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ARTIGO ORIGINAL

Prevenção cardiovascular abrangente em pacientes com doença arterial coronária: implementação das diretrizes na prática clínica

Clarisse Kaoru Ogawa Indio do BrasilI; Álvaro Avezum JuniorII; Luciana UintIII; Maria Isabel Del MonacoIII; Valéria Mozetic de BarrosIII; Soraia Youssef Rachid CamposIII; Amanda M. R. SousaIV

DOI: 10.5935/1678-9741.20130034

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

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AAS: ácido acetilsalicílico

ARA II: Antagonistas do receptor da angiotensina II

CHAMP: Cardiac Hospitalization Atherosclerosis Management Program

COURAGE: Clinical Outcomes Utilizing Revascularization and Aggressive Drug Evaluation

DAC: Doença arterial coronária

EUROASPIRE: EUROpean Action on Secondary Prevention through Intervention to Reduce Events

HDL: Lipoproteína de alta densidade

IECA: Inibidores da enzima de conversão da angiotensina

IMC: Índice de massa corporal

LDL: Lipoproteína de baixa densidade

PAD: Pressão arterial diastólica

PAS: Pressão arterial sistólica

PURE: Prospective Urban Rural Epidemiology

SPSS: Statistical Package for the Social Sciences

STABILITY: STabilization of Atherosclerotic plaque By Initiation of darapLadIb Therapy

INTRODUÇÃO

Apesar das recomendações das diretrizes sobre doença arterial coronária (DAC) crônica e da evidência científica disponível demonstrar que o tratamento farmacológico otimizado, acrescido de intervenção vigorosa sobre os fatores de risco e estilo de vida, traz benefícios em relação à redução de eventos cardiovasculares não-fatais e mortalidade [1-4], existe lacuna substancial entre o conhecimento (disponibilidade de dados e evidências científicas) e a sua aplicação na prática clínica, que necessita ser preenchida, pois a terapêutica de prevenção secundária é subutilizada na prática clínica em pacientes com DAC.

Esse fato ocorre mundialmente, conforme demonstrou os estudos EUROpean Action on Secondary Prevention through Intervention to Reduce Events (EUROASPIRE) I, II e III, que revelaram que a prevenção de doenças cardiovasculares na prática clínica é inadequada nos países europeus [5]. Esses estudos concluíram que há necessidade de manejo mais efetivo quanto à prescrição dos medicamentos comprovadamente eficazes e à modificação do estilo de vida, com controle dos fatores de risco nos pacientes com DAC [5].

De forma semelhante, o estudo Prospective Urban Rural Epidemiological (PURE) se propôs a avaliar a utilização dos medicamentos recomendados pelas diretrizes: antiplaquetários, estatinas, inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) ou antagonistas do receptor da angiotensina II (ARA II) e betabloqueadores em indivíduos com DAC ou acidente vascular cerebral, em países de renda alta, média e baixa [6]. Esse estudo demonstrou que a utilização desses fármacos foi muito aquém do desejável, mesmo nos países desenvolvidos [6].

Na tentativa para tentar reduzir a lacuna existente entre o conhecimento científico e a aplicação do mesmo na prática clínica, surgiram programas que consistem em implementar ferramentas e estratégias para melhorar a prescrição adequada desses medicamentos e a aderência aos mesmos, com o objetivo de atingir as metas preconizadas em relação ao controle dos fatores de risco e à modificação do estilo de vida.

O Cardiac Hospitalization Atherosclerosis Management Program (CHAMP) avaliou pacientes internados por infarto agudo do miocárdio, angina instável, para cateterismo cardíaco, para procedimentos como cirurgia de revascularização miocárdica ou intervenção coronária percutânea e insuficiência cardíaca de causa isquêmica [7]. O programa demonstrou que o tratamento para a prevenção secundária, iniciado precocemente, trouxe melhora na prescrição dos medicamentos e na aderência aos mesmos, o que resultou em redução significativa dos eventos em um ano após a alta hospitalar [7].

O estudo Clinical Outcomes Utilizing Revascularization and Aggressive Drug Evaluation (COURAGE), além de comparar o tratamento clínico otimizado isolado com o tratamento clínico otimizado associado à intervenção coronária percutânea, em pacientes com DAC estável, incluiu todos os pacientes em um programa de modificação do estilo de vida administrado por enfermeiros treinados para gerenciar processos ("case manager") e demonstrou mudanças significativas no comportamento, melhorando os parâmetros dependentes da mudança do estilo de vida e a aderência à medicação, assim como o controle dos fatores de risco [8].

