Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

525

Views

EXPERIÊNCIA DE SERVIÇO

Operação de Bentall e De Bono para correção das doenças da raiz aórtica: análise de resultados a longo prazo

Virgílio Figueiredo SILVAI; Daniel Sundfeld Spiga REALII; João Nelson Rodrigues BrancoIII; Roberto CataniIV; Hyong Chun KIMV; Enio BuffoloVI; José Honório de Almeida Palma da FonsecaVII

DOI: 10.1590/S0102-76382008000200016

INTRODUÇÃO

Há quase 40 anos, Hugh Bentall e Antony De Bono [1] descreveram uma técnica para o tratamento combinado das doenças da valva aórtica e do segmento da aorta ascendente, utilizando um tubo valvulado no qual eram reimplantados os óstios das artérias coronárias. Variantes técnicas têm sido descritas com o mesmo propósito tendo resultados de sobrevida variáveis [2,3].

Durante os anos seguintes, essa técnica sofreu várias modificações [4] e transformou-se no procedimento de escolha para o tratamento de doenças da valva aórtica associada ao acometimento da aorta ascendente. Resultados de estudos com seguimento a longo prazo de pacientes submetidos a esse procedimento evidenciam os bons resultados com a utilização da técnica [5,6].

Com o advento da técnica descrita, modificou-se principalmente a história de pacientes com síndrome de Marfan [7], que morriam prematuramente por ruptura aórtica causada tanto por ectasia ânulo aórtica como por dissecção aórtica. Assim, esses pacientes puderam ser diagnosticados e tratados com um procedimento que lhes trouxe qualidade e expectativa de vida [8].

No presente estudo, revemos nossa série de pacientes submetidos a cirurgia combinada de troca da raiz aórtica e valva aórtica com reimplante dos óstios das artérias coronárias, utilizando o procedimento de Bentall e De Bono.


MÉTODOS

Trinta e nove pacientes consecutivos foram submetidos a substituição da raiz aórtica em nossa instituição - Hospital São Paulo - Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, entre janeiro de 1996 a dezembro de 2005. Todos os dados clínico-cirúrgicos foram retirados de registros hospitalares e os registros clínicos de seguimento a longo prazo foram obtidos a partir do contato direto com pacientes e seus médicos, como também a partir de registros ambulatoriais. Estes pacientes são regularmente seguidos em nosso ambulatório de doenças da aorta, avaliados a cada 6 meses por uma consulta clínica e um exame de imagem (tomografia computadorizada de tórax com contraste e ecocardiograma).

Características pré-operatórias

Trinta e três (85%) pacientes eram do sexo masculino e seis (15%) do feminino. A mediana de idade situou-se em 47 anos, com intervalo de 14 a 70 anos. Onze (25,5%) pacientes apresentavam síndrome de Marfan e um (2,5%) síndrome de Turner. Dentre os fatores de risco, a hipertensão esteve presente em 19 (48,5%) pacientes, tabagismo em oito (20,5%), etilismo em seis (15,5%), dislipidemia em oito (20,5%), diabetes melito (DM) em dois (5%) e infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio em um (2,5%) - Tabela 1.




Quanto à classificação da New York Heart Association (NYHA), ao momento da cirurgia 10 (25,5%) pacientes estavam em classe funcional I, 14 (36%) em classe II, 14 (36%) em classe III e um em classe IV.

Técnica cirúrgica

Os pacientes foram submetidos a reconstrução da raiz aórtica com um tubo valvulado composto, como descrito pela técnica variante da operação de Bentall ("Button Bentall") [4]. O segmento doente da aorta ascendente e a valva aórtica foram, respectivamente, substituídos por um tubo de Dacron e por uma válvula mecânica ou biológica. Para utilização de válvula biológica optou-se por pacientes acima de 65 anos, sem contra-indicações ao uso de anticoagulante oral. A seguir, os óstios coronarianos foram inseridos separadamente à base do enxerto de Dacron. A proteção miocárdica foi obtida pela administração de cardioplegia sangüínea diretamente nos óstios coronarianos.

Método estatístico

A curva de sobrevivência e de evento livres foram calculadas usando o método de Kaplan-Meyer.


RESULTADOS

Os achados clínicos cirúrgicos demonstraram a presença de aneurisma da aorta ascendente em 19 (48,5%) pacientes, ectasia ânulo-aórtica em 12 (31%), ectasia ânulo-aórtica associada a dissecção tipo A em um (2,5%), ectasia ânulo-aórtica associada a dissecção tipo B em um (2,5%) doente, dissecção aguda da aorta tipo A em quatro (10,5%) pacientes e dissecção tipo A associada a aneurisma da aorta descendente em dois (5,0%) - Tabela 2.




