graxos participam como principal substrato de energia do miocárdio, especialmente os de cadeia longa [5]. A oxidação de ácidos graxos na mitocôndria representa aproximadamente 70% de toda a produção de adenosina trifosfato (ATP) no coração normal [6,7]. Por outro lado, vários estudos demonstraram que existe uma preferência alterada de substratos cardíacos no coração falido e no hipertrófico a favor da oxidação da glicose [8,9]. Contudo, a direção de mudança de substrato energético varia de acordo com a etiologia e gravidade da disfunção ventricular, sendo o grau de modulação metabólica um importante determinante de uma função adaptativa ou mal adaptativa, no contexto de estados que levem à hipertrofia patológica.

A Glicose 6-Fosfato desidrogenase (G6PD) é a primeira e principal enzima da via das pentoses fosfato, que é uma via alternativa e independente da glicólise e que gera nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH) e pentoses (ribose-5-fosfato). Ela catalisa a conversão de G6PD em 6-Fosfogluconolactona. As duas fases desse processo são a geração de NADPH e a síntese não-oxidativa de pentoses. Ela mantém o nível da coenzima NADPH, que, por sua vez, mantém o nível de glutationa reduzida, que protege as células da lesão oxidativa em condições normais. Portanto, a atividade da enzima G6PD aumenta quanto maior a necessidade de NADPH.

Existem evidências de que a maior atividade da G6PD promove uma produção aumentada de radicais superóxidos e de estresse oxidativo em doenças como diabetes, insuficiência cardíaca e hipertensão. Estudos prévios do metabolismo energético da hipertrofia aguda do miocárdio de animais jovens demonstraram um aumento da atividade G6PD na sobrecarga sistólica contínua, associada à disfunção ventricular, quando comparada à sobrecarga intermitente [10].

No contexto do processo de hipertrofia miocárdica em pacientes adultos para o preparo para a cirurgia de Jatene, seria também interessante avaliar as alterações ocorridas no metabolismo energético do ventrículo subpulmonar de animais adultos. Este estudo objetiva avaliar diferenças qualitativas do processo de hipertrofia miocárdica induzida por sobrecarga de pressão contínua e intermitente, por meio de marcadores biológicos que expressem eventuais modificações fenotípicas do metabolismo energético, tais como a G6PD.

 

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do HC - FMUSP (protocolo SDC 2660/05/080) e realizado de acordo com as normas de uso de animais em ensino e pesquisa do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA). Foram utilizadas 18 cabras adultas, com pesos comparáveis (P=0,63), divididas em três grupos: grupo convencional [n=6, peso=26,33 kg ± 2,32 kg, BTP com sobrecarga sistólica contínua do ventrículo direito (VD)], grupo sham, ou controle positivo (n=6, peso=26,42 ± 2,63 kg, bandagem frouxa, sem sobrecarga do VD), e grupo intermitente (n=6, peso=25,17 ± 2,48 kg, BTP com dispositivo ajustável e 12 horas/dia de sobrecarga sistólica intermitente do VD).

Anestesia

Os animais permaneceram 24 horas em jejum antes da cirurgia. O pré-anestésico foi feito com Xilazina 2%, na dose de 0,1 mg/kg, intramuscular (IM). A indução anestésica foi obtida com propofol 1% (7 mg/kg) intravenoso (IV) para intubação orotraqueal. Os animais foram mantidos em ventilação mecânica (Takaoka Fuji Maximus, São Paulo, SP), com fração inspirada de oxigênio entre 60% a 100% e inalação de Isoflurano (1% a 2%). As cabras foram posicionadas em decúbito lateral direito, monitorizadas com eletrocardiograma contínuo (ECG) e linha de pressão arterial invasiva contínua, (artéria auricular). A analgesia pós-operatória foi obtida nos três primeiros dias com a administração de Cloridrato de Tramadol (2 mg/kg, IM).

