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ARTIGO ORIGINAL

Rotura ventricular após substituição da valva mitral

Marcelo Campos ChristoI; Liberato S. Siqueira de SouzaII; Marcílio José StortiniII; Sérgio L. da Costa TeixeiraII; Osvaldo Cruz JúniorII

DOI: 10.1590/S0102-76381989000100008

RESUMO

Entre 1979 e 1988, 4 casos de rotura do ventrículo esquerdo (VE), após substituição da valva mitral (SVM), foram registrados entre 332 pacientes. Os autores reconhecem, entre seus casos, 3 roturas na junção atrioventricular, ocorridas logo após a saída de by-pass e 1 rotura em parede posterior do VE, ocorrida na unidade de terapia intensiva (UTI). Os pacientes eram todos do sexo feminino e tinham, em média, 58 anos de idade. Tais acidentes aconteceram 3 vezes após substituição isolada da valva mitral e 1 vez em operação combinada de SVM e revascularização do miocárdio. Admitem que o mecanismo principal da rotura está ligado à criação de zona de acinesia isquêmica, localizada em parede do VE, secundária à superdistensão de anel mitral. Relacionam o desencadeamento dos acidentes com a superdistensão dos anéis valvares, avaliados com medidores inadequados, usados em corações profundamente relaxados pela cardioplegia. Preconizam modificações na cabeça desses medidores, adaptando-os a cabos maleáveis, de modo a permitir um posicionamento mais perfeito da cabeça do medidor do anel mitral. Admitem que o perfil mais ou menos elevado das próteses não parece haver influenciado no aparecimento, ou na prevenção desses acidentes, mas sim na determinação do tipo anatômico da lesão. Estão de acordo com outros autores, quando admitem que a fragilidade do miocárdio, em pacientes idosos, agravada com a remoção do aparelho valvar mitral (ventrículo sem sustentação), criaria condições para o aparecimento desses acidentes. Consideram desejável a preservação do aparelho valvar mitral nas SVM, mas consideram que técnicas seguras, com essa finalidade, precisam ser ainda desenvolvidas.

ABSTRACT

Between 1979 and 1988 four fatal cases of left ventricular disruption after mitral valve replacement were registered among 332 patients submitted to mitral valve replacement, with two different types of porcine prosthesis in isolated or combined operations. All patients were elderly women (mean age 58) with predominant mitral insufficiency. Complications occurred after isolated MVR in 3 patients and in 1 patient after MVR combined with coronary artery by-pass. Damage appeared to have been caused by rhythmical pulling exerted by sorrounding myocardium against a hypocinetic ventricular wall locally ischemic by compression of a viciously positioned prosthesis. The mis-evaluation of the mitral annulus was induced by the usage of innadequate sizers used in profoundly relaxed heart under cardioplegia. The profile of the prosthesis probably influenced the type of lesion. Modifications in the sizer's head and the usage of flexible and malleable sizer-holders, that could permit a more accurate position of sizer's head in the mitral annulus are suggested. Possible etiological co-factors are: elderly patients, particularly women, with myocardial lesions secondary to overzealous resection of papillary posterior muscle or of the mitral cusp, and the loss of the internal buttress of the myocardium after resection of subvalvar apparatus (untethered ventricle). Preserving chordae tendinae of the annulus of mural leaflet could help the prevention of these complications.
Texto completo disponível apenas em PDF.



Discussão

DR. EDUARDO RÉGIS JUCÁ
Fortaleza, CE

Fico honrado com a oportunidade que me conferem de comentar o excelente trabalho do Dr. Campos Christo e associados, sobre tão importante tema. Nos nossos dias, poucos gostam de comentar sobre complicações, morbidade e resultados adversos, esquecendo que analisando-os é que mais aprendemos. No nosso grupo, é rotina usar uma prótese mitral, menor do que a inicialmente estimada, não somente devido ao anel, mas também com receio de que as hastes da prótese batam na parede do ventrículo. Nós tivemos a oportunidade de reoperar 2 pacietes com próteses de pericárdio bovino, inseridas aqui em São Paulo, e a grande dificuldade não foi o anel; foi, justamente, de isolar as hastes do endocardio da parede do ventrículo; o paciente havia recebido prótese do tamanho 31, portanto eu concordo plenamente com o Dr. Campos Christo, quando ele enfatiza a necessidade de colocar válvulas de diâmetro menor, o Dr. Robert, em trabalhos, enfatiza dados de necropsia que a causa mais perigosa é uma prótese mitral grande. No seu trabalho, o Dr. Campos Christo tem uma incidência baixa, se nós levarmos em consideração que 2 dos pacientes tinham idade acima de 70 anos e um deles foi associado a ponte de safena. Na casa de Saúde São Raimundo, nós tivemos 1 paciente com rotura do ventrículo esquerdo tipo I; em 400 casos, mais ou menos, tivemos 3 casos idênticos; às vezes, pode ser um pouco maior que isso, porque alguns pacientes não vão para necropsia: a incidência do Dr. Campos Christo é, realmente, a da literatura. O trabalho do Dr. A. Zacharias, um brasileiro que trabalha na Cleveland Clinic, dá, também, esse alto número; no trabalho do Dr. Svenson, a que o Dr. Campos Christo se referiu, estão citados 2 casos, em 14, e então propôs que, ao final da cirurgia da troca da valva mitral, levante-se a ponta do coração, para se ver se há algum hematoma, o que propiciou um editorial do Dr. Bjórk condenando isto; um movimento de báscula, que o Dr. Campos Christo citou, no caso dele, com ponte de safena associada, eu perguntaria se ele fez primeiro a ponte, ou primeiro a troca, porque a nossa conduta é tirar a valva, fazer a ponte e, depois, inserir a valva no lugar. Concluindo, congratulo-me com o Dr. Campos Christo, pela oportunidade do trabalho, pela excelência do mesmo e pergunto se, depois dessa análise retrospectiva, ele tem algum episódio desse tipo; em segundo lugar, se ele condena tanto a cardioplegia, eu pergunto se mudou propriamente soltando a aorta e estimulando melhor o anel; em terceiro lugar, pergunto se, no seu trabalho, só usou próteses biológicas e se, em alguma oportunidade, usa prótese mecânica. Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado.

