Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

7

Views

ARTIGO ESPECIAL

Análise das portarias que regulamentam a Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade

Valdester Cavalcante Pinto JúniorI; Maria Nazaré de Oliveira FragaII; Sílvia Maria de FreitasIII

DOI: 10.5935/1678-9741.20120077

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

AIH: Autorização de internação hospitalar

CNRAC: Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade

DAE/MS: Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde

DCCVPed: Departamento de Cirurgia Cardiovascular Pediátrica

MS: Ministério da Saúde

NOB: Norma Operacional Básica

OPM: Órteses, próteses e materiais

SAS: Secretaria de Atenção à Saúde

SBCCV: Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular

SUS: Sistema Único de Saúde

Portarias ministeriais são instrumentos utilizados para criar, adequar ou regulamentar políticas públicas estabelecidas a partir de demandas sociais. As portarias, objeto deste estudo, inauguram outro momento da assistência aos portadores de doenças cardiovasculares e o conjunto dá forma à Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade.

O estudo que segue é um capítulo da dissertação de mestrado: Avaliação da Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade com foco na Cirurgia Cardiovascular Pediátrica, realizado na Universidade Federal do Ceará no Curso de Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas.

Procuramos fazer a análise das concepções em que as portarias se fundamentam, à luz dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), da literatura que teoriza tais princípios, dos discursos de gestores e diretores de Sociedades envolvidas no mérito e dos resultados de questionário aplicado a cirurgiões cardiovasculares pertencentes à Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV), sendo calculada a amostra tomando como referência 778 profissionais, número fornecido pela SBCCV, estando distribuídos, em abril de 2009, da seguinte forma: 30 (4%) na região Norte, 107 (14%) na região Nordeste, 68 (9%) na região Centro-Oeste, 437 (56%) na região Sudeste e 136 (17%) na Sul. A definição da amostra, para um erro de amostragem de e=4,87%, ficou em 266 cirurgiões. Com base nesse cálculo, a amostra conforme a região correspondeu a dez cirurgiões da região Norte, 58 da região Nordeste, 25 da região Centro-Oeste, 130 da Sudeste e 43 da Sul, num total de 266 cirurgiões cardiovasculares.

Em janeiro de 2003, o Ministério da Saúde (MS) iniciou discussão a respeito de ampla reforma para o atendimento da alta complexidade e promoveu intensa discussão para formular a denominada: Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade.

As mais diversas especialidades foram representadas por suas respectivas Sociedades, como a Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Vascular, Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista, Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas e a própria SBCCV, com seus Departamentos de Estimulação Cardíaca Artificial e Departamento de Cirurgia Cardiovascular Pediátrica (DCCVPed).

Nesse cenário, puderam ser observadas disputas por locus de atuação médica, espaço de atuação para instituições hospitalares e incorporação de produtos [1]. O MS propunha centralizar na rede de hospitais universitários o atendimento de alto custo e diminuir o número de hospitais conveniados da rede privada, sinalizando para a elaboração de uma política excludente, tendo em vista as várias exigências para as instituições hospitalares no que tange a estrutura física, equipamentos e recursos humanos, sem a devida contrapartida financeira [1].

A SBCCV, durante esse processo, sinalizou para a elaboração de uma política que atendesse às diferenças regionais e para o fato de que era impossível atender a todas as exigências propostas pelo MS, já que a maioria dos serviços cadastrados em cirurgia cardiovascular estava passando por sérias dificuldades financeiras [1].

O marco legal veio em 15 de junho de 2004 por meio de dois dispositivos: a portaria nº 1169/GM [2], que instituiu a Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade, e a portaria nº 210 SAS/MS [3], que regulamentou a cirurgia cardiovascular pediátrica. Essa portaria foi alterada em alguns parâmetros em 26 de maio de 2006, com a publicação da portaria SAS/MS nº 384.

A portaria nº 1169/GM/2004 instituiu a Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade, considerando alguns requisitos, enumerados abaixo, que deram suportes conceituais para a elaboração da portaria nº 210 e seus anexos, que serão discutidos a seguir.

1. Atendimento integral aos portadores de patologias cardiovasculares do Sistema Único de Saúde - SUS.

Entende-se como atenção integral o suporte necessário ao cuidado daquele que necessita tratamento. Esse conceito é de grande importância, haja vista que a integralidade constitui um dos princípios do SUS.