Foram realizados 35 (90%) procedimentos eletivos e quatro (10%) em situação de urgência durante o período. Dois pacientes morreram por baixo débito cardíaco, sendo um no intra-operatório e o outro, três dias após o procedimento cirúrgico. A prótese mais utilizada foi a metálica em 37 (95%) pacientes, necessitando de anticoagulação. O tempo médio de utilização de circulação extracorpórea foi de 131,05 minutos (DP = 28,19), com intervalo de 90-206 minutos. O tempo médio de anóxia se situou em 103,05 minutos (DP = 29,94), com intervalo de 42-210 minutos - Tabela 3.




Evolução a curto prazo

O tempo médio de permanência na UTI a foi de 8,79 dias ,com intervalo de 2-23 dias. A fibrilação ou flutter atrial acometeu três (7,5%) pacientes. Houve necessidade de reoperação em dois pacientes, um por sangramento e outro por tamponamento cardíaco. Um (2,5%) paciente apresentou pneumotórax, sendo submetido a drenagem ainda na UTI. Endocardite evidenciada pela presença de vegetação ao ecocardiograma acometeu um paciente, sendo que a cultura demonstrou crescimento de Streptococus â hemolítico e o mesmo foi tratado clinicamente. Um paciente evoluiu com edema agudo de pulmão. Fibrilação ventricular acometeu um paciente, sendo revertida eletricamente. Por último, um paciente teve complicações circulatórias e sofreu isquemia de membro inferior (Tabela 4).




Evolução a longo prazo

Do total de 37 pacientes que sobreviveram à operação de Bentall e De Bono, quatro foram a óbito após um ano de cirurgia. Um paciente apresentou episódios sucessivos de acidentes vasculares cerebrais e foi a óbito um ano e cinco meses após a operação. Outro paciente foi levado ao Pronto Socorro de nossa instituição com perda da acuidade visual e rebaixamento do nível de consciência indo a óbito 48 horas após admissão no serviço por acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI). O terceiro paciente na evolução apresentou dissecção tipo B, sendo instituído tratamento cirúrgico devido à expansão da falsa luz. A operação para correção cirúrgica foi realizada, mas o paciente morreu durante a cirurgia. Por último, um paciente operado por ectasia ânulo-aórtica e com tratamento pregresso de dissecção tipo B por stent endovascular retornou ao serviço onde se diagnosticou uma formação aneurismática na aorta na porção tóraco-abdominal. Esse paciente foi operado, mas por complicações renais foi a óbito 3 dias após a cirurgia (Tabela 5).




Assim, do total de 39 pacientes encontrados em nossos prontuários, o tempo médio de sobrevida calculado foi de 46,5 meses, com a mediana se situando em 34 meses e intervalo de 14-120 meses. A curva de sobrevida em longo prazo é demonstrada na Figura 1, na qual podemos observar que ao final de 10 anos 84,61% dos pacientes estavam vivos. Do total, 95% dos pacientes estão em classe funcional I da NYHA e apenas 5% em classe II. Todos os pacientes realizam o controle do índice internacional de normalidade (INR) para anticoagulação e são orientados quanto a medicações e dietas adequadas para o controle da coagulação sanguínea.


Fig. 1 - Curva de Kaplan-Meyer de sobrevivência. O gráfico demonstra que 84,61% dos pacientes estavam vivos em 10 anos de acompanhamento



DISCUSSÃO

Desde 1968, com a introdução da operação de Bentall e De Bono, as doenças da raiz da aorta são tratadas com bons resultados, tanto a curto quanto a médio e longo prazos [9,10].

Inconvenientes desta técnica têm sido relatados na literatura, sendo que atualmente com o refinamento da técnica diminuiu em muito a sua ocorrência, quais sejam: sangramento intra-operatório ao nível dos óstios coronarianos [6,11] e pseudo-aneurismas tardios no mesmo sítio [12]. Essas complicações se devem provavelmente pela tensão na parede da aorta ao nível dos óstios ou ressecção incompleta da parede doente ao nível dos óstios e não foram observadas nos nossos doentes.

Por muitos anos, a alternativa cirúrgica para essa operação era a técnica descrita por Cabrol et al. [2], que ainda hoje é utilizada, porém para pacientes que apresentam os óstios coronarianos com algum grau de dificuldade para mobilização, por exemplo, em situações em que há presença de grandes aneurismas e pacientes submetidos a reoperações [13].