Apesar desses trabalhos citados da literatura internacional, observa-se escassez de informações relacionadas a esse tema, especialmente em hospitais terciários especializados em cardiologia, em território nacional.

 

MÉTODOS

Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, portadores de DAC comprovada por cinecoronariografia mostrando pelo menos uma artéria coronária com lesão epicárdica > 50%, com o quadro clínico estável, com ou sem infarto do miocárdio prévio, em tratamento farmacológico isolado ou submetido a procedimentos de revascularização. Os pacientes foram identificados por meio da avaliação dos prontuários médicos dos doentes atendidos consecutivamente na Seção Médica de Coronariopatias, sendo coletados os dados referentes a características demográficas e antropométricas, características clínicas, fatores de risco associados, exames laboratoriais e tratamento utilizado na rotina da prática clínica. Após essa coleta inicial, foram utilizadas as ferramentas para a otimização da prática clínica:

a) reunião com médicos e profissionais de saúde do setor, reforçando a importância da prescrição dos medicamentos e das medidas não-farmacológicas recomendadas pelas diretrizes;

b) reunião mensal com os médicos residentes, instruindo e orientando quanto às recomendações;

c) cartazes impressos fixados em todos os consultórios sobre os medicamentos recomendados para todos os pacientes com DAC estável, com as respectivas doses e as metas a serem atingidas quanto aos níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol), pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) e os níveis de glicemia em jejum e as taxas de hemoglobina glicada nos pacientes diabéticos;

d) gerenciador de processos ("case manager") para avaliar a prescrição das terapêuticas recomendadas por meio de planilhas distribuídas diariamente nos consultórios, para serem preenchidas pelos médicos;

e) orientação aos médicos quanto à necessidade de informar os pacientes sobre a DAC, o que e quais são os fatores de risco e a importância dos mesmos no desenvolvimento da doença e em sua progressão, como controlá-los e os benefícios resultantes desse controle;

f) equipe multidisciplinar constituída por médico responsável pelo grupo antitabagismo, professora de educação física, nutricionista e psicóloga disponíveis para entrevista individual e orientação específica em cada área, quando necessário;

g) entrega de cartilhas com as orientações da equipe multidisciplinar.

Pacientes incluídos

Fase 1: pré-intervenção: constituída por 710 pacientes, que tiveram seus prontuários avaliados, para coleta dos dados descritos.

Fase 2: pós-intervenção: constituída por 705 pacientes consecutivos que foram atendidos na seção, sendo coletadas as mesmas informações da fase 1.

Fase 3: constituída por 318 pacientes selecionados da amostra inicial (Fase 1), de forma aleatória, cujos prontuários foram avaliados para nova coleta de dados, após seis a 12 meses.

Plano de análise

a) comparação entre os dados das Fases 1 e 2 (período pré e pós-intervenção);

b) comparação entre os dados das Fases 1 e 3, com o objetivo de comparar os mesmos pacientes entre si.

O delineamento do estudo envolveu corte transversal, seguido de componente longitudinal. O cálculo de tamanho amostral mínimo foi realizado propondo-se que seria considerada uma diferença adequada do uso de ácido acetilsalicílico (AAS) entre as duas amostras, aumento de 90% para 95% e probabilidade de erro tipo 1 α=95% e de poder do teste 1-β=0,90, resultando em 620 pacientes para cada uma das amostras. As variáveis numéricas foram descritas por meio de seus valores mínimos e máximos, suas médias, desvios padrão e medianas e as variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas (%). A análise inferencial foi realizada levando-se em conta a característica do estudo:

Fases 1 e 2

Para as variáveis numéricas, foi utilizado o teste não-paramétrico de Mann-Whitney, para comparação de grupos independentes e, para as variáveis categóricas, o teste do qui-quadrado.

Fases 1 e 3

Para as variáveis numéricas, foi utilizado o teste não-paramétrico de Wilcoxon, para comparação de grupos dependentes, e, para as variáveis categóricas, o teste não-paramétrico de McNemar, para comparação de proporção antes e depois.

