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ARTIGO ORIGINAL

Experiência inicial com operações cardíacas minimamente invasivas

Francisco CostaI; Guilherme WinterII; Andrea Dumsch de Aragon FerreiraIII; Tadeu Augusto FernandesII; Claudinei CollatussoIII; Fernanda Tome TremelIV; Fabio Rocha FariasV; Daniele de Fátima FORNAZARIIII

DOI: 10.5935/1678-9741.20120066

RESUMO

INTRODUÇÃO: Operações cardíacas minimamente invasivas têm sido propostas como uma alternativa para a correção de diversas cardiopatias congênitas e adquiridas, com o intuito de reduzir a morbimortalidade.
OBJETIVOS: Descrever a experiência inicial de dois anos com operações cardíacas minimamente invasivas, com ênfase nos aspectos técnicos e na curva de aprendizado.
MÉTODOS: Entre julho de 2009 a março de 2012, 95 pacientes foram operados com técnicas minimamente invasivas. A média de idade foi de 55±15 anos e 53% pacientes eram do sexo feminino. As operações foram fechamento de comunicação interatrial (25), substituição valvar aórtica (32), plastia mitral (23), substituição valvar mitral (12), ressecção de mixoma de átrio esquerdo (2) e ressecção de membrana subaórtica (1). A incisão consistiu de minitoracotomia lateral direita em 87 casos e de miniesternotomia em oito.
RESULTADOS: A mortalidade imediata foi de 4,2%, e o tamanho médio da incisão foi de 6,3 ± 1,2 cm. A extensão da toracotomia só foi necessária em um caso. Dois pacientes apresentaram acidente vascular cerebral, e a quantidade total de sangramento foi de 470 ± 277 ml. Nenhum paciente teve infecção de ferida operatória, e 67% dos casos não apresentaram morbidade pós-operatória significativa.
CONCLUSÕES: Os resultados iniciais com operações minimamente invasivas demonstraram que elas podem ser realizadas de forma segura e com resultados iniciais satisfatórios. O índice de satisfação dos pacientes foi elevado. Uma vez ultrapassada a curva de aprendizado, as operações minimamente invasivas podem ser uma excelente alternativa para muitos pacientes com cardiopatias valvares e congênitas.

ABSTRACT

BACKGROUND: Minimally invasive cardiovascular operations have been proposed as an alternative method to correct several cardiac congenital and acquired heart diseases, with the aim to reduce morbidity and mortality.
OBJECTIVES: Describe the two years initial experience with minimally invasive operations, with emphasis on technical aspects and the learning curve.
METHODS: Between July 2009 and March 2012, 95 patients were operated using minimally invasive operations. Mean age was 55 ± 15 years and 53% were females. The operations performed were atrial septal defect closure (25), aortic valve replacement (32), mitral valve repair (23), mitral valve replacement (12), excision of atrial myxoma (2) and resection of subaortic membrane (1). The incision was a mini right thoracotomy in 87 cases and ministernotomy in 8.
RESULTS: Early mortality was 4.2%. Mean size of the incision was 6.3 ±1.2 cm. Extension of the original thoracotomy was necessary in only one case. Two patients suffered a stroke, and the mean total blood loss was 470 ± 277 ml. There were no cases of incision infection and 67% the patients had no major morbidity.
CONCLUSIONS: Our initial results with minimally invasive operations demonstrated that it was safe and with good clinical results. Patient satisfaction is quite high. After the learning phase has been transversed, minimally invasive operations may be an excellent alternative for many patients with congenital and acquired diseases.

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

AVC: Acidente vascular cerebral

CEC: Circulação extracorpórea

CIAs: Comunicações interatriais

CO2: Dióxido de carbono

EICD: Espaço intercostal direito

ETE: Ecocardiograma transesofágico intraoperatório

IAM: Infarto agudo do miocárdio

STS: Society of Thoracic Surgery

UTI: Unidade de terapia intensiva

INTRODUÇÃO

A toracotomia mediana continua sendo a incisão mais utilizada para a realização da maioria das operações cardíacas. Por meio dela, é possível ter amplo acesso às cavidades cardíacas e vasos da base, e realizar todos os tipos de operações, incluindo cirurgias valvares, correção de cardiopatias congênitas, ressecção de tumores, aneurismas da aorta e revascularização do miocárdio. Entretanto, o trauma cirúrgico envolvido é grande, tendo em vista o tamanho da incisão e a necessidade de secção completa do esterno, e pode levar a dor pós-operatória, tempo relativamente prolongado para a recuperação funcional, além da possibilidade de infecções graves [1].

