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CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

Dissecção aguda de aorta como apresentação de emergência hipertensiva

Renan Oliveira Vaz de MELOI; José Fernando Vilela MartinII; Juan Carlos Yugar TOLEDOIII; Domingo M BraileIV

DOI: 10.1590/S0102-76382008000400025

DADOS CLÍNICOS

Paciente de 53 anos, masculino, branco, comerciante, casado, natural e procedente de Olímpia-SP, portador de hipertensão arterial há 16 anos sem tratamento, foi admitido na emergência hospitalar em outubro de 2006 com dor torácica de início súbito há cerca de 3 horas, de forte intensidade, irradiada para o abdome e membro inferior esquerdo (MIE), acompanhada de sudorese, palpitações e elevação pressórica acentuada. Era etilista de 1 garrafa de cerveja/dia há 20 anos. Negava tabagismo, diabetes, dislipidemia, e outro evento cardiovascular anterior.

Estava em regular estado geral, hidratado, corado, cianótico (2+/4+), eupnéico, afebril, consciente e orientado. A ausculta respiratória encontrava-se normal. A ausculta cardíaca era rítmica e regular sem a presença de sopros. A pressão arterial (PA) era de 170 x 110 mmHg e a freqüência cardíaca de 86 bpm. O MIE encontrava-se cianótico e com discreta perda da sensibilidade. Pulsos não eram palpáveis em artéria femoral e dorsal do pé esquerdo.

Foi monitorizado e tratado com nitroprussiato de sódio e metoprolol endovenoso. À admissão apresentava creatinofosfoquinase (CPK) 12.589 UI/l, transaminase glutâmico oxalaxética (TGO) 440 U/l, transaminase glutâmico pirúvica (TGP) 148 U/l, ácido láctico 4,3 mmol/l, PCR ultra-sensível 8,33 mg/dl. Sua glicemia era de 133 mg/dl e a creatinina, 1,4 mg/dl. O hemograma apresentava neutrófilos com finas granulações tóxicas, leucocitose, neutrofilia relativa e absoluta e leucopenia relativa.

Radiografia de tórax e eletrocardiograma apresentavam-se normais. Angiorressonância magnética diagnosticou dissecção aórtica tipo B de Stanford, com hipoperfusão da porção anterior do rim esquerdo. Aortografia visualizou imagem de dupla luz em aorta torácica descendente (Figura 1), tratada com prótese auto-expansível (stent) Braile Biomédica, de 34 mm de diâmetro por 90 mm de extensão, com sucesso (Figura 2).


Fig. 1 - Aortografia mostrando imagem de dupla luz em aorta torácica descendente (dissecção de aorta tipo B de Stanford)


Fig. 2 - Aortografia mostando dissecção de aorta tratada com prótese auto-expansível (Stent) Braile Biomédica com sucesso



Ecocardiograma realizado após a intervenção inicial demonstrou disfunção diastólica do ventrículo esquerdo e hipertrofia ventricular esquerda de grau discreto (septo interventricular: 11 mm; parede posterior ventrículo esquerdo: 11 mm). Recebeu alta hospitalar com enalapril 20 mg 2x/dia, atenolol 25 mg 2x/dia, hidroclorotiazida 25 mg/dia, ácido acetilsalicílico 100 mg/dia e sinvastatina 40 mg/dia.

Um mês após o implante do stent aórtico, paciente retornou ao ambulatório queixando-se de claudicação em MIE aos grandes esforços, queimação e dormência no pé esquerdo, sendo prescrito cilostasol 100mg 2x/dia e amitriptilina 25mg/dia. Logo após, começou acompanhamento na clínica de hipertensão, recebendo orientação em relação à prática de atividade física, dieta hipocalórica e hipossódica. Evoluiu com adequado controle da pressão arterial.


DISCUSSÃO

A dissecção aguda da aorta (DAA), secundária à hipertensão arterial sistêmica (HAS), constitui-se em emergência hipertensiva, caracterizada por súbita separação da camada média do vaso, levando à infiltração de uma coluna de sangue em um espaço virtual formado entre a íntima e a adventícia, determinando uma falsa luz e a formação de hematoma [1].

Trata-se de uma manifestação que cursa com alta mortalidade, podendo atingir níveis de 21,4% antes da admissão a 75,0% nas primeiras 48 horas [1]. Cerca de 70% dos casos localizam-se na aorta ascendente, 20% na descendente e 10% na transversal [1]. Acomete mais freqüentemente homens e a proporção homens/mulheres varia de 2:1 a 5:1 [2]. O pico de incidência para dissecção proximal situa-se entre 50 e 55 anos; e para dissecção distal entre 60 a 70 anos [2].