O nível de significância adotado para os testes foi de 5% (alfa=0,05) e os pacotes estatísticos utilizados foram o SPSS for Windows, versão 19.0 (SPSS Inc. Chicago, Illinois) e o software R (versão 2.15.2).

 

RESULTADOS

Resultados comparativos entre os pacientes das Fases 1 e 2

As características demográficas

Sexo, idade e etnia eram comparáveis entre os dois grupos. Em relação às características clínicas, houve diferença estatisticamente significativa no que diz respeito a angina estável (P<0,001), revascularização miocárdica cirúrgica (P=0,001) e insuficiência renal crônica (P=0,018), mais prevalentes na Fase 2, e em relação à insuficiência cardíaca (P=0,003) e disfunção ventricular assintomática (P<0,001), mais prevalentes na Fase 1 (Tabela 1).

 

 

Quanto aos fatores de risco associados

Tabagismo, diabetes, dislipidemia LDL >100 mg/dl e/ou lipoproteína de alta densidade (HDL) <40 mg/dl (homens) e HDL <45 mg/dl (mulheres), hipertensão arterial (PA>140/90 mmHg), hipertrigliceridemia (TG>150 mg/dl) e atividade física, houve diferença significativa em relação aos pacientes não-fumantes (P=0,019) e informações sobre tabagismo mais prevalentes na Fase 2 (P<0,001), menor proporção de dislipidemia (P<0,001), menor proporção de pacientes hipertensos (P<0,001) e aumento na proporção de atividade física regular (P<0,001), na Fase 2 (Tabela 2).

 

 

Em relação aos dados antropométricos

Para peso, altura, índice de massa corporal (IMC), circunferência abdominal, PAS e PAD e frequência cardíaca, foram calculados os valores mínimos, máximos, médias, desvio padrão e medianas, havendo diferença significativa em relação à melhora para a circunferência abdominal entre os homens (P=0,022), PAS (P<0,001) e PAD (P<0,001) na Fase 2 (Tabela 3). Houve aumento significativo no número de informações coletadas comparando-se as duas fases, demonstrando a eficiência do programa de qualidade assistencial quanto à coleta de dados importantes para a prática clínica: informações sobre o peso estavam disponíveis em 56,5% vs. 93,8%, sobre a altura, 56% vs. 94%, sobre o IMC, 55,6% vs. 93% e sobre a circunferência abdominal, 5,6% vs. 71,6%, respectivamente para as Fases 1 e 2 (P<0,001). Quanto aos exames laboratoriais, níveis de colesterol total, LDL-colesterol, HDL-colesterol, triglicérides, glicemia em jejum e hemoglobina glicada, foram calculados os valores mínimos, máximos, média, desvio padrão e mediana. Para essas variáveis não houve diferença significativa entre os dois grupos (Tabela 4).

 

 

 

 

Além disso, foi calculada a proporção de pacientes com os exames laboratoriais dentro das metas e os resultados foram: LDL<70 mg/dl: 31,6% vs. 34,8% (P=0,198), HDL>40 mg/dl (homens): 41,0% vs. 37,0% (P=0,118), HDL>45 mg/dl (mulheres), 19% vs. 19% (P=0,784), triglicérides <150 mg/dl: 67% vs. 68% (P=0,847) e entre os diabéticos, glicemia de jejum <100 mg/dl: 15,4% vs. 19,1% (P=0,235) e HbA1c<7,0%: 46% vs. 40,3% (P=0,167).

Comparando-se a prescrição de medicamentos recomendados pelas diretrizes entre a fase pré e pós-intervenção, os resultados demonstraram diferenças significativas, com menor utilização de IECA (P<0,001) e com maior utilização de ARA II (P=0,002) e betabloqueadores (P=0,047) (Tabela 5). Avaliando-se o número de pacientes com prescrição de IECA ou ARA II, os resultados foram: 657 (92,5%) na Fase 1 e 627 (89,0%) na Fase 2 (P=0,025).

 

 

Resultados comparativos entre os pacientes das Fases 1 e 3

Considerando que os pacientes da Fase 3 são um subgrupo de pacientes selecionados aleatoriamente do primeiro grupo (Fase 1), os dados demográficos são semelhantes. Da mesma forma, as informações sobre as características clínicas foram semelhantes, porém houve diferença significativa apenas para a doença arterial obstrutiva periférica: 31 (9,7%) pacientes e 42 (13,3%) entre as Fases 1 e 3, respectivamente (P=0,007).