A integralidade é usada de forma corrente com referência à diretriz da atenção integral, como princípio de igualdade da assistência, vista como conjunto de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e coletivos, nos diversos níveis de complexidade do sistema [4].

2. Necessidade de organizar a assistência aos referidos pacientes, em serviços hierarquizados e regionalizados, e com base nos princípios da universalidade e integralidade das ações de saúde.

Universalidade se define como o acesso de todos a todos os serviços. Integralidade é a forma de atenção que compreende todos os níveis da atenção em saúde, ou seja, da promoção à assistência.

Entretanto, a portaria de 2004 não definiu de que forma se daria a relação dos três níveis de atenção no que tange a cardiologia e cirurgia cardiovascular pediátrica. Para que os princípios de universalidade e de integralidade fossem operacionalizados, seria necessária a estruturação de modelo específico de atenção à gestante e ao neonato, bem como acompanhamento pediátrico, ou seja, a formação de equipe multiprofissional para o cuidado nos níveis de atenção primária e secundária, bem como dotar as instituições que prestassem esse tipo de atenção com equipamentos necessários ao diagnóstico e ao acompanhamento dos pacientes. Também não foi estabelecido o quanto e de quais fontes seriam oriundos os recursos para ressarcimento desses investimentos, além de determinar que todas as unidades de cirurgia cardiovascular participassem do programa, como descrito no parágrafo 1.4 do anexo I.

Quanto à regionalização, o anexo IV da portaria nº 210 estabeleceu alguns parâmetros territoriais de atuação. No caso das Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Cirurgia Cardiovascular Pediátrica, deveria haver a proporção de uma Unidade para atender 800.000 habitantes (1:800.000), definindo também que fossem adotados os critérios estabelecidos no artigo oitavo da mesma portaria.

Na definição dos quantitativos e distribuição geográfica das Unidades, tais como: população a ser atendida; necessidade de cobertura assistencial; mecanismos de acesso com os fluxos de referência e contrarreferência; capacidade técnica e operacional dos serviços; série histórica de atendimentos realizados, levando em conta a demanda reprimida; integração com a rede de referência hospitalar em atendimento de urgência e emergência, com os serviços de atendimento pré-hospitalar, com a Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) e com os demais serviços assistenciais ambulatoriais e hospitalares disponíveis no Estado. No mesmo artigo foi definido que, em caso de ausência de instituição para realizar qualquer procedimento de alta complexidade cardiovascular, o gestor local deveria garantir sua realização encaminhando o paciente pela CNRAC.

Dessa forma, estariam presentes mecanismos de alocação racional de recursos, organizados com base numa disposição tecnológica hierárquica, buscando ampliar a capacidade de atenção na porta de entrada do sistema, de forma que as demais tecnologias fossem incorporadas com suporte nas necessidades de cada usuário, considerando economias de escala e escopo. Porém, observa-se que ainda é necessária devida distribuição geográfica dos serviços de saúde, dos recursos humanos e dos programas, possibilitando a conexão de vários conhecimentos clínicos e de saúde coletiva para prover atenção integral com mecanismos e estratégias de articulação e referenciamento adequado, suficientes para responder às necessidades de saúde de determinada base populacional [5].

A estruturação de uma rede regionalizada de atenção à saúde possui como objetivos a provisão de atenção contínua, integral, de qualidade, responsável e humanizada à saúde, articulada segundo a complementaridade de variadas densidades tecnológicas e organizada por critérios de eficiência microeconômica na aplicação dos recursos. Esse tipo de rede deve ser constituído mediante o planejamento, a gestão e o financiamento intergovernamentais cooperativos e voltados para o desenvolvimento de soluções integradas da política de saúde adaptadas às necessidades populacionais de cada espaço regional singular [5].

Em complementação ao que foi definido pelo MS, Artmann & Rivera [6] entendem que a regionalização pressupõe a alocação de recursos de saúde em determinada área, em ordem que facilite o acesso, ofereça alta qualidade dos serviços, baixo custo e equidade com melhor e mais rápidas respostas aos desejos e necessidades dos consumidores. O enfoque de regionalização propõe-se encontrar equilíbrio entre a excessiva centralização estrutural e a descentralização total dos serviços de saúde.