A maioria dos pacientes com DAA apresenta dor intensa, de início quase sempre súbito, descrita como sensação de rasgamento ou pontada, e de caráter migratório. A localização inicial da dor sugere o local de início da dissecção. Geralmente é acompanhada de sintomas de atividade simpática, podendo apresentar também dispnéia e edema pulmonar. Nas dissecções proximais, a dor começa no precórdio, irradia-se para pescoço, braços, mandíbula, antes de migrar para as costas, região lombar ou membros inferiores, sendo um importante diagnóstico diferencial de infarto agudo do miocárdio [3,4].

Uma das classificações mais utilizadas para as DAA é a de Stanford, que engloba dois tipos [2]: tipo A (envolve a aorta ascendente com extensão ou não para a aorta descendente) e tipo B (envolve somente a aorta descendente).

O diagnóstico da DAA é baseado na história clínica, com posterior necessidade de confirmação e classificação em proximal ou distal. Necessita ser rápido e eficiente, tendo como preferência métodos não-invasivos. Os exames complementares de maior acurácia são a tomografia computadorizada, a ressonância magnética e o ecocardiograma transesofágico e transtorácico. O cateterismo cardíaco, além de método diagnóstico, é empregado na terapêutica para a colocação de stent em aorta torácica e abdominal [2]. Em 1999, a implantação de stents representou uma nova opção de tratamento para pacientes com dissecção de aorta. O objetivo dessa reconstrução endovascular na DAA é a indução do remodelamento aórtico evitando dessa forma os traumas e riscos associados ao processo cirúrgico [5].

Entre os fatores que predispõem à dissecção de aorta, HAS merece grande destaque, estando presente em 62%-78% dos pacientes com DAA [2]. No presente caso, trata-se de um paciente hipertenso de longa data, que não controlava sua pressão arterial e evoluiu com emergência hipertensiva (EH). Entende-se por EH, uma condição em que há elevação crítica da PA com quadro clínico grave, progressiva lesão de órgãos-alvo e risco de morte iminente, exigindo imediata redução da PA com agentes por via parenteral até a conduta cirúrgica corretiva, situação apresentada por nosso paciente. O tratamento anti-hipertensivo intravenoso deve ser iniciado emergencialmente em todos pacientes, com exceção daqueles com hipotensão, assim que o diagnóstico de DAA de origem hipertensiva for postulado.

O objetivo da terapia medicamentosa é reduzir a força de contração do ventrículo esquerdo, a freqüência cardíaca, a elevação da onda de pulso reflexa e a PA para o menor nível possível, sem que haja comprometimento da perfusão de órgãos vitais [2]. Atualmente, para essa finalidade, a combinação de beta-bloqueador a um vasodilatador (nitroprussiato de sódio) é a terapia medicamentosa de escolha em pacientes com dissecção de aorta.

As taxas de conhecimento, tratamento e controle da HAS apresentam ampla variação e, em geral, são insatisfatórias [6], fato que conduz às lesões em órgãos-alvo. Moreira [6], em estudo populacional realizado em São José do Rio Preto, demonstrou que a taxa de conhecimento da doença foi 72,9%, sendo menor em faixas etárias menores e em indivíduos do sexo masculino. A classe socioeconômica e a escolaridade dos indivíduos não interferiram nos resultados. Também mostrou que apenas 52,9% dos hipertensos tratados apresentavam níveis pressóricos desejáveis, ou seja, abaixo de 140 x 90 mmHg. A taxa de controle não diferiu conforme a faixa etária, sexo e índice de massa corpórea, todavia foi maior em indivíduos de maior escolaridade e maior nível socioeconômico. Esses dados demonstram a importância do problema HAS e suas conseqüências de longo prazo, enfatizando a necessidade do tratamento anti-hipertensivo, com controle adequado da PA, a fim de proteger danos em órgãos-alvo.


REFERÊNCIAS

1. Mészáros I, Mórocz J, Szlávi J, Schmidt J, Tornóci L, Nagy L, et al. Epidemiology and clinicopathology of aortic dissection. Chest. 2000;117(5):1271-8. [MedLine]

2. Khan IA, Nair CK. Clinical, diagnostic, and management perspectives of aortic dissection. Chest. 2002;122(1):311-28. [MedLine]

3. Martin JFV, Andrade LG, Loureiro AAC, Godoy MF, Braile DM. Infarto agudo do miocárdio e dissecção aguda de aorta: um importante diagnóstico diferencial. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(4):386-90.

4. Dias RR, Stolf NAG. Doenças da aorta. In: Lopes AC, editor. Tratado de clínica médica. 1ª ed. São Paulo: Roca;2006. p.727-34.

5. Eggebrecht H, Lönn L, Herold U, Breuckmann F, Leyh R, Jakob HG, et al. Endovascular stent-graft placement for complications of acute type B aortic dissection. Curr Opin Cardiol. 2005;20(6):477-83. [MedLine]

6. Moreira GC. Prevalência do conhecimento, tratamento, controle e custo-efetividade da hipertensão arterial sistêmica em São José do Rio Preto. Estudo populacional [Dissertação de Mestrado]. São José do Rio Preto: Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto;2008. 116p.

Article receive on sexta-feira, 10 de outubro de 2008

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