Em relação aos fatores de risco associados, foram considerados apenas os modificáveis: tabagismo e atividade física. Tanto para o tabagismo como atividade física, os resultados não demonstraram diferenças significativas entre as duas fases.

Quanto às medidas antropométricas, houve diferença significativa para peso, com aumento da Fase 1 para a 3 (P=0,044) e redução da PAS e da PAD da Fase 1 para a 3 (P<0,001) (Tabela 6).

 

 

Em relação aos exames laboratoriais, os resultados não demonstraram diferença significativa (Tabela 7).

 

 

Quando comparamos a proporção de pacientes nas Fases 1 e 3 que apresentavam os exames laboratoriais dentro das metas, os resultados foram: LDL < 70 mg/dl: 34,6% e 37,3% (P=0,509); HDL>40 mg/dl (homens): 54,3% e 58,8% (P=0,073), HDL>45 mg/dl (mulheres): 62,2% e 60,2% (P=0,630), glicemia em jejum < 100 mg/dl: 13,6% e 21,2% (P=0,136) e HbA1c <7,0%: 47,4% e 51,3% (P=1,00), respectivamente. Comparando-se a prescrição de medicamentos recomendados, houve diferença significativa para menor utilização de IECA (P=0,011) e para maior utilização de ARA II (P=0,035) - Tabela 8.

 

 

DISCUSSÃO

Resultados das Fases 1 e 2

As características demográficas, sexo, idade e etnia, foram comparáveis. Quanto às características clínicas, houve diferença significativa relacionada à maior proporção de angina estável (P<0,001), revascularização miocárdica (P=0,001) e em relação à menor proporção de insuficiência cardíaca (P=0,003) e disfunção ventricular assintomática (P<0,001). Comparando os fatores de risco associados, encontrou-se proporção de dislipidemia e hipertensão arterial significativamente menor (P<0,001 para ambas as variáveis) na Fase 2. Houve melhora quanto ao tabagismo, quanto à categoria dos que nunca fumaram. Para a atividade física regular, houve melhora significativa na Fase 2, de 2,7% para 22,4% (P<0,001), porém a proporção de pacientes sem informação quanto a esta variável foi muito elevada na Fase 1: 82,8% vs. 33,1% na Fase 2 (P<0,001).

Quanto às medidas antropométricas entre as duas populações, o estudo demonstrou melhora significativa em relação à circunferência abdominal entre os homens (P=0,022), PAS (P<0,001) e PAD (P<0,001), demonstrando melhora substancial nesses dois últimos parâmetros, que pode ser atribuída ao aumento da aderência aos medicamentos prescritos e à melhor compreensão sobre a importância da dieta e da atividade física após a intervenção. Para peso, IMC e circunferência abdominal entre as mulheres, constatou-se redução numérica, mas sem atingir significância estatística. Salientamos que houve aumento significativo no número de informações coletadas na Fase 2: para o peso, de 56,5% para 93,8%, para a altura, de 56% para 94%, para o IMC, de 55,6% para 93,9% e para a circunferência abdominal, de 5,6% para 71,6%, todos com P<0,001, demonstrando a eficácia da intervenção para a melhoria da qualidade assistencial. A comparação dos exames laboratoriais demonstrou diferença significativa para a variável HDL-colesterol entre os homens (P=0,049). Quanto ao colesterol total, LDL-colesterol, triglicérides, glicemia em jejum e HbA1c, encontramos redução numérica, mas sem atingir significância estatística. Novamente, esse achado pode refletir falta de poder estatístico para detectar diferença existente. O subestudo do COURAGE que avaliou a intervenção multifatorial intensiva para os pacientes com DAC estável analisando a aderência à medicação e aos parâmetros decorrentes da modificação de estilo de vida por meio de programa gerenciado por enfermeiros treinados ("case manager") mostrou: redução significativa do tabagismo de 23% para 19% (P<0,025), aumento da atividade física de 58% para 66% (P<0,001), redução de PAS (P<0,001), do LDL-colesterol (P<0,0014) e triglicérides (P< 0,001) e aumento de HDL-colesterol (P< 0,001).

