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ESPECIAL 100 ANOS PROFESSOR ZERBINI

Euryclides de Jesus Zerbini: uma biografia

Noedir A. G. StolfI; Domingo M. BraileII

DOI: 10.5935/1678-9741.20120020

HOMENAGEM AOS 100 ANOS DO NASCIMENTO DO PROFESSOR ZERBINI

 

O Prof. Euryclides de Jesus Zerbini, E. J. Zerbini, como gostava de ser citado, é, sem dúvida, um dos grandes vultos da Medicina Brasileira. Suas contribuições à Cirurgia Torácica e à Cirurgia Cardiovascular, bem como seu legado como professor e formador de opiniões, garantem-lhe lugar privilegiado para a posteridade. Rever os passos e as circunstâncias que forjaram a têmpera desse pioneiro significa mais uma justa homenagem ao mestre, contemplada também com um caráter educacional para as gerações vindouras. Zerbini nasceu a 7 de maio de 1912 na cidade de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba. Foi o sexto filho (o caçula) de Eugênio e Ernestina Zerbini (Figura 1); ele, nascido na pequena cidade italiana de Serravalle, na Emilia-Romana, ela, registrada na Argentina, filha de pais genoveses. Eugênio, professor, cultivava de forma ostensiva a disciplina e a dedicação dos filhos aos estudos. Zerbini estudou até o primeiro ano do 2º grau na sua cidade natal. Com a transferência do pai para Campinas, completou em primeiro lugar o então denominado Curso Científico, no Colégio Diocesano Santa Maria, naquela cidade (Figura 2).

 

 

 

 

Segundo palavras do próprio Zerbini, como não se sentia vocacionado para alguma carreira, foi o pai quem lhe sugeriu estudar Medicina. Assim, de Campinas mudou-se para a casa de sua irmã, Eunice, em São Paulo, preparandose para o difícil vestibular. Em 1930, foi aprovado para uma das 50 vagas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), classificado entre os 10 primeiros colocados! À época, a FMUSP já tinha uma reputação excelente, suportada que era, em parte, pela Fundação Rockefeller [1]. Estudar Medicina em São Paulo não era barato, mesmo considerando que a Faculdade era gratuita. Para aliviar os encargos financeiros do pai, passou a ensinar Química, Física e História Natural nos cursos pré-vestibular, já durante seu primeiro ano na faculdade. A FMUSP, que funcionava no centro da cidade, transferiu-se para o prédio da Av. Dr. Arnaldo no ano seguinte, 1931. O "Hospital-Escola" da Faculdade era a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde Zerbini passou a atuar como acadêmico interno na 17ª Cadeira de Cirurgia, sob a chefia de ícones da época, sequencialmente: Professores João Alves Meira, Benedito Montenegro e, finalmente, Alípio Corrêa Netto, seu grande mestre e mentor (Figura 3). Durante o curso, quando da Revolução Constitucionalista de 1932, houve grande mobilização de professores e alunos na FMUSP, e Zerbini participou do movimento no Vale do Paraíba. Em 1935, graduou-se médico (Figura 4). Em 1939, ainda na Santa Casa, com a saída da Faculdade da equipe do Dr. Edmundo Etzel, apenas quatro anos após a graduação, Zerbini foi nomeado Chefe de Divisão, preenchendo o altamente cobiçado posto de primeiro assistente, posição imediatamente inferior ao de Professor Titular. O Prof. Alípio Corrêa Netto poderia ter escolhido, para cargo tão importante, um de seus assistentes mais antigos. Mas, surpreendentemente, optou por nomear o jovem Zerbini, vendo nele a grande capacidade que o futuro provaria ser verdadeira. Em 1941, aos 29 anos de idade, submeteu-se ao Concurso de Livre Docente, estudando duramente por um ano, quando normalmente exigia-se pelo menos cinco anos de preparação. O tema escolhido para a sua aula foi: Tumores Cerebrais Supratentoriais, sendo aprovado com a nota 9,41 em uma escala de 10 (Zerbini, 2010).

 

 

 

 

Primeiro contato com o coração

Embora sua atividade fosse predominantemente em Cirurgia Geral, passou a atuar no Hospital São Luiz Gonzaga no bairro do Jaçanã, realizando Cirurgia Torácica em pacientes com tuberculose, doença que era de alta prevalência. Em fevereiro de 1942, um evento fortuito marcaria seu primeiro contato com a abordagem cirúrgica do coração. Naquele tempo, o coração ainda era uma ficção anatômica, que só podia ser visto ou tocado nas salas de autópsia.

Um menino de sete anos, de nome Disnei, foi recebido em situação crítica no Serviço de Emergência da Santa Casa, com um estilhaço metálico que lhe penetrara o precórdio. Resolveram chamar o Dr. Zerbini que, como sempre, estava no hospital. O caso não era usual, e por isso consultaram seu mestre. Decidiram operar o paciente! Tratava-se de ferimento cardíaco, envolvendo a artéria coronária descendente anterior, que foi ocluída na sutura. O paciente sobreviveu ao procedimento e ao próprio cirurgião. Foi a primeira sutura, com sucesso, de um ferimento cardíaco no país, merecendo publicação internacional, no Journal of Cardiac Surgery, em 1943, com o título: "Coronary ligation in wounds of the heart". Foi também o primeiro procedimento sobre o coração desse pioneiro da Cirurgia Cardíaca da América Latina.

