Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

134

Views

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do coração fetal no primeiro trimestre de gestação: influência do comprimento cabeça-nádega e índice de massa corporal materna

David Baptista Silva ParesI; Angélia Iara Felipe LimaII; Edward Araújo JúniorI; Luciano Marcondes Machado NardozzaI; Wellinton P. MartinsIII; Antônio Fernandes MoronI

DOI: 10.5935/1678-9741.20130078

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a influência do comprimento cabeça-nádega e do índice de massa corporal na avaliação ultrassonográfica do coração fetal, pelas vias abdominal e vaginal, no primeiro trimestre de gestação.
MÉTODOS: Realizou-se um estudo de corte transversal com 57 gestantes normais entre 12 a 14 semanas (CCN < 84 mm). Foram avaliados os seguintes planos cardíacos, pelas vias abdominal e vaginal: quatro câmaras, via de saída do ventrículo direito, via de saída do ventrículo esquerdo e arco aórtico. Utilizou-se o modo B, Doppler colorido e ultrassonografia de quarta dimensão (spatio-temporal image correlation). Para avaliar a influência do comprimento cabeça-nádega e índice de massa corporal na avaliação dos planos cardíacos fetal, utilizou-se o teste t não-pareado.
RESULTADOS: Não se observou diferenças estaticamente significativas nas taxas de sucesso e insucesso entre as vias abdominal e vaginal em relação ao índice de massa corporal, contudo, observou-se maior taxa de insucesso na avaliação vaginal utilizando o modo B associado ao Doppler colorido (P<0,01).
CONCLUSÃO: O índice de massa corporal e o comprimento cabeça-nádega não tiveram interferência na avaliação cardíaca fetal no primeiro trimestre de gestação.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the influence of the crown-rump length and body mass index on sonographic evaluation of the fetal heart using abdominal and vaginal routes in the first trimester of pregnancy.
METHODS: We conducted a cross-sectional study with 57 pregnant women between 12-14 weeks (CRL< 84 mm). We evaluated the following fetal cardiac plans using the abdominal and vaginal routes: four-chamber view, right ventricle outflow tract, left ventricle outflow tract and aortic arch. We used the B-mode, color Doppler and four-dimensional ultrasonography (spatio-temporal image correlation). To evaluate the influence of crown-rump length and body mass index in the assessment of fetal cardiac planes, we used the t test unpaired.
RESULTS: There were no statistically significant differences in the rates of success and failure between abdominal and vaginal routes in relation to body mass index, however, there was a higher failure rate in vaginal assessment using B mode associated with color Doppler (P<0.01).
CONCLUSION: The crown-rump length and body mass index had no interference in fetal cardiac assessment in the first trimester of pregnancy.

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

CCN: Comprimento cabeça-nádega

DCC: Doenças cardíacas congênitas

IMC: Índice de massa corporal

STIC: Spatio-temporal image correlation

INTRODUÇÃO

As doenças cardíacas congênitas (DCC) são as malformações fetais mais frequentes, com incidência de 5 a 8 para 1.000 nascidos vivos [1]. O diagnóstico precoce de uma DCC permite melhor assistência pré-natal e encaminhamento da gestante para centro terciário em cardiologia e cirurgia cardíaca neonatal.

A avaliação cardíaca fetal pela via abdominal durante o exame de screening para cromossomopatias no primeiro trimestre de gestação permite a avaliação do plano de quatro câmaras, além de possibilitar o diagnóstico de 44,8% das DCC [2]. A ultrassonografia por via vaginal tem sido utilizada há quase 20 anos para a avaliação cardíaca fetal no final do primeiro trimestre de gestação, permitindo a avaliação do plano de quatro câmaras, além do exame estendido [3]. A ultrassonografia tridimensional utilizando o software spatio-temporal image correlation (STIC) tem sido utilizada no primeiro trimestre pela via abdominal, comprovando que os volumes cardíacos enviados via um link de internet permitiram a obtenção de planos cardíacos padrões [4].

O screening de primeiro trimestre tem importância não somente para o cálculo de risco para cromossomopatias, mas também para correta datação da idade gestacional, avaliação de algumas malformações fetais e determinação de corionicidade nos casos de gestações gemelares [5,6].