A distância é um dos elementos mais importantes para estabelecer a distribuição geográfica das instituições de saúde dentro do sistema regionalizado. Não se pode deixar de comentar que em um País com distâncias gigantescas, diferenças regionais enormes, destacando-se os extremos entre regiões quase despovoadas e centros urbanos com superpopulação, é preciso pensar com criatividade e contextualizar os parâmetros mediante adaptações viáveis e que tragam impactos positivos sobre a situação problemática. O grande critério para o caso é o acesso ao tratamento [6].

No caso da saúde, a regionalização obedece prioritariamente ao critério de planejamento de oferta de serviços e à necessidade de racionalizar a dinâmica de articulação desses, instituindo maior coordenação para atingir resultados em termos de acesso e equidade adequados [6].

A regionalização do cuidado em cardiologia pediátrica ou a colaboração entre centros regionais pode não apenas melhorar os resultados por concentrar a experiência de equipes qualificadas em determinadas instituições, como também facilitar a avaliação da qualidade em razão do aumento do número de pacientes operados [7].

Relacionada a essa proposta, os cirurgiões cardiovasculares entrevistados indicaram a criação de centros de atenção para atendimento das cardiopatias de maior complexidade. Tais centros deveriam ser distribuídos nas várias regiões, responsáveis pela base territorial previamente estabelecida, propiciando acesso rápido e atenção qualificada, já que em algumas doenças a demora na assistência pode ser o diferencial no resultado do tratamento e em outras na sobrevida a longo prazo do paciente.

A portaria em apreço adotou o princípio da universalidade, que é o acesso, de forma indiscriminada, de todos a todos os serviços, com base na regionalização e hierarquização da atenção. Contudo, falta na política atual a abordagem que vise atender às iniquidades na atenção cardiovascular, notadamente em algumas regiões. Falar em universalidade não é a mesma coisa que promover equidade. Segundo Garrafa & Porto [8], "igualdade é consequência da equidade. O reconhecimento das diferenças e a supressão das necessidades possibilitam alcançar a igualdade".

A equidade tem sido interpretada, seja no discurso oficial, seja na fala dos agentes sociais de relevância na arena sanitária, como um princípio do SUS. É justo que seja assim, pois os sistemas universais devem buscar a equidade [9].

Para Neves [10], a equidade representa igual acessibilidade aos cuidados de saúde, mediante sua redistribuição diferenciada: atribuindo mais a quem tem menos e o mesmo a quem tem as mesmas condições, numa ação reguladora das desigualdades. Isto só é possível pelo princípio da solidariedade, em que todos os homens redistribuam os bens entre si. Sugere a aplicação de dois critérios em especial: o da necessidade médica, como fator de racionalização e o da igualdade de oportunidades, como fator de acessibilidade universal.

A Norma Operacional Básica (NOB) 96 teve como objetivo promover equidade com qualidade e racionalidade nos gastos. Para que se evitasse processo acumulativo injusto por parte de alguns municípios, com a crescente espoliação de outros, a composição dos sistemas municipais e a ratificação das programações pactuadas nos respectivos conselhos de saúde visaram aos estabelecimentos de redes regionais para ampliação do acesso com qualidade e menor custo [11].

O anexo II da portaria nº 210 tomou por base o princípio da integralidade proposto na portaria nº 1169/GM, tratando das normas de classificação e credenciamento de unidades de assistência em alta complexidade cardiovascular. Ficou então definido que tais unidades deveriam oferecer assistência especializada e integral aos pacientes com doenças do sistema cardiovascular e, para tanto, era necessário: aderir aos critérios da Política Nacional de Humanização; desenvolver ou participar de programas de prevenção e detecção precoce das doenças do sistema cardiovascular; oferecer diagnóstico e tratamento destinado ao atendimento de pacientes portadores de doença do sistema cardiovascular; desenvolver programa de reabilitação, suporte e acompanhamento por meio de procedimentos específicos que promovessem a melhoria das condições físicas e psicológicas do paciente, além de atuar no preparo pré-operatório ou como complemento pós-operatório no sentido da restituição da capacidade funcional.

Em linhas gerais, a política atendeu ao princípio da integralidade quando englobou na assistência: diagnóstico precoce, tratamento, prevenção e reabilitação.