Entre os pacientes diabéticos, a taxa de hemoglobina glicada manteve-se inalterada (P=1,0). O IMC aumentou após 5 anos (P<0,001). Ao compararmos os resultados desse estudo clínico com os do presente projeto, encontramos algumas semelhanças e diferenças. Quanto à pressão arterial, houve redução significativa em ambos. Quanto ao tabagismo, houve redução significativa no COURAGE e, no presente estudo, redução significativa dos que nunca fumaram. Houve aumento significativo de pacientes que praticavam atividade física regular no COURAGE, assim como neste estudo. Quanto ao LDL-colesterol, houve redução significativa no COURAGE e, no presente estudo, apenas redução numérica, porém sem significância estatística.

Salientamos que a média do LDL-colesterol pré-randomização era mais elevada no COURAGE: 101 ± 0,83 mg/dl, comparada à média do presente estudo, mesmo antes da intervenção: 87,77 ± 34,41 mg/dl, possivelmente devido ao nível de prescrição mais elevado no nosso serviço, por se tratar de hospital terciário e acadêmico. O IMC, no presente estudo, demonstrou redução numérica, porém sem significância estatística, enquanto houve aumento significativo no COURAGE. A hemoglobina glicada entre os diabéticos se manteve inalterada nos dois estudos. Adicionalmente, no presente estudo, foi calculada a proporção de pacientes com os exames laboratoriais dentro das metas preconizadas nas Fases 1 e 2: LDL<70 mg/dl: 31,6% vs. 34,8% (P=0,198); HDL>40 mg/dl (homens) e > 45 mg/dl (mulheres): 41% vs. 37% (P=0,118) e 19% vs. 19% (P=0,784) respectivamente; triglicérides <150 mg/dl: 67% vs. 68,0% (P=0,847) e entre os diabéticos, glicemia em jejum <100 mg/dl: 15,4% vs. 19,1% (P=0,235) e hemoglobina glicada <7%: 46% vs. 40,3% (P=0,167). À exceção dos níveis de triglicérides, todos os outros parâmetros apresentaram proporções abaixo de 50% dentro das metas.

Podemos, de maneira exploratória, interpretar a ausência de diferenças nestes parâmetros após a aplicação do programa de intervenção, à falta de poder estatístico para detectar diferenças eventualmente existentes, período de observação curto para que a melhora pudesse ser evidenciada e finalmente, à falta de eficácia das ferramentas utilizadas no programa.

Comparando a prescrição dos medicamentos recomendados, os resultados do presente estudo mostraram: antiplaquetários: 96,3% vs. 96,4% (P=0,923), estatinas: 98,5% vs. 97,7% (P=0,317) e diferença estatisticamente significativa para menor utilização de IECA: 67,2% vs. 56,8% (P<0,001) e para maior utilização de ARA II: 25,4% vs. 32,9% (P=0,002) e betabloqueadores: 88,7% para 91,9% (P=0,047). A utilização da medicação considerada apropriada no estudo COURAGE após cinco anos foi maior quanto a antiplaquetários: de 87% para 96%, estatinas: de 64% para 93%, IECA ou ARA II: de 46% para 72% e betabloqueadores: de 69% para 85% (P<0,001). No presente estudo, a proporção de pacientes em uso de IECA ou ARA II, entres Fases 1 e 2 foi: 92,5% e 89%, respectivamente (P=0,025). A redução na utilização dessa classe de medicamentos talvez esteja no fato de maior proporção de pacientes com insuficiência renal crônica na Fase 2.

O programa CHAMP avaliou pacientes com as características já discutidas e demonstrou que o tratamento de prevenção iniciado precocemente, durante a internação e antes da alta hospitalar, melhorou substancialmente a prescrição dos medicamentos e a aderência aos mesmos que resultaram em redução significativa dos eventos um ano após a alta hospitalar em relação a infarto agudo do miocárdio recorrente, hospitalização e mortalidade cardíaca e total (P<0,05 para todos os eventos). Este programa demonstrou também que a aderência aos medicamentos foi mantida no período de seis anos, sendo 68%, 92%, 91% e 94% para AAS; 12%, 68%, 72% em 78% para betabloqueadores; 4%, 52%, 64% e 70% para IECA e 6%, 88%, 89% e 90% para estatinas, respectivamente nos períodos de 1992/1993, 1994/1995, 1996/1997 e 1998/1999.