Atualmente, o foco das discussões está na possibilidade de substituir a operação de Bentall e De Bono por procedimentos que preservem o aparelho valvar aórtico, como descrito por Yacoub et al. [14], em 1983, e por David e Feindel [15], em 1992. Esses novos procedimentos são mais complexos, tendo em vista a necessidade de remodelamento ou remontagem do aparelho valvar aórtico no tubo de Dacron. A altura da reinserção dos postes comissurais, o diâmetro do tubo e o estado das cúspides são dados variáveis que precisam ser necessariamente acertados para a válvula cumprir seu papel, não permitindo refluxo.

É importante atentar aos resultados dessas técnicas. David et al. [16] possuem experiência na cirurgia de reimplante da válvula aórtica e demonstram a longo prazo sobrevida de 92% dos pacientes operados em 10 anos de acompanhamento, com permanência de 90% dos mesmos em classe funcional I da NYHA.

Yacoub et al. [17] utilizam a técnica de remodelamento da raiz aórtica para correção de aneurisma da aorta ascendente em cirurgias eletivas, tendo taxa de mortalidade de 40% dos pacientes em 10 anos de estudo, e 46,7% de mortalidade para os casos de dissecção aguda da aorta tipo A. A principal causa de mortalidade dos pacientes observada na correção desses dois tipos de doenças da aorta no seguimento, tanto a curto como a longo prazos, foi o baixo débito cardíaco [17].

Outra alternativa à operação de Bentall e De Bono é o uso de uma prótese valvar biológica em associação ao tubo de Dacron. Galla et al. [18] demonstram que em casos selecionados utilizando esta técnica a sobrevida em 5 anos é de 60% comparado aos 80% de sobrevida da população americana em geral no período, além de 90% dos pacientes livres de eventos tromboembólicos. Recentemente, o mesmo grupo publicou uma série consecutiva de 206 pacientes com válvula aorta bicúspide na qual eram submetidos a operação de Bentall e De Bono e escalonados em cirurgia com o uso de prótese mecânica e biológica, tendo em 10 anos uma sobrevivência de 89% [19].

Nosso estudo demonstrou que no prazo máximo de 10 anos de acompanhamento de pacientes que foram submetidos a cirurgia de Bentall e De Bono, 87,17% deles estavam vivos, sendo que metade dos doentes ainda mantinha vínculo com a instituição e 95% desses estavam em classe funcional I da NYHA.

Cabe analisarmos, dentro deste contexto, a situação dos pacientes portadores da síndrome de Marfan, onde existe a possibilidade de acometimento das cúspides aórticas pela fragilidade própria da doença frente às novas técnicas de preservação. Trabalhos atuais têm demonstrado que, em longo prazo, é baixa a incidência de insuficiência aórtica quando realizamos essas novas intervenções referidas [20].

O principal benefício das novas técnicas de conservação do aparelho valvar está no fato de não necessitar de anticoagulação, ao contrário das técnicas mais antigas. Sem dúvida, este é um grande benefício se analisarmos os dados dos nossos pacientes onde observamos dois que apresentaram AVC possivelmente associados à anticoagulação. Embora não haja necessidade de anticoagular os pacientes submetidos a cirurgia com preservação do aparelho valvar, há outros riscos que são inerentes a essa técnica, como a insuficiência aórtica que pode se instalar posteriormente, além de maior complexidade do processo que exige maior experiência do cirurgião.

A discussão que se impõe hoje é se estamos no momento de substituir um procedimento consagrado e difusamente conhecido, cuja técnica está muito bem descrita e assimilada há décadas, com resultados que exibem baixas taxas de mortalidade e co-morbidades, por outros que exigem maior experiência do cirurgião imposta pela dificuldade da operação e que apresenta resultados superponíveis e até desfavoráveis quando comparados à técnica de Bentall e De Bono.


CONCLUSÃO

O procedimento descrito por Bentall e De Bono mostrou ser eficaz no tratamento de doenças que acometem a raiz aórtica. Em 10 anos de acompanhamento, 87,17% dos nossos pacientes estavam vivos, sendo que 95% desses estavam em classe funcional I da NYHA. Estudos que comparem a cirurgia descrita por Bentall àquelas em que há a preservação valvar devem ser comparados, avaliando riscos, benefícios, implicações clínicas e sobrevida. Cabe ao clinico e ao cirurgião uma integração no sentido de indicar o momento exato para a troca do segmento aórtico doente, refletindo sobre o tipo de cirurgia a ser realizada, optando pela que melhor beneficie o paciente.