Nos dias atuais, com o amplo acesso às informações pela Internet, existe demanda crescente por parte dos pacientes, em busca de procedimentos menos agressivos. Além disso, a cardiologia intervencionista tem oferecido soluções alternativas para o tratamento da insuficiência coronária e de diversas doenças valvares e cardiopatias congênitas. Nesse contexto, é natural que a cirurgia cardiovascular busque desenvolvimentos tecnológicos que possibilitem o tratamento cirúrgico de forma menos invasiva [2,3].

Operações minimamente invasivas se referem a uma variedade de técnicas de perfusão e visualização, que permitem realizar operações com pequenas incisões [4-7]. A partir do início da década de 1990, diversos autores passaram a preconizar o uso dessas técnicas, as quais passaram a ser a abordagem preferida para o reparo e substituições valvares em alguns centros especializados [1]. Em teoria, o uso de técnicas menos invasivas estaria associado a menor dor pós-operatória, menor tempo de internamento hospitalar, retorno mais rápido às atividades diárias, resultado cosmético superior e, eventualmente, custos reduzidos [1-3]. Por outro lado, existe a preocupação de que o acesso limitado possa estar associado a maiores riscos imediatos e com o uso de técnicas operatórias alternativas inferiores, como no caso de reparos complexos da valva mitral [8]. Além disso, não existe número suficiente de estudos randomizados e controlados que comprovem, de forma inequívoca, as reais vantagens das operações minimamente invasivas quando comparadas às técnicas convencionais [2,3].

A partir de junho de 2009, empregamos em casos selecionados técnicas minimamente invasivas, preferencialmente com minitoracotomias laterais, para a correção de valvopatias aórticas e mitrais, fechamento de comunicações interatriais (CIA) ou ressecções de mixoma.

Este trabalho pretende demonstrar os resultados imediatos, discutir as eventuais dificuldades e a curva de aprendizado encontradas com a aplicação destas técnicas e sua aplicabilidade mais rotineira nas operações valvares.

 

MÉTODOS

Pacientes

Entre julho de 2009 a março de 2012, 95 pacientes foram operados, de forma consecutiva, por técnicas minimamente invasivas. Nesta série inicial, a seleção de pacientes incluiu valvopatias aórticas e mitrais em que o cirurgião antecipasse o uso de técnicas convencionais e rotineiras, tais como o implante de próteses biológicas ou mecânicas ou plastias mitrais não complexas envolvendo o prolapso da cúspide posterior isoladamente. Foram excluídos pacientes com insuficiência mitral complexa envolvendo o prolapso de ambas as cúspides valvares ou com síndrome de Barlow, assim como pacientes aórticos com calcificação acentuada da aorta ascendente. As operações foram realizadas na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba e no Instituto de Neurologia e Cardiologia de Curitiba (Curitiba, PR, Brasil).

A idade dos pacientes variou de 21 a 84 anos (média = 55 ± 15 anos), sendo que 45 eram do sexo masculino e 50 do sexo feminino. Os diagnósticos mais frequentes que levaram a operação foram as valvopatias aórticas, mitrais e a comunicação interatrial. A maioria dos pacientes encontrava-se pré-operatoriamente em classe funcional II ou III e 15% deles tinham fibrilação atrial associada. As características clínicas detalhadas dos pacientes encontram-se listadas nas Tabelas 1 e 2.

 

 

 

 

Avaliação pré-operatória

Todos os pacientes foram avaliados com exame clínico, eletrocardiograma, radiografia de tórax e ecocardiograma bidimensional com Doppler. Nos pacientes com idade superior a 40 anos, foi realizada cineangiocoronariografia, para excluir a presença de coronariopatia associada.

Sempre que possível, foi realizada angiotomografia contrastada de tórax e de abdome para estudar detalhadamente as relações anatômicas das estruturas cardíacas em relação à cavidade torácica, assim como para avaliar a presença de doença ateromatosa na aorta torácica e abdominal, e nos vasos ilíacos e femorais. Em pacientes jovens, entretanto, essa avaliação pode ser realizada com ultrassonografia vascular periférica.

Em todos os casos, a decisão de realizar o procedimento com técnica minimamente invasiva foi discutida previamente com cada paciente, individualmente.

Técnica operatória

Apesar dos aspectos técnicos terem sido aperfeiçoados ao longo da experiência, e de alguma variação decorrente do tipo da operação a ser realizada, os princípios gerais foram semelhantes em todos os casos.

