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ARTIGO ORIGINAL

Biocompatibilidade do polímero da mamona comparada ao implante de titânio para corações artificiais. Estudo experimental em cobaias

Luiz Fernando KubruslyI; Yorgos Luiz Santos De Salles GraçaII; Enéas Eduardo SucharskiIII; Ana Cristina Lira SobralIV; Marcia OlandoskiV; Fernando Bermudez KubruslyVI

DOI: 10.5935/1678-9741.20120067

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

CO2: Dióxido de carbono

COBEA: Colégio Brasileiro de Experimentação Animal

DAC: Dispositivos de assistência circulatória

HE: Hematoxilina-eosina

ICC: Insuficiência cardíaca congestiva

Pm: Polímero de mamona

PVPI: Polivinilpirrolidona iodada

Ti: Titânio

INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares lideram as causas de morte em todo o mundo e, pela primeira vez na história, essa liderança independe da situação socioeconômica dos países. Considerando-se o envelhecimento da população mundial, apesar das condutas médicas e epidemiológicas, espera-se que essa prevalência se mantenha ou até possa aumentar nas próximas décadas [1].

A insuficiência cardíaca congestiva (ICC) está entre essas doenças e concorre hoje com uma alta prevalência em vários países. Nos Estados Unidos da América do Norte, estima-se 400 mil novos casos por ano [2].

Desde os pioneiros trabalhos de De Bakey, em 1966 [3], com a colocação do primeiro dispositivo de assistência circulatória ventricular, e de Cooley, em 1969 [4], com o implante do primeiro coração totalmente artificial em um paciente em choque cardiogênico, a medicina cardiovascular vem procurando desenvolver uma tecnologia capaz de manter esses graves pacientes vivos.

Os dispositivos de assistência circulatória (DACs), recentemente, tornaram-se parte fundamental do arsenal terapêutico no tratamento do choque cardiogênico e na manutenção do suporte circulatório de pacientes com insuficiência cardíaca terminal [5,6]. O emprego desses dispositivos tem sido indicado como ponte para o transplante cardíaco, como suporte para a recuperação do coração no infarto agudo do miocárdio e no pós-operatório de cirurgia cardíaca [7,8]. Outra indicação mais restrita a centros muito desenvolvidos nessa área é a terapia de destino para tratamento da ICC terminal. Alguns trabalhos demonstram mortalidade, em 1 ano, semelhante entre o transplante cardíaco e a terapia de destino [9].

Desde 1997, iniciamos o desenvolvimento de um DAC que fosse acessível ao serviço público do nosso país. Realizamos testes "in vitro" [2] e idealizamos o dispositivo construído a partir de titânio, assim como a grande maioria desses equipamentos disponíveis no mundo. Testes "in vivo" experimentais em carneiros foram realizados e comprovaram a eficácia do dispositivo [2].

Dentro do nosso objetivo principal, que é o desenvolvimento de um equipamento nacional, adaptado aos recursos do nosso país, estamos na fase de substituir partes mecânicas, de custo elevado, por substitutos de obtenção nacional e, portanto, de custo mais baixo.

O óleo de mamona é um óleo vegetal extraído das sementes da planta Ricinus communis, que é encontrada em regiões tropicais e subtropicais. Trata-se de líquido viscoso, obtido pela prensagem (frio ou quente) das sementes ou por extração com solvente [10]. Os estudos da utilização do óleo de mamona e derivados para síntese de poliuretanas iniciaram no final dos anos 1940, com a preparação de filmes de poliuretana para recobrimento de superfície [11].

Os primeiros relatos sobre a utilização de poliuretanas em aplicações médicas datam de 1959, quando Mandarino & Salvatore implantaram uma espuma rígida de poliruretana, para fixação de osso in situ.

As poliuretanas do óleo de mamona podem ser obtidas com diferentes características, desde as mais flexíveis, como elastômeros, até as mais rígidas, como a dos cimentos ósseos.