Comparando o presente estudo em relação à utilização dos medicamentos, este estudo mostrou proporção de uso semelhante em relação a todos os medicamentos após seis anos de evolução do CHAMP. O projeto CHAMP foi realizado 12 anos antes do presente estudo e, naquela época, a utilização de medicamentos baseada em evidências era substancialmente mais baixa, como por exemplo, 12% de betabloqueadores, 6% de estatinas e 4% de IECA. O presente estudo foi realizado em hospital terciário e acadêmico, onde a utilização dessas terapêuticas já se encontra em proporções razoáveis, com menor propensão para aumento na utilização após programas de melhoria da qualidade assistencial. Recente publicação dos resultados preliminares do estudo STabilization of Atherosclerotic plaque By Initiation of darapLadIb Therapy (STABILITY), envolvendo 15.828 pacientes de 39 países com DAC crônica, mostrou que a proporção de prescrição da terapia recomendada para a prevenção secundária da DAC foi adequada: antiplaquetários (96%), estatinas (97%), IECA e ARAII (77%) e betabloqueadores (79%). Apesar disso, muitos pacientes não alcançaram as metas de tratamento para pressão arterial (46%), LDL-colesterol (29%), controle glicêmico entre os diabéticos e a prevalência de sobrepeso e de obesidade eram altas (79% e 36%, respectivamente), com diferenças regionais consideráveis. Entre os pacientes diabéticos, 44% alcançaram meta de HbA1c< 7% [9].

Esses resultados mostram muitas semelhanças com o presente estudo, pois a proporção de uso de fármacos recomendados, tanto no período pré como pós-intervenção, foi bastante satisfatória, porém os pacientes que alcançaram as metas propostas estavam aquém do desejado: circunferência abdominal (21,1%), LDL-colesterol (34,8%), HDL-colesterol (56%) e HbA1c (40,3%). A exceção foi o controle da pressão arterial, tanto sistólica como diastólica, cujas médias reduziram de forma significativa na comparação da Fase 1 com a 2.

Comparando os resultados desses dados com os do presente estudo, consideramos algumas diferenças: a) o cenário de um estudo clínico é diferente do que ocorre no mundo real, pois o perfil dos pacientes e os critérios de inclusão e exclusão nem sempre são os mesmos e, no presente estudo, foram incluídos pacientes em atendimento na rotina ambulatorial; b) diferenças no tempo de acompanhamento: média de 4,6 anos no COURAGE, seis anos no CHAMP e, no presente estudo, entre seis a doze meses; c) nos estudos em discussão foram comparados os mesmos pacientes no período pré e pós-intervenção, enquanto que, no presente estudo, a comparação entre as Fases 1 e 2 foram populações independentes e as Fases 1 e 3 foram grupos dependentes.

Resultados das Fases 1 e 3

Os dados demográficos, bem como as características clínicas foram semelhantes, exceto para a doença arterial obstrutiva periférica, cuja proporção era de 9,7%, na Fase 1, e 13,3%, na Fase 3 (P=0,007). Quanto aos fatores de risco associados, consideramos apenas os modificáveis: tabagismo e atividade física e, para ambas as variáveis, não houve diferenças significativas entre as duas fases. Quanto às medidas antropométricas, houve aumento significativo do peso (P=0,004) e redução significativa da PAS (P<0,001) e da PAD (P<0,001). Para o IMC e circunferência abdominal, houve aumento numérico, sem atingir significância estatística. Em relação aos exames laboratoriais, não houve diferenças significativas entre as duas fases; o colesterol total e o LDL-colesterol demonstraram redução numérica, porém as outras variáveis mantiveram níveis semelhantes.