A anestesia foi feita com entubação orotraqueal convencional, sem fazer uso de ventilação pulmonar seletiva. Sempre que disponível, utilizou-se ecocardiograma transesofágico intraoperatório (ETE), para monitorar o adequado posicionamento de cânulas arteriais e venosas durante a circulação extracorpórea (CEC), assim como para orientar o cirurgião em alguns momentos específicos da operação, tais como durante a infusão de solução cardioplégica, retirada de ar das cavidades cardíacas ao final da CEC e avaliação da função ventricular pós-operatória.

Em 89 pacientes, foi feita uma incisão de 3 cm na região inguinal e estabelecida a CEC por perfusão retrógrada, com canulação sob visão direta dos vasos femorais. Nos demais pacientes, a canulação arterial foi feita diretamente na aorta ascendente, e a drenagem venosa feita pelo átrio direito ou por punção na veia femoral. Utilizou-se CEC com hipotermia moderada de 32ºC, com auxílio de vácuo para otimizar a drenagem venosa. A proteção miocárdica foi feita com solução cardioplégica sanguínea gelada em 89 pacientes, e com solução de Custodiol® em seis casos. O pinçamento da aorta foi feito com pinça retrátil.

Em 87 pacientes, o acesso cirúrgico foi feito por minitoracotomia lateral (Figura 1), e em 8 casos, por miniesternotomia. Em pacientes mitrais ou para o fechamento de CIAs, a incisão foi realizada no 4º espaço intercostal direito (EICD), na região inframamária, situada entre as linhas axilares anterior e média. Já para os pacientes aórticos, a minitoracotomia foi anterior, intercostal, no 2º ou 3º EICD, fazendo-se a ligadura da artéria mamária direita e geralmente com a desinserção temporária da junção condrocostal da costela inferior ou superior para facilitar a exposição da raiz aórtica. Em todos os casos, utilizou-se uma contraincisão auxiliar no tórax, com 1 cm de extensão, por onde foram passados a cânula de drenagem do ventrículo esquerdo, um cateter para insuflação contínua de CO2 na cavidade pleural, além de alguns pontos de exposição do pericárdio. Ao final do procedimento, essa pequena incisão é utilizada para a passagem do dreno torácico.

 

 

A técnica operatória para as plastias ou substituições valvares, fechamento das CIAs ou ressecção de tumores foram semelhantes às empregadas em operações convencionais.

Avaliação pós-operatória

Foram avaliados os resultados no pós-operatório imediato até o momento da alta hospitalar. Especificamente, foram estudadas a mortalidade imediata, definida como qualquer óbito até 30 dias de evolução ou antes da alta hospitalar, e as complicações pós-operatórias, incluindo a necessidade de reoperações, quantidade total de sangramento e necessidade de transfusão sanguínea, tempo de internamento na unidade de terapia intensiva (UTI) e tempo de internamento hospitalar.

 

RESULTADOS

Nossa série inicial com operações minimamente invasivas compreendeu a realização de correção de CIA (n=24), substituição valvar aórtica (n=33), substituição valvar mitral (n=12), plastia da valva mitral (n= 24), ressecção de mixoma de átrio esquerdo (n=2) e ressecção de membrana subaórtica (n=1). Os detalhes das operações realizadas encontram-se listadas na Tabela 3.

 

 

O tempo de pinçamento aórtico variou de 18 a 117 min (média= 60 ± 25 min) e o tempo total de CEC variou de 50 a 180 min (média = 96 ± 34 min). Na maioria dos pacientes (n=87), as operações foram realizadas com minitoracotomias laterais, cuja extensão variou de 4 a 10 cm (6,3 ± 1,2 cm).

A mortalidade hospitalar foi de quatro (4,2%) casos. As causas de óbito foram sepse com falência de múltiplos órgãos em dois pacientes aórticos idosos, síndrome de baixo débito em um paciente com insuficiência mitral por miocardiopatia dilatada e trombose mesentérica no último caso (Tabela 4).

 

 

No período intraoperatório, tivemos três casos com lesões em estruturas cardíacas que necessitaram correção adicional. Um paciente apresentou, na saída de CEC, sangramento na cavidade pericárdica, que nos obrigou a ampliar a incisão com secção transversa do esterno e extensão da toracotomia até o lado esquerdo do tórax, para corrigir sangramento traumático na aurícula esquerda, tendo boa evolução. Dois pacientes mitrais apresentaram perfurações no ventrículo direito, um causado pela ponta da cânula venosa e outro por eletrodo de marca-passo previamente implantado. Nesses dois casos, as lesões ocorreram durante a retração do átrio esquerdo, foram prontamente identificadas antes de descontinuar a CEC, e puderam ser corrigidos com sucesso, sem necessidade de ampliar a minitoracotomia.