 

Rumo aos Estados Unidos

Apesar desse evento histórico, o Dr. Zerbini continuou a dedicar-se à Cirurgia Torácica. Insatisfeito com a limitação da mesma, que atuava apenas sobre a parede torácica e pleura, para realização de pneumotórax e toracoplastia, visando colapsar o pulmão com cavernas tuberculosas, Zerbini decidiu, com apoio do Prof. Alípio, visitar os Estados Unidos. Ele frequentou o serviço do Dr. Evarts Graham, que tinha realizado a primeira Pneumectomia do mundo para tratamento do câncer de pulmão, em St. Louis, no "Barnes Hospital". Entusiasmado com o que vira, solicitou à União Cultural Brasil-Estados Unidos e ao "Institute of International Education" uma bolsa de Estudos do "US State Department". Recebeu a aprovação em 17 de janeiro de 1944 e, seis meses mais tarde, foi para os Estados Unidos por um período inicial de um ano (embarcado em um Douglas DC-3, que levou três dias para chegar ao destino).

No Barnes Hospital, rodeado pelos líderes da sua especialidade naquele tempo, tendo à sua disposição a mais recente tecnologia cirúrgica disponível, Zerbini sentiu como se estivesse em outro mundo.

Como sempre, teve muita sorte! Encontrou pouca concorrência de residentes americanos, uma vez que a maioria dos jovens médicos tinha sido convocada para as Forças Armadas durante a Segunda Guerra Mundial. Tendo completado seis meses no Barnes Hospital, Zerbini transferiuse para Boston, onde permaneceu por mais um semestre, sob a orientação do Professor Oliver Cope, no "Massachusetts General Hospital". Entre julho e setembro de 1945, Zerbini ainda visitou nos EUA vários departamentos de cirurgia, incluindo o do Dr. Alfred Blalock, em Baltimore.

 

O princípio de tudo

Com o conhecimento adquirido, Zerbini trouxe para o Brasil os fundamentos para a Cirurgia Torácica moderna e o embrião da Cirurgia Cardíaca. Com seu espírito pioneiro realizou, no Hospital das Clínicas da USP, a segunda cirurgia de Blalock-Taussig, no Brasil. A primeira havia sido executada em Santos, pelo Dr. Domingos Pinto, que havia sido treinado pelo Dr. Charles Bailey, e dispunha do instrumental próprio para a intervenção. Logo em seguida, Zerbini fez a primeira ligadura de um ducto arterial patente em um jovem de 18 anos, tendo sido também o primeiro a reparar uma coartação da aorta no País. Em meados de 1952, quando a Cirurgia Cardíaca mundial dava seus primeiros passos para penetrar as cavidades do coração, Zerbini iniciou os procedimentos intracardíacos, com hipotermia moderada, para tratar cardiopatias congênitas simples, como comunicações interatriais, que haviam sido realizadas há pouco tempo, pioneiramente no planeta por Lewis, Varco e Taufic (este, brasileiro), em Minneapolis [2].

A febre reumática, "epidêmica" em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos, era prevalente também no Brasil, provocando graves sequelas nas válvulas do coração, principalmente estenoses mitrais. Essa doença era tratada "às cegas", com a introdução do dedo indicador dos cirurgiões, que eram facilmente reconhecidos por deixarem crescer, por motivos óbvios, a unha daquele dedo. Além da unha, em casos mais complicados, usavam pequenas "facas" flexíveis, difíceis de manusear. A abertura da válvula propiciava resultados excelentes, mas os métodos precários de diagnóstico requeriam muita acurácia dos clínicos, pois a ausculta era fundamental para a indicação da intervenção. O eletrocardiograma ajudava a avaliar indiretamente a presença de hipertensão pulmonar grave.

Lembramo-nos do Professor sempre perguntar nas discussões como era a onda "R" em V1 - onda "R" pura nessa derivação contraindicava a operação. O mesmo ocorria com a fibrilação atrial, pois a possibilidade da existência de trombos no átrio impedia o tratamento. A história mostranos que é difícil estar adiante do próprio tempo. Imaginem que Elliot Cutler, de Boston, em 20 de maio de 1923, e Sir Henry Souttar, de Londres, em 6 de maio de 1925, haviam realizado tais intervenções com sucesso em uma época em que a cirurgia, como ciência, dava seus primeiros passos. Essas memoráveis experiências só foram revividas no final dos anos 40, quando Charles P. Bailey, na Philadelphia, seguido de Dwight E. Harken, em Boston, iniciaram a era moderna da comissurotomia mitral e da Cirurgia Cardíaca.

 

A céu aberto

Logo em seguida, no início dos anos 50, Zerbini iniciou uma das maiores experiências do mundo no tratamento da estenose mitral. Interessante revelar que participou da primeira intervenção, um estudante de medicina chamado Adib Domingos Jatene, que se encantou pela nascente Cirurgia Cardíaca. Isto fez toda a diferença: 32 anos depois, ele viria substituir o Prof. Zerbini como Professor Titular da FMUSP, em 1983. Um dos autores deste ensaio, Domingo Braile, em 1958, foi incumbido de fazer o levantamento dos pacientes operados de comissurotomia mitral até aquela data. Eram mais de 1.500, com resultados que competiam com as estatísticas internacionais.

Em suas aulas e conferências, o Prof. Zerbini didaticamente dividia a Cirurgia Cardíaca em dois períodos. O primeiro, em que se tratavam as doenças "em torno do coração" e, o segundo, em que os defeitos eram corrigidos a céu aberto, sob visão direta dos defeitos. Em 6 de maio 1953, John Gibbon, no "Thomas Jefferson University Hospital", na Philadelphia, realizou, com sucesso, a primeira cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea. Abriram-se as cavidades do coração e o imenso campo da Cirurgia Cardíaca da nossa Era. Zerbini, sempre atento ao progresso e ao desenvolvimento da especialidade e suportado pela instituição de maior peso científico na América Latina, a Universidade de São Paulo, em seguidas reuniões de seu grupo, mostrava o caminho a ser seguido [2].

O desenvolvimento amplo da Cirurgia Cardíaca a céu aberto nos Estados Unidos ocorreu em 1955, com o desenvolvimento de técnicas reprodutíveis por Clarence Walton Lillehei e Dr. Richard DeWall. No Brasil, o interesse foi crescente, com a realização de procedimentos experimentais, que permitissem a implantação das novas tecnologias a curto prazo. Com essas bases já bem estabelecidas, o Prof. Zerbini, acompanhado da médica Dra. Dirce Costa Zerbini (sua esposa), em 1957 viajou para Minneapolis, a meca da Cirurgia Cardíaca à época, para familiarizar-se com a circulação extracorpórea e as técnicas que envolviam as complexas operações intracardíacas.

 

Oficina do Coração-Pulmão Artificial

De volta ao Brasil, junto com seus assistentes Delmont Bittencourt, Geraldo Verginelli, Adib Jatene, Edgard San Juan, Rubens Arruda, Dirce Costa Zerbini e Antonio Geraldo de Freitas Netto, logo iniciaram as operações com circulação extracorpórea na "sala C" do Hospital das Clínicas da USP, que lhe era cedida apenas uma vez por semana. Logo em seguida, outros entusiastas da Cirurgia Cardíaca agregaramse ao grupo, como Euclides Marques, Seigo Tsuzuki, Magnus Coelho de Sousa, Dagoberto Conceição, Ruy Gomide do Amaral, Domingo Braile e Noedir Stolf, entre outros, além de técnicos dedicados. O clima era de alto comprometimento com o paciente durante as operações e no frequentemente tormentoso pós-operatório.

As operações duravam o dia todo e, muitas vezes, avançavam noite adentro, com resultados nem sempre satisfatórios. A maior parte dos equipamentos e instrumentos era importada, muito caros para a realidade brasileira. Sua manutenção era quase impossível, pois dependia de técnicos americanos para consertá-los, o que gerava ainda mais custos e grande tempo de espera. Com uma visão rara para um profissional acadêmico, Zerbini optou por criar, no subsolo do Hospital das Clínicas, a Oficina do Coração-Pulmão Artificial. Tal unidade seria destinada à construção e manutenção dos equipamentos para Cirurgia Cardíaca, ao invés de adquiri-los fora do Brasil. Isso fez uma enorme diferença, como ficou provado ao longo do tempo. Com sua simplicidade, ele dizia: "Desmontem essas máquinas enormes que nos são vendidas por altos preços, vocês verão que são caixas pretas com meia dúzia de componentes no seu interior, e que podemos desenvolver aqui sem nenhum problema". Em 1954, o Dr. Adib Jatene deixou a Capital para exercer sua profissão no Triângulo Mineiro, para onde sua família se mudara após a morte do pai em Xapuri, no Acre, onde nascera.

Em Uberaba, foi professor de Anatomia Topográfica, mas continuou interessado em Cirurgia Cardíaca, tendo lá desenvolvido um equipamento de coração pulmão artificial.

Em 1960, Zerbini, sabedor do feito, convidou-o para reintegrar-se ao grupo, voltando para o Hospital das Clinicas e para FMUSP, onde havia se formado.

Transcrevo aqui as palavras do Prof. Adib, narrando o início de uma epopeia brasileira:

"Eu voltei e montei, no Hospital das Clínicas, uma pequena oficina (que, inicialmente era na casa de máquinas do elevador do lado da Rebouças).

Lá eu fiz o primeiro modelo de coração-pulmão artificial do Hospital das Clínicas, que utilizava um oxigenador de disco e uma bomba de roletes. Depois arranjaram uma área na manutenção e eu montei o que eu chamava de Oficina Experimental e de Pesquisa, e produzimos e sistematizamos a circulação extracorpórea."

A Oficina começou a funcionar com um engenheiro e três funcionários: dois torneiros, que eram irmãos, e um ajustador, além de alguns estudantes curiosos de eletrônica e mecânica: Gerônimo, Waldomiro, Benvindo e o Eng. Nemésio (Figuras 5a e 5b).

 

 

Essa unidade incipiente foi o embrião da Divisão de Bioengenharia do Instituto do Coração (InCor). Ao memo tempo e da mesma maneira, um Laboratório Experimental, específico para testes dos equipamentos e desenvolvimento de técnicas pioneiras, foi criado junto ao Departamento de Técnica Cirúrgica. Isso possibilitou que todos os produtos, assim como as novas técnicas, fossem testados pela equipe, geralmente em cães, antes de iniciar, em 1958, o seu uso permanente em pacientes. Os dois autores desse ensaio, Noedir Stolf e Domingo Braile, tiveram a oportunidade e a honra de trabalhar na primitiva Oficina e no bem equipado, para a época, Laboratório, ainda quando estudantes de Medicina, na FMUSP.

 

Nada Resiste ao Trabalho

Naqueles tempos de pioneirismo, apesar de todo o esforço, dedicação e estudos, a mortalidade era alta, como podemos ver no artigo "A Cirurgia Cardiovascular no Brasil: Realizações e Possibilidades" [3], publicado quando da realização da milésima cirurgia com circulação extracorpórea pela equipe. Muitos eram os motivos do insucesso e pouco se sabia das consequências metabólicas induzidas pela própria circulação extracorpórea. Zerbini, preocupado, incumbiu o Dr. Ruy Vaz Gomide do Amaral, anestesiologista, de estudar as razões dos insucessos. Este, após estágio nos Estados Unidos, mostrou que uma das causas dos óbitos era decorrente da acidose que se seguia aos procedimentos. Zerbini comprou, de imediato, o primeiro aparelho de gasometria do Brasil, instalando-o na antessala da sala de cirurgia, com técnicos disponíveis 24 horas por dia! Foi um avanço enorme. A partir desses conhecimentos, outros foram agregados, para, paulatinamente, acabar com o estigma que perseguia as operações cardíacas que, com frequência, resultavam em fracasso e óbito dos pacientes, para desânimo de toda a equipe.

O Dr. Ruy Vaz Gomide do Amaral foi recompensado, teve uma carreira brilhante, tornando-se Professor Titular de Anestesiologia da FMUSP.

Foram tempos duros, era necessário ter muita coragem para enfrentar as críticas que não perdoavam o avanço científico. Esse, infelizmente não dá saltos, mas resulta do trabalho diuturno de idealistas que acreditam vencer as dificuldades com estudo e trabalho, muito trabalho. Cabe aqui citar o aforisma que herdamos do Prof. Zerbini: "Nada Resiste ao Trabalho". Teve importância fundamental nesse processo de desenvolvimento, o Catedrático da 1ª Clínica Cirúrgica, Prof. Alípio Corrêa Netto, que sempre acreditou no Prof. Zerbini e em sua equipe, oferecendo apoio integral para que, mesmo diante das dificuldades, o grupo pudesse triunfar.

 

"Caravanas Zerbini"

Com resultados cada vez melhores, o número de pacientes operados pelo Prof. Zerbini foi crescendo, paralelamente ao seu prestígio no Brasil, na América Latina, e mesmo no concerto das nações. O afluxo de cirurgiões, principalmente da Hispano-América, buscando treinamento era crescente. Houve tempo em que se falava mais castelhano na sala de cirurgia que o nosso vernáculo, tantos eram os "gringos" que aqui estavam para aprender as técnicas cirúrgicas de alta qualidade praticadas.

Para maior difusão das técnicas e da viabilidade da Cirurgia Cardíaca como realidade acessível a todos, no início dos anos 60, o Prof. criou as "Caravanas Zerbini". Essas deslocavam-se por todo o Brasil e muitos países da América do Sul, com uma equipe completa de cirurgiões, perfusionistas, anestesistas e cardiologistas. Levavam todos os equipamentos necessários para realização do diagnóstico e tratamento das doenças do coração, em hospitais de cidades que não estavam preparados para viver a nova realidade. Os resultados foram à altura do sacrifício e trabalho que tais deslocamentos representavam para seu Líder e toda sua animada equipe (Figura 6).

 

 

Fatos hilários e situações de grande tensão foram sempre companheiros de quem teve a oportunidade de participar dessa demostração democrática de patriotismo e dedicação aos colegas e pacientes. Seria possível citar dezenas de acontecimentos insólitos durante as Caravanas, mas citaremos apenas um. A equipe estava fazendo demonstrações na capital de Goiás. Tudo corria a contento na operação de um paciente com Tetralogia de Fallot, quando a máquina de circulação extracorpórea pegou fogo! A perfusionista era a Dra. Dirce Costa Zerbini. O pânico foi geral, muitos fugiram apavorados, enquanto ela mantevese calma. O único líquido próximo era um frasco com a urina do paciente que estava sendo operado. Não teve dúvidas: jogou a urina contra as labaredas que, por milagre, extinguiram-se. Os cirurgiões, atentos ao campo operatório, nem perceberam o que havia acontecido e a cirurgia terminou sem maiores incidentes. E foi mesmo um milagre, pois a máquina funcionava com uma válvula eletrônica (Tyretron) que produzia 20 mil volts! Depois desse fato, o circuito da bomba foi totalmente modificado, a partir de tecnologia brasileira, que eliminou a possibilidade de novos incêndios.

 

SBCCV e RBCCV

Hoje, a Cirurgia Cardíaca está em todas as capitais e nas maiores cidades, de norte a sul e de leste a oeste do Brasil. O número de operações do coração é o segundo maior do mundo, realizadas por mais de 1.000 cirurgiões cardiovasculares, reunidos na Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV). Fundada em 1969, a SBCCV teve o Prof. Zerbini como seu primeiro presidente. Ele esteve no cargo por 15 anos, oferecendo seu trabalho e dedicação até que a associação ficasse forte e pudesse evoluir sob o comando de novas lideranças. Isso demonstra o espírito do mestre, que sempre apoiou a atividade associativa, fazendo dela um elemento de congraçamento dos colegas e de desenvolvimento da especialidade. Não media esforços para prestigiar a atividade científica no seio da SBCCV, comparecendo a todos os congressos, exigindo disciplina com os horários, sempre sentado na primeira fileira e pronto para orientar os trabalhos e as discussões.

Em 1986, o Prof. Zerbini foi um dos que impulsionaram a diretoria para que a SBCCV tivesse sua própria Revista Científica. Assim nasceu a Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (RBCCV), tendo como primeiro Editor-Chefe o Prof. Adib Domingos Jatene. Desde então, tanto os congressos da SBCCV como a RBCCV cresceram exponencialmente, servindo de exemplo para outras sociedades. Mas um evento viria trazer uma visibilidade extraordinária à figura do Dr. Zerbini e seu grupo.

 

Transplante do Coração

Em 3 de dezembro de 1967, o Dr. Christian N. Barnard, em Cape Town, África do Sul, realizou o primeiro transplante cardíaco entre seres humanos no mundo. Embora o paciente tenha vivido apenas 18 dias, a despeito de críticas negativas, esse feito despertou enorme interesse nos centros de cirurgia cardíaca de todo o mundo. Nos Estados Unidos, no mesmo mês de dezembro, Kantrowitz realizou transplante em uma criança, sem sucesso.

Imediatamente, o Prof. Zerbini reuniu a equipe e outros especialistas para iniciar o preparo, com extremo cuidado, sob todos os pontos de vista, para realização do transplante. A partir de janeiro de 1968, alguns centros mundiais passaram a realizar transplantes de coração. A equipe chefiada pelo Prof. Zerbini realizaria o primeiro transplante em 26 de maio de 1968, ou seja, pouco mais de cinco meses após o transplante histórico na África do Sul.

Em duas ocasiões, em 1967, por pouco o Brasil não se tornou o pioneiro no transplante cardíaco. Na primeira, foi barrada pelo Conselho do Hospital das Clínicas da USP. Na segunda, não foi possível encontrar doadores para um infartado, cujo coração não funcionava mesmo com massagens diretas com peito aberto [4]. Até que, no dia 26 de maio de 1968, João Ferreira da Cunha, o João Boiadeiro, recebeu o coração de Luís Fernando de Barros, vítima de atropelamento.

O procedimento começou com a longa espera até que o cérebro do doador não apresentasse mais sinais de atividade. Em seguida, as duas equipes (41 pessoas, no total) entraram em ação. Já era madrugada quando o Prof. Zerbini retirou o coração de João; ao mesmo tempo, o de Luís chegava em uma bandeja. Optou-se por deixar o coração doado em temperatura normal, irrigado pela máquina de perfusão, para melhor proteção, diferentemente da técnica de resfriamento utilizada por Barnard. O transplante terminou às 7h53. O coração transplantado batia forte no peito do João Boiadeiro! No dia seguinte, os jornais estamparam a façanha, tecendo louvores ao Prof. Zerbini, que foi inclusive comparado a Leonardo da Vinci, em Editorial de primeira página do jornal O Globo.

Mesmo com as críticas, tendo o o paciente vivido apenas 28 dias, a repercussão foi extraordinariamente positiva. Prova é que o governador do Estado de São Paulo, Abreu Sodré, compareceu ao Hospital das Clínicas na madrugada do transplante (Figura 7). Posteriormente, estusiasmado com o feito científico, o governador aprovou a liberação de recursos para a construção do Instituto do Coração (InCor), um dos maiores complexos hospitalares do mundo, dedicado a diagnóstico, tratamento e pesquisas de doenças cardiovasculares. O projeto de sua criação havia sido previamente aprovado, e o terreno já havia sido doado. Luiz Venere Décourt foi idealizador da criação do Instituto do Coração, ao lado do Prof. Zerbini.

 

 

Até 1969, mais dois pacientes foram transplantados; o segundo viveu mais de 400 dias e o terceiro, 60 dias. O interesse despertado pelos transplantes cardíacos, dentro e fora do Brasil, foi muito grande, tanto frente ao público leigo, como junto à comunidade médica e científica. No contexto internacional, o Brasil e o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo foram inseridos entre os centros pioneiros da nova conquista. Em um Simpósio realizado na Cidade do Cabo, o Prof. Zerbini esteve entre os 13 cirurgiões pioneiros, debatendo aspectos dessa terapêutica embrionária. Participaria de outros eventos científicos sobre o mesmo tema. O Dr. Christian Barnard, embora ainda controverso, sem dúvida, uma celebridade no mundo do ponto de vista médico e social, visitou a Faculdade de Medicina e o Hospital das Clínicas em 1969 (Figura 8). Nessa ocasião, ele foi recebido também junto com a equipe do Dr. Zerbini, na residência do governador Abreu Sodré.

 

 

Com a aposentadoria compulsória do Prof. Alípio Corrêa Netto, catedrático de Clínica Cirúrgica, extinta a cátedra na Universidade de São Paulo, abriu-se concurso para um cargo de Professor Titular em Clínica Cirúrgica. Embora candidato único inscrito, o Prof. Zerbini, como marca de sua personalidade, preparou-se com extremo cuidado. Naquela época, o concurso incluía: Tese, Prova Didática, Memorial e Arguição Pública. Ele, que sempre acreditou em equipes, convocou vários colaboradores da cardiologia e da cirurgia para ajudar na elaboração da Tese "Resultados tardios da correção da Tetralogia de Fallot". E, também, para preparar os pontos para Prova de Didática, aula a ser sorteada 24 horas antes, compreendendo todas as especialidades cirúrgicas. Em 1969, finalizado o concurso, ele se tornava Prof. Titular de Clínica Cirúrgica da FMUSP (Figura 9). Nesse mesmo ano de 1969, o Prof. Zerbini foi convidado como o primeiro brasileiro a receber o Título de "Honored Guest of American Association of Thoracic Surgery (AATS)", apresentando a "Honored Guest Conference: The surgical treatment of Fallot complex: late results".

 

 

InCor

Desde o ano de 1968, uma comissão vinha planejando a realização de um sonho do Prof. Zerbini e sua equipe: a concepção e a execução do projeto do Instituto do Coração, com reuniões permanentes e visitas ao exterior realizadas pelo Dr. Delmont Bittencourt, enfermeira Clarice Ferrarini e o arquiteto Nelson Daruj. Seguiu-se à construção (Figura 10) a instalação dos equipamentos e, sequencialmente, em 1976, instalou-se a Divisão de Bioengenharia. Em 1977, o ambulatório (consultas) iniciou suas atividades e, em 1978, o projeto foi finalizado, com a internação dos pacientes e o pleno funcionamento do Centro Cirúrgico.

 

 

Embora o InCor contasse com instalações e equipamentos avançados para a época, a operacionalização debatia-se com as dificuldades orçamentárias, pois recebia recursos insuficientes; na realidade, apenas uma pequena fração daquilo que era gerenciado pelo grande complexo do Hospital das Clínicas da FMUSP. Foi quando surgiu a ideia da criação de uma Fundação de caráter privado, sem fins lucrativos, de apoio ao InCor. O processo foi conduzido pessoalmente pelo Prof. Zerbini, mobilizando muitos políticos e empresários, e contando com a grande participação do Prof. Décourt, Professor Titular da Disciplina de Cardiologia.

Esse movimento desencadeou forte oposição de grandes lideranças do complexo do Hospital das Clínicas/FMUSP. Finalmente, com a mediação de personalidades de destaque na Sociedade Médica e Civil, conseguiu-se o desejado acordo. Foi aprovado projeto pioneiro, tendo a Fundação recebido o nome inicial de "Fundação para o Desenvolvimento da Bioengenharia" (FUNDEBE). Posteriormente, com justiça, foi transformada em "Fundação Zerbini", cultuando o nome do seu idealizador. Ao longo dos anos, muitos projetos avançados e desenvolvimentos importantes na área de Cirurgia Cardiovascular ali gerados tiveram destaque internacional, contribuindo, de forma conspícua, para a evolução da especialidade no Brasil e na América Latina.

 

Aposentadoria e Trabalho

Aos 70 anos, após sua aposentadoria compulsória, em 1982, o Prof. Zerbini continuou com intensa atividade cirúrgica. Operava com sua equipe no Hospital Beneficência Portuguesa em São Paulo, e conduzia, pessoalmente, entre outros, um vitorioso programa de Transplante Cardíaco, já na segunda fase dessa técnica, depois do advento da ciclosporina e similares, que conseguiram diminuir o grande problema da rejeição. Mesmo na condição de "aposentado",

o Professor fez questão de manter seu Currículo e Memorial em dia. De tal forma que, durante uma homenagem recebida em um dos Congressos da SBCCV, demonstrou que nos cinco anos que se seguiram à aposentadoria havia colecionado mais trabalhos científicos e atividades acadêmicas que nos cinco anos que a precederam. Participou ativamente de todas as atividades associativas; viajou por todo o Brasil, jamais recusando um convite, mesmo de entidades de pouca expressão, em cidades afastadas dos grandes centros. A humildade e o amor ao trabalho foram suas marcas registradas.

 

O fim da jornada

Em meio a essa intensa atividade profissional, ocorreu-lhe um quadro neurológico e o diagnóstico de um tumor cerebral. Foi operado e verificou-se tratar de metástase de melanoma cutâneo. Uma dura e curta jornada se seguiu, com quimioterapia e ressecção de lesões periféricas e gânglios, a princípio com anestesia local e, depois, com anestesia geral para esvaziamentos inguinais e cervicais. Colegas de convívio diário testemunham que o Prof. Zerbini comportou-se com disciplina e ponderação diante dos procedimentos terapêuticos e de difíceis decisões, como a de ir tratar-se nos Estados Unidos ou ficar em São Paulo, dedicando-se mais ao lazer e à família. Em 23 de outubro de 1993, morria no InCor, que ele concebeu e fez funcionar como uma instituição exemplar. Foi enterrado no cemitério do Araçá, acompanhado de seus pares, colaboradores, discípulos e admiradores, saudado pelo colega conterrâneo, Prof. Carlos da Silva Lacaz e pelo seu futuro sucessor, o Prof. Adib D. Jatene.

Uma vida de atividade tão intensa, idealmente deve se apoiar em uma constelação familiar harmônica e de sustentação. O Prof. Zerbini conheceu a esposa, estudante de medicina, e casou-se com a Dra. Dirce Costa, em 1949. De ascendência portuguesa e temperamento forte, foi companheira de todos os momentos. Colaborou na implantação da circulação extracorpórea, e a esse ramo de atividade dedicou-se durante muitos anos, formando os primeiros discípulos da especialidade. Tiveram três filhos, cronologicamente: Roberto, Eduardo e Ricardo. Dois deles, engenheiros, e um, Eduardo, graduado médico pela Escola Paulista (hoje UNIFESP) (Figura 11), foi aprovado para a residência de Cirurgia no Hospital das Clínicas da FMUSP. Infelizmente, antes de iniciá-la, faleceu em trágico acidente de trânsito, uma perda extraordinariamente dolorosa para o Dr. Zerbini, sua família e todos seus muitos amigos. O Professor sempre teve uma ligação muito estreita com sua irmã, Eunice, pela proximidade das residências das famílias, sua prestimosa atividade como tutora dos "meninos" em sua fase de estudos, como professora que era, e também porque Dona Eunice era dedicada voluntária do InCor, na Divisão de Bioengenharia.

 

 

Honras ao Mestre

O Prof. Zerbini realizou um número enorme de viagens para participação em eventos científicos em todas partes do mundo, e algumas viagens como parte de delegações brasileiras, a convite, por exemplo, do governo chinês. Foi recebido pelo Papa, convidado a debater com colegas de grande prestígio, a doação de órgãos na Academia de Ciências do Vaticano. Teve a honra de ser agraciado por incontáveis homenagens, honrarias e condecorações de instituições nacionais e estrangeiras, inclusive o Título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade de Coimbra (Figura 12).

 

 

O Dr. Zerbini tinha algumas atividades de lazer. Praticava o tênis regularmente sob forma de aulas ou partidas, com colegas e amigos, no Clube Pinheiros. Frequentava sua fazenda em Cunha, perto de sua cidade natal, Guaratinguetá, e especialmente apreciava o ruído da água, caída da frondosa cachoeira, bem ao lado da sua casa de campo.

 

O Legado de Zerbini

A grandeza de um homem mede-se pelos seus feitos e êxitos, porém, mais do que tudo, pelo seu legado. O papel do Prof. Zerbini no desenvolvimento da Cirurgia Cardíaca Brasileira e Latino-Americana é bem conhecido e reconhecido, assim como as muitas contribuições científicas à especialidade, que tiveram repercussão internacional. As contribuições do Prof. Zerbini ultrapassam fronteiras e se estendem por sucessivas gerações. A criação de uma unidade para fabricar produtos para cirurgia cardíaca, em lugar de adquirir esses produtos nos Estados Unidos, deu origem à constituição da Divisão de Bioengenharia do InCor. Foi uma iniciativa que teve desdobramentos de enorme importância. Representou o modelo para a criação de unidades congêneres em outras instituições de vanguarda, como a do Instituto de Cardiologia do Estado de São Paulo, posteriormente, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

Outro desdobramento foi a produção nacional de toda a gama de equipamentos para Cirurgia Cardíaca a custo compatível com a realidade brasileira. Uma plêiade de cirurgiões do Brasil e da Hispano-América, formados no Serviço do Prof. Zerbini e no Instituto de Cardiologia do Estado de São Paulo, só puderam iniciar suas atividades na especialidade (no Brasil ou em seus países) porque puderam contar com equipamentos fabricados nessas instituições, que não tinham fins lucrativos. Finalmente, a pioneira Oficina do Coração estabeleceu uma filosofia criadora e de empreendedorismo nos profissionais que a frequentaram.

A partir disso, criaram empresas de material para cirurgia cardíaca ou foram consultores em outras. O número dessas empresas no país é apreciável. Suprem o mercado brasileiro, exportam e desempenham papel fundamental no desenvolvimento de novos produtos. Foi mais um sonho do Professor que se realizou: tornar o Brasil de importador de tecnologia em exportador da mesma. Hoje, empresas brasileiras ou multinacionais que empregam brasileiros, abastecem todo o mercado internacional, levando longe o nome do Brasil. Representam um verdadeiro marcador da pujança desse país que Zerbini tanto amou.

 

Mais Frutos

Para especificarmos um pouco mais a importância da Divisão de Bioengenharia do InCor na consolidação dessa atividade no Brasil, destaca-se também que desenvolveu e produziu , sob a batuta do Prof. Adib Jatene, para uso do Instituto e de outros, a prótese metálica de bola modelo Starr-Edwards, que permitiu a cirurgia de substituição das válvulas cardíacas em larga escala. Inovou ainda com a prótese de dura-máter humana, conservada em glicerina, que teve repercussão mundial, montada e utilizada em todos os serviços de cirurgia cardíaca do Brasil. Esse foi, sem dúvida, o passo inicial para a produção de próteses biológicas, como as de pericárdio bovino e de valva aórtica suína, fabricadas pioneiramente por empresas brasileiras.

Ainda desenvolveu um marcapasso cardíaco nos anos 70, permitindo o implante em pacientes pobres, que naqueles tempos dependiam somente da caridade para serem tratados. O primeiro ventrículo artificial da América Latina teve sua pesquisa e produção feitos nas oficinas do InCor. Foi implantado na instituição, como a experiência inicial neste campo em toda a América Latina em 1992, com pleno sucesso. Posteriormente, o paciente foi transplantado quando um doador compatível e as suas melhores condições o permitiram. A criação da Unidade de Bioengenharia foi, assim, a semente das importantes e vitoriosas empresas brasileiras de produtos para Cirurgia Cardíaca.

Enfatizando os frutos de valor inestimável do Prof. Zerbini, temos que insistir no que representou a criação do InCor. O projeto de criação já havia sido aprovado, o terreno cedido pelo Estado, mas, sem a realização do primeiro transplante cardíaco e o prestígio pessoal do mestre, o recurso financeiro não teria sido liberado. Como mencionado, a criação da Fundação Zerbini como apoio ao InCor foi a alavanca fundamental para o crescimento dessa pioneira instituição na América Latina.

 

Os Discípulos do Prof. Zerbini

Talvez o maior de todos esses legados tenha sido a formação de discípulos. Estima-se que mais de 400 cirurgiões devam sua formação ao Prof. Zerbini. Eles vieram de todo o Brasil, da Hispano-América, desde o México até a América do Sul, e de outros países, como Portugal, Espanha, Índia e até do Japão. Esse último enviou cinco estagiários para fazer toda sua formação em cirurgia cardiovascular em um país ainda considerado periférico, mas cuja Cirurgia Cardíaca já despontava como um dos marcadores de seu destino glorioso. Do Brasil vieram de todos os Estados, sendo hoje professores das melhores Universidades, chefes de grandes Serviços e de unidades inovadoras com reconhecimento internacional. A consideração, respeito e o carinho para com o Prof. Zerbini atingiram tal patamar que resultaram na instituição de um evento científico denominado Encontro dos Discípulos do Prof. Zerbini, realizado anualmente. A ele ligaram-se todos os discípulos diretos, inclusive vários do exterior, e também cirurgiões que, embora tendo feito formação em outros Serviços, publicamente declaravam-se discípulos por adoção (Figura 13).

 

 

Assim, parafraseando o celebrado escritor, ilustrador e piloto francês Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry: "Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, pois cada pessoa é única e nenhuma substitui outra. Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas há os que não levam nada. Essa é a maior responsabilidade de nossa vida, e a prova de que duas almas não se encontram ao acaso". "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

O Prof. Euryclides Jesus Zerbini incluiu-se entre aqueles que passam em nossas vidas de forma inesquecível, deixam muitíssimo, nos cativam e tornam-se eternamente responsáveis por nossos destinos.

 

Nota dos autores:

O Prof. Dr. Noedir G. Stolf foi o discípulo que ficou junto ao Professor Zerbini. Graduou-se na FMUSP com distinção e exerceu todos os cargos da Universidade em uma carreira brilhante. A partir de setembro de 2006, vencendo o Concurso para Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular da FMUSP, foi Presidente do Conselho Diretor e Membro Efetivo do Conselho Curador do Instituto do Coração, Diretor da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP e Membro do Conselho Deliberativo desse mesmo Hospital. Além de Coordenador de Departamento da Associação Brasileira de Transplante de Orgãos, é responsável pelo Transplante de Coração no InCor. Cumpriu-se, assim, a profecia do Prof. Zerbini, que sempre viu nele o potencial de um grande cirurgião e professor de qualidades inatas. Dedicou-se com muito destaque ao ensino e à pesquisa, sendo um ícone respeitado nacional e internacionalmente. A atuação de Noedir Stolf, como cientista, líder de classe e grande incentivador dos jovens, pode ser avaliada pela sua produção: publicou mais de 558 trabalhos em revistas de impacto nacionais e internacionais, 137 capítulos de livros, 6 livros da especialidade. Participou de 350 eventos científicos no Brasil e em muitas nações estrangeiras. Junto com seu grupo apresentou 1500 trabalhos em Congressos. Organizou mais de 60 eventos científicos. Participou de bancas examinadoras em mais de 80 teses de doutorado, mestrado e concursos públicos, sendo 3 relativos à escolha de professores titulares e 8 de livre docência. Orientou 17 doutores e orienta hoje mais três. Pertence ao corpo editorial de 10 revistas internacionais e é revisor de muitas delas. Atua em 6 linhas de pesquisas avançadas.

O Prof. Dr. Domingo Braile, formado na FMUSP, foi o discípulo que partiu para novos desafios. Implantou um Serviço de Cirurgia Cardíaca em São José do Rio Preto, nos idos de 1963, que serviu de exemplo para a difusão da especialidade em todos os confins do Brasil. Foi um dos fundadores da Faculdade Estadual de Medicina de Rio Preto, na qual aposentou-se como Prof. Emérito, onde é, atualmente, o Pró-Reitor de Pós-Graduação. Implantou mais de uma dezena de unidades de Cirurgia Cardíaca, em cidades do interior e capitais. Foi Professor da Faculdade de Medicina de Catanduva e da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, sendo hoje Prof. Sênior da Universidade de Campinas. Desde 2002, é Editor-Chefe da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, a única de reconhecimento internacional na especialidade no Hemisfério Sul, compreendendo também México e Caribe. Fundou uma empresa de produtos para cirurgia cardiovascular que supre o Brasil e muitos outros países de insumos para a especialidade.

O Prof. Noedir e o Prof. Braile, seguindo o exemplo do mestre, foram Presidentes da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.

REFERÊNCIAS

1. Lima R, Lucchese FA, Braile DM, Salerno TA. A tribute to Euryclides de Jesus Zerbini, MD. Ann Thorac Surg. 2001;72(5):1789-92. [MedLine]

2. Braile DM, Godoy MF. História da Cirurgia Cardíaca. Arq Bras Cardiol. 1996; 66(1):329-37.

3. Zerbini, EJ. A Cirurgia Cardiovascular no Brasil: Realizações e Possibilidades. Rev Bras Cir Cardiovasc, 2010; 25(2): 264-77. Visualizar artigo

4. Araujo CS. Dr. Zerbini o operário do coração. Bandeirante: São Paulo; 1988. p.220.

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