Vários estudos de biocompatibilidade foram realizados principalmente na área óssea: em próteses ortodônticas, placas de fixação óssea, colas para tecidos [12], em cranioplastias, em próteses ortopédicas e em reconstrução orbital [13].

O objetivo deste trabalho é avaliar este tipo de poliuretana da mamona, de forma a obter dados histológicos suficientes que nos comprovem a baixa reação inflamatória no espaço retroperitoneal de cobaias em comparação àquela do titânio.

 

MÉTODOS

Estudo experimental, de caráter intervencionista e randomizado, desenvolvido pelo Instituto Denton Cooley nos Laboratórios de Histologia e Biologia Celular, no Biotério e no Laboratório de Experimentação Clínica e Cirúrgica da Faculdade Evangélica do Paraná.

Aspectos éticos

O presente trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisas da Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba e aprovado com parecer número 4277/11.

Seguiu-se a Lei 6638, de 8 de maio de 1979, Normas para a Prática Didático-Científica da Vivissecção de Animais.

Foram obedecidas, também, as normas estabelecidas no "Guide for the Care and Use of Laboratory Animals" (Institute of Laboratory Animal Resources, National Academy of Sciences, Washington, D.C., 1996) e os preceitos do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).

Amostra

Foram utilizadas 32 cobaias (Cavia porcellus), Rodentia, Mammalia, machos, com peso variando entre 250 e 300 gramas (média: 289,15 ± 17,47), provenientes do Instituto de Tecnologia do Paraná, com idade entre 4 e 6 meses de vida, previamente hígidos, criados e mantidos sob condições ambientais e alimentares semelhantes.

Os animais foram divididos aleatoriamente em quatro grupos (A, B, C e D) de mesma quantidade. Foram eutanasiados, em câmara de gás de CO2, quatro animais por vez, nos períodos de 7 (grupo A), 20 (grupo B), 30 (grupo C) e 40 (grupo D) dias após as cirurgias de implante [14].

Ambiente de experimentação

As cobaias foram alojadas conforme o Manual de Normas Técnicas do Biotério de Experimentação Animal do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo [15]. O biotério utilizado foi o da Faculdade Evangélica do Paraná, onde o ciclo claro/escuro e a umidade são os do ambiente geral. A temperatura ambiente foi mantida constante (24ºC) e as gaiolas foram colocadas todas à mesma altura do solo. Os animais receberam água filtrada e ração padrão comercial à vontade, até 4 horas antes da eutanásia. O protocolo de analgesia seguiu a dose de tramadol de 1 mg/kg de duração de 12-24 horas [15]. Os animais foram previamente aclimatados por um período de 7 dias anterior à realização dos experimentos. Os procedimentos cirúrgicos foram realizados em ambiente refrigerado, com material e técnica estéril, no Laboratório de Experimentação Clínica e Cirúrgica da Faculdade Evangélica do Paraná (Figura 1).

 

 

Anestesia

Os animais foram anestesiados conforme a recomendação de Radde et al. [16], utilizando-se cetamina e xilazina (87/13 mg/kg, respectivamente), ambas aplicadas por via intraperitoneal.

Descrição do ato operatório

Depois de anestesiado, o animal foi posicionado em decúbito ventral e foi feita tricotomia com tesoura bilateralmente ao longo do dorso. Na sequência, foi realizada antissepsia do campo operatório com polivinilpirrolidona iodada (PVPI).

Foi realizada anestesia local com lidocaína 2% diluída em solução salina fisiológica. Procedeu-se, então, uma incisão de 2 cm de extensão há 2 cm do eixo vertebral à esquerda na região existente entre a crista ilíaca e a última costela. Atravessou-se o epitélio, o tecido celular subcutâneo, a fáscia e chegou-se na camada muscular. A musculatura foi aberta com cuidado e atingiu-se o espaço virtual retroperitoneal, onde foi implantado o disco de titânio (Ti). Os planos profundo e superficial da incisão foram suturados com fio de náilon 3-0 [17], com pontos contínuos simples. À direita, procedeu-se da mesma forma, porém o implante foi de polímero de mamona (Pm).