Dentre as morbidades pós-operatórias mais comuns, tivemos a síndrome de baixo débito em 15% dos casos e ocorrência de fibrilação atrial paroxística em 14% dos pacientes. Em 67% dos casos, não houve nenhuma complicação. Em nenhum paciente houve infecção da ferida operatória. Apesar de não termos uma avaliação objetiva da dor pós-operatória, subjetivamente os pacientes relataram apenas desconforto na região torácica e dor considerada como leve e suportável. O grau de satisfação com os resultados cosméticos finais é invariavelmente alto (Figura 2). Dentre as complicações graves, dois pacientes tiveram acidente vascular cerebral (AVC), dos quais um foi transitório e com reversão completa e o segundo paciente ficou com sequelas em decorrência de lesão isquêmica extensa no lobo temporal esquerdo. Insuficiência respiratória grave necessitando de traqueostomia ocorreu em 1 caso, e insuficiência renal transitória foi detectada em seis pacientes, entretanto, sem necessidade de diálise em nenhum deles (Tabela 5).

 

 

 

 

O sangramento total pós-operatório variou de 50 a 3400 ml (média= 470 ± 277 ml), sendo que transfusão sanguínea foi realizada em 74 pacientes, que receberam em média de 1,6 ± 1 unidades de concentrado de hemácias. Apenas dois pacientes foram reoperados por sangramento excessivo, sendo possível a correção pela mesma incisão da operação original.

O tempo de permanência na Unidade de Terapia Intensiva variou de 12 horas a 13 dias (média = 2,8 ± 1,7 dias) e o tempo total de internamento hospitalar variou de 4 a 30 dias (média = 8,7 ± 4,5 dias).

Por avaliação clínica e ecocardiográfica, as correções cirúrgicas foram consideradas satisfatórias. Todas as CIAs foram adequadamente fechadas, e nos pacientes com próteses valvares, não foram detectados vazamentos paravalvares importantes. Da mesma forma, os pacientes submetidos a plastia valvar mitral ficaram com valvas competentes ou com refluxos graduados como triviais.

 

DISCUSSÃO

Operações minimamente invasivas têm sido realizadas desde o início da década de 1990, entretanto, por serem tecnicamente mais elaboradas e necessitarem treinamento específico, sua aceitação ainda é limitada. Dados da Society of Thoracic Surgery (STS) demonstram que menos de 20% das operações valvares são realizadas por incisões minimamente invasivas, e são poucos os centros que fazem essas operações de forma mais rotineira [1,2,9]. Em nosso meio, esse número deve ser ainda menor, visto o pequeno número de publicações de cirurgia valvares minimamente invasivas, e com casuísticas ainda relativamente pequenas [10-13]. Dentre as maiores experiências, Poffo et al. [10] relataram casuística de 102 pacientes operados entre 2006 e 2008, e, mais recentemente. Fortunato Junior et al. [12] mostraram seus resultados com 136 pacientes operados ao longo de 6 anos.

As operações minimamente invasivas são realizadas com o intuito de se reduzir o trauma operatório e, eventualmente, reduzir o risco de morbidade e mortalidade imediata. Entretanto, os resultados atualmente disponíveis não comprovam, de forma inequívoca, benefícios objetivos que justifiquem a aplicação mais abrangente dessas técnicas [14,15]. Mais recentemente, entretanto, alguns estudos sugerem diminuição de mortalidade em alguns subgrupos específicos de pacientes, tais como em reoperações mitrais, pacientes obesos ou em aórticos idosos [16-19].

Os resultados de nossa série inicial com operações minimamente invasivas confirmam a observação de outros autores de que, em casos selecionados, operações de plastia ou substituição valvar, de correção de algumas cardiopatias congênitas e de ressecção de mixomas atriais, podem ser realizadas de forma segura e com índices de mortalidade comparáveis aos obtidos por meio de esternotomia convencional [3,11]. Apesar de não termos um grupo controle e deste estudo não ser comparativo, nenhum dos óbitos imediatos desta série pode ser atribuído a complicações relacionadas à técnica empregada.

Diversas incisões têm sido preconizadas para a realização de procedimentos minimamente invasivos, incluindo algumas variantes de miniesternotomias superiores ou inferiores, minitoracotomias anteriores ou laterais, podendo ser feitas tanto do lado direito como do lado esquerdo do tórax [11,20-22]. Apesar de alguns casos de prótese aórtica em nossa série terem sido feitos com miniesternotomia superior, nossa preferência atual tem sido por minitoracotomias intercostais, sempre que possível.

Existe dificuldade em se definir o que se chama de operação cardíaca minimamente invasiva. A leitura cuidadosa dos trabalhos publicados, assim como a observação de cirurgias realizadas em diversos centros, nos mostra que essas operações variam desde aquelas com incisões relativamente grandes na pele, com 8 a 10 cm de extensão, mas com extensas dissecções dos espaços intercostais e com afastamento e traumatismo pronunciado das costelas, até operações com incisões limitadas de 3 a 4 cm com mínima dissecção, uso exclusivo de afastadores de partes moles e com auxílio de equipamentos de vídeo ou de sistemas robóticos [5,6]. Assim, a comparação de resultados entre diversos serviços torna-se complexa e de difícil interpretação.

Quando iniciamos nossa experiência de operações valvares com pequenas toracotomias, tínhamos plena consciência de que elas envolvem uma curva de aprendizado e de que a seleção dos pacientes, assim como uma evolução gradativa na redução do tamanho da incisão deveria ser feita com cautela [1,6]. Assim, nos casos iniciais utilizamos incisões em torno de 8-10 cm de extensão, mas, à medida que a técnica foi sendo aperfeiçoada, esse tamanho pode ser reduzido para incisões que tipicamente variam entre 4 a 6 cm nos últimos pacientes. Com o aperfeiçoamento da técnica, nossa dissecção dos espaços intercostais é mínima e correspondente ao tamanho da incisão na pele, e o afastamento do espaço intercostal é limitado, evitando o traumatismo nas costelas e, consequentemente, diminuindo a dor pós-operatória.

Alguns centros defendem o emprego de vídeo ou sistemas robóticos para a realização destas operações [4,9,11]. No Brasil, Poffo et al. [11] publicaram sua experiência de operações minimamente invasivas com auxílio de vídeo, tendo inclusive feito, de forma pioneira, o acesso periaureolar. Entretanto, essas cirurgias são bem mais complexas e, mesmo com o uso de tecnologias sofisticadas, existe a necessidade de uma incisão de pelo menos 3 a 4 cm em extensão, outras pequenas incisões adicionais que servem de porta de entrada para os equipamentos adicionais, sem contar os custos elevados. As técnicas por nós empregadas permitem realizar toda a operação sob visão direta, com incisões que são, no máximo, 1 a 2 cm mais longas, sendo mais acessível para grupos que desejam iniciar com esses procedimentos.

A seleção de pacientes para operações minimamente invasivas deve ser cautelosa e, em nossa opinião, só podem ser estendidas à medida que se ultrapassa a curva inicial de aprendizado. Não achamos justificável diminuir o tamanho da incisão em detrimento da qualidade técnica do procedimento [8]. Desse modo, deve-se iniciar com casos mais simples e com anatomia favorável, evitando casos de plastia mitral complexa ou pacientes com a raiz aórtica desfavorável e com extrema calcificação. Além disso, alguns fatores se constituem em contraindicações relativas ou absolutas para esse tipo de operação, tais como doença vascular periférica importante, toracotomia direita e/ou irradiação torácica prévias, necessidade de operações concomitantes, como revascularização do miocárdio e deformidades torácicas, como o pectus excavatum [15].

Alguns aspectos técnicos parecem ser importantes para a obtenção de resultados consistentemente satisfatórios. Para a realização da anestesia, a entubação orotraqueal seletiva deve ser evitada, visto a possibilidade de ocorrência de edema pulmonar unilateral, que é uma complicação de manejo complexo [23]. O uso de ETE é imprescindível para o adequado posicionamento das cânulas arterial, venosa e de cardioplegia retrógrada, assim como para a monitorização de diversos passos da operação, durante a retirada de ar das cavidades cardíacas e para a monitorização da função ventricular e adequado manejo de drogas inotrópicas, uma vez que não temos visualização do coração como nas operações convencionais [7,9]. Em nossa série, tivemos um caso de lesão no ventrículo direito pela ponta da cânula venosa que poderia ter sido evitada com adequado controle ETE que não estava disponível neste caso.