O índice de massa corporal (IMC) materno e o comprimento cabeça-nádega (CCN) podem ser fatores de influência na avaliação cardíaca fetal no primeiro trimestre pela via abdominal [7], contudo, não há descrições da influência desses parâmetros na via vaginal ou STIC.

O objetivo deste estudo é avaliar a influência do IMC e CCN na avaliação de planos cardíacos fetais, pelas vias vaginal e abdominal, utilizando o modo B, Doppler colorido e STIC.

 

MÉTODOS

Realizou-se um estudo prospectivo de corte transversal com gestantes normais entre 12 e 14 semanas de gestação, no período de julho de 2011 a julho de 2012. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sendo que as mulheres que concordaram com a participação voluntária assinaram Termo de Consentimento. Incluíram-se gestações únicas, com medida do CCN entre 45 mm e 84 mm. Realizou-se uma única medida do CCN, a qual serviu também para correta datação da idade gestacional.

As gestantes foram selecionadas aleatoriamente, sendo os exames realizados em dois aparelhos Voluson 730 Expert e E8 (General Eletric, Healthcare, Zipf, Áustria) equipados com transdutores convexo (RAB4-8L) e endocavitário (RIC5-9W) volumétricos. A avaliação cardíaca foi realizada por um único examinador (AIFL) imediatamente após o screening de primeiro trimestre. Inicialmente, utilizou-se a via abdominal, associando o modo B ao Doppler colorido, seguido do vaginal. Objetivou-se a obtenção dos planos de quatro câmaras cardíacas, via de saída do ventrículo esquerdo, via de saída do ventrículo direito e arco aórtico. No plano das quatro câmaras cardíacas, foram avaliados tamanho, eixo e simetria das câmaras. Nos planos das vias de saída dos ventrículos direito e esquerdo, observou-se o cruzamento dos grandes vasos, além da similaridade de seus diâmetros. O plano do arco aórtico permitiu a identificação da aorta descendente. Considerou-se "sucesso" quando todos os quatros planos foram obtidos pelas vias abdominal e/ou vaginal e "insucesso", a obtenção de três ou menos planos.

Após a avaliação bidimensional, realizou-se a análise pelo STIC associado ao Doppler colorido. A avaliação de quarta-dimensão foi realizada imediatamente após a bidimensional, sendo inicialmente utilizada a via abdominal, seguida pela vaginal. A aquisição dos volumes pelo STIC foi realizada no plano das quatro câmaras cardíacas, sempre que possível com o dorso fetal em 6h, com tempo de varredura de 10 segundos e ângulo de abertura de 20º.

O tempo máximo de exame em cada método foi de 30 minutos. Todas as gestantes retornaram na idade entre 20 a 24 semanas para realização da ecocardiografia bidimensional, de forma a se confirmar a normalidade anatômica cardíaca fetal. As gestantes não foram seguidas, não sendo obtidos os seus resultados neonatais.

A análise estatística foi realizada utilizando o programa SPSS versão 18.0 (SPSS Inc. Chicago, IL, USA). Para se avaliar a influência do IMC e CCN na avaliação cardíaca fetal, pelas vias abdominal e vaginal, utilizou-se o teste t não pareado. Utilizou-se nível de significância P<0,05.

 

RESULTADOS

Foram avaliadas 57 gestantes entre 12 e 14 semanas (19 pacientes em cada idade gestacional) que aceitaram participar do estudo, sendo 4 não incluídas, pois apresentavam o CCN > 84 mm. Portanto, para a análise estatística final foram consideradas 53 gestantes. A idade materna média foi de 27,8 ± 5,5 anos, variando de 14 a 39 anos. O CCN médio foi de 71,5 ± 8,6 mm, variando de 55,9 a 84 mm. O IMC materno médio foi de 23,8 ± 2,6 kg/m2, variando de 17,5 a 29,9 kg/m2.

O IMC não teve influência no desempenho dos métodos (modo B, Doppler colorido e STIC) quando usada a via vaginal, porém na via abdominal, apesar de não haver diferenças estatisticamente significantes, os achados sugerem que seja mais difícil um exame satisfatório à medida que o IMC aumenta (Tabela 1). Em relação ao CCN, observou-se maior taxa de insucesso na avaliação pela via vaginal pelos modos B e Doppler colorido (P<0,01) (Tabela 2).