Coleta do material para estudo histopatológico

A peça cirúrgica foi retirada em monobloco e imediatamente imersa em formol neutro tamponado a 10%, permanecendo no fixador por 72 horas à temperatura ambiente. Após a fixação, os discos de Ti e de Pm foram removidos por incisão lateral e só então as peças foram lavadas em água por 24 horas, processadas rotineiramente e incluídas em parafina. O material recebeu cortes de 6 micrômetros, e foi corado pelas técnicas da hematoxilina-eosina (HE), para os elementos celulares e capilares, e pela técnica do tricrômio de Masson com azul do Nilo, para as fibras colágenas da fibrose. A análise foi por meio de microscópio óptico da marca Olympus®, modelo DX 50.

O exame microscópico visava avaliar o processo inflamatório de cada material, ou seja, congestão e formação de tecido de granulação peri-implante. Para isto, verificouse quantitativamente o número de células inflamatórias em cada lâmina de cada grupo. As células analisadas foram histiócitos, neutrófilos, linfócitos e células gigantes. O histiócito, considerado neste estudo histopatológico como sendo um tipo de macrófago de origem retículo endotelial, que normalmente é imóvel e inativo, mas que estimulado pode se tornar ativo; o neutrófilo, um leucócito polinuclear de granulações neutrófilas; o linfócito, um tipo de leucócito tendo entre 10-12 micrômeros de diâmetro, um núcleo redondo com cromatina condensada e citoplasma escasso pouco basofílico; a célula gigante, como sendo aquela formada pela união de várias células distintas.

Quanto à presença de fibrose, esta foi classificada em grau discreto, moderado ou acentuado.

Para o exame microscópico foi utilizada ocular de 10X, focalizável e objetiva de 40X. Para leitura, foram contados os tipos celulares em 10 campos microscópicos com o aumento referido nas áreas alteradas pelo processo inflamatório ao corpo estranho.

Preparação e origem dos implantes

O Ti foi o material controle, enquanto que o Pm foi o material posto à prova. A liga de Ti foi obtida de estabelecimento comercial, em barras de formato cilíndrico com 5 mm de diâmetro caracterizada como grau 2; a composição química da barra foi 99,7% Ti, 0,009%C, 0,095%Fe, 0,0003%H, 0,0038%N e 0,152%O2; quanto às propriedades mecânicas, a barra apresentou %ELONGATION (IN) L =32, %RED. IN AREA L = 52, U.T.S Ksi L = 78,8 e Y.S Ksi (0,2%) L = 57.

O Pm foi obtido na forma líquida por laboratório especializado em polímeros usados na área médica (Poliquil - Araraquara, SP, Brasil). O processo de confecção dos implantes de mamona tem início a partir de porções iguais de uma ampola de poliol e uma ampola de endurecedor da resina poliuretana vegetal, que foram misturadas com bastão de vidro em um béquer durante 3 minutos, até a completa homogeneização. Não houve adição de carbonato de cálcio. O homogeneizado obtido foi colocado em duas seringas de insulina. Após a polimerização completa, as seringas foram seccionadas com uma lâmina de bisturi em cortes transversais de 3 mm de espessura, retirando-se em seguida o plástico do tambor da seringa [18]. Desse modo, foram obtidos os discos de 3 mm de espessura e 5 mm de diâmetro a serem utilizados para o implante retroperitoneal nas cobaias. A antissepsia dos discos foi feita submergindo-os em álcool 70º por 15 minutos. O processo de confecção dos implantes de Ti foi realizado em fábrica especializada (Neodent - Curitiba, PR, Brasil). A barra de Ti foi presa na placa do torno mecânico (Tormax 20A-ROMI) e seccionada junto com fluido para corte (Óleo Quimatic); em seguida, os discos obtidos foram faceados para ficarem livres de pontas ou irregularidades decorrentes do primeiro processo. Os implantes de Ti apresentaram as mesmas dimensões dos de mamona e também foram esterilizados em álcool 70º.

