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ARTIGO ORIGINAL

Características clínico-demográficas de pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio e sua relação com a mortalidade

Eduardo Lafaiette de OliveiraI; Glauco Adrieno WestphalII; Marco Fabio MastroeniIII

DOI: 10.5935/1678-9741.20120009

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

CEC: circulação extracorpórea

CPO: Centro de Prótese e Órtese

CRM: cirurgia de revascularização do miocárdio

DCV: doenças cerebrovasculares

DM: diabetes mellitus

DP: desvio padrão

DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica

DR: doença renal

HAS: hipertensão arterial sistêmica

HRHDS: Hospital Regional Hans Dieter Schmidt

IAM: infarto agudo do miocárdio

OR: odds ratio

SAME: Serviço de Atendimento Médico e Estatística

SPSS: Statistical Package for the Social Science

UTI: unidade de terapia intensiva

INTRODUÇÃO

A cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) é uma modalidade terapêutica largamente utilizada no tratamento da doença aterosclerótica das artérias coronárias [1]. No Brasil, no período de 2005 a 2007, foram realizadas 63.272 CRM, representando 340 CRM por milhão de habitantes. A taxa de mortalidade desse tipo de cirurgia no Brasil (6,2%) [2] contrasta com a de países de primeiro mundo, como Portugal (1,2%) [3], Canadá (1,7%) [4] e Estados Unidos (2,9%) [5].

A elevada prevalência de fatores de risco cardiovascular entre os pacientes submetidos a CRM no Brasil parece ser o real responsável pela alta taxa de mortalidade pós-operatória dessa população. Ao se comparar a presença dos fatores de risco cardiovascular entre pacientes brasileiros e de países desenvolvidos, observa-se que as prevalências de hipertensão arterial sistêmica (HAS) (90,7% vs. 60%), infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio (23,5% vs. 2%) e diabetes mellitus (DM) (37,2% vs. 29%) são nitidamente maiores no Brasil [6]. É provável que a maior frequência desses fatores de risco tenha resultado no aumento da permanência hospitalar (12,7 dias) [7] entre pacientes brasileiros submetidos a CRM quando comparada à média de permanência em países, como Portugal (7,6 dias) [3] e Canadá (6,7 dias) [4].

No sul do Brasil, há grande carência de informações sobre as particularidades peri-operatórias associadas à CRM. Neste contexto, o presente estudo tem por objetivo descrever as características clínico-demográficas e testar sua relação com a mortalidade em pacientes submetidos à CRM em hospital público de referência regional no sul do Brasil.

 

MÉTODOS

Estudo retrospectivo e descritivo realizado com pacientes submetidos à CRM em hospital público de referência regional do sul do Brasil. Foram incluídos no estudo prontuários de todos os pacientes submetidos somente à CRM, no período de maio de 2002 a abril de 2010. Foram excluídos da análise os prontuários não encontrados e que não apresentavam condições mínimas para a coleta de informações, como má conservação, ilegíveis ou incompletos.

Coleta de dados

Os dados foram coletados de duas fontes: planilha do Centro de Prótese e Órtese (CPO) e Serviço de Atendimento Médico e Estatística (SAME), ambos sediados no Hospital Regional Hans Dieter Schmidt (HRHDS). Da planilha do CPO, foram obtidas informações como: data do procedimento cirúrgico, número do registro do paciente, nome do paciente, tipo do procedimento cirúrgico realizado, cidade de origem do paciente e nome da equipe médica que realizou a cirurgia. Com o número do registro e o nome do paciente submetido à CRM, o pesquisador coletou os dados dos pacientes junto ao prontuário médico no SAME.

A partir dos registros de prontuários foram obtidas as seguintes informações: sexo, idade, estado civil, comorbidades, CRM prévia, equipe cirúrgica A/B ou C, cirurgia em caráter de emergência/urgência ou eletiva, número de enxertos coronarianos, colocação do paciente em circulação extracorpórea (CEC), tempo de CEC, tempo de pinçamento aórtico, custos diretos e indiretos associados ao procedimento, tempos de permanência na unidade de terapia intensiva (UTI), no hospital antes e após a CRM, reinternação na UTI e a evolução para alta ou óbito hospitalar.

Os dados foram tabulados em planilha do programa Microsoft Office® Excel 2007 e avaliada a relação das variáveis clínico-demográficas com a mortalidade.

Análise estatística

Os dados foram analisados no programa Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 16.0. As variáveis contínuas foram apresentadas sob a forma de média e desvio padrão (DP). Para verificar a associação entre mortalidade e variáveis preditoras, utilizou-se o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fischer, quando necessário. Para a comparação entre duas médias utilizouse o teste "t" de Student para amostras independentes e com distribuição normal. Para mais do que duas médias, utilizou-se o teste ANOVA One Way. Quando a distribuição não foi normal, foram adotados os testes Mann Whitney, para duas amostras, e Kruskal-Wallis, para mais do que duas amostras. A normalidade foi verificada utilizando-se o teste Kolmogorov-Smirnov.

As análises bivariada e multivariada foram realizadas por regressão logística não condicional. A primeira de forma a avaliar o efeito bruto de cada uma das variáveis independentes sobre o desfecho estudado. Na análise multivariada, utilizou-se o método Enter acompanhando o modelo teórico e respeitando-se os níveis hierárquicos, e teve como objetivo observar os efeitos das variáveis ajustadas entre si dentro de cada bloco. Considerou-se, no 1º nível, o bloco das variáveis sociodemográficas, e a inclusão das demais variáveis ocorreu no segundo bloco. Para evitar exclusão de possíveis fatores de confusão, as variáveis de qualquer um dos níveis que apresentaram P<0,20 foram mantidas no modelo até o final, mesmo tendo perdido a sua significância com a introdução de outras variáveis de nível hierárquico inferior. A avaliação de qualidade do ajuste do modelo bivariado empregou o teste -2log likelihood. Foram estimadas as razões de produtos cruzados odds ratio (OR) brutos e ajustados e os respectivos intervalos de 95% de confiança para as variáveis que permaneceram no modelo. Em todas as análises, foram considerados significantes os valores em que P<0,05.

Aspecto ético

O desenvolvimento do estudo atendeu aos requisitos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde, que regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HRHDS, sob o processo nº 09023 de 2009.

 

RESULTADOS

Dos 672 prontuários de pacientes submetidos a CRM exclusiva no período avaliado, 17 (2,5%) foram excluídos da análise: oito estavam incompletos e nove não foram encontrados, totalizando 655 prontuários. A média de CRM por ano foi de 72,8 (DP=35,7).

Na Tabela 1, são descritas as características gerais em relação ao desfecho: alta e óbito hospitalar dos pacientes submetidos à CRM. Dos 655 prontuários avaliados, em 12,1% (n=79) dos casos os pacientes faleceram, e o óbito foi significativamente maior em indivíduos do sexo feminino (Feminino: 17,3% vs. Masculino 9,8%; P<0,008). Houve predominância do sexo masculino (70,1%), do grupo etário 50 a 59 anos (34,0%), de indivíduos brancos (97,3%) e vivendo casados ou em união consensual (76,2%). A mortalidade foi significativamente (P<0,002) maior nos pacientes com idade igual ou superior a 70 anos (22,8%).

A média de idade dos pacientes que faleceram foi de 64,4 respeito à CEC, esta foi utilizada em 81,4% dos casos e com anos (DP=11,4), valor significativamente maior que a dos sobreviventes (P<0,003). Ainda que a diferença não tenha sido significativa (P=0,082), os indivíduos casados ou em união consensual foram os mais frequentes (16,0%) no desfecho óbito (Tabela 1).

A Tabela 2 nos permite observar as características clínicas de pacientes submetidos à CRM segundo os desfechos alta e óbito hospitalar. A Equipe A foi a que efetuou maior número de cirurgias (42,3%); as cirurgias eletivas foram as mais frequentes (49,6%), embora a mortalidade tenha sido significativamente superior nos indivíduos que realizaram cirurgia em caráter de emergência (36,4%). Apenas seis (0,9%) indivíduos já haviam sido submetidos à CRM prévia. Em 58,8% das CRM foram necessários três ou mais enxertos vasculares. No que diz duração igual ou superior a 90 minutos em 59,7% dos casos.

O tempo médio de CEC foi significativamente (P<0,003) superior nos pacientes que faleceram (105 min; DP=40,5 min). Quanto ao tempo do pinçamento aórtico, este foi superior a 60 minutos em 64,8% dos pacientes, observandose diminuição gradual, mas não significativa, da mortalidade com a diminuição do tempo desse procedimento. No tocante à presença de comorbidades, houve predominância (52,5%) de indivíduos com três ou mais tipos à admissão, sendo significativamente (P=0,022) mais frequente nos indivíduos que evoluíram a alta hospitalar (84,6%). Entretanto, quando investigados em relação a número médio de comorbidades, este foi significativamente (P<0,008) superior nos indivíduos que faleceram (2,9; DP=1,0). O tabagismo foi observado em 46,6% dos casos.

Embora não tenha havido diferença significativa, a mortalidade também foi maior entre os pacientes da Equipe A (13,0%), que efetuaram CRM prévia (16,7%), que realizaram três ou mais revascularizações (12,5%), que realizaram CEC (13,1%), que foram submetidos a um tempo de CEC igual ou superior a 90 minutos (14,8%), que apresentaram tempo de pinçamento aórtico superior a 60 minutos (14,0%), com tempo de permanência pré-cirurgia igual ou superior a três dias (13,1%), tempo de permanência pós-cirurgia inferior a três dias (12,5%), com tempo de permanência total inferior a dez dias (15,9%) e fumantes (12,1%).

O tempo de permanência hospitalar dos pacientes submetidos à CRM, segundo os desfechos alta e óbito hospitalar, pode ser observado na Tabela 3. Em 96,3% dos casos, os pacientes não foram reinternados na UTI, e destes, 11,3% vieram a óbito, percentual significativamente (P<0,002) inferior ao desfecho alta hospitalar (88,7%). Grande parte (54,0%) dos pacientes permaneceu na UTI por três dias ou mais, e destes, a maioria (91,5%) evoluiu para alta hospitalar, frequência significativamente (P<0,003) superior ao desfecho óbito (8,5%). Em 75,7% dos indivíduos, o período de permanência pré-cirúrgica foi igual ou superior a três dias, entretanto, 29,2% dos pacientes permaneceram três ou mais dias internados após a cirurgia. Em relação à permanência total no hospital, 73,1% dos indivíduos permaneceram internados pelo menos dez dias (Tabela 3).

A Tabela 4 expõe os resultados da análise bruta e ajustada das variáveis previsoras associadas ao desfecho óbito hospitalar. Na análise do primeiro bloco, foram incluídas três variáveis demográficas, de acordo com os critérios estatísticos previamente estabelecidos, e cinco no segundo. Após análise do primeiro bloco, mesmo não tendo demonstrado associação significativa (P=0,083), a variável estado civil foi mantida no modelo. Em seguida, foram avaliadas as variáveis do segundo nível do modelo teórico, correspondente às variáveis clínicas e associadas à internação do paciente. Dentre as variáveis preditoras incluídas no modelo, demonstraram efeito significativo sobre o óbito hospitalar as seguintes variáveis: sexo feminino (OR=2,04; P<0,030); idade > 70 anos (OR=2,69; P<0,007); cirurgias em caráter de emergência (OR=15,43; P<0,001) e de urgência (OR=3,81; P<0,001); realização de CEC (OR=2,19; P<0,050) e reinternação na UTI (OR=4,33; P<0,004). A variável tempo de permanência total no hospital igual ou superior a 10 dias mostrou-se como fator de proteção (OR=0,26; P<0,001) para óbito hospitalar, mesmo após o ajuste. Ainda em relação à idade, percebe-se que, embora o risco tenha sido atenuado após a análise ajustada, ter idade maior ou superior a 70 anos constituiu-se em fator de risco para a ocorrência de óbito hospitalar (OR=2,69; P<0,007).

A Tabela 5 exibe a associação entre comorbidades e os desfechos alta e óbito hospitalar dos pacientes submetidos à CRM no período do estudo. Observa-se que HAS, doença renal (DR) e doenças cerebrovasculares (DCV) estiveram associadas individualmente ao desfecho óbito de forma significativa. Embora não havendo diferença significativa, os indivíduos que faleceram também apresentaram maior frequência de cardiopatia, DM e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (12,1%, 14,3% e 15,1%, respectivamente).

 

DISCUSSÃO

A CRM é considerada o padrão ouro no tratamento da doença coronariana multiarterial, sendo a principal alternativa para melhorar a qualidade de vida e aumentar a sobrevida em pacientes nessas condições. Tal benefício, no entanto, pode ser limitado em maior ou menor medida, por uma série de aspectos clínicos, demográficos e estruturais. Nesse sentido, os achados do presente estudo permitiram observar que a mortalidade hospitalar dos pacientes submetidos a CRM foi elevada e apresenta clara associação com uma série de características clínico-demográficas que serão discutidas a seguir.

A mortalidade global de 12,1% entre a população estudada foi consideravelmente elevada em relação à média nacional (6,2%) e ao cenário internacional (1,2 a 2,9%) [29], fato que exige análise cuidadosa dos aspectos que permeiam esses dados. Vogt et al. [10], em 2000, observaram num estudo multicêntrico alemão, que as taxas de mortalidade relacionadas a todos os tipos de cirurgia cardíaca variaram entre 0,9% e 10,7%. Embora a observação de taxas mais elevadas de mortalidade possam dar margem à interpretação de má qualidade assistencial, essa interpretação não pode ser conclusiva, tendo em vista que algumas particularidades clínicas e demográficas podem condicionar os desfechos [6].

O número de indivíduos com idade maior de 65 anos dobrou nos últimos 30 anos, passando de 7% a 14% da população mundial. Naturalmente, essa população mais velha constitui um grupo potencial de candidatos à doença arterial coronariana e, consequentemente, à CRM. Da mesma forma,

o número de pacientes com mais de 65 anos submetidos à cirurgia cardíaca também aumentou substancialmente [7]. Em nosso estudo, essa população representou mais de 40% da amostra, fato que pode explicar em parte a alta taxa de mortalidade observada. A mortalidade relacionada à CRM observada em estudos restritos à população idosa tende a ser mais elevada (9,3% a 16,3%) [8-10]. Em estudos de população mais heterogênea no que diz respeito à idade, observa-se que a média de idade dos não-sobreviventes geralmente é significativamente maior [3,11-14], dados que corroboram os resultados aqui apresentados, identificandose indivíduos pertencentes ao grupo etário com idade igual ou superior a 70 anos com 2,7 vezes maior chance de evoluírem para óbito hospitalar após uma CRM.

Pacientes idosos devem ser tratados como um desafio à parte, considerando tratar-se de indivíduos de alto risco para intervenção cirúrgica de grande porte por apresentarem menor reserva fisiológica, mais comorbidades e geralmente estarem sintomáticos. Essas condições podem resultar em cirurgias de urgência ou emergência, outro fator que influencia a mortalidade [6-9].

Neste estudo, cirurgias de emergência e urgência também foram identificadas como preditoras de óbito hospitalar. Dos 79 indivíduos que faleceram durante a internação, a maioria (56) foi submetida a cirurgia de urgência ou emergência. Aparentemente, o grande número de casos de urgência e emergência observado em nossa casuística impactou negativamente na mortalidade global. Esses achados corroboram em parte os resultados de outros estudos semelhantes, nos quais se observa mortalidade maior entre às CRM de urgência e emergência se comparadas às CRM eletivas. No entanto, a mortalidade hospitalar associada a cirurgias não-eletivas observada nesses estudos é bastante variável (3,1% a 27,3%) [6,11,15,16]. Quando se analisa a mortalidade relacionada às CRM eletivas (7,0%), a taxa é elevada em relação às observadas em boa parte dos estudos internacionais (1,2% a 2,9%) [3-5,7], mas se aproxima (5,4% e 6,2%) dos valores encontrados em estudos brasileiros [26,18]. A variabilidade observada nas taxas de mortalidade nos diferentes estudos de urgência e emergência, assim como as altas taxas de mortalidade observadas no Brasil (em relação a outros países), sugere a possível concorrência de outros aspectos associados à mortalidade como o pequeno volume de CRM e problemas de infraestrutura.

Nesse contexto, o pequeno volume cirúrgico (72,8 ± 35,7 CRM/ano) do centro onde o estudo foi realizado pode ter potencializado o efeito do predomínio das cirurgias de urgência e emergência sobre a mortalidade. Noronha et al. [19] demonstraram que quanto menor o volume de cirurgias de um hospital, maior será a taxa de mortalidade. Hannan et al. [5] demonstraram taxa de mortalidade de 2,9% em hospitais com volume cirúrgico menor que 100 cirurgias/ano, enquanto em hospitais com volume superior a 800 cirurgias/ano a mortalidade foi de 2,1%. A análise de 439 hospitais norteamericanos revelou que o baixo volume cirúrgico esteve associado a maiores taxas de óbito (3,5%) quando comparados a hospitais em que o número de cirurgias foi maior (2,4%) [20]. Em relação à infraestrutura, Sá et al. [21] relataram a observação de maiores taxas de mortalidade intrahospitalar associadas a CRM em instituições públicas quando comparadas aos hospitais privados. Tal observação pode estar relacionada tanto a problemas de infraestrutura das instituições onde se realiza o procedimento cirúrgico quanto às dificuldades infraestruturais e organizacionais frequentemente observadas nas instituições públicas. A dificuldade de acesso e o atraso no atendimento, tanto em serviços básico de saúde quanto nos de maior complexidade, podem resultar no agravamento da doença coronariana e de eventuais comorbidades, implicando na limitação de reservas fisiológicas [6,7,21].

Dentre as comorbidades avaliadas, a presença prévia de HAS, DR e DCV influenciaram o desfecho. Por outro lado, as demais comorbidades influenciaram a mortalidade quando estiveram combinadas a outras. Esses achados corroboram os de outros estudos, nos quais se observa que a presença de comorbidades pré-existentes como HAS, DR, DCV, IAM prévio, DM e DPOC em pacientes submetidos à CRM estão associadas a maior incidência de complicações pulmonares, renais e cerebrovasculares. Essas variáveis são preditoras de readmissão hospitalar e estão diretamente relacionadas à mortalidade [5,16,18,22-24].

Embora se trate de padrão ouro, a CRM realizada com CEC vem sendo questionada em razão dos efeitos deletérios da CEC. Neste estudo, a chance de um indivíduo ter falecido em detrimento da realização de CEC foi 2,19 vezes superior aos indivíduos não submetidos a esse procedimento. Além disso, maior tempo de CEC implica em ativação do sistema imune e liberação de mediadores inflamatórios, resultando em diversas disfunções orgânicas. Assim, quanto maior o tempo de CEC, maior a probabilidade de ocorrência de complicações pósoperatórias [12,25,26]. Neste estudo, também foi possível observar a associação do maior tempo de CEC com a mortalidade, corroborando com o relatado por outros pesquisadores, onde o tempo de CEC foi significativamente maior no grupo de não sobreviventes. De forma semelhante, Brito et al. [22] observaram que o tempo de CEC superior a 115 minutos é fator de risco para complicações pós-operatórias, e Anderson et al. [27] revelaram que o tempo de CEC foi significativamente maior entre os não sobreviventes quando comparados aos sobreviventes.

Em relação ao gênero, o número de mulheres que integrou a amostra foi menor, e o risco obtido foi quase duas vezes superior no sexo feminino. Esses achados, assim como a proporção feminina que integra a amostra, reproduzem os resultados de outros estudos. A elucidação dos aspectos que resultam em tal diferença na mortalidade de mulheres submetidas à CRM tem sido alvo de muitos pesquisadores. A teoria mais aceita para essa diferença entre gêneros é de que as mulheres que necessitam de CRM são pacientes com mais fatores de risco. Acrescentase, ainda, o fato de tenderem a ser mais idosas, com menor massa corporal e artérias coronárias menores, características que implicam em maior dificuldade técnica durante a cirurgia, além de apresentarem maior número de comorbidades como DM (feminino: 44% vs. masculino: 32,5%), valvulopatias (feminino: 14,9%vs.masculino: 8,9%), angina instável (feminino: 11,3% vs. masculino: 7,9%) e HAS (feminino: 71,0% vs. masculino: 49,0%) [4,6,7,10,14,28-31].

As limitações deste estudo são, em parte, inerentes ao seu delineamento, visto que estudos retrospectivos estão sujeitos a apresentar vieses associados à qualidade na coleta dos dados originais. Além disso, embora não seja possível saber o tempo e o motivo da espera para o procedimento cirúrgico desde a indicação cirúrgica, é possível que tenha havido prolongamento do tempo de espera em razão das evidentes deficiências locais da rede de saúde que motivam dificuldades de acesso ao ambulatório e de internação hospitalar. A ausência de estratificação de risco cirúrgico por escores específicos configura outra limitação, haja vista que a gravidade dos casos pode influenciar a mortalidade.

 

CONCLUSÃO

Os resultados permitem concluir que gênero feminino, idade, cirurgias de urgência, reinternação na UTI, tempo de permanência na UTI, tempo de CEC, presença e número de comorbidades foram as principais características clínicodemográficas associadas à mortalidade. O crescente número de idosos na população permite considerar a frequente concomitância dessas características e um provável somatório dos seus efeitos negativos sobre a mortalidade. Portanto, é fundamental que pacientes idosos e aqueles com comorbidades sejam acompanhados de forma cuidadosa para evitar indicações tardias da CRM, minimizando os riscos pós-cirúrgicos.

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Article receive on terça-feira, 25 de outubro de 2011

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