Procedimento Cirúrgico

As cabras foram preparadas para procedimento estéril, conforme descrito previamente [11,12]. Nos animais do grupo convencional, a BTP foi realizada com fita cardíaca de algodão (Polysuture, São Sebastião do Paraíso, MG), posicionada cerca de 10 mm acima do plano valvar. Nos animais do grupo sham e intermitente, foi implantado dispositivo de bandagem ajustável posicionado imediatamente acima da valva pulmonar e fixado à adventícia do TP. O botão de insuflação foi implantado e fixado no subcutâneo do tórax. Os cateteres de monitorização hemodinâmica foram exteriorizados e mantidos com heparina. Os animais receberam profilaticamente cefazolina (30 mg/kg), gentamicina (4 mg/kg) e penicilina benzatina (500.000 UI) por via intramuscular. Após duas semanas, a dose de penicilina benzatina foi repetida. Também foi administrada heparina sódica na dose de 5.000 UI, por via subcutânea, diariamente até o final do protocolo.

Descrição do dispositivo de bandagem ajustável

O dispositivo de porte adulto foi desenvolvido em colaboração com a SILIMED, indústria de silicone e instrumental médico-cirúrgico e hospitalar Ltda., Rio de Janeiro, RJ, conforme publicado anteriormente [11,12]. Apresenta diâmetro externo de 24 mm e largura de 6 mm. A superfície interna apresenta uma camada distensível de silicone com espessura entre 0,6 e 0,8 mm, cuja expansão comprime a luz do TP, conforme a quantidade de líquido injetada no botão de insuflação. Esse botão é implantado no subcutâneo, permitindo assim o ajuste fino do diâmetro do anel de bandagem por via percutânea.

Protocolo de sobrecarga sistólica do VD e leitura das pressões

Grupo Convencional

O treinamento do VD foi iniciado na cirurgia de implante da bandagem. Os animais permaneceram em sobrecarga sistólica contínua do VD por um período de quatro semanas, com bandagem fixa convencional, ajustada no dia da cirurgia, de modo a atingir uma pressão sistólica de VD de aproximadamente 70% da pressão sistólica sistêmica, desde que não provocasse queda superior a 10% da última. Com o animal consciente e imobilizado em maca especial, as pressões de VD, TP e aorta (Ao) foram anotadas duas vezes por semana.

Grupo Sham

As medidas hemodinâmicas foram realizadas duas vezes por semana, durante as quatro semanas do estudo, assim como no grupo convencional, com o dispositivo de bandagem mantido desinsuflado ao longo do protocolo.

Grupo Intermitente

O treinamento do VD foi iniciado após aproximadamente 60 horas de convalescença. Como no grupo convencional, as pressões basais de VD, TP e Ao foram anotadas com o animal consciente e com o dispositivo completamente desinsuflado. Posteriormente, o dispositivo de bandagem ajustável foi insuflado com soro fisiológico 0,9%, de modo a atingir o mesmo padrão de sobrecarga sistólica do VD do grupo convencional. A seguir, as pressões foram aferidas novamente. A sobrecarga sistólica do VD foi mantida por um período de 12 horas, após o qual as pressões arteriais do animal foram novamente anotadas. Em seguida, o dispositivo foi desinsuflado e, mais uma vez, as pressões foram aferidas. O procedimento de insuflar e desinsuflar o dispositivo foi realizado diariamente por quatro semanas, sendo que as pressões foram aferidas três vezes por semana. Nos dias alternados, o volume injetado no dispositivo correspondeu ao mesmo volume calculado no último dia de medidas hemodinâmicas.

Estudo ecocardiográfico

Todos os animais foram submetidos à avaliação ecocardiográfica pelo mesmo observador, previamente ao início do protocolo, assim como semanalmente no pós-operatório. Para a realização dos exames, as cabras eram sedadas com Ketamina (10 mg/kg, via IM) e mantidas em decúbito lateral esquerdo durante os exames. Utilizou-se aparelho de ecocardiograma ACUSON Cypress (Siemens Healthcare, Mountain View, E.U.A.) e transdutor setorial multifrequencial (1,8-3,6 MHz) para a obtenção das imagens e análise dos fluxos. As espessuras do septo interventricular (SIV) e da parede posterior do ventrículo esquerdo (VE) foram mensuradas no ecocardiograma bidimensional, no final da diástole, através do corte paraesternal longitudinal na altura das cúspides da valva mitral [13]. A espessura da parede livre do VD foi obtida no corte paraesternal transverso (na altura dos vasos da base e no nível dos músculos papilares) e no corte longitudinal quatro câmaras, na região onde seus limites fossem mais facilmente visibilizados. A seguir, obteve-se a média aritmética desses valores.

Pesagem das massas cardíacas

Após o encerramento do protocolo, foi realizada a eutanásia para ressecção do coração. O plano anestésico foi aprofundado e administrada heparina (5 mg/kg por via endovenosa). A seguir, foi administrado cloreto de potássio até causar parada cardíaca. Nesse momento, foram colhidas amostras do VD, VE e SIV, pesadas e imediatamente acondicionadas em recipientes plásticos previamente identificados. Essas amostras foram armazenadas em nitrogênio líquido (-80ºC) e encaminhadas ao Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, onde foram conservadas em freezer especial (Forma Scientific -80ºC). Posteriormente, o coração foi então removido do tórax. Os grandes vasos, átrios, juntamente com as valvas cardíacas, e a gordura epicárdica foram cuidadosamente ressecados. As paredes ventriculares e septal foram separadas para pesagem individual das massas cardíacas em balança digital METTLER AE-200 (Mettler-Toledo AG, Greifensee, Suíça).

Conteúdo de água dos tecidos

Após pesagem, foram colhidas amostras de cada uma das paredes cardíacas para avaliação de conteúdo de água. O peso inicial (Pi) de cada amostra foi obtido, sendo então acondicionada em papel alumínio e devidamente identificada antes de serem colocadas na estufa (temperatura: 55-60ºC). Após cerca de 70 horas de desidratação, cada amostra foi novamente pesada para obtenção do peso seco (Ps). O percentual do conteúdo de água foi então obtido por meio da seguinte fórmula, assumindo que a distribuição de água foi homogênea no septo e nos ventrículos:

CA (%) = 100 - (Ps x Pi-1 x 100)

Análise da atividade máxima da G6PD

A atividade máxima da G6PD foi determinada nas amostras do septo e dos ventrículos. As amostras foram armazenadas em nitrogênio líquido, que foram homogeneizadas em tampão de extração (proporção 1:5 peso/volume). O material mantido em gelo foi homogeneizado por 30 segundos, usando Polytron (PT 3100, Kinematica AG, Littau-Lucerne, Suíça) na velocidade máxima e centrifugado (15.000 g, 15 minutos, 4ºC) em Centrífuga 5417 C/R- Eppendorf (Hamburgo, Alemanha), para separação dos restos celulares. O sobrenadante da última centrifugação foi utilizado para análise da atividade enzimática.

As proteínas foram quantificadas pelo kit de ensaio proteico BCATM (PIERCE Biotechnology, Rockford, IL, E.U.A.). Os resultados foram expressos em nmol.min-1.mg-1 de proteína presente no extrato. O tampão de extração para a G6PD continha Tris-HCl (50 mM) e EDTA (1 mM), pH 8,0. O tampão de ensaio utilizado (volume de 270 mL por amostra) consistiu de Tris-HCl (8,6 mM), MgCl2 (6,9 mM), NADP+ (0,4 mM) e Triton X-100 0,05% (volume/volume), pH 7,6. A reação foi iniciada com a adição de 15 mL de Glicose-6-fosfato (1,2 mM) ao extrato enzimático (15 mL de amostra) e acompanhada por 10 minutos, a 25ºC. A absorbância foi monitorada a 340 nm, sendo o coeficiente de extinção para esse comprimento de onda igual a 6,22.

O princípio da reação baseia-se na formação de glicose-6-fosfato a partir da glicose e posterior formação de 6-fosfogluconato pela ação da enzima G6PD. A atividade da G6PD foi determinada indiretamente como medida da produção total de NADPH pela via das pentoses.

Análise estatística

As médias de variáveis hemodinâmicas e ecocardiográficas foram comparadas entre os grupos e, ao longo do protocolo, por meio de análise de variância (ANOVA) de dois fatores para medidas repetidas, seguida das comparações múltiplas de Bonferroni. Já os valores de massa, conteúdo de água e atividade máxima da enzima G6PD do VD, VE e SIV foram comparados por meio de ANOVA de um fator, seguido das comparações múltiplas de Bonferroni. A sobrecarga sistólica imposta ao VD, dos grupos convencional e intermitente, foi avaliada por meio do cálculo das áreas sob as curvas (método trapezoidal). A comparação entre essas áreas foi realizada por meio de teste t de Student não-pareado. Os valores estão apresentados na forma de média ± desvio padrão, exceto quando indicado. Para todos os casos o nível de significância utilizado foi de 5%. As análises estatísticas foram realizadas com auxílio dos softwares utilizando o programa GraphPad Prism v.4 (San Diego, CA - EUA) e SigmaStat v.3.11.0 (Systat Software, Inc., San Jose, CA, EUA).

 

RESULTADOS

Medidas Hemodinâmicas

Gradiente de pressão VD/TP

O grupo convencional apresentou uma queda do gradiente após o segundo dia pós-operatório (de 45 ± 4,9 mmHg para 39,25 ± 13,05 mmHg), permanecendo estável até o fim do protocolo (limites: 36,33 ± 4,04 mmHg a 40 ± 7,72 mmHg). Houve uma queda significante do gradiente VD/TP no grupo convencional, no momento da eutanásia (P<0,05), comparado aos valores da quarta semana. No grupo sham, o gradiente de pressão fisiológico (limites: 4,67 ± 2,08 mmHg a 9,40 ± 4,51 mmHg) foi mantido durante todo o protocolo, diferentemente dos demais grupos (P<0,05).

Os picos de gradientes atingidos pelo grupo intermitente (limites: 46,67 ± 6,80 mmHg a 59 ± 8,29 mmHg) foram significativamente maiores (P<0,05), alternados com períodos de "descanso" do VD. O gradiente VD/TP permaneceu elevado em ambos os grupos de estudo, comparados ao sham (P<0.001). O grupo convencional foi submetido a uma área de sobrecarga sistólica (23.764 ± 2.192 mmHg.h) maior que a do intermitente (17.414 ± 1.144 mmHg.h; P<0.0001). Ambos os grupos estimulados tiveram área de sobrecarga sistólica maior que o grupo sham (3.841 ± 1.298 mmHg.h; P<0.05).

Razão de pressões VD/Ao

A razão pressórica VD/Ao basal de aproximadamente 0,25 foi semelhante em todos os grupos. Durante a cirurgia, foi possível atingir a relação VD/Ao de 0,70 nos grupos estimulados. No entanto, notou-se queda significativa dessa razão no grupo convencional, a partir da primeira semana (P<0,05), que se manteve ao longo do período estudado. No grupo sham, a relação VD/Ao basal permaneceu estável ao longo do protocolo (P<0,05). Já no grupo intermitente, a relação VD/Ao máxima manteve-se em torno de 0,7 ao longo de todo o período de estudo, diferentemente do grupo convencional (Figura 1; P<0,05).

 

 

Achados ecocardiográficos

Espessura das massas cardíacas. Foi observada uma variação percentual expressiva da espessura da parede livre do VD no grupo intermitente, comparado ao grupo sham (P<0,001), a partir da primeira semana de estudo e, quando comparado ao grupo convencional, na segunda e na quarta semanas de estudo (P<0,01; Figura 2). As espessuras do SIV e da parede posterior do VE não apresentaram variações entre os grupos.

 

 

Achados Morfológicos

Pesagem das Massas Cardíacas

A Tabela 1 apresenta os dados de peso das massas das cavidades ventriculares. Os grupos intermitente e convencional apresentaram aumento de 57% e 36,7%, respectivamente, da massa do VD em relação ao grupo sham (P<0,05). Os pesos das massas do SIV (P=0,09) e do VE (P=0,30) não variaram entre os grupos.

 

 

Conteúdo de Água

O conteúdo de água do miocárdio do VD dos grupos convencional (79,67 ± 1,25%), sham (79,16 ± 1,28) e intermitente (80,61 ± 1,87) não diferiu entre si (p=0,27).

Atividade máxima da enzima G6PD

A Tabela 2 apresenta a média dos valores absolutos da atividade máxima da enzima G6PD nos grupos convencional, sham e intermitente. Os valores da atividade máxima dessa enzima no VD do grupo convencional foram significativamente superiores aos do grupo sham em 55,2% e aos do grupo intermitente em 40,7% (P=0,05). Esses dados estão representados na Figura 3. Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos para o VE (P=0,39) e SIV (P=0,31).

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo experimental procurou comparar o processo hipertrófico do VD de cabras adultas, submetidas à sobrecarga sistólica intermitente versus convencional, com ênfase no metabolismo energético do processo de treinamento ventricular do miocárdio maduro. Do ponto de vista morfológico, previa-se uma hipertrofia diferenciada, em favor do grupo convencional, pela maior exposição do miocárdio ao estímulo hipertrófico, quantificado pela maior área de sobrecarga sistólica do VD.

Entretanto, ambos os grupos de treinamento ventricular foram capazes de promover hipertrofia ventricular de magnitude semelhante, quando comparados ao grupo sham, embora o grupo intermitente tenha demonstrado maior desenvolvimento da espessura da parede livre do VD sob a visão ecocardiográfica, tempo bem maior que o demonstrado no processo de hipertrofia aguda de animais jovens, submetidos a apenas 96 horas de sobrecarga sistólica intermitente. Isso ocorreu a despeito de menor tempo de exposição à sobrecarga sistólica no grupo intermitente.

Ademais, as espessuras septais não se alteraram sob a análise morfológica e/ou ecocardiográfica, o que também diverge do aumento significativo da massa septal observado em animais jovens, conforme demonstrado previamente [10]. Talvez, essa divergência possa ser explicada pela produção mais eficiente de proteína do miocárdio jovem, em relação ao miocárdio maduro. O conteúdo de água no miocárdio, expressão de edema celular, não variou entre os grupos, o que sugere um ganho de massa predominantemente à custa de síntese proteica.

Estudos prévios realizados em nosso laboratório demonstraram uma avaliação morfológica e funcional inferior do VD de cabras adultas submetidas à bandagem convencional, em relação à sobrecarga sistólica intermitente, durante período similar de estudo [11,12]. Paralelo ao mau desempenho ventricular do grupo convencional, foi observada uma maior atividade da enzima G6PD no VD desse grupo, após as quatro semanas de estudo, corroborando os achados de 96 horas de sobrecarga sistólica em animais jovens [10]. Essa maior atividade enzimática da G6PD denota uma exacerbação do ciclo das pentoses fosfato e pode corresponder à perda do equilíbrio redox, com maior produção de NADPH e glutationa reduzida e o desencadeamento do estresse oxidativo, derivado de ânions superóxido relacionados à NADPH oxidase.

Em condições patológicas, há formação de NADPH por ativação da G6PD, após o estímulo de uma série de fatores, como a angiotensina II, trombina e fator de necrose tumoral alfa [14,15]. A cardiomiopatia relacionada à agregação proteica e lesão miocárdica seria a consequência final. Crescentes evidências apontam para a associação da maior atividade de G6PD com o estresse oxidativo e redutivo, sendo que novas drogas têm sido desenvolvidas a fim de inibir sua atividade [16]. Por exemplo, pacientes portadores de diabetes mellitus apresentam aumento da atividade de G6PD e dos níveis de NADPH. Esse distúrbio metabólico está associado à disfunção endotelial por inibição da síntese de óxido nítrico [17].

Embora os mecanismos responsáveis pela maior produção de radicais livres no coração não sejam completamente entendidos, foi proposto que a oxidação aumentada de glicose aumente o potencial da membrana mitocondrial, incrementando assim a atividade de NADPH oxidase no sistema vascular, com consequente aumento da produção de ânions superóxido [18,19]. Esses últimos seriam mediadores da vasculopatia do diabetes e precursores da disfunção miocárdica relacionada à doença [20,21]. Na insuficiência cardíaca induzida por marca-passo, existe uma expressão aumentada em dez vezes de G6PD, quando comparada a corações normais [22].

Embora o presente estudo não tenha avaliado diretamente a produção de radicais livres associados à NADPH oxidase, especula-se que a maior expressão de G6PD observada no VD do grupo convencional sugere que a via das pentoses aumente a disponibilidade de NADPH, proporcionando liberação de radicais livres via NADPH oxidase e óxido nítrico sintetase. Portanto, isso poderia desencadear a lesão miocárdica induzida por acúmulo de ânions superóxido e agregação proteica, subsequentemente levando a disfunção ventricular, caso a sobrecarga persista. Corroborando essa ideia, a recuperação funcional de corações com hipertrofia compensada é significativamente maior que a de corações não hipertróficos, quando a perfusão do miocárdio é intermitentemente restabelecida, manobra que previne ou minimiza o acúmulo de produtos glicolíticos e íons H+. Certamente, a recuperação desse fluxo coronariano subendocárdico durante os períodos de descanso do grupo intermitente evitaria o acúmulo desses produtos de glicólise e íons H+.

Além do mais, a oxidação de ácidos graxos é diretamente estimulada durante o restabelecimento da reperfusão subendocárdica, nos períodos de descanso da sobrecarga sistólica, como resultado de alterações nas enzimas e metabólitos responsáveis pela regulação da oxidação de ácidos graxos. O predomínio da oxidação dos ácidos graxos durante os momentos de descanso do VD levaria à redução da utilização da glicose pelo miocárdio. Por outro lado, a maior eficiência da sobrecarga sistólica intermitente pode estar relacionada ao disparo do estímulo hipertrófico e da cascata de síntese proteica da mesma forma que no grupo convencional, porém com menor gasto energético para o miocárdio. Provavelmente, o mecanismo desse processo hipertrófico desencadeado pela cascata molecular pode se desenvolver em boas condições durante os períodos de descanso e transporte de oxigênio ideal. Portanto, é necessário considerar o tipo de treinamento, em relação ao grau e à duração da sobrecarga sistólica e seu impacto no miocárdio. Embora o aumento de G6PD seja uma via inespecífica de produção de radicais livres, este estudo demonstrou uma concordância entre disfunção ventricular direita do grupo convencional, demonstrada previamente, e aumento da atividade da enzima G6PD, uma situação de oferta inadequada de oxigênio pela sobrecarga sistólica contínua, onde provavelmente deve ocorrer consumo elevado de ATP e, consequentemente, maior produção de radicais livres.

Limitações do estudo

Existem limitações em transpor os resultados deste estudo para a prática clínica em humanos. Em primeiro lugar, os aspectos morfológicos e de metabolismo podem divergir entre as espécies. Além do mais, os animais não eram portadores de transposição das grandes artérias, portanto o ventrículo em estudo (anatomicamente direito), não é o mesmo da população alvo em humanos (anatomicamente esquerdo).

Finalmente, é difícil inferir definitivamente, com base na atividade de uma enzima específica, a respeito de um processo de hipertrofia que envolve múltiplos fatores. O ideal seria também analisar a produção de radicais livres e/ou marcadores de lesão do miocárdio, já que existem muitas influências de outras vias do metabolismo energético. Nessa linha de raciocínio, futuros estudos da produção de glutationa oxidada, radicais livres e apoptose podem agregar informações interessantes a essa linha de pesquisa.

 

CONCLUSÕES

Este estudo demonstrou que o treinamento ventricular de ambos os grupos de cabras adultas desenvolveu hipertrofia miocárdica do VD, não acompanhada de edema miocárdico. A sobrecarga sistólica contínua promoveu maior atividade da G6PD no miocárdio do VD. Essa hiperatividade enzimática pode estar associada à maior produção de radicais livres, ocasionados pela maior demanda de um estímulo de sobrecarga miocárdica constante. Por outro lado, a sobrecarga sistólica intermitente permitiu uma hipertrofia do VD mais eficiente, considerando a menor área de sobrecarga sistólica do VD e menor atividade da enzima G6PD.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a SILIMED, Rio de Janeiro, RJ, pela doação dos dispositivos de bandagem ajustável e à FAPESP, pelo auxílio pesquisa nº 2006/50831.

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Suporte financeiro: SILIMED, Rio de Janeiro, RJ (doação dos dispositivos de bandagem ajustável e kits de biologia molecular), FAPESP (auxílio pesquisa nº 2006/50831).

Author's roles & responsibilities

RSA: Desenho, supervisão e execução do projeto; análise estatística dos dados; redação e revisão do manuscrito

LAM: Execução do projeto, procedimentos cirúrgicos, coleta de dados e redação do manuscrito

MHFA: Processamento das amostras e análise do metabolismo energético

MCDA: Exames ecocardiográficos dos animais, redação e revisão do manuscrito

GJJS: Análise estatística e redação do manuscrito

FSO: Auxílio nos procedimentos cirúrgicos

LFPM: Supervisão, análise estatística e revisão do manuscrito

JEK: Desenho, execução da análise do metabolismo energético, supervisão e revisão do manuscrito

Article receive on domingo, 14 de abril de 2013

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