DR. RANDAS VILELA BATISTA
Curitiba, PR

Agradeço à Comissão Organizadora, peb convite e pelo envio prévio do manuscrito do trabalho aqui apresentado e que tenho a honra de comentar. Nossa experiência tem sido relativamente igual, isto é, nos últimos 5 anos, nós operamos 386 pacientes e tivemos 3 roturas de ventrículo esquerdo, sendo 2 roturas do tipo I e 1 rotura do tipo II. Discordo de algumas exposições do Dr. Campos Christo, no seguinte sentido: quanto ao anel calcificado, isto é muito importante; ontem mesmo, estávamos dissecando uma valva que estava massivamente calcificada e, ao sair a valva, nós notamos o músculo do ventrículo esquerdo e o músculo do átrio e, no meio, a gordura; então, imediatamente, fez-se uma reaproximação do ventrículo ao átrio e nâo houve problemas, graças à experiência passada, porque, no primeiro caso em que tivemos complicação, nós notamos uma hemorragia na área da circunflexa e não demos valor, e o paciente veio a óbito na UTI; o segundo caso, quando nós vimos a mesma imagem de hematoma na região da circunflexa, voltamos à circulação extracorpórea e reaproximamos o ventrículo do átrio; assim, em pacientes com anel muito calcificado, a tendência do cirurgião é ressecar quanto mais cálcio possível e, dependendo do caso, se todo o cálcio foi ressecado, vai-se terminar no pericárdio. Quanto á idade, acho que é importante, nas não a do paciente, mas a do cirurgião; um cirurgião mais experiente tem menos possibilidade de ter esse problema; quanto ao sexo, a literatura diz que, realmente, a incidência é maior no sexo feminino; eu, no entanto, não acredito que o sexo tenha importância; é apenas mera coincidência; acontece que, nas mulheres, os corações são menores; então, se formos avaliar superfície corporal com massa cardíaca, vai-se notar que as mulheres têm menor massa cardíaca, o que predispõe ao problema. E, finalizando, eu gostaria de perguntar ao Dr. Campos Christo com referência ao paciente que teve rotura tipo II. Nós tivemos um paciente no qual eu achei que havia ressecado muito o músculo papilar e eu dizia ao anestesista: o paciente é hipertenso, por favor não deixe a pressão passar de 100; dito e feito, ao fechar o esterno, uma hemorragia profusa veio do ventrículo, olhei a pressão, estava em 200 e, simplesmente, o ventrículo rachou em dois. Essas coisas acontecem, sempre, no início da experiência do cirurgião. Cumprimento o Dr. Campos Christo e colaboradores pelo excelente trabalho aqui apresentado. Obrigado.

DR. CAMPOS CHRISTO
(Encerrando)

Agradeço aos Drs. Jucá e Randas pelos comentários. Na seqüência, nós cobcamos, primeiramente, a ponte, para, depois, substituirmos a valva. Quanto ao problema do acidente, acho que tivemos somente 1, há 1 ano e não é questão da experiência do cirurgião, ou não; é questão de uma série de fatores: eram pacientes idosos e acho que a questão idade tem uma importância fundamental; é um dado do qual não podemos abrir mão; realmente, quando vamos operar um doente idoso, se for mulher, então, é um dado fundamental; quanto a isto, acho que não podemos fazer concessão nenhuma; agora, quanto ao problema, por exemplo, do sexo, na realidade atinge mais o sexo feminino, não tenho dúvida; revi toda a literatura e os dados aí apresentados comprovam que as roturas expontâneas do ventrículo esquerdo após isquemias agudas depois de infarto, são mais freqüentes na mulher do que no homem; realmente, os corações se rompem mais expontaneamente nas mulheres porque são corações de paredes mais delgadas, mais finas. O problema da ressecção do anel calcificado, que o Dr. Randas enfatizou, quero chamar a atenção para o fato de que os nossos pacientes não tinham calcificação; além do mais, esses acidentes não ocorrem só nas mãos de um cirurgião, mas nas de um grupo e essa freqüência é constante em todas as revisões da literatura; nós vimos que, constantemente, ocorrem de 0,5% a 2,0%. O Dr. Randas referiu-se a uma maneira muito simples de se corrigir a lesão e isto é uma outra coisa que eu gostaria de chamar a atenção; a correção extremamente difícil é uma das tarefas mais dificultosas que tem o cirurgião, tanto que não existem técnicas, ora retira-se a prótese por dentro, ora tenta-se corrigir por fora; eu também concordo em que é, realmente, um acidente gravíssimo e de correção extremamente difícil. Outro fato para o qual desejo chamar a atenção é que as comissões que fiscalizam o funcionamento dos Serviços deveriam exigir, em todos eles, a presença do balão intra-aórtico; deveriam colocar, como condição sine qua non para o funcionamento de um Serviço de Cirurgia Cardiovascular, a existência de um balão intra-aórtico. Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado.

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