Pauli [12] divide os níveis de prevenção em primária, a qual é subdividida em promoção de saúde e proteção específica; secundária, em diagnóstico com tratamento precoce e limitação da invalidez; e terciária com a reabilitação.

Em nenhuma das portarias citadas e que compõem a política Nacional existe qualquer referência ao tipo de ação ou para qual tipo de doença a prevenção primária deva ser desenvolvida. As determinações limitam-se a estipular que tais atividades devam ser desenvolvidas de maneira articulada com os programas e normas definidas pelo vários níveis de gestão.

Quando se trata de diagnóstico precoce, a política não estabelece normas para adequação dos serviços à atenção do segmento, que começa no cuidado ao feto, passa pelo neonato e vai até a criança. Por outro lado, seriam necessários estrutura física, equipamentos e profissionais especializados para que tais fossem cumpridas.

As fontes de recursos para efetivação das diversas ações também representam lacuna importante na política. Não é demais ressaltar que diagnóstico precoce aponta para o tratamento em tempo programado e que o artigo segundo da portaria nº 1169/GM determinou que as secretarias de Estado da Saúde estabelecessem planejamento regional e hierarquizado para formar a Rede Estadual e/ou Regional de Atenção em Alta Complexidade Cardiovascular, com a finalidade de prestar assistência aos portadores de doenças do sistema cardiovascular que necessitassem ser submetidos aos procedimentos classificados como de alta complexidade.

Quanto à reabilitação, prevenção terciária e outras ações de promoção da integralidade, as portarias não explicitam a fonte pagadora, tornando-se inviável sua efetivação por parte dos prestadores, ainda que esses tenham sido firmado no ato do credenciamento.

3. Garantir a esses pacientes a assistência nos vários níveis de complexidade, por intermédio de equipes multiprofissionais, utilizando-se de técnicas e métodos terapêuticos específicos.

Esse tópico remete à integralidade, sendo que sua efetivação esbarra na falta de articulação entre as ações nos diversos níveis, na falta de infraestrutura dos serviços que prestam a atenção primária e secundária e na deficiente capacidade da atenção terciária para atender à demanda nesse nível. Torna-se necessário salientar que o princípio da interssetorialidade deveria estar referido, remetendo às condições alimentares, de educação e de lazer, pilares para garantir uma boa saúde cardiovascular.

4. Necessidade de uma nova conformação das Redes Estaduais e/ou Regionais de Atenção em Alta Complexidade Cardiovascular, bem como de determinar o seu papel na atenção à saúde e as qualidades técnicas necessárias ao bom desempenho de suas funções.

Para atender a essa determinação, o artigo segundo da portaria nº 210 determinou que as secretarias de Estado da Saúde estabelecessem planejamento regional hierarquizado para formar a Rede Estadual e/ou Regional de Atenção em Alta Complexidade Cardiovascular. O parágrafo único definiu que a Rede de Atenção em Alta Complexidade Cardiovascular deveria estar composta de unidades de assistência em alta complexidade cardiovascular e centros de referência em alta complexidade cardiovascular. Por sua vez, as unidades de assistência em alta complexidade cardiovascular e os centros de referência em alta complexidade cardiovascular deveriam oferecer condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados à prestação de assistência especializada, desenvolver forte articulação e integração com o sistema local e regional de atenção à saúde e atender aos critérios da Política Nacional de Humanização. As aptidões e atribuições dos serviços situados em unidades de assistência e nos centros de referência em alta complexidade cardiovascular devem ser regulamentadas pela Secretaria de Atenção à Saúde em portaria específica. Os parâmetros mínimos de funcionamento dessas unidades foram definidos no anexo I da portaria nº 210.

A mesma portaria nº 210, no primeiro artigo do segundo parágrafo, definiu como Centro de Referência em Alta Complexidade Cardiovascular uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade Cardiovascular que exerça o papel auxiliar, de caráter técnico, ao gestor nas políticas de atenção nas doenças cardiovasculares, devendo possuir como atributos: ser hospital de ensino, certificado pelo MS e Ministério da Educação.