 

 

 

DISCUSSÃO

Neste estudo, avaliamos a influência do IMC e CCN na avaliação de planos cardíacos padronizados entre 12 a 14 semanas de gestação, pelas vias abdominal e vaginal, pelos modos B, Doppler colorido e ultrassonografia de quarta-dimensão (STIC). Para o nosso conhecimento, não há estudos na literatura com metodologia semelhante.

A ultrassonografia obstétrica de mulheres obesas é difícil e, em algumas situações, pode-se tornar um verdadeiro desafio para os médicos. Em estudo comparando mulheres obesas (IMC > 30 kg/m2) versus não-obesas grávidas (IMC <30 kg/m2) que realizaram ultrassonografia de segundo trimestre, observaram que as taxas de visibilização subótima de estiveram significativamente aumentadas no grupo de obesas, tanto para o coração (37% versus 19%) como para a coluna fetal (43% versus 29%) [8].

No primeiro trimestre, somente um estudo analisou a influência do IMC na avaliação cardíaca fetal [7]. Nesse estudo, foram avaliadas 103 gestantes entre 11 a 13 semanas e 6 dias, pela via abdominal utilizando o modo B e, em alguns casos, associado ao Doppler colorido. Não observaram influência do IMC na avaliação cardíaca (P=0,752) [7]. Da mesma forma, em nosso estudo, avaliando 54 gestantes entre 12 a 14 semanas, também não observamos influência do IMC. Uma possível justificativa seria o fato de que, no final do primeiro trimestre, a maioria das gestantes mantém o IMC pré-gestacional, além disso, o IMC médio de nosso grupo foi de 23,8 kg/m2, sendo que nenhuma gestante apresentava IMC > 30 kg/m2. Outros estudos referem a influência do IMC materno na qualidade de visibilização do coração fetal no primeiro trimestre da gestação [9-11]. Inclusive, o guideline do American Institute of Ultrasound in Medicine (AIUM) para a avaliação cardíaca fetal refere a limitação técnica no caso de pacientes obesas, em decorrência da presença de sombras acústicas principalmente no terceiro trimestre. Relatam a necessidade de avaliações em diferentes momentos, além da otimização do aparelho como ajuste de foco, frequência, ganho, magnificação, resolução temporal e harmônico [12].

Em relação à influência do CCN, observamos taxa de insucesso estatisticamente significativa apenas para o grupo avaliado por via vaginal utilizando o modo B e o Doppler colorido (P<0,01). Em estudo prévio realizado no screening de primeiro trimestre, o CCN se mostrou um fator de influência na qualidade de medida da translucência nucal [13]. Em relação à avaliação cardíaca fetal, há somente um estudo que avaliou a influência do CCN [7].

Nesse estudo, os autores não observaram influência do CCN na avaliação cardíaca fetal (P=0,899), com uma média de CCN de 72,1 mm [7], contudo, realizaram somente a avaliação por via abdominal. Em nosso estudo, a média do CCN foi de 71,5 mm, sendo utilizadas as vias abdominal e vaginal em todos os casos. A maior taxa de insucesso na via vaginal foi decorrente da necessidade de uma curva prévia de aprendizado, além da necessidade de examinadores experientes para a obtenção dos planos cardíacos padronizados. Em estudo realizado por Vimpeli et al. [14], que avaliaram 584 fetos com CCN entre 41 mm e 78 mm, a taxa de sucesso na obtenção de todos os planos cardíacos foi de apenas 58%.

Como limitação do estudo, devemos referir que todas as gestantes foram selecionadas de forma aleatória, de forma que os resultados ficaram prejudicados devido à ausência de gestantes com IMC > 30 kg/m2. Talvez se tivéssemos selecionadas gestantes sabidamente obesas ou com determinadas doenças prévias à gestação, como o diabetes mellitus, poderíamos inferir o real impacto do IMC materno na avaliação da qualidade do exame cardíaco fetal no primeiro trimestre de gestação.

 

CONCLUSÃO

Em síntese, não observamos influência do IMC e CCN na avaliação cardíaca fetal entre 12 a 14 semanas de gestação. A avaliação por via vaginal necessita de maior treinamento prévio, além de examinadores experientes nessa via. Estudos posteriores utilizando populações de gestantes previamente obesas são necessários para se comprovar a real influência do IMC na avaliação cardíaca fetal no primeiro trimestre de gestação.