REFERÊNCIAS


1. Bentall H, De Bono A. A technique for complete replacement of the ascending aorta. Thorax. 1968;23(4):338-9. [MedLine]

2. Cabrol C, Pavie A, Gandjbakhch I, Villemot JP, Guiraudon G, Laughlin L, et al. Complete replacement of the ascending aorta with reimplantation of the coronary arteries: new surgical approach. J Thorac Cardiovasc Surg. 1981;81(2):309-15. [MedLine]

3. Coselli JS, Crawford ES. Composite valve-graft replacement of aortic root using separate Dacron tube for coronary artery reattachment. Ann Thorac Surg. 1989;47(4):558-65. [MedLine]

4. Kouchoukos NT, Wareing TH, Murphy SF, Perrillo JB. Sixteen-year experience with aortic root replacement. Results of 172 operations. Ann Surg. 1991;214(3):308-18.

5. Hagl C, Strauch JT, Spielvogel D, Galla JD, Lansman SL, Squitieri R, et al. Is the Bentall procedure for ascending aorta or aortic valve replacement the best approach for long-term event-free survival? Ann Thorac Surg. 2003;76(3):698-703. [MedLine]

6. Svensson LG, Crawford ES, Hess KR, Coselli JS, Safi HJ. Composite valve graft replacement of the proximal aorta: comparison of techniques in 348 patients. Ann Thorac Surg. 1992;54(3):427-37.

7. Marfan AB. Un cas de déformation congeénitale des quatre membres, plus prononcée aux extrémités, caractérisée par l'allongement des os avec un certain degré d'amincissement. Bull Soc Hosp Paris. 1896;13:220-6.

8. Gott VL, Cameron DE, Alejo DE, Greene PS, Shake JG, Caparrelli DJ, et al. Aortic root replacement in 271 Marfan patients: a 24-year experience. Ann Thorac Surg. 2002;73(2):438-43. [MedLine]

9. Symbas PN, Raizner AE, Tyras DH, Hatcher CR Jr, Inglesby TV, Baldwin BJ. Aneurysms of all sinuses of Valsalva in patients with Marfan's syndrome: an unusual late complication following replacement of aortic valve and ascending aorta for aortic regurgitation and fusiform aneurysm of ascending aorta. Ann Surg. 1971;174(6):902-7. [MedLine]

10. McCready RA, Pluth JR. Surgical treatment of ascending aortic aneurysms associated with aortic valve insufficiency. Ann Thorac Surg. 1979;28(4):307-16. [MedLine]

11. Asano KI, Ando T, Hanada S, Maruyama Y. Control of bleeding during the Bentall operation. J Cardiovasc Surg (Torino). 1983;24(1):13-4. [MedLine]

12. Cabrol C, Pavie A, Mesnildrey P, Gandjbakhch I, Laughlin L, Bors V, et al. Long-term results with total replacement of the ascending aorta and reimplantation of the coronary arteries. J Thorac Cardiovasc Surg. 1986;91(1):17-25. [MedLine]

13. Ergin MA, Griepp EB, Lansman SL, Galla JD, Levy M, Griepp RB. Hypothermic circulatory arrest and other methods of cerebral protection during operations on the thoracic aorta. J Card Surg. 1994;9(5):525-37. [MedLine]

14. Yacoub MH, Fagan A, Stessano P, Radley-Smith R. Results of valve conserving operations for aortic regurgitation. Circulation. 1983;68:311.

15. David TE, Feindel CM. An aortic valve-sparing operation for patients with aortic incompetence and aneurysm of the ascending aorta. J Thorac Cardiovasc Surg. 1992;103(4):617-21.

16. David TE, Feindel CM, Webb GD, Colman JM, Armstrong S, Maganti M. Aortic valve preservation in patients with aortic root aneurysm: results of the reimplantation technique. Ann Thorac Surg. 2007;83(2):S732-5.

17. Yacoub MH, Gehle P, Chandrasekaran V, Birks EJ, Child A, Radley-Smith R. Late results of a valve-preserving operation in patients with aneurysms of the ascending aorta and root. J Thorac Cardiovasc Surg. 1998;115(5):1080-90. [MedLine]

18. Galla JD, Lansman SL, Spielvogel D, Minanov OP, Ergin MA, Bodian CA, et al. Bioprosthetic valved conduit aortic root reconstruction: the Mount Sinai experience. Ann Thorac Surg. 2002;74(5):S1769-72.

19. Etz CD, Homann TM, Silovitz D, Spielvogel D, Bodian CA, Luehr M, et al. Long-term survival after the Bentall procedure in 206 patients with bicuspid aortic valve. Ann Thorac Surg. 2007;84(4):1186-93.

20. Bachet J, Larrazet F, Goudot B, Dreyfus G, Folliguet T, Laborde F, et al. When should the aortic arch be replaced in Marfan patients? Ann Thorac Surg. 2007;83(2):S774-9.

Article receive on quarta-feira, 7 de novembro de 2007

CCBY All scientific articles published at www.bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY