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EDITORIAL

Apologia ao uso da dupla mamária

Fernando Moraes

DOI: 10.5935/1678-9741.20110038

Nunca se desculpe, faça o melhor
(Provérbio norte-americano)

Poucos procedimentos cirúrgicos mudaram de forma tão dramática a história natural de uma doença, nos últimos 40 anos, quanto a cirurgia de revascularização miocárdica em relação à doença arterial coronária. O alívio da angina do peito e o aumento da expectativa de vida, observados na grande maioria dos milhares de doentes operados em todo mundo, é um fato indiscutível. Ressalte-se que esses benefícios foram mais notáveis em certos subgrupos de doentes, especialmente os multiarteriais e aqueles com lesão de tronco da artéria coronária esquerda.

Um dos marcos na evolução da cirurgia de revascularização miocárdica foi a demonstração, pelo grupo da Cleveland Clinic, da superioridade, em termos de patência, da artéria torácica interna esquerda (ATIE) sobre a veia safena [1]. Posteriormente, esse mesmo grupo observou que a utilização da ATIE influenciava favoravelmente na sobrevida tardia dos pacientes [2]. A confirmação desses achados por outros grupos tornou praticamente obrigatória a utilização da ATIE na revascularização da artéria interventricular anterior, especialmente nos pacientes de maior risco, como os diabéticos, e naqueles com baixa fração de ejeção [3].

Iniciou-se, então, uma fase de investigação para se determinar se haveria benefícios adicionais com o emprego das duas artérias torácicas internas (ATIs). Primeiro, demonstrou-se taxas de perviedade semelhantes, a médio e longo prazo, das ATIs [4]. Posteriormente, inúmeros relatos mostraram maior sobrevida tardia e menor necessidade de reintervenções com a utilização das duas ATI mesmo em pacientes com má função ventricular e comorbidades importantes [5,6]. Por outro lado, desmistificaram-se certos argumentos de que a utilização das duas ATI promoveria maior sangramento e maior índice de infecção do esterno [7].

Trabalhos recentes observaram que os pacientes diabéticos podem apresentar índices de complicações infecciosas do esterno mais elevados se fizerem uso das ATI dissecadas de forma pediculada [8,9]. Contudo, Santos Filho et al. [10] demonstraram que, nesse grupo de pacientes, a perfusão esternal é menor do que nos não-diabéticos, justificando maior taxa de complicações infecciosas. Alternativamente, quando as ATI são dissecadas de forma esqueletizada, a perfusão esternal, com o uso da cintilografia, não sofre redução significativa, o que parece ser a razão para minimizar os índices de complicações infecciosas do esterno e do mediastino em pacientes diabéticos nos quais se utilizaram as duas ATI [8,9].

Apesar de todos os fatos acima enumerados, a utilização das duas ATI somente é realizada em cerca de 5% dos serviços, conforme análise do banco de dados da Society of Thoracic Surgeons (STS) [11]. Por quê? Difícil encontrar a resposta. Mas, quaisquer que sejam as razões, é chegada a hora de todos os cirurgiões cardiovasculares refletirem, fazerem uma autocrítica e mudarem sua prática, procurando cada vez mais oferecer uma cirurgia altamente eficiente. Isso é urgente, sobretudo pela concorrência da cardiologia intervencionista, a qual dificilmente alcançará o nível de excelência da cirurgia se ela for realizada com o máximo de qualidade, o que inclui a utilização das duas ATI.

REFERÊNCIAS

1. Lytle BW, Loop FD, Cosgrove DM, Ratliff NB, Easley K, Taylor PC. Long-term (5 to 12 years) serial studies of internal mammary artery and saphenous vein coronary bypass grafts. J Thorac Cardiovasc Surg. 1985;89(2):248-58. [MedLine]

2. Loop FD, Lytle BW, Cosgrove DM, Stewart RW, Goormastic M, Williams GW, et al. Influence of the internal-mamary-artery graft on 10-year survival and other cardiac events. N Engl J Med. 1986;314(1):1-6. [MedLine]

3. Cameron A, Davis KB, Green G, Schaff HV. Coronary bypass surgery with internal-thoracic-artery grafts: effects on survival over a 15-year period. N Engl J Med. 1996;334(4):216-9. [MedLine]

4. Calafiore AM, Di Mauro M, D'Alessandro S, Teodori G, Vittola G, Contini M, et al. Revascularization of the lateral wall: long-term angiographic and clinical results of radial artery versus right internal thoracic artery grafting. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;123(2):225-31. [MedLine]

5. Lytle BW, Blackstone EH, Sabik JF, Houghtaling P, Loop FD, Cosgrove DM. The effect of bilateral internal thoracic artery grafting on survival during 20 postoperative years. Ann Thorac Surg. 2004;78(6):2005-12.

6. Stevens LM, Carrier M, Perrault LP, Hébert Y, Cartier R, Bouchard D, et al. Influence of diabetes and bilateral internal thoracic artery grafts on long-term outcome of multivessel coronary artery bypass grafting. Eur J Cardiothorac Surg. 2005;27(2):281-8. [MedLine]

7. De Paulis R, de Notaris S, Scaffa R, Nardella S, Zeitani J, Del Giudice C, et al. The effect of bilateral internal thoracic artery harvesting on superficial and deep sternal infection: the role of skeletonization. J Thorac Cardiovasc Surg. 2005;129(3):536-43. [MedLine]

8. Milani R, Brofman PR, Guimarães M, Barboza L, Tchaick RM, Meister Filho H, et al. Dupla artéria torácica esqueletizada versus convencional na revascularização do miocárdio sem CEC em diabéticos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(3):351-7. [MedLine] Visualizar artigo

9. Sá MPBO, Soares EF, Santos CA, Figueiredo OJ, Lima ROA, Escobar RR, et al. Artéria torácica interna esquerda esqueletizada é associada a menores taxas de mediastinite em diabéticos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2011;26(2):183-9. [MedLine] Visualizar artigo

10. Santos Filho EC, Moraes Neto FR, Silva RAM, Moraes CRR. Diabéticos devem a artéria torácica interna esqueletizada? Avaliação da perfusão esternal por cintilografia. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(2):157-64. [MedLine]

11. Tabata M, Crab JD, Khelpev Z, Edwards FH, O'Brien SM, Cohn LH, et al. Prevalence and variability of internal mammary artery graft use in contemporary multivessel coronary artery bypass graft surgery: analysis of the Society of Thoracic Surgeons National Cardiac Database. Circulation. 2009;120(11):935-40. [MedLine]

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