REFERÊNCIAS

1. Sharland G. Routine fetal cardiac screening: what are we doing and what should we do? Prenat Diagn. 2004;24(13):1123-9. [MedLine]

2. Eleftheriades M, Tsapakis E, Sotiriadis A, Manolakos E, Hassiakos D, Botsis D. Detection of congenital heart defects throughout pregnancy: impact of first trimester ultrasound screening for cardiac abnormalities. J Matern Fetal Neonatal Med. 2012;25(12):2546-50. [MedLine]

3. Achiron R, Weissman A, Rotstein Z, Lipitz S, Mashiach S, Hegesh J. Transvaginal echocardiographic examination of the fetal heart between 13 and 15 weeks' gestation in a low-risk population. J Ultrasound Med. 1994;13(10):783-9. [MedLine]

4. Viñals F, Ascenzo R, Naveas R, Huggon I, Giuliano A. Fetal echocardiography at 11 + 0 to 13 + 6 weeks using four-dimensional spatiotemporal image correlation telemedicine via an Internet link: a pilot study. Ultrasound Obstet Gynecol. 2008;31(6):633-8. [MedLine]

5. Novotná M, Hašlík L, Svabík K, Zizka Z, Belošovicová H, Brešták M, et al. Detection of fetal major structural anomalies at the 11-14 ultrasound scan in an unselected population. Ceska Gynekol. 2012;77(4):330-5. [MedLine]

6. Dias T, Arcangeli T, Bhide A, Napolitano R, Mahsud-Dornan S, Thilaganathan B. First-trimester ultrasound determination of chorionicity in twin pregnancy. Ultrasound Obstet Gynecol. 2011;38(5):530-2. [MedLine]

7. Abu-Rustum RS, Ziade MF, Abu-Rustum SE. Learning curve and factors influencing the feasibility of performing fetal echocardiography at the time of the first-trimester scan. J Ultrasound Med. 2011;30(5):695-700. [MedLine]

8. Hendler I, Blackwelll SC, Bujold E, Treadwelll MC,Wolfe HM, Sokoll RJ, Sorokin J. The impact of maternal obesity on midtrimester sonographic visualization of fetal cardiac and craniospinal structures. Int J Obes Relat Metab Disord. 2004;28(12):1607-11. [MedLine]

9. Cook AC, Yates RW, Anderson RH. Normal and abnormal fetal cardiac anatomy. Prenat Diagn. 2004;24(13):1032-48. [MedLine]

10. Simpson J. Echocardiographic evaluation of cardiac function in the fetus. Prenat Diagn. 2004;24(13):1081-91. [MedLine]

11. Lohr PA, Reeves MF, Creinin MD. A comparison of transabdominal and transvaginal ultrasonography for determination of gestational age and clinical outcomes in women undergoing early medical abortion. Contraception. 2010;81(3):240-4. [MedLine]

12. Fetal Echocardiography Task Force; American Institute of Ultrasound in Medicine Clinical Standards Committee; American College of Obstetricians and Gynecologists; Society for Maternal-Fetal Medicine. AIUM practice guideline for the performance of fetal echocardiography. J Ultrasound Med. 2011;30(1):127-36. [MedLine]

13. Zohav E, Dunsky A, Segal O, Peled R, Herman A, Segal S. The effects of maternal and fetal parameters on the quality of nuchal translucency measurement. Ultrasound Obstet Gynecol. 2001;18(6):638-40. [MedLine]

14. Vimpelli T, Huhtala H, Acharya G. Fetal echocardiography during routine first-trimester screening: a feasibility study in an unselected population. Prenat Diagn. 2006;26(5):475-82. [MedLine]

Não houve apoio financeiro.

Papéis & responsabilidade dos autores

DBSP: Coordenação principal do estudo

AIFL: Coleta de dados

EAJ: Preparação do artigo para publicação

LMMN: Coordenação adjunta do estudo

WPM: Análise estatística do estudo

AFM: Revisão final do artigo

Article receive on domingo, 28 de abril de 2013

CCBY All scientific articles published at www.bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY