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COMUNICAÇÃO BREVE

Insuficiência aórtica aguda por avulsão de comissura valvar aórtica

Claudio Ribeiro da CunhaI; Paulo César SantosII; Fernando Antibas AtikIII; Daniel Oliveira de Conti ContiIV

DOI: 10.5935/1678-9741.20120024

RESUMO

Paciente do sexo masculino, de 66 anos, previamente hipertenso, com história de ortopneia, palpitações e dor precordial de início súbito, que teve o diagnóstico de avulsão espontânea de uma comissura valvar aórtica e consequente insuficiência aórtica aguda, evoluindo com insuficiência cardíaca esquerda refratária ao tratamento clínico. O paciente foi submetido precocemente à substituição cirúrgica da valva aórtica por uma bioprótese, e apresentou evolução pós-operatória satisfatória. Atualmente, quatro anos após o evento, continua em acompanhamento ambulatorial em classe funcional I.

ABSTRACT

A 66-year-old male patient, prior hypertension, a history of orthopnea, palpitations and chest pain of sudden onset, which was diagnosed as spontaneous avulsion of aortic valve commissure and consequent aortic insufficiency progressing to acute left heart failure refractory to medical treatment. The patient underwent early surgical replacement of the aortic valve by a bioprosthesis, and presented satisfactory postoperative course. Currently, four years after the event, he is still in attendance in functional class I.

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

CKMB: isoenzima MB da creatina quinase

IAo: insuficiência aórtica

INTRODUÇÃO

A insuficiência aórtica (IAo) aguda, apesar de incomum, está associada a mau prognóstico quando não diagnosticada e tratada precocemente. É causada mais frequentemente por endocardite bacteriana, dissecção aguda de aorta ou trauma torácico fechado [1]. Outro mecanismo é a rotura de fenestração de uma das válvulas, ou a avulsão de uma das comissuras da parede aórtica [2].

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de avulsão de uma das comissuras da valva aórtica associada a crise hipertensiva desencadeada por estresse emocional, que foi tratada cirurgicamente.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 63 anos de idade, previamente hígido, com antecedente de hipertensão arterial sistêmica mal controlada, apresentou quadro súbito de dor precordial de forte intensidade, associada a dispneia e palpitações com duração de cerca de duas horas, que melhorou espontaneamente. Esse quadro inicial teve relação com forte estresse emocional (paciente foi vítima de um assalto). Nos dias que se seguiram, evoluiu com dispneia de repouso e ortopneia, o que o norteou a procurar assistência médica. Negava febre, infecções pregressas, passado de doença reumática e história familiar para doenças cardiovasculares.

À admissão no pronto-socorro, apresentava-se em regular estado geral, consciente, taquicárdico e taquipneico. Os pulsos eram presentes e simétricos, com amplitude normal. A pressão arterial aferida em membro superior era 140 x 50 mmHg. A ausculta cardíaca revelou bulhas regulares a 3 tempos, com sopro diastólico 2+/4 em foco aórtico com irradiação para o foco mitral. A ausculta pulmonar demonstrou murmúrio vesicular presente bilateralmente e simétrico, com estertores subcreptantes em bases. À inspeção constatava-se tiragem intercostal.

A radiografia de tórax revelava aumento discreto da área cardíaca relacionada ao ventrículo esquerdo e congestão pulmonar. Os níveis séricos de isoenzima MB da creatina quinase (CK-MB) eram de 12 U/l (referência de 0-25 U/l) e de Troponina T de 0,6 ng/ml (referência até 1 ng/ml) . A avaliação ecocardiográfica revelava presença de IAo importante secundária à falha de coaptação das válvulas coronariana esquerda e não coronariana. O ventrículo esquerdo apresentava hipertrofia concêntrica discreta (espessura do septo de 11 mm e parede posterior de 9 mm), com dimensões (53 x 38 mm) e função (fração de ejeção de 73%) normais. A aorta ascendente era de diâmetro normal (35 mm).

Após o diagnóstico, foi indicado tratamento cirúrgico e iniciado tratamento clínico com furosemida, nitroprussiato de sódio e dobutamina, até a realização de coronariografia. A cinecoronariografia não evidenciou lesões coronarianas obstrutivas. Após a coronariografia, o paciente foi encaminhado para cirurgia, sem apresentar melhora com o tratamento clínico. A operação foi realizada por meio de esternotomia mediana. O coração era de tamanho normal e não havia hemopericárdio ou hematoma na aorta ascendente. A circulação extracorpórea foi instituída por meio de canulação da aorta ascendente e do átrio direito e conduzida em hipotermia moderada (32ºC). A proteção miocárdica foi obtida por cardioplegia sanguínea 4:1 fria intermitente por via anterógrada e retrógrada a cada 15 minutos. O acesso à valva aórtica foi obtido por aortotomia oblíqua, que revelou aorta ascendente e seios de Valsalva de diâmetros e aspecto normais. As três válvulas aórticas estavam aparentemente intactas, mas a comissura entre as válvulas coronariana esquerda e não coronariana estava desinserida (Figura 1).

 

 

A realização de plástica valvar com nova fixação do poste comissural em sua posição anatômica foi considerada. Entretanto, a opção do cirurgião foi pela substituição valvar por prótese biológica de pericárdio bovino com suporte Labcor®, diante do receio de durabilidade limitada da plástica. O tempo de CEC foi de 50 minutos e o tempo de anóxia de 38 minutos. O estudo anatomopatológico da valva aórtica foi compatível com degeneração mixomatosa.

A recuperação pós-operatória foi satisfatória, sem complicações, com alta hospitalar no sétimo dia. O ecocardiograma pós-operatório demonstrou bioprótese aórtica normofuncionante com preservação da função ventricular. Após 4 anos da substituição valvar aórtica, o paciente continua em acompanhamento ambulatorial assintomático cardiovascular.

 

DISCUSSÃO

A IAo aguda secundária a avulsão de uma das comissuras da valva aórtica é um evento raro, mas impõe alguns desafios no seu manuseio.

O primeiro desafio se refere ao diagnóstico. Na IAo aguda, o alargamento da pressão de pulso e outros sinais periféricos associados a IAo crônica, frequentemente estão ausentes. Além disso, o sopro holodiastólico da IAo crônica é substituído por um sopro protodiastólico, pouco audível na IAo aguda [1]. Os pacientes frequentemente apresentam dispneia, instabilidade hemodinâmica e choque. Na IAo aguda secundária a avulsão de uma das comissuras, além da apresentação clínica ser inespecífica como descrito acima, não há outros comemorativos que possam auxiliar no diagnóstico, e este então irá requerer um alto grau de suspeita clínica.

No caso descrito, a história de um evento estressante e o passado de hipertensão arterial sistêmica não tratada associados a dor precordial e dispneia poderiam sugerir inicialmente a hipótese de síndrome coronariana aguda. Somente o exame clínico detalhado associado à avaliação ecocardiográfica permitiu o diagnóstico preciso. É possível que o estresse agudo tenha precipitado um aumento súbito na pressão arterial diastólica, o que pode ter ocasionado a avulsão da comissura da valva aórtica da parede aórtica. Alguns autores [3] já descreveram esse mecanismo anteriormente. A avulsão de uma das comissuras da valva aórtica, na maioria das vezes, está relacionada a alguma predisposição anatômica, como ateroma localizado, necrose médio-cística e sífilis [2], embora tenha sido descrita em associação com hipertensão em valvas anatomicamente normais[3]. No caso em questão, a valva aórtica apresentava substrato anatômico (degeneração mixomatosa) que pode ter contribuído para a avulsão comissural.

O segundo desafio refere-se à estratégia cirúrgica. Em nosso caso, a aorta ascendente e as válvulas da valva aórtica eram aparentemente normais à inspeção macroscópica. Esse achado poderia levar o cirurgião à decisão de reparar e preservar a valva. Entretanto, essa decisão não nos parece tão simples. Como descrito anteriormente, é comum a presença de fatores anatômicos[4], tais como necrose médio cística, que predisponham à avulsão da comissura e que podem não ser detectadas numa inspeção preliminar. A presença de algum desses fatores poderia comprometer o resultado cirúrgico tardio, caso a valva fosse preservada.

Apesar do pequeno número de casos descritos na literatura, alguns autores sugerem que a substituição da valva aórtica seria a melhor escolha, considerando os resultados tardios insatisfatórios quando se preserva a valva neste contexto [4], comparados aos resultados consistentes da substituição valvar aórtica por bioprótese de pericárdio bovino [5,6]. No entanto, há relatos demonstrando resultados aceitáveis utilizando-se o reparo e preservação da valva [7], embora a segurança dessa técnica não seja conhecida. A questão da preservação da valva aórtica, quando factível, no tratamento da IAo de outras etiologias também é controversa. Há autores que relatam resultados tardios adequados [8], enquanto outros sugerem que a preservação da valva pode produzir resultados insatisfatórios[9]. Acreditamos que não existam na literatura trabalhos com poder estatístico suficiente para responder definitivamente essa questão.

Em conclusão, a avulsão espontânea de uma comissura da valva aórtica causando IAo aguda importante requer um alto índice de suspeita clínica para o diagnóstico correto, embora seja rara. O tratamento cirúrgico deve ser indicado precocemente, e a substituição valvar parece ser a opção mais segura diante da falta de informação a respeito do seguimento tardio de pacientes submetidos a plastia valvar aórtica.

REFERÊNCIAS

1. Stout KK, Verrier ED. Acute valvular regurgitation. Circulation. 2009;119(25):3232-41. [MedLine]

2. Kazuya A, Jun H, Naohito T, Kazuma M, Yutaka K. Echocardiographic and surgical findings of spontaneous avulsion of the aortic valve commissure. Circ J. 2004;68(3):254-6. [MedLine]

3. Aoyagi S, Fukunaga S, Oishi K. Aortic regurgitation due to non-traumatic rupture of the aortic valve commissures: report of two cases. J Heart Valve Dis. 1995;4(1):99-102. [MedLine]

4. Sakakibara Y, Gomi S, Mihara W, Mitsui T, Unno H, Doi T. Acute heart failure due to local dehiscence of aortic wall at aortic valvular commissure. Jpn J Thorac Cardiovasc Surg. 2000;48(1):80-2. [MedLine]

5. Braile DM, Leal JC, Godoy MF, Braile MCV, Paula Neto A. Aortic valve replacement using bovine pericardial bioprosthesis: 12 years of experience. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2003;18(3):217-20.

6. De Bacco FW, Sant'Anna JRM, Sant'Anna RT, Prates PR, Kalil RAK, Nesralla IA. St Jude Medical-Biocor bovine pericardial bioprosthesis: long-term survival. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2005;20(4):423-31. Visualizar artigo

7. Shimamoto T, Komiya T, Sakaguchi G. A novel method for repairing aortic regurgitation due to commissural detachment. Ann Thorac Surg. 2011;91(5):1628-9. [MedLine]

8. Neves Junior MT, Pomerantzeff PMA, Brandão CMA, Grinberg M, Barbero-Marcial M, Stolf NAG, et al. Plástica da valva aórtica em pacientes portadores de insuficiência aórtica: resultados imediatos e tardios. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1996;11(3):155-60.

9. Prêtre R, Faidutti B. Surgical management of aortic valve injury after nonpenetrating trauma. Ann Thorac Surg. 1993;56(6):1426-31. [MedLine]

Article receive on terça-feira, 4 de outubro de 2011

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