De acordo com a portaria Interministerial nº 1000 do Ministério da Educação, de abril de 2004, para ser hospital de ensino, este deveria ter base territorial de atuação definida, com máximo de um centro de referência para cada quatro milhões de habitantes; participar de forma articulada e integrada com o sistema local e regional; ter estrutura de pesquisa e ensino organizada, com programas e protocolos estabelecidos; ter adequada estrutura gerencial, capaz de zelar pela eficiência, eficácia e efetividade das ações prestadas; subsidiar as ações dos gestores na regulação, fiscalização, controle e avaliação, incluindo estudos de qualidade e estudos de custo-efetividade; participar como polo de desenvolvimento profissional em parceria com o gestor, tendo como base a Política de Educação Permanente para o SUS, do MS; além de oferecer no mínimo quatro dos serviços definidos no artigo quinto dessa portaria.

É importante salientar que a obrigatoriedade de base territorial de atuação (máximo de um centro de referência para cada quatro milhões de habitantes) foi revogada em maio de 2006 pelo artigo terceiro da portaria nº 384. Já o artigo segundo, no parágrafo primeiro dessa a portaria, estabeleceu que, nos estados com população menor do que 4.000.000 de habitantes, deveria haver no máximo um Centro de Referência, desde que a unidade atendesse às exigências previstas. O parágrafo segundo do mesmo artigo definiu que preferencialmente deveriam ser habilitados como centros de referência os hospitais públicos, privados filantrópicos e privados lucrativos, nessa ordem, que se enquadrassem no artigo primeiro, parágrafo segundo, inciso I.

Os cirurgiões cardiovasculares da SBCCV entrevistados consideraram os critérios técnicos contidos no anexo da portaria nº 210 como não excludentes e que poderiam servir como instrumento de negociação para melhorias de algumas instituições. Outros consideraram como fator limitante no cadastramento, principalmente nos aspectos quanto à formação de equipes multiprofissionais, na estruturação física e na aquisição de equipamentos de alto custo.

Entende-se que os critérios estabelecidos são necessários como parâmetros para oferecer atendimento adequado ao segmento de pacientes cardiopatas. No entanto, tendo como base o fato de que a meta estabelecida na política foi de 239 centros e que apenas 66 foram efetivamente habilitados, isso indica que a política foi limitante no acesso para as instituições.

5. Atualizar o sistema de credenciamento e adequá-lo à prestação dos procedimentos de Alta Complexidade, Alta Tecnologia e Alto Custo.

O artigo 11 da portaria nº 210 incorporou seis anexos: Normas de Classificação e Credenciamento de Unidades de Assistência em Alta Complexidade Cardiovascular, Formulário de Vistoria do Gestor, Formulário de Vistoria do MS, Relação dos Procedimentos Incluídos nas Tabelas SIA e SIH/SUS para a Assistência Cardiovascular, Parâmetros de Distribuição Demográfica para os Serviços de Assistência e os Centros de Referência em Alta Complexidade Cardiovascular, Relação dos Procedimentos Excluídos das Tabelas SIA e SIH/SUS. Foi criada, também, a Tabela de Compatibilidade entre procedimento realizado e órteses, próteses e materiais especiais (OPM) e a Organização dos Procedimentos da Assistência Cardiovascular.

No questionário aplicado aos cirurgiões cardiovasculares da SBCCV, 88,3% dos respondentes opinaram pela necessidade de implantação de um Banco de Dados Nacional. Consideraram que, para essa concretização haveria a necessidade de adequar as tabelas de diagnóstico, dos procedimentos e de OPM, utilizandose nomenclatura internacionalmente aceita, já que a especialidade é de altíssima complexidade e, dessa forma, é essencial estar inclusa no contexto internacional.

6. Aperfeiçoamento do sistema de informação, referente à Assistência Cardiovascular.

O artigo sexto estabeleceu o prazo de 120 dias para implantar instrumentos da gestão, como o "Registro Brasileiro de Cirurgia Cardiovascular", porém até a conclusão dessa pesquisa, em dezembro de 2011, isso ainda não havia ocorrido.

Os argumentos referidos nas entrevistas de diretores de sociedades, bem como dos gestores do MS, em explicação para a não implementação do registro foram: falta de decisão política, incapacidade do DATASUS para formular o banco de dados e falta de interesse da SBCCV por ter dúvidas sobre como serão utilizados os dados. Em relação a isso foram identificados claramente interesses divergentes, relacionados, principalmente, ao poder que a administração do banco de dados pode gerar. A maioria dos cirurgiões cardiovasculares entrevistados (91,4%) acredita que o Banco de Dados deve ser gerenciado pelo departamento (DCCVPed) ou pela própria SBCCV, sendo que 76,6% entendem que o preenchimento deveria ser obrigatório e vinculado à cobrança da Autorização de internação hospitalar (AIH) e 93,1% participariam do registro mesmo que não fosse de preenchimento compulsório.

7. Estabelecer mecanismos de regulação, fiscalização, controle e avaliação da assistência prestada a esses pacientes.

Os mecanismos referidos se concretizariam, em parte, por meio do registro de cirurgia cardiovascular. Esse registro, por sua vez, deveria instrumentalizar as ações previstas no anexo I da portaria nº 210, tópico 1.7. Nos termos do anexo, a manutenção do credenciamento dos serviços estaria condicionada: ao cumprimento continuado das normas estabelecidas na portaria pela unidade; à avaliação a ser realizada por auditorias periódicas ou recomendadas pela Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), executadas pela Secretaria de Saúde sob cuja gestão esteja a unidade, sendo que os relatórios daí gerados deveriam ser encaminhados à Coordenação Geral de Alta Complexidade do Departamento de Atenção Especializada (DAE/MS) para análise; este determinaria a manutenção ou suspensão do credenciamento, tomando por base o cumprimento ou não das normas estabelecidas na portaria, nos relatórios periódicos de avaliação e na produção anual. De acordo com os cirurgiões entrevistados, o registro poderia ser alimentado por dados não fidedignos, já que eles teriam entre suas finalidades fundamentar a manutenção ou suspensão de credenciamentos.

Infelizmente, permanece um grande desafio a ser enfrentado na luta pela implementação efetiva de políticas, em que o acesso universal com efetividade e resolubilidade deveriam ser uma garantia. Transpor o abismo entre a norma e a prática é o caminho a ser percorrido pelos vários segmentos interessados na solução das mazelas dessa população tão específica, visto que é notória a abrangência das intenções contidas nas portarias.

A universalidade, a integralidade e a equidade da atenção à saúde devem ser o objetivo das políticas de saúde que se propõem ser indutoras de saúde com qualidade.

REFERÊNCIAS

1. Pinto Júnior VC, Rodrigues LC, Muniz CR. Reflexões sobre a formulação de política de atenção cardiovascular pediátrica no Brasil. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(1):73-80. [MedLine] Visualizar artigo

2. Brasil. Portaria no 1169/GM em 15 de junho de 2004. Institui a Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade, e dá outras providências. Diário Oficial 2004; seção 1, n.115, p.57.

3. Brasil. Portaria 210 SAS/MS de 15 de junho de 2004. Serviços de cirurgia cardiovascular pediátrica. Diário Oficial 2004; seção 1, n.117, p.43.

4. Silva JPV, Pinheiro R, Machado FRS. Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde. Saúde Debate. 2003;27(65):234-42.

5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde-SAS. Redes Regionalizadas de Atenção à Saúde: Contexto, premissas, diretrizes gerais, agenda tripartite para discussão e proposta de metodologia para apoio à implementação. Brasília: Ministério da Saúde;2008.

6. Artmann E, Rivera FJU. Regionalização em saúde e mix públicoprivado. 2003. Disponível em: http://www.ans.gov.br/data/files Acesso em: 21 mai. 2009.

7. Chang RR, Klitzner TS. Can regionalization decrease the number of deaths for children who undergo cardiac surgery? A theoretical analysis. Pediatr. 2002;109(2):173-81.

8. Garrafa V, Porto D. Bioética, poder e injustiça: por uma ética de intervenção. Mundo Saúde. 1995;26(1):6-15.

9. Brasil. Conselho Nacional de Secretário de Saúde. Coleção Progestores para entender o SUS. Brasília:CONASS;2007.

10. Neves MCP. Alocação de recursos em saúde: considerações éticas. Bioética. 1999;7(2):155-63.

11. Duarte CMR. Equidade na legislação: um princípio do sistema de saúde brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva. 2000;5(2):443-63.

12. Pauli LTS. A Integralidade das ações em saúde e a intersetorialidade municipal [Dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2007.

Article receive on sábado, 7 de abril de 2012

CCBY All scientific articles published at www.bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY