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CARTAS AO EDITOR

Cartas ao editor

DOI: 10.5935/1678-9741.20130020

Impacto na mortalidade precoce e tardia após transfusão de hemáceas em cirurgia de revascularização miocárdica

"Lamb's blood was used for the transfusion, and the man had a violent reaction, the horrible symptoms being chills and fever and black urine."
Jean Baptiste Denis, 1665

Prezado Editor,

Li com muito interesse o artigo de Santos et al. [1]: "Impacto na mortalidade precoce e tardia após transfusão de hemácias em cirurgia de revascularização miocárdica", a ser publicado na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular [1]. O assunto é muito relevante, mas algumas considerações importantes valem a pena serem discutidas.

A primeira tentativa de transfusão sanguínea para humanos ocorreu na França, em 1665, quando se usou sangue de ovelha para tratamento de uma psicose. O objetivo foi o de restaurar a sanidade ao paciente; no entanto, o que se observou foi a primeira reação à incompatibilidade sanguínea. O primeiro relato de transfusão sanguínea utilizando-se sangue humano ocorreu no ano de 1665, em Londres, por Richard Lower. Os problemas de coagulação, compatibilidade e estocagem de sangue foram resolvidos posteriormente. Durante os conflitos bélicos (principalmente após a II Grande Guerra Mundial), transfusões sanguíneas foram largamente empregadas [2].

A indicação de transfusão de hemocompenentes em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, medidas para limitar a sua utilização (drogas fibrinolíticas, circuitos de extracorpórea recobertos com heparina), reutilização do sangue perdido durante a cirurgia e a não utilização da circulação extracorpórea (CEC), todos contribuíram para a diminuição do número de transfusões [3]. Na verdade, nem sempre é possível a não utilização de hemoderivados.Preocupações existem ao se realizar transfusões: infecções (virais, bacterianas), incompatibilidade e uma complicação silenciosa, os efeitos imunossupressores [4].

Quando analisam o desfecho mortalidade relacionado à transfusão de hemácias em cirurgia de revascularização do miocárdio, Santos et al. [1] reforçaram as observações quanto ao seu impacto precoce e imediato. Koch et al. [5] analisaram que, na verdade, sangue estocado por mais de 14 dias seria mais relacionado a complicações pós-operatórias. Sangue mais "novo" (menos de 14 dias de conservação) apresenta menor risco relativo (30%) em relação à mortalidade pós-operatória. Em 1 ano, a mortalidade observada foi de 11% para sangue mais "velho" (mais de 14 dias de conservação) [5]. Seria esse dado uma nova limitação ao estudo realizado?

Quando analisamos somente transfusão sanguínea e suas influência adversa, não podemos esquecer a eficácia e a segurança no uso da autotransfusão [6]. Se, como observou Koch et al. [5], o sangue estocado apresenta maior risco, então provavelmente o mesmo seria válido para autotransfusão estocada. Mas, se ela for utilizada mais precocemente ou até mesmo no intraoperatório antes da CEC, esse impacto na mortalidade precoce e tardia observado por Santos et al. [1] também ocorreria? O trabalho em questão não nos fornece tais dados.

Hélcio Giffhorn
Cirurgião cardiovascular, Mestre em Clínica Cirúrgica, Curitiba, PR, Brasil

 

REFERÊNCIAS

1. Santos AA, Sousa AG, Thomé HOS, Machado RL, Piotto RF. Impacto na mortalidade precoce e tardia após transfusão de hemácias em cirurgia de revascularização miocárdica. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2013;28[1]1-9.

2. Sturgis CC. The history of blood transfusion. Bull Med Libr Assoc. 1942;30(2):105-12.

3. Society of Thoracic Surgeons Blood Conservation Guideline Task Force, Ferraris VA, Ferraris SP, Saha SP, Hessel EA 2nd, Haan CK; Society of Cardiovascular Anesthesiologists Special Task Force on Blood Transfusion, et al. Perioperative blood transfusion and blood conservation in cardiac surgery: the Society of Thoracic Surgeons and the Society of Cardiovascular Anesthesiologists clinical practice guideline. Ann Thorac Surg. 2007;83(5 Suppl):S27-86.

4. Dellinger EP, Anaya DA. Infectious and immunologic consequences of blood transfusion. Crit Care. 2004;8(Suppl 2):S18-23.

5. Koch CG, Li L, Sessler DI, Figueroa P, Hoeltge GA, Mihaljevic T, et al. Duration of red-cell storage and complications after cardiac surgery. N Engl J Med. 2008;358(12):1229-39.

6. Martin K, Keller E, Gertler R, Tassani P, Wiesner G. Efficiency and safety of preoperative autologous blood donation in cardiac surgery: a matched-pair analysis in 432 patients. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;37(6):1396-401.

 


 

RESPOSTA

Prezado Editor,

Inicialmente, gostaríamos de agradecer as observações e comentários feitos pelo Prof. Dr. Hélcio Giffhorn a respeito do artigo "Impacto na mortalidade precoce e tardia após transfusão de hemácias em cirurgia de revascularização miocárdica"[1].

As hemácias estocadas nas bolsas de sangue desenvolvem uma série de alterações estruturais e funcionais com o passar do tempo, conhecidas como "lesão por estocagem" [2]. Uma meta-análise envolvendo 21 estudos: 18 observacionais e três ensaios clínicos randomizados, com predomínio de pacientes de cirurgia cardíaca (6) e trauma (6), concluiu que o uso de sangue estocado por mais tempo foi associado a aumento da mortalidade quando comparado à utilização de sangue estocado por menos tempo [3]. Hajjar et al. [4] publicaram ensaio clínico prospectivo, randomizado e controlado comparando estratégia restritiva versus liberal em 502 pacientes submetidos a cirurgia cardíaca. Independentemente da estratégia transfusional utilizada, a transfusão de apenas uma única unidade de sangue foi associada a aumento significante de morbidade e mortalidade pós-operatória.

Não obstante, este estudo empregou apenas bolsas de sangue com pouco tempo de estocagem (inferior a 10 dias de estocagem), com média de apenas 3 dias de estocagem em ambos os grupos avaliados. Portanto, a transfusão de sangue "novo" também se encontra associada a maior mortalidade. Uma das possíveis causas de um desfecho clínico adverso mesmo com o uso de sangue "novo" é a queda da bioatividade do óxido nítrico nas hemácias estocadas, que resultaria na diminuição da oferta de oxigênio na microcirculação. Observou-se que essa queda ocorre rapidamente, com apenas algumas horas de estocagem [5,6]. Além disso, outro fator fundamental é o efeito imunomodulador da transfusão, que resulta em redução do número de linfócitos em circulação, modificação nas células T auxiliares e ativação das células imunitárias [7]. Evidentemente, esse efeito depende única e exclusivamente da carga de antígenos transfundidos e não do tempo de estocagem das hemácias.

Uma das limitações do nosso estudo, o qual foi retrospectivo, foi a impossibilidade de avaliar o tempo de estocagem de cada uma das 4.936 bolsas de sangue queforam transfundidas. É possível, como sugerido pelo Prof. Dr. Hélcio Giffhorn, que maior tempo de estocagem das bolsas de sangue possa ter influenciado numa maior taxa de mortalidade neste estudo. Atualmente, em grande parte das instituições, é comum que pacientes com indicação de transfusão sanguínea recebam preferencialmente as unidades de sangue de sua tipagem sanguínea que apresentem maior tempo de estocagem. Tal prática visa melhor conservação dos estoques limitados de sangue [3].

De qualquer maneira, o fato de não ter levado em conta o tempo de estocagem das bolsas de sangue transfundidas não invalida a conclusão final deste estudo, que apresentou números muito semelhantes aos encontrados na literatura internacional. Além disso, este estudo exemplifica a conduta transfusional típica empregada por um hospital de grande porte no Brasil. Acreditamos que ter adicionado o tempo de estocagem das bolsas de sangue poderia ter reforçado ainda mais a conclusão final de nosso estudo.

Uma das técnicas empregadas para diminuir o uso de sangue alogênico no peri-operatório é a autotransfusão, na qual se realiza doação pré-operatória semanas antes da cirurgia e armazenamento. Tal método teria como vantagens evitar a transmissão de vírus, tais como o HIV e hepatite C, assim como efeitos deletérios causados por fenômenos imunológicos provenientes do uso do sangue alogênico [8].

Uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados sobre a eficácia da autotransfusão, publicada pela colaboração Cochrane, envolveu 14 ensaios clínicos randomizados e observou redução do risco de receber uma transfusão de sangue alogênica [9]. Contudo, o risco de receber uma transfusão de sangue de qualquer tipo (autóloga ou alogênica) foi maior com o uso da autotransfusão, não sendo possível para os autores estabelecer se os benefícios da autotransfusão foram maiores que seus riscos.