A eventual necessidade de conversão para toracotomia mediana tem sido reportada na maioria dos trabalhos publicados, sendo causada principalmente quando da ocorrência de dissecção aguda da aorta ou ruptura do sulco atrioventricular [15]. Nesta nossa série inicial, no único caso com sangramento inacessível, fizemos uma extensão da toracotomia para o lado esquerdo do tórax para suturar a ponta da aurícula esquerda que tinha sido traumatizada durante o pinçamento aórtico.

Alguns estudos sugerem que a realização de operações minimamente invasivas possa estar associada com maior incidência de AVC. Dentre os fatores de risco para essa complicação, estão a idade avançada, aorta com ateromatose difusa, perfusão arterial retrógrada, uso de endoclamps ou realização da operação sem pinçar a aorta com o coração fibrilando [1]. Por esse motivo, achamos que a instalação da CEC de forma retrógrada pelos vasos femorais deve ser precedida de ampla avaliação préoperatória, e deve ser evitada em casos de doença aterosclerótica difusa da aorta, ilíacas ou femorais, assim como em pacientes com vasos femorais de pequeno calibre. Alternativamente, existe a possibilidade de canulação da artéria axilar em casos selecionados, até a canulação rotineira pela aorta ascendente, conforme preconizado por Crooke et al [16]. Em nossa experiência, utilizamos perfusão retrógrada em todos os casos onde a incisão foi feita por minitoracotomia lateral, e o pinçamento da aorta feito com pinça retrátil. Nos casos onde havia ateromatose mais acentuada da aorta, as operações foram realizadas por miniesternotomia e canulação arterial central. Com essa metodologia, nossa incidência de AVC foi de dois (2%) casos, ambos em pacientes aórticos idosos. Não houve complicações cerebrais importantes em nenhum paciente mitral ou com CIA.

A drenagem venosa feita com auxílio de vácuo costuma ser adequada, entretanto, em casos onde se aborda o lado direito do coração ou quando a drenagem não é satisfatória, a colocação de uma segunda cânula, seja por punção da veia jugular interna ou diretamente na cava superior, deve ser realizada [5].

Uma eventual crítica às operações minimamente invasivas se refere aos tempos mais prolongados de pinçamento aórtico e de CEC. Em nossa experiência, o pinçamento aórtico, apesar de mais longo do que em operações convencionais, ficou dentro de uma faixa de tempo bastante razoável, e aparentemente não causou aumento na resposta inflamatória, nem distúrbios na coagulação sanguínea [24]. A quantidade média de sangramento total de 470 ml pode ser considerada baixa, comparando-se favoravelmente a outras séries publicadas [15,18]. Mesmo assim, 70% dos nossos pacientes receberam pelo menos uma unidade de transfusão sanguínea, o que sugere a necessidade de protocolos mais rígidos de tratamento no período pós-operatório imediato em nossa instituição. Da mesma forma, a incidência de reoperações por sangramento também foi baixa e, nos dois casos, a origem do sangramento era proveniente da parede costal, o que reforça a necessidade de revisão de hemostasia detalhada, já que a visualização dos espaços intercostais é bastante limitada com esse tipo de incisão [15].

Apesar deste estudo não ser comparativo, a impressão subjetiva foi de que os pacientes apresentam recuperação funcional pós-operatória mais facilitada, com deambulação e retorno de atividades diárias mais precoces quando comparados àqueles submetidos a operações envolvendo toracotomias medianas. O nível de satisfação pessoal com a incisão e com os aspectos cosméticos também foi elevado.

Limitações do Estudo

Este estudo teve por objetivo relatar nossa experiência inicial com operações valvares e de cardiopatias congênitas com técnicas minimamente invasivas. O número de casos operados ainda é bastante limitado e, por não ser um estudo comparativo, não podemos fazer inferências definitivas sobre suas eventuais indicações e sobre suas reais vantagens e desvantagens.

 

CONCLUSÕES

Nossa experiência demonstra que operações valvares, de correção de cardiopatias congênitas simples e de ressecção de tumores cardíacos podem ser realizadas com segurança e com resultados semelhantes aos obtidos com técnicas convencionais. A incidência de AVC foi de 2%, e a morbidade pós-operatória foi baixa. Além disso, a recuperação funcional dos pacientes é mais rápida e o nível de satisfação por parte dos pacientes é, pelo menos subjetivamente, melhor. Uma vez ultrapassada a curva de aprendizado e com adequado treinamento de toda a equipe envolvida, operações minimamente invasivas podem se tornar uma opção atrativa para muitos pacientes com essas afecções.

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Article receive on quarta-feira, 25 de abril de 2012

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