Comparando a proporção de pacientes com os exames dentro das metas, observou-se: LDL-colesterol<70 mg/dl: 34,6% vs. 37,3% (P=0,509), para HDL-colesterol>40 mg/dl (homem): 54,3% vs. 58,8% (P=0,073), HDL-colesterol > 45 mg/dl (mulher): 62,2% vs. 60,2% (P=0,630) e entre os diabéticos, glicemia em jejum<100 mg/dl: 13,6% vs. 21,2% (P=0,136) e HbA1c<7,0%: 47,4% vs. 51,3% (P=1,00). Quando comparamos a prescrição de medicamentos recomendados, houve diferença significativa para menor utilização de IECA (P=0,011) e para maior utilização de ARA II (P=0,035). Na Fase 3, diferentemente do observado na Fase 2, não houve aumento quanto ao número de informações coletadas, principalmente com relação aos dados antropométricos, dificultando a análise metodológica apropriada dos dados. Podemos atribuir isso ao fato da não atuação da enfermeira gerenciadora de processos nessa fase.

O estudo STABILITY, que envolveu pacientes com perfil semelhante ao do presente estudo, visando estabilização da placa aterosclerótica em pacientes com DAC crônica em uso da medicação padrão adequada, baseada nas diretrizes da ACC/AHA para prevenção secundária, colocou como metas: proporções > 90% dos pacientes em uso de AAS, > 80% dos pacientes em uso de estatina, > 80% dos pacientes com LDL-colesterol <100 mg/dl, > 80% dos pacientes com PAS < 140 mmHg e PAD < 90 mmHg e > 70% dos pacientes diabéticos com HbA1c < 7%. Após quatro anos de seguimento, este estudo obteve as seguintes proporções de utilização dos medicamentos: AAS, 96% e 94,3%; estatina, 96,7% e 95%; betabloqueadores, 76,3% e 79%; IECA/ARAII, 82,7% e 86,7%; em relação às metas: LDL-colesterol<100 mg/dl, 33% e 33,7%; PAS <140 mmHg, 76,3% e 66,4%; PAD <90 mmHg, 85,5% e 89,3%; HbA1c <7%, 29,8% e 39,3%, respectivamente [9].

Analisando os dados relacionados ao nosso centro neste estudo clínico, comparando a visita inicial com a última visita, os resultados demonstraram: utilização de AAS: 100% e 100%, estatinas: 94,1% e 100%, betabloqueador: 76,5% e 88,2%, IECA/ARAII: 70,6% e 76,5%; LDL-colesterol<100mg/dl: 17,6% e 29,4%, PAS <140 mmHg: 42,9% e 85,7%, PAD <90 mmHg: 74,4% e 100% e HbA1c<7,0%: 16,7% e 33,3%, respectivamente. Comparando os resultados do STABILITY no nosso centro com os deste estudo, observou-se proporção de prescrição de medicamentos comparável, porém, em relação a algumas metas, o presente estudo, embora seja uma avaliação da prática clínica diária na instituição, mostrou resultados relativamente melhores que os do STABILITY: LDL-colesterol<70 mg/dl: 37,3% vs. 29,4% e HbA1c: 51,3% vs. 33,3%.

 

CONCLUSÃO

Não houve mudança significativa na utilização de medicamentos comprovadamente eficazes na prevenção secundária da DAC entre o período pré e pós-intervenção, tanto na comparação entre as Fases 1 e 2 como entre as Fases 1 e 3, considerando sua prescrição adequada desde a fase pré-intervenção. Quanto aos parâmetros relacionados à modificação do estilo de vida por meio de medidas não-farmacológicas, houve melhora significativa em relação a tabagismo e atividade física na Fase 2, quando comparada à Fase 1, e melhora numérica, porém sem alcançar significância estatística, para outros parâmetros como a circunferência abdominal, IMC, LDL-colesterol, HDL-colesterol, e em relação às metas de HbA1c para os pacientes diabéticos. Houve melhora substancial nos níveis de PAS e PAD na comparação tanto entre as Fases 1 e 2 como entre as Fases 1 e 3. A inclusão de enfermeiro treinado para gerenciar o processo "case manager" é fundamental para a eficácia de um programa de prevenção abrangente para pacientes com DAC. Programas de melhoria de qualidade assistencial em hospitais terciários e acadêmicos, provavelmente devem ser continuados por período de seguimento superior a um ano.

 

AGRADECIMENTOS

A Wellington Cícero de Carvalho, analista de sistemas da Divisão de Epidemiologia Translacional do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

A Soane Mota dos Santos, estatística do Laboratório de Epidemiologia e Estatística do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

A Nilza Tamashiro, bióloga e coordenadora de estudos.

REFERÊNCIAS

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Article receive on segunda-feira, 22 de abril de 2013

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