Além disso, a autotransfusão na modalidade de doação pré-operatória e armazenamento não oferece, teoricamente, prevenção quanto ao desenvolvimento da lesão por estocagem. Já a hemodiluição normovolêmica aguda pré-operatória envolve a remoção de sangue do paciente cirúrgico imediatamente antes ou após a indução anestésica e sua simultânea reposição com volumes apropriados de soluções cristaloides ou coloides. O sangue coletado é posteriormente reinfundido para repor as perdas sanguíneas ocorridas durante a cirurgia [10], sem o inconveniente da lesão por estocagem. Goodnough et al. [11] sugerem que a hemodiluição normovolêmica aguda poderia substituir com vantagens o uso da autotransfusão.

A recuperação intraoperatória de células é outra técnica utilizada para minimizar o uso de sangue alogênico e consiste em recuperar, filtrar e reinfundir o sangue perdido pelo paciente no intraoperatório, com auxílio de um equipamento específico [12]. Uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados sobre a eficácia da recuperação intraoperatória de células, publicada pela colaboração Cochrane, incluiu 75 ensaios clínicos e concluiu que a mesma foi eficaz em reduzir o uso de sangue alogênico em pacientes adultos submetidos a cirurgia cardíaca eletiva, sem impactar efeitos clínicos adversos [13].

O presente estudo não avaliou o uso da hemodiluição normovolêmica aguda pré-operatória ou da recuperação intraoperatória de células e seus impactos na morbidade e mortalidade, porém ambas as técnicas constituem excelente perspectiva para a elaboração de estudos futuros.

Mais uma vez agradecemos os comentários do Prof. Dr. Hélcio Giffhorn.

Dr. Antonio Alceu dos Santos
Cardiologista, São Paulo, SP, Brasil

 

REFERÊNCIAS

1. Santos AA, Sousa AG, Thomé HOS, Machado RL, Piotto RF. Impacto na mortalidade precoce e tardia após transfusão de hemácias em cirurgia de revascularização miocárdica. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2013;28[1]1-9.

2. Koch CG, Li L, Sessler DI, Figueroa P, Hoeltge GA, Mihaljevic T, et al. Duration of red-cell storage and complications after cardiac surgery. N Engl J Med. 2008;358(12):1229-39.

3. Wang D, Sun J, Solomon SB, Klein HG, Natanson C. Transfusion of older stored blood and risk of death: a meta analysis. Transfusion. 2012;52(6):1184-95.

4. Hajjar LA, Vincent JL, Galas FR, Nakamura RE, Silva CM, Santos MH, et al. Transfusion requirements after cardiac surgery: the TRACS randomized controlled trial. JAMA. 2010;304(14):1559-67.

5. Kor DJ, Van Buskirk CM, Gajic O. Red blood cell storage lesion. Bosn J Basic Med Sci. 2009;9(Suppl 1):21-7.

6. Reynolds JD, Ahearn GS, Angelo M, Zhang J, Cobb F, Stamler JS. S-nitrosohemoglobin deficiency: a mechanism for loss of physiological activity in banked blood. Proc Natl Acad Sci U S A. 2007;104(43):17058-62.

7. Blajchman MA. Immunomodulation and blood transfusion. Am J Ther. 2002;9(5):389-95.

8. Martin K, Kaller E, Gertler R, Tassani P, Wiesner G. Efficiency and safety of preoperative autologous blood donation in cardiac surgery: a matched-pair analysis in 432 patients. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;37(6):1396-401.

9. Henry DA, Carless PA, Moxey AJ, O'Connell D, Forgie MA, Wells PS, et al. Pre-operative autologous donation for minimizing perioperative allogeneic blood transfusion. Cochrane Database Syst Rev. 2002;(2):CD003602.

10. Shander A, Rijhwani TS. Acute normovolemic hemodilution. Transfusion. 2004;44(12 Suppl):26S-34S.

11. Goodnough LT, Monk TG, Brecher ME. Acute normovolemic hemodilution should replace the preoperative donation of autologous blood as a method of autologous-blood procurement. Transfusion. 1998;38(5):473-6.

12. Esper SA, Waters JH. Intra-operative cell salvage: a fresh look at the indications and contraindications. Blood Transfus. 2011;9(2):139-47.

13. Carless PA, Henry DA, Moxey AJ, O'Connell D, Brown T, Fergusson DA. Cell salvage for minimizing perioperative allogeneic blood transfusion. Cochrane Database Syst Rev. 2010;(4):CD001888.

 


 

Segunda edição do livro Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular Pediátrica está disponível

No dia 29 de novembro de 2012, durante o XXII Congresso Brasileiro de Cardiologia Pediátrica, em Foz do Iguaçu, PR, foi lançada oficialmente a segunda edição do livro que celebra o resultado da união entre a Sociedade Brasileira de Cardiologia e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, representada pelos seus respectivos departamentos de cardiologia pediátrica e de cirurgia cardiovascular pediátrica.

 

 

Essa segunda edição contou com 178 autores que procuraram apresentar o que há de melhor na especialidade. O texto foi ilustrado com 1649 imagens distribuídas em 1240 páginas, o que praticamente o tornou um livro-atlas.

Os coordenadores declararam acreditar ser esta obra uma importante contribuição para o desenvolvimento da cardiologia e cirurgia cardiovascular pediátrica no País, além de demonstrar o alto nível de conhecimento, envolvimento e capacidade daqueles que trabalham na área. "Muitos jovens médicos poderão estudar e aprender a maioria dos pontos básicos e importantes nesse livro", declarou o coordenador geral do livro, Prof. Dr. Ulisses Alexandre Croti.

Acompanhando a tendência mundial, o livro também foi apresentado em forma de e-book, o qual pode ser adquirido pelo site http://grupogen.com.br . Neste, também poderão ser acessadas inúmeras figuras e vídeos gratuitamente, confirmando, mais uma vez, um dos principais objetivos do livro de disseminação do conhecimento.

 


 

Cardiac surgery: the infinite quest

Hi Rodolfo --I finally got the time to go over your very ambitious paper. I am impressed that a specialty journal would have the leadership to publish such a far-reaching piece. And it is also impressive that you are able to integrate so much relevant and important material. I would be interested to know what feedback you get from the readership. And I look forward to the next chapters.

All the best, and congratulations.

Miles Frederick Shore
Cambridge/MA, USA

Rodolfo,

I just finished reading part II of " Cardiac Surgery, the Infinite Quest" - it's beautifully written and very provocative. You are on a trajectory to become the "master of missives" in cardiac surgery!

All the best,

James K. Kirklin
Birmingham/AL, USA

 


 

100 citações

Prezados amigos

Recebi nova notificação do Google Acadêmico com a informação que nosso trabalho (Noções básicas de variabilidade da frequência cardíaca e sua aplicabilidade clínica - Luiz Carlos Marques Vanderlei, Carlos Marcelo Pastre, Rosângela Akemi Hoshi, Tatiana Dias de Carvalho e Moacir Fernandes de Godoy, publicado na edição 24.2 da RBCCV) chegou à expressiva marca de 100 citações!!! Parabéns a todos e um agradecimento especial ao Prof. Domingo Braile por ter nos possibilitado essa publicação em uma revista de tão grande expressividade e penetração como a Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.

Um abraço a todos

Moacir Godoy
São José do Rio Preto-SP

 

Em visita ao Google Acadêmico, observei o relatado pelo prof Moacir.

O artigo foi idealizado por nós a partir de uma estratégia interna dos laboratórios visando à atualização científica sobre VFC e esta ideia foi catalisada nas reuniões em estágio pós-doutoral, incentivada fortemente pelo professor Moacir e, finalmente, iniciou-se a partir da ação do Luiz Carlos.

A partir disso, toda busca referencial e organização dos dados foram feitas pela Rosangela e Tatiana. O desfecho foi, aos meus olhos, extremamente impactante e, pelo jeito, para comunidade acadêmica também. Estou certo de que, não fosse a visão do Prof. Domingo, tais informações não teriam tal circulação e projeção. Reitero a importância da RBCCV neste contexto!

Agradeço a todos, "de coração", pelo privilégio de ter trabalhado neste projeto: meu irmão acadêmico Luiz, meus queridos mestres Professores Moacir e Braile e principalmente Memi e Tatiana, que foram incansáveis e pacientes para responder a quaisquer exigências, incluindo as minhas.

Valeu a pena e penso estarmos prontos para um novo desafio!!!

Um fraternal abraço!!!

Marcelo Pastre
São José do Rio Preto-SP

 


 

Reflexões de um tradutor na área da Anatomia Humana",

Prezado Sr. Editor,

Enviei um artigo "Reflections engendered as a practicing translator concerning the language of Anatomy -Reflexões de um tradutor na área da Anatomia Humana", que foi publicado na Rev Bras Cir Cardiovasc 2012;27(3):453-6. No presente artigo, por erro meu, foi omitido o nome do coautor: Prof. Dr. Fernando Batigália, M.D. Human Anatomy Tutor; Health Sciences Stricto Sensu Post-Graduate Programme; São José do Rio Preto Medical School (FAMERP). Solicito a emissão de uma errata para corrigir o erro. Sendo só para o momento e contando com a colaboração de V.Sa., despeço-me,

Atenciosamente

Alexandre Lins Werneck
São José do Rio Preto-SP

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