Análise estatística

Na comparação dos tipos de material em relação a variáveis quantitativas foi considerado o teste nãoparamétrico de Wilcoxon [19]. Em relação a essas variáveis, os grupos definidos pelo dia do sacrifício foram comparados usando-se o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis [19]. Os resultados obtidos no estudo da fibrose foram expressos por frequências e percentuais. Para a comparação entre os grupos definidos pelo dia do sacrifício, em relação a variáveis qualitativas dicotômicas da fibrose, foi considerado o teste exato de Fisher [19]. Para avaliar a diferença entre os materiais titânio e polímero em cada grupo, ainda em se tratando da fibrose, foi considerado o teste binomial [19]. Valores de P<0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional Statistica v.8.0.

 

RESULTADOS

Não houve complicações relacionadas ao sítio cirúrgico, como deiscências ou infecções.

Análise das variáveis quantitativas

Inicialmente, considerando-se cada um dos grupos A, B, C e D, para cada uma das variáveis relativas a número de linfócitos, histiócitos, neutrófilos e células gigantes, testouse a hipótese nula de que os resultados para Pm são iguais aos do Ti, versus a hipótese alternativa de resultados diferentes.

No grupo A, ao se quantificar os linfócitos (Pm: média 35, mediana 34; Ti: média 34,1, mediana 34), histiócitos (Pm: média 279, mediana 270; Ti: média 283,9, mediana 298), neutrófilos (Pm: média 0,4, mediana 0; Ti: média 0,9, mediana 0) e células gigantes (Pm: média 7,1, mediana 6; Ti: média 6, mediana 6), não foi encontrada diferença entre os dois materiais (P>0,05).

No grupo B, ao se quantificar os linfócitos (Pm: média 32,4, mediana 32,5; Ti: média 46,1, mediana 40,5), histiócitos (Pm: média 183,6, mediana 205; Ti: média 182,8, mediana 147), neutrófilos (Pm: média 11,5, mediana 3; Ti: média 5,8, mediana 3) e células gigantes (Pm: média 5,3, mediana 3,5; Ti: média 1,6, mediana 1), não foi encontrada diferença entre os dois materiais (P>0,05).

No grupo C, ao se quantificar os linfócitos (Pm: média 14,4, mediana 15; Ti: média 20,1, mediana 16), histiócitos (Pm média 275,6, mediana 278; Ti: média 295,7, mediana 278), neutrófilos (Pm: média 0, mediana 0; Ti: média 0, mediana 0) e células gigantes (Pm: média 4,3, mediana 3; Ti: média 9,9, mediana 9), não foi encontrada diferença entre os dois materiais (P>0,05).

No grupo D, ao se quantificar os linfócitos (Pm: média 3, mediana 3; Ti: média 8,7, mediana 8), histiócitos (Pm: média 120,1, mediana 115; Ti: média 157,1, mediana 176), neutrófilos (Pm: média 0, mediana 0; Ti: média 0, mediana 0) e células gigantes (Pm: média 4,3, mediana 5; Ti: média 5,3, mediana 5), não foi encontrada diferença entre os dois materiais (P>0,05).

Em seguida, para cada tipo de material, testou-se a hipótese nula de que os resultados são iguais nos quatro grupos, versus a hipótese alternativa de que pelo menos um dos grupos tem resultados diferentes dos demais. Nos casos em que houve a rejeição da hipótese nula (P<0,05), os grupos foram comparados dois a dois.

Ao comparar os quatro grupos do Pm entre si, observouse que houve tendência de redução do número de células inflamatórias com o passar do tempo de pós-operatório (P<0,05). Ao fazer a mesma análise para os 4 grupos do Ti, também se observou tendência de redução das células inflamatórias ao longo do tempo (P<0,05) (Figuras 2 a 5).

 

 

 

 

 

 

 

 

A fibrose peri-implante tendeu a ser igualmente acentuada em ambos os tipos de materiais implantados com o passar do tempo. Nos grupos A e C, ao se comparar os dois tipos de materiais implantados, o P foi altamente não significativo (P= 0,5). Nos demais grupos, ao se fazer a mesma análise, observou-se que o P foi extremamente não significativo (P=1).

Estudo da variável qualitativa

Em relação ao estudo de correlação da intensidade da fibrose peri-implante no grupo A, verificou-se que cinco casos (62,5%) do Pm apresentaram grau não acentuado, enquanto que o Ti apresentou dois casos (25%); no que tange o grau acentuado de fibrose nesse mesmo grupo, houve três casos (37,5%) do Pm e seis casos (75%) de Ti. O valor de P (Pm x Ti) no grupo A foi de 0,500, ou seja, não significativo, já que P>0,05.

Em relação a esse estudo no grupo B, verificou-se que três casos (37,5%) do Pm apresentaram grau não acentuado, enquanto que o Ti apresentou dois casos (25%); no que tange o grau acentuado de fibrose nesse mesmo grupo, houve cinco casos (62,5%) do Pm e seis casos (75%) de Ti. O valor de P (Pm x Ti) no grupo B foi de 1, ou seja, não significativo, já que P>0,05.

Em relação a esse estudo no grupo C, verificou-se que um caso (12,5%) do Pm apresentou grau não acentuado, enquanto que o Ti apresentou dois casos (25%); no que tange o grau acentuado de fibrose nesse mesmo grupo houve sete casos (87,5%) do Pm e seis casos (75%) do Ti. O valor de P (Pm x Ti) no grupo C foi de 0,500, ou seja, não significativo, já que P>0,05.

Em relação a esse estudo no grupo D, verificou-se que três casos (37,5%) do Pm e também três casos (37,5%) do Ti apresentaram grau não acentuado; no que tange o grau acentuado de fibrose nesse mesmo grupo houve cinco casos (62,5%) do Pm e o mesmo número de casos do Ti. O valor de P (Pm x Ti) no grupo D foi de 1, ou seja, não significativo, já que P>0,05 (Figura 6).

 

 

DISCUSSÃO

Escolheu-se a Cavia porcellus por experiência do grupo de pesquisa, já que o seu porte e índole dócil facilitaram a manipulação do retroperitônio. A serosa de animais de menor porte, como o rato Wistar e o camundongo, é mais lábil, o que dificulta a divulsão do espaço retroperitoneal, sendo assim, complicações como a migração do implante e a ruptura da membrana peritoneal poderiam ser mais frequentes nesses animais menores.

Foi utilizada uma cobaia para cada dois implantes (Pm e Ti). Reduziu-se, com isso, o número de animais no experimento ao implantar um material diferente em cada hemicorpo de uma mesma cobaia. O local de implante foi o retroperitônio, pois se trata de uma membrana semelhante às membranas pericárdica e pleural da cavidade torácica, sítio característico dos dispositivos de assistência circulatória implantáveis.

Materiais de baixo custo na obtenção, características aceitáveis de biocompatibilidade e abundantes na natureza seriam ideais para substituir outros materiais já consagrados na prática, mas que têm alto custo financeiro e são de difícil obtenção.

As características favoráveis encontradas no Pm foram citadas primeiramente por autores como Ohara et al. [20], Carvalho et al. [21], Ignácio et al. [22] e Silva [23], abrindo caminho para o uso desse polímero em ortopedia, ortodontia, cirurgia bucomaxilo e neurocirurgia. Além disso, o sistema de obtenção do Pm é muito atrativo, pois dispensa a presença de catalisadores, tem processabilidade simples e flexibilidade na formulação, permitindo assim adicionar outros componentes sem interferir na reação.

Há versatilidade de temperatura de "cura", com pico exotérmico máximo de 45 graus centígrados, não havendo produção de monômeros livres residuais pós-reação, fato não desejável em um dispositivo de assistência circulatória, comum entre os polímeros e que estimularam pesquisadores a utilizar o titânio para esse fim. Dias et al. [24] realizaram um estudo utilizando quatro macacos-prego, colocando um implante do Pm em um defeito ósseo, realizado previamente no dorso nasal desses animais; posteriormente, a análise histológica não revelou a presença de granuloma de corpo estranho ou células fagocitárias. Apesar de nosso trabalho não ter realizado análise em tecido ósseo, também não se verificou a presença de granuloma de corpo estranho na análise histológica. Outro estudo, de Mastrantonio e Ramalho [18], avaliou a resposta do tecido conjuntivo de camundongos ao Pm durante 60 dias e, novamente, o resultado da biocompatibilidade foi favorável.

O Ti é tido como material inerte e autores como Bothe et al. [25] demonstraram amplamente sua aplicabilidade em ligas metálicas na área médica desde meados do século XX. As ligas de Ti são amplamente utilizadas como partes substitutas de ossos, em materiais implantáveis no corpo humano como parafusos e placas, que hoje em dia aparecem inclusive em cirurgias de reconstrução. Da mesma maneira, o Pm vem aumentando a abrangência de sua área de utilização.

Observou-se no presente trabalho que o tipo de inflamação predominante, nos dois materiais estudados (Pm e Ti), foi a inflamação crônica, ou seja, predomínio de monomorfonucleares e que, independente do período analisado, o tecido de granulação predominou de forma não acentuada.

O período inicial de 7 dias faz relação direta com a sutura realizada na cirurgia. Siqueira e Dantas [26] descrevem como sendo o período de deposição de ácido hialurônico e colágeno, compostos estes que são produzidos numa tentativa de reconstituição dos tecidos lesados. No presente estudo, nos 7 primeiros dias, a inflamação foi do tipo não acentuada, além de que, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa em relação ao grau de granulação do tecido nos dois grupos estudados.

A maior quantidade de fibrose encontrada nos dois últimos grupos, ou seja, 30 e 40 dias de pós-operatório, foi destoante dos resultados de Costa et al. [27], que encontraram a formação de um tecido fibroso denso envolvendo o Pm. No presente estudo, para ambos os materiais, o tecido conjuntivo adjacente apresentava características histológicas de normalidade, além de demonstrar tendência à redução da reação tecidual com a progressão do tempo de implantação.

Outra situação foi que macro e microscopicamente não houve degradação estrutural do polímero quando submetido às temperaturas do organismo da cobaia. Isso pode se confirmado pela tese de que as poliuretanas apresentaram estabilidade térmica até 210ºC, demonstrando que, em temperatura ambiente, esses polímeros não apresentam possibilidade de sofrer decomposição térmica [28].

Além da estabilidade em altas temperaturas, o Pm é uma tecnologia brasileira e representa a possibilidade de um dispositivo implantável de menor peso para o paciente. O nosso dispositivo em estudo, o K-pump, em aço, tem seu peso de 194 g. Com as mesmas dimensões, construído em titânio, projeta-se um peso entre 85-95 g. Com o polímero de mamona, o peso ficará em torno de 50 g, peso abaixo da grande média dos dispositivos totalmente implantáveis disponíveis atualmente e apropriado para o grupo de pacientes pediátricos e de adultos pequenos.

 

CONCLUSÃO

A reação tissular induzida pelos dois materiais é muito semelhante. Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre a reação tecidual provocada pelo implante do Pm e a reação tecidual provocada pelo implante do Ti em cobaias.

 

AGRADECIMENTOS

Ao Instituto Denton Cooley de Pesquisas, por nos apoiar e incentivar na realização deste trabalho.

Ao Centro de Estudos Vita, que nos proporcionou condições da realização deste trabalho.

À empresa Poliquil (Araraquara, SP, Brasil), em especial os senhores Antonio Carlos Rossi e Alexandre Guillen, que nos ajudaram forneceram o polímero de mamona.

À empresa Neodent (Curitiba, PR, Brasil), em especial ao senhor Adailton Becker, que nos auxiliaram com o manuseio e corte das peças de titânio.

À Faculdade Evangélica do Paraná, pela solicitude e apoio em todos os momentos da pesquisa.

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Article receive on terça-feira, 8